Epílogo
Quando Do Kyungsoo abriu os olhos e sua visão foi cegada momentaneamente pela luz forte que atravessou suas córneas, acreditou por um segundo ter chegado ao tal Paraíso de que tanto já ouviu falar. Bom, apenas por um segundo, já que notou, ao virar com dificuldade o rosto, o soro que descia pelo tubo direto para suas veias. De qualquer forma, não é como se fosse ir para aquele tão sonhado lugar de paz que sequer acreditava que existia. Se sua quase-morte fosse vista pela perspectiva de uma pessoa religiosa, de fato estaria condenado a queimar no Inferno por toda a eternidade.
Após retomar total consciência de seu estado, sentiu um peso leve sobre a barriga. Desceu os olhos até ver uma cabeça encostada sobre seu estômago, em uma distância segura dos curativos feitos sobre o local atingido pela bala. A bochecha de Kim Jongin se dobrava contra o tecido da bata hospitalar, enquanto ele dormia com uma expressão pacífica no rosto. Ainda vestia a camisa azul que lhe havia emprestado na mansão, agora suja com seu sangue, sinal de que não lhe deixara só desde aquele momento. Com certeza estava exausto a ponto de simplesmente ter caído no sono daquele jeito.
- Finalmente acordou, senhor Do - uma enfermeira baixinha, na faixa dos quarenta e cinco anos, adentou seu quarto, se aproximando com uma prancha em mãos.
- Há quanto tempo estou desacordado? - indagou, receoso de estar ali há muito tempo.
- Bom, o senhor chegou aqui por volta das quatro da manhã e são três da tarde agora. Te levamos direto para uma cirurgia para remoção da bala, que felizmente não afetou nada importante demais. Você vai ficar bem em pouco tempo - a mulher informou, sem esboçar grandes reações diante da situação que havia ocorrido com o paciente, já que casos daquele tipo faziam parte de seu cotidiano.
Kyungsoo respondeu rapidamente a algumas perguntas breves feitas pela enfermeira, que anotava tudo com agilidade.
- Em breve o médico virá aqui para ver como você está. Com licença - avisou, se retirando da sala.
O paciente respirou fundo, encostando-se no travesseiro macio e voltando a encarar aquele homem adormecido. Relutante, iniciou uma leve carícia nos fios de cabelo dele. Aquilo era estranho, mas também era bom, não podia negar. Não sabia se o que causava estranheza era o fato de estar acariciando um homem, ou simplesmente estar acariciando alguém depois de tanto tempo. Poucos minutos depois, o Kim abriu os olhos lentamente, deixando-se sorrir um pouco para o outro.
- Você acordou há muito tempo? - perguntou, com a voz rouca, se acomodando melhor na cadeira ao lado da cama hospitalar.
- Faz pouco tempo - respondeu.
- Deveria ter me acordado - o Kim reclamou, coçando os olhos.
- E você deveria ter ido descansar e não ter ficado comigo. Já fazem onze horas desde que eu cheguei aqui - o Do reclamou de volta, mesmo no fundo estando feliz pela presença do outro. - Ao menos se alimentou?
- Não seja ingrato - murmurou. - Comprei alguns biscoitos na lanchonete do hospital - explicou-se. Mordeu o lábio inferior, tenso, considerando o que estava prestes a falar. - Seus filhos e sua mulher vieram aqui mais cedo.
- Ex-mulher - corrigiu, rapidamente, encarando o outro com os olhos fundos. - O que eles disseram?
Jongin não conseguia fixar os olhos nele, optando por fitar as paredes do hospital.
- Eles perguntaram o motivo de eu estar aqui. Disse que era seu amigo, mas eles passaram na delegacia e souberam do meu depoimento, que tive que prestar antes de vir para cá. Eu tive que usar o álibi de que estava contigo para garantir que eu não peguei a arma, e não estava envolvido em nenhum plano para matar você. Aliás, você precisa confirmar isso com os policiais depois - explicou, enquanto torcia o lençol da cama entre os dedos. - Eles provavelmente ligaram os fatos com eu estar vestindo uma camisa sua e descobriram que a gente... enfim! Eu apenas acho isso. Eles disseram coisas horríveis sobre nós dois e que não querem mais ter contato com você. Me perdoa por isso, eu...
- Está tudo bem, Jongin - Kyungsoo interrompeu-lhe, não aguentando vê-lo se culpando por aquilo. - Provavelmente, eles vieram tirar satisfações sobre eu ter tirado metade do meu dinheiro das mãos deles. Além disso, eles deduziram corretamente. Fizemos sexo e foi bom.
O dançarino sentiu o rosto esquentar, principalmente por lembrar das coisas que disse ao mais baixo antes de que ele fosse atingido pela bala. Kyungsoo riu um pouco, achando engraçada tal reação para um homem daquele idade. Porém, logo uma certa lembrança tirou o sorriso de seus lábios.
- Como está Park Chanyeol? - indagou, visivelmente preocupado com o melhor amigo.
O mais novo respirou fundo, lembrando de toda a confusão da noite passada.
- Chanyeol está na delegacia, Kyungsoo, assim como Junmyeon, Sehun e Baekhyun - disse com rancor.
- Como?!
- Chanyeol foi preso por ter atirado em você, Junmyeon por ter premeditado tudo isso e Baekhyun e Sehun estão sendo investigados por tentarem falsificar seu testamento - explicou. - O próprio Chanyeol entrou em pânico e contou tudo para nós. Junmyeon usou os sentimentos que ele tem por você contra você. A polícia chegou logo depois disso, pois um vizinho os chamou ao ouvir o tiro, então não houve tempo de ninguém sequer tentar fugir - contou, de forma resumida, a história do que havia ocorrido quando ele apagou.
- Chanyeol tem sentimentos por mim? Falsificar meu testamento? - o Do não conseguia digerir aquelas informações. - Não posso deixar o Chanyeol em maus lençóis se a situação fui eu quem criou.
- Apenas descanse agora - Jongin sugeriu, arrumando um pouco o cobertor do outro. - Depois você decide o que vai fazer.
Kyungsoo iria falar mais alguma coisa, quando uma voz doce pode ser ouvida de longe, junto de passos apressados vindo dos corredores.
- Appa! Appa! - uma menina pequena adentrou o quarto junto à outra, mais velha, que corria atrás dela.
- Eui? Kanim? - Jongin virou-se confuso, segurando a menina nos braços, porém mantendo-a longe da camisa suja de sangue.
- Perdão, senhor Kim! A menina não parava de chorar. Está longe do pai há muito tempo - a secretária se explicou, ofegante, lamentando diversa vezes pelo ocorrido.
- Está tudo bem, querida. Vá descansar e comer algo, eu cuido dela agora - recomendou à menina, que agradeceu e retirou-se da sala.
A criança olhava com uma expressão de tristeza para a situação do pai.
- O appa tá' felido'? - a garotinha de longos fios castanho-escuros adornados por um laço azul perguntou.
Nesse momento Jongin riu, ainda que estivesse um pouco preocupado.
- Não, querida, isso não é meu. É desse moço aqui.
Eui olhou pela primeira vez para o homem de grandes orbes que lhe fitava com uma expressão curiosa.
- Tudo bem? Eu sou a Eui! - exclamou, estendendo a mãozinha para o homem ferido.
Kyungsoo não hesitou em sorrir e aceitar o cumprimento.
- Eu sou o Kyungsoo, o namorado do seu pai - falou, fazendo com que tanto os olhos da menina quanto os do citado se arregalassem.
- Por que você não me contou, appa?! - a menina virou-se acusadora para o seu pai.
- Nem eu sabia - Jongin respondeu, com sinceridade e surpresa.
- Não pode namolar' alguém que não sabe - explicou ela, fazendo um bico adorável nos lábios.
Kyungsoo quis rir com a declaração da criança contrariada a sua frente.
- Agora ele sabe - rebateu o Do, se divertindo com a reação da pequena menina.
Eui virou o rosto para o lado, intrigada. A cabecinha infantil não conseguia assimilar a confusão criada pelos adultos.
Kanim apareceu na porta novamente, chamando a menina para fazer um lanche, que respondeu descendo rápido do colo do pai para ir com a unnie.
- Ela realmente acreditou que você é meu namorado. Agora vai me perturbar com isso o dia inteiro - Jongin reclamou, dando um tapinha leve no braço alheio.
- Mas é verdade que somos namorados. Não era algo assim que você queria? - Kyungsoo falou, fazendo com que o outro lhe olhasse com uma expressão de confusão. - Você me disse que queria recomeçar comigo. Eu também quero que esteja do meu lado, Jongin - assumiu, um pouco envergonhado. - Não vou dizer que eu te amo, é muito cedo para isso, mas eu realmente gosto mais de mim quando estou perto de você. Quero dar essa chance a nós dois. Apenas tenha um pouco de paciência comigo.
Jongin sorriu, deixando a vergonha de lado para se inclinar na direção do rosto alheio, deixando um beijo em sua bochecha quente. Antes que se afastasse, Kyungsoo lhe aproximou novamente, segurando sua nuca e o beijou suavemente.
- Eu preciso trocar essa roupa... - o mais alto murmurou ao encerrar o ósculo.
- Pode ir, Jongin, não se preocupe - tranquilizou ele.
- Ficará bem, não é?
O outro anuiu, beijando sua mão levemente, antes de o deixar ir.
[ . . . ]
Kyungsoo recebeu alta no horário previsto pela enfermeira. Estava saindo do hospital na companhia de Jongin, que não largava do seu braço para servir como apoio para o outro, mesmo com um Do emburrado e afirmando que já tinha total condição de andar sozinho. Mas, na verdade, Kyungsoo queria rir daquela preocupação exagerada por parte do outro.
No caminho até o carro do mais alto, algumas pessoas o olhavam curiosas. Afinal, ele ainda era conhecido, seja pela sua carreira bem sucedida de empresário, seja pelas blasfêmias que as revistas e jornais espalharam quando ele estava passando por momentos conturbados de sua vida. Abaixou o rosto até entrar no veículo, constando que infelizmente ainda não havia superado seu trauma do julgamento alheio.
Jongin deu a volta e se acomodou no banco de motorista. Estava prestes a dar partida no carro quando percebeu o semblante abalado do homem ao seu lado.
- O que foi, Kyungsoo? Está sentindo algo? - preocupou-se.
- Não é isso - esclareceu, fechando os olhos ao dar um longo suspiro. - É que... de certa forma ainda é incômodo para mim receber esses olhares cheios de... raiva, julgamento. Sinto como eu apenas tivesse errado na vida, e todos a minha volta fazem questão de me relembrar disso quando me olham torto.
- Essas pessoas te julgam baseadas na opinião daqueles que denegriram e mentiram sobre você nas revistas - afirmou com seriedade. - Elas não sabem de nada que você teve que suportar por todo esse tempo. Claro que você não é um santo, mas você já pagou por muitos dos seus erros com as próprias consequências deles. Ninguém tem o direito de falar nada sobre você.
O Do relutou em concordar com um gesto de cabeça. Ele queria acreditar que com todo o período que passou recluso bastaria para que pudesse ter uma vida normal, saindo de casa despercebido e despreocupado. No entanto, parece que seus erros nunca seriam apagados das memórias alheias.
- E mais, isso é passado - Jongin acrescentou, ousando acariciar seu joelho, coberto pela calça. - Essas pessoas julgam o antigo Kyungsoo, um homem que pode ter cometido muitos erros na vida, mas nada que justificasse o ódio que tinham dele. A pessoa que estou olhando agora, é seu novo eu, um novo Do Kyungsoo... aquele que eu prometo dar o melhor de mim para fazê-lo feliz todos os dias.
Kyungsoo riu da sua declaração. Não era acostumado ouvir palavras doces e nem promessas de uma pessoa apaixonada por si. Talvez nunca tivesse ouvido até aquele momento.
- Vou tentar melhorar quanto a isso - foi só o que conseguiu responder, mas foi suficiente para provocar um sorriso no outro.
- Vou te levar para minha casa, tudo bem? - olhou para a frente quando começou a dirigir pela rua. - Acredito que não seja saudável ir para sua mansão agora.
- Claro - concordou. - Mas precisamos ir à delegacia antes. Não posso deixar o Chanyeol ficar lá.
- Agora? Não podemos deixar isso para amanhã? Você precisa descansar - Jongin rebateu, contrariado. Estava com tamanha raiva do Park pelo que havia feito.
- Jongin, eu estou perfeitamente bem - insistiu. - Preciso conversar com ele logo para entender o porquê de ele ter atirado.
- Talvez seja porque você estava insistindo nisso desde que sentamos à mesa? - indagou, impaciente pela insistência do outro homem. - E além disso, eu já te contei! Junmyeon notou os sentimentos dele por você e os usou para jogar com ele.
- Eu sei, mas ele era o mais improvável de fazer tal coisa. Preciso ouvir o que ele tem a dizer e tirá-lo de lá. Preciso ouvir tudo por ele.
O Kim bufou irritado, fazendo logo o retorno na primeira oportunidade que teve para pegar o caminho rumo à delegacia.
[ . . . ]
Park Chanyeol sentia-se vazio enquanto tinha os olhos fixos no chão. Havia sido jogado em uma cela minúscula sem o direito de dizer uma única palavra em sua defesa.
Uma dor dilacerante se apossava do seu coração, ao que sua mente persistia em lhe perturbar com a imagem do corpo ensanguentado de Kyungsoo sendo carregado até a ambulância enquanto os policiais o empurravam para dentro da viatura à força.
Não sabia como restavam lágrimas para derramar, mas elas continuavam vindo incessantemente, quentes e volumosas, por todo seu rosto, que parecia ter se enrijecido em uma expressão permanente de angústia.
Se arrependia por ter sido tão fraco e ingênuo a ponto de se permitir envenenar pelas ideias do monstro do Junmyeon. Porém, não foram as mãos dele que puxaram o gatilho, foram as suas. E esse assombroso fato o perseguiria até sua cova.
Quando se deu por conta, um policial abriu sua cela, avisando-lhe de que alguém o aguardava na sala de visitas. Deixou-se ser levado para lá, sem fazer a mínima ideia de quem poderia ser.
- Ele está aqui, senhor - o policial que segurava seus braços lhe largou após adentrar a sala. Abriu os olhos inchados e limpou as lágrimas de seu rosto choroso para olhar para o homem que estava ali. A surpresa o atingiu como um raio ao ver Do Kyungsoo sentado naquela cadeira.
- Olá, Chanyeol - o homem cumprimentou, após dispensar o oficial.
O Park parecia engasgar-se com as próprias palavras.
- Kyungsoo, o que faz aqui? - indagou, sentando-se na cadeira paralela a de Kyungsoo, frente a frente com o outro, mas ainda sem conseguir ligar seu olhar ao dele.
O mais velho respirou fundo. Jamais imaginaria que teria aquele tipo de conversa com seu melhor amigo. Sequer acreditava que estaria vivo naquele dia. Desacreditava em Deus, mas numa hipótese de que algum ser movesse o Universo como diziam por aí, esse ser com toda certeza gostava de brincar com ele e com como as coisas simplesmente aconteciam consigo.
- Eu quero ouvir o que tem a dizer, Chanyeol - falou, calmo, deixando que seus dedos longos tocassem a mão direita, que ainda tremulava, do mais alto. - Eu sei que realmente quis morrer naquele dia. Sei também que havia dito que queria que fosse você a me matar, mas acreditei que me quisesse vivo. Me diga, Park, o porquê de ter feito isso.
Então, para piorar mais seu estado, Park Chanyeol voltou aos prantos. Havia desistido há tempos de simplesmente tentar não chorar, mas foi apenas isso que fez desde que pisou naquele lugar.
- Por que você escolheu ele? - perguntou, sem se importar com quão humilhante era a situação. Se sentia no fundo do poço. - Você disse que queria morrer, me deixou em farrapos e no meio da madrugada você estava... comendo ele - falou o fim da frase com desgosto, sentindo seu estômago revirar. - Eu estive com você esse tempo todo, você deveria ter escolhido a mim, Kyungsoo.
O mais baixo respirou fundo. Ouvir Chanyeol falar aquelas coisas era um pouco demais para si. Ele era seu melhor amigo e não deveria ter confundido isso.
- Chanyeol, seja direto. Por que fez aquilo? - insistiu. Não tinha a intenção de ser insensível, mas tinha que ouvir sua confissão antes de começar a se estressar com o modo que o outro falava de si e Jongin juntos.
- Durante muito tempo eu estive dedicando minha vida a você, Kyungsoo. Eu fui seu melhor amigo, seu melhor funcionário, seu companheiro para todas as horas... isso porque eu te amo. - se declarou, apertando os olhos ao sentir as bochechas queimando. - Amo você desde o auge da minha juventude. Desde que eu cheguei na sua empresa e, sem experiência alguma, você me contratou para ser seu funcionário. Você me apoiou, me pagava sempre extras para ajudar com a faculdade, quando eu me estava no último período, me ajudou com o estágio e depois me empregou oficialmente. Me ajudou a subir cada degrau naquela empresa até virar seu braço direito. Além disso, você me acolheu na sua vida. Você foi meu anjo...e eu só... - sentiu sua garganta travar por uns segundos - só queria que você me amasse. Junmyeon sabia disso e me disse que eu não merecia olhar você seguir sua vida com outra pessoa, então deveria pôr um fim nela. Achei que não me amasse por ser hétero, mas eu vi você com o bailarino e aquilo me destruiu.
O Do suspirou e, contrariando seu comportamento natural, levantou-se, aproximando-se do agora detento e o abraçando, ainda em pé.
- Eu nunca pensei que fosse dizer isso a você, Park Chanyeol, mas eu o amo - falou, com sinceridade. E então afastou a cabeça alheia de si, ainda segurando seu rosto pelas laterais e o olhando no fundo dos olhos. - Porém não o amo da forma que você deseja. Eu te vi crescer, garoto. Você é como um irmão mais novo para mim. E eu só consigo te ver assim, espero que entenda - esclareceu com pesar. Internamente, Kyungsoo achava que seria fácil quebrar o coração de alguém, visto que já lhe fizeram o mesmo sem o menor remorso. Mas ver o semblante de tristeza no rosto alheio só tornava tudo mais difícil.
Park Chanyeol apenas negou com a cabeça, tirando as mãos do outro de seu rosto e virando a cara para que o Do não pudesse fitar mais seus olhos cheios de lágrimas.
- Você está com ele, não é? - indagou, ressentido.
- Eu e Kim Jongin fomos amigos durante um tempo na faculdade, Chanyeol. Tivemos uma história e...
- Você não precisa me dizer mais nada - o Park cortou, rapidamente. - Por que está aqui? Só pra esfregar na minha cara o seu relacionamento com o afeminado?
Do Kyungsoo respirou fundo, tentando manter sua compostura.
- Jongin é tão homem quanto nós dois, Chanyeol. E eu exijo que não destrate meu companheiro, que é digno de respeito! - falou com um pouco de irritação. - Vim aqui para dizer que vou pagar sua fiança e te tirar daqui. Espero que possa voltar em breve para a empresa, já que precisarei ficar de repouso esses dias e...
- Eu não irei voltar para a empresa, Kyungsoo. Estou me demitindo - Chanyeol interrompeu, voltando a encarar-lhe.
- O quê?! - o mais baixo surpreendeu-se com a afirmação.
- Eu não sou eu quando estou perto de você - limpou com as costas da mão o restante das lágrimas. - O que eu sinto não é saudável para nenhum de nós dois, então é melhor eu me afastar.
Ainda que contrariado, o Do concordou e se moveu em direção à porta. Não havia mais o que se discutir, e ele resolveu respeitar a decisão do Park.
- Irei pagar a sua fiança e hoje mesmo você pode sair daqui - informou ao outro, já com a mão na maçaneta.
- Eu agradeço.
Os últimos olhares foram trocados, mostrando então uma pausa na relação de ambos, que levaria um tempo para ser cortada.
Kyungsoo entregou o dinheiro e assinou os papéis rapidamente, logo se dirigindo para fora do terrível lugar. Ao atravessar o portão, deu de cara com o parceiro encostado no muro do lugar, lhe esperando. Jongin havia preferido ficar do lado de fora, tendo dito que não estava pronto para ter contato com o Park.
- Como ele está? - o moreno indagou, fitando o outro.
- Estará melhor depois de um tempo. Paguei a fiança dele e fiz o que pude, ele sairá daqui ainda hoje - informou, encarando-o de volta.
- Entendo - murmurou o outro.
Ficaram calados ali por um tempo. Era quase fim de tarde, o sol estava coberto por algumas nuvens, mas ainda assim raios iluminavam o rosto bonito de Kim Jongin, que tinha os cabelos acariciados pelo vento. Kyungsoo deixou-se apreciar um pouco aquele belo homem. Um flashback fez com que ele lembrasse dos reais bons tempos da faculdade. Jongin com a cabeça apoiada em seu ombro, enquanto olhava através da janela do ônibus, assim como ele mesmo, vendo o sol bater nas flores da cerejeira que estavam deixando-se cair naquela época. Talvez uma das únicas coisas na vida que não fosse vaidade, e o vento que se passava fosse isso: apreciação. Ainda que morresse, teria valido a pena viver tendo apreciado tudo aquilo. Se tivesse se dado conta daquele fato mais cedo e feito as escolhas certas, talvez estivesse com aquele homem ao seu lado muito tempo antes. De qualquer forma, agora tinha essa chance e aproveitaria bem o tempo que restava com ele.
- Está tudo bem, Kyungsoo? - Jongin indagou, ao encarar-lhe tão pensativo.
A única resposta que o Do pôde lhe dar foi colar seus lábios aos do moreno, em um beijo repleto de sentimentos, que foi o suficiente para dizer tudo.
[ . . . ]
Os últimos raios solares atravessavam a janela de vidro do cômodo que costumava ser o quarto de Chanyeol, agora completamente vazio.
Assim que foi solto, ele foi direto para seu apartamento, que não era tão longe, já decidido a mudar sua vida completamente.
O homem alto observava um porta-retrato com moldura de bronze, que guardava uma foto de bastante significado para si: o dia em que seus colegas de trabalho e Kyungsoo, seu ex-chefe, haviam preparado uma festa surpresa para ele. Lembrava-se bem de quando chegou triste na empresa por não ter recebido uma única ligação ou mensagem dos seus familiares, e logo foi surpreendido por todos jogando confetes em si e cantando parabéns. Sorriu mínimo ao ver o registro do seu rosto com um sorriso radiante ao lado daquele homem que nunca deixaria seus pensamentos.
Suspirou, guardando aquela bela recordação em uma caixa de papelão já cheia com seus outros pertences e fechando-a.
- Ei, Chanyeol, fiz um suco para a gente antes de guardar seu liquidificador - Kim Minseok, um dos seus colegas de trabalho, adentou o cômodo com dois copos de suco de melancia em mãos.
- Obrigado, Min - sorriu, limpando as mãos na bermuda antes de pegar a bebida.
O outro retribui o sorriso, bebericando do líquido enquanto olhava o espaço em volta.
- Engraçado como seu quarto parece maior agora - observou. - Foi tanta coisa para guardar que eu achei que não teríamos caixas o suficiente - brincou, sempre bem humorado.
O homem de olhos naturalmente delineados estranhou quando recebeu a ligação do amigo naquele dia, pedindo ajuda para realizar uma mudança de última hora.
- Mas então, para onde pretende ir? - Minseok perguntou, encostando-se na parede branca.
- Não tenho grandes planos ainda - confessou, terminando de beber o suco. - Talvez eu vá para a cidade dos meus pais. Queria ser mais presente na vida deles, visto que, como vim trabalhar aqui ainda jovem, poucas foram as vezes que os vi. Mas isso não será agora, preciso de um tempo para pensar em como minha vida será daqui para a frente.
- Entendo - olhava o rosto do amigo com pesar. Saber de tudo que o Park passou deixava o Kim extremamente triste e com o desejo crescente de poder curar todas suas mágoas. - Sabe, tem um tempinho desde que eu me mudei para um apartamento maior. Tem três quartos disponíveis e espaço de sobra agora - comentou. - Por que não passa um tempo morando comigo até decidir o que fazer? É muito melhor do que estar sozinho... e você já está sozinho há muito tempo.
Chanyeol arqueou a sobrancelha sutilmente ao ouvir suas últimas palavras.
- Está dizendo que sou encalhado, Minseok? - indagou, com falsa irritação.
- Não, meu Deus, não é isso! - suspirou, fechando os olhos e levantando a cabeça em frustração, deixando à mostra seu belo pomo-de-adão. - Eu sou muito interessado você, Park. Ficar longe de você esses dias só me mostrou mais disso - declarou, envergonhado. - Não me veja como um aproveitador, não quero que você ache que vou te obrigar a ficar comigo caso aceite a estadia na minha casa. Realmente me sinto solitário vivendo sozinho num espaço tão grande e acredito que você seria uma boa companhia... ainda que como apenas um amigo - ressaltou. - Enfim, estou te convidando para ir morar comigo e bem... para um encontro na sexta.
Park Chanyeol sentiu as bochechas esquentarem com a declaração do outro, surpreso. Passou um tempo pensando na proposta. Não havia nada a se perder ali e, no fim das contas, Minseok era um cara mais velho, maduro, bonito e que sempre lhe tratou bem. Ele merecia ser feliz também, e ali estava um ótimo primeiro passo.
- Aceito dividir o apartamento com você, Minseok - respondeu ao convite, fazendo com que o mais baixo sorrisse, alegre pela resposta da primeira proposta, mas ainda frustrado por a outra ter sido ignorada. - E aceito sair com você também - sorriu.
O homem mais velho sorriu, deixando as gengivas vermelhinhas e os dentes certinhos à mostra. É... talvez Chanyeol tenha perdido tempo demais em um amor unilateral para se dar conta do que estava em sua volta. E Kim Minseok estava ali, disposto a lhe retribuir todos os sentimentos que Kyungsoo jamais poderia.
[ . . . ]
Chovia torrencialmente quando Kim Jongin estacionou seu carro em frente ao presídio. Olhou para Kyungsoo, este que mantinha uma expressão vazia no rosto enquanto olhava para as próprias mãos sobre o colo. Imediatamente, colocou sua mão quente sobre as dele, apertando como uma forma de passar algum conforto.
- Você não precisa fazer isso - disse, quase em um sussurro. - Podemos ir embora, se quiser.
O Do apertou sua mão de volta. Sorriu minimamente ao se deparar com a clara preocupação estampada na face do moreno.
Antes de chegarem naquele local, ele havia falado com os Oh's um tempo antes. Retirou a queixa de falsificação. Não teriam como voltar a tentar lhe prejudicar e pelo visto eles mesmos tinham se castigado, já que ao que parecia, o relacionamento de ambos estava em crise. Então, a única peça que faltava para dar um xeque-mate no que tinha feito três meses atrás e seguir sua vida ao lado da nova família que construiria com o Jongin era Junmyeon. Tinha que resolver aquilo e rápido.
- Prometo não demorar mais do que o necessário - assegurou, soltando sua mão após vê-lo assentir e abriu a porta do carro.
Se retirou do veículo e caminhou rápido até aquela construção, cobrindo o máximo da sua cabeça com os braços cobertos por um grosso casaco para se proteger dos pingos d'água que caíam sem trégua.
Passou pela portaria após um breve diálogo com o porteiro para esclarecer o motivo da sua presença no local.
Tratava de enxugar as mãos pálidas no tecido do casaco de tonalidade escura enquanto era acompanhado pelo mesmo homem pelo interior do presídio, atravessando um extenso corredor repleto de portas rumo a uma sala específica.
A atmosfera daquele ambiente lhe transmitia uma estranha sensação de desconforto. Tudo que tinha em mente a respeito dos presídios era baseado em filmes, sendo a maioria produções americanas, então guardou para si a surpresa de não encontrar um cenário caótico ou aterrorizante tal como nessas produções cinematográficas. O máximo de onde tinha chegado perto era a antiga cadeia dentro da delegacia em que esteve para ver Chanyeol, porém nunca num presídio, de fato. Poderia ser apenas ignorância sua... ou não tinha chegado nessa parte do local ainda.
O homem fardado parou diante de uma porta metálica, retirando um molho já desgastado de chaves do bolso e abrindo a porta.
- O senhor pode esperar aqui até que tragam o prisioneiro - indicou uma cadeira de madeira presente no meio da sala.
Kyungsoo concordou com um movimento de cabeça e se dirigiu a cadeira enquanto o outro fechava a porta.
A sala de paredes pintadas por uma coloração verde-limão fosco era uma cubículo praticamente oco, contando apenas com uma mesa simples, duas cadeiras opostas e um ventilador de teto que não emitia um único ruído quando ligado.
O Do cruzou os braços sobre a mesa, enquanto fitava a parede. Não escutava nada do lado externo, não havia como ter noção do tempo e nada para fazer senão esperar. Mesmo poucos segundos naquele espaço fechado, Kyungsoo se sentia na pele de um detento. A sensação amarga da solidão se apossou do seu ser quase imediatamente. E era horrível.
Crispou os lábios ao pensar nas inúmeras almas infortunas que lá estavam condenadas às grades, muitas até de forma injusta, e tudo a que eram submetidas em sua estadia temporária naquele confinamento sofrido. A justiça criada pelo homem era algo inquestionavelmente severo.
Já estava ansioso quando a porta abriu, voltando sua atenção para a figura que se aproximava.
Kim Junmyeon
Olhava-o surpreso até o homem levantar a cabeça e encará-lo de volta. Kyungsoo não conseguia compreender o misto de sentimentos presentes em suas íris negrumes.
Junmyeon sentou-se na outra extremidade da mesa, poucos centímetros longe do Do, enquanto o oficial prendia seu pulso direito em uma pequena estrutura metálica presente na mesa, garantindo que seus movimentos fossem limitados.
- Estarei aguardando do lado de fora. Vocês têm vinte minutos - informou antes de deixar a sala.
Kyungsoo analisava-o com uma costumeira expressão séria. Nunca diria que aquele homem trajado com a farda de detento a sua frente era o mesmo que havia entrado em sua casa alguns meses atrás. Olheiras profundas e escuras adornavam a região inferior aos seus olhos, os lábios antes atrativos e vermelhos agora estavam rachados e descorados, e os fios castanhos bagunçados. A pele naturalmente clara apresentava cicatrizes de arranhões e hematomas de cores vivas pelas mãos, pescoço e alguns mais discretos pela face. O Kim estava destruído.
- Do Kyungsoo - falou seu nome de maneira arrastada, inclinando seu pescoço de um lado para outro. - A pessoa que eu menos esperava ver agora continua voltando como o pior dos meus pesadelos - o típico sorriso maldoso tomava contorno em seus lábios. - Me diga, como foi voltar dos mortos?
- Eu não cheguei nem perto de morrer, Junmyeon - confrontou com tamanha calma. - Você não terá essa alegria.
- Infelizmente - rebateu com uma falsa tristeza. - Sabe, acho irônico eu estar aqui agora, cercado dessas pessoas de baixo nível e sendo tratado como qualquer um, quando apenas fiz o que você queria.
- Quem tentou fazer isso foi o Chanyeol - corrigiu com frieza. - Você foi preso por persuadi-lo a me matar a sangue frio. Como pôde ser tão baixo?
O detento riu sarcástico, batendo os dedos grosseiros na superfície de madeira.
- Ah, eu aprendi com o melhor - suas palavras trouxeram à mente do Do as lembranças do que havia feito ao Kim quando ele resolveu começar o próprio negócio. Naquele tempo, ele era como o próprio Junmyeon: um homem cheio de ganância e egoísmo. Se martirizava por ter agido com tanta crueldade contra alguém que era como um irmão para si. Sabia que, por mais que o outro fosse uma pessoa ruim desde adolescente, ele também foi responsável por torná-lo o monstro que era hoje quando decidiu sabotar sua empresa. E infelizmente não havia como voltar atrás.
- Por favor, Junmeyon, minha intenção aqui não é começar uma briga - esclareceu, tentando mudar de assunto. - Quero saber como você está?
- Não acredito que está se importando comigo - fingiu comoção. - Se eu soubesse que bastava atravessar uma bala em você para te fazer enxergar além do próprio nariz, eu já teria feito isso há muito tempo - o Do começava a se irritar com o outro, que parecia se divertir. - Mas olhe aqui - com dificuldade, ergueu a manga da farda, revelando seu braço seriamente ferido - e aqui - apontou para seu pescoço, virando um pouco para o lado a fim de exibir a pele perfurada pelo que parecia ter sido uma mordida brutal, deixando nítida a impressão de duas fileiras de dentes na pele agora manchada em roxo. - Acha que isso é estar bem, Kyungsoo?
O Do não conseguiu evitar abrir a boca em espanto ao correr os olhos por cada ferida e machucado presentes no corpo alheio.
- Você não imagina o que eu venho passando desde que cheguei aqui - tentou não se abalar.
- Realmente peço perdão por tudo que fiz a você, mas quanto a isso quem decidiu foi você, Junmyeon. Não pode me culpar por seus erros - murmurou, irritadiço.
- É isso que acha? - havia um estranho brilho em seus olhos, ao perguntar sobre isso.
- Eu tenho certeza - Kyungsoo respondeu com convicção.
Vagarosamente, Junmyeon desceu seu braço livre para trás do corpo, com o olhar fixo no seu. Quando retornou o braço ao campo de visão do outro homem, exibiu a arma de pequeno porte presa entre seus dedos.
Kyungsoo entrou em estado de alerta.
- Mesmo tendo sido jogado nesse buraco, eu ainda consigo o que quero. Basta uma promessa aqui e umas palavras convincentes ali, que até os policiais estão na sua mão - comentou. - O homem faz coisas incríveis, não é? - olhava para a arma com fascinação. - Basta eu puxar isso aqui - encostou o indicador no gatilho, apontando a arma para o visitante - para acabar com toda uma história de vida.
O mais baixo engoliu em seco. Durante todos os anos em que conhecia e competia com aquele homem, jamais havia visto tamanho ódio ser mostrado.
- Junmyeon, largue essa arma - pediu com receio, levantando as mãos na altura dos ombros. - Por favor, não faça isso.
- Por que não, Do? Você deseja isso mais do que qualquer um - sua expressão era neutra. - Para quem queria tanto morrer, você está com muito medo. Por que mudou de ideia? Vai dizer que está feliz vivendo com a sua vadia agora? Eu sempre achei você meio gay, Kyungsoo. - ele riu, achando graça nas próprias palavras.
Kyungsoo considerou gritar por ajuda, mas sabia que aquela ação poderia lhe custar a vida. Teria que fazer uma escolha bem pensada e cautelosa.
- Eu te tiro daqui da prisão - disse rápido. - Prometo sumir e você nunca mais vai ouvir falar de mim. Terá sua vida de volta!
- Eu nunca terei minha vida de volta! - gritou, enraivecido. - Como vou viver se essas marcas no corpo vão continuar me relembrando do que passei? Se eu não consigo pensar em outra coisa senão o pesadelo que vivi aqui? - uma lágrima solitária escorreu por sua face, ao que ele mantinha os olhos vidrados no outro. - Eu tenho dinheiro, filho da puta, se eu quisesse sair dessa merda, eu já teria saído. Mas do que adianta sair desse buraco para ir para outro? Todos sabem o que fiz, seu imbecil, minha carreira foi arruinada! Eles estão me julgando pra caralho nos jornais e em todo lugar, eu sei que estão... eles estão me tratando como trataram você. Eu não vou viver pra ser um perdedor!
- Eu acredito que você irá superar isso! Veja, se eu consegui, você também pode! Apenas pare, por favor... - implorava em desespero.
O detento formou um sorriso falho em sua face perturbada.
- Você acredita mesmo que eu irei matar você, não é? - soltou uma risadinha. - Eu poderia, Kyungsoo, mas do que valeria a pena? Quem garante que você estará realmente morto? Quem garante que não sobreviverá e dará risada da minha situação? Eu não vou te dar esse gosto... - disse enquanto, lentamente, levava a arma e a encostava na lateral da cabeça. - Te vejo no Inferno, Do Kyungsoo - sussurrou, antes de puxar o gatilho.
Kyungsoo gritou apavorado quando o corpo morto de Junmyeon caiu da cadeira, fazendo um barulho seco quando sua cabeça se chocou no chão frio e o sangue começou a se espalhar pelo piso claro. Seus olhos vidraram, enquanto lágrimas começavam a escorrer sem mesmo que ele sentisse. Logo vários policiais adentraram o lugar, assustando o Do.
- E-ele... - não conseguia falar, apenas apontava para o corpo.
- Senhor, não se preocupe. Terá que nos dar seu depoimento e iremos assegurar tudo assistindo às imagens da câmera de segurança - um oficial de altura aproximada à sua informou, levando-lhe gentilmente para fora do lugar.
O policial acatou seu breve depoimento, já que percebeu que o homem não tinha forças para falar. As imagens da câmera de segurança foram vistas, mostrando que o suicídio ocorreu da forma dita e como todas as outras evidências apontavam.
O Do foi liberado, saindo com os olhos vagos do lugar. Não conseguiu andar até o carro, congelando em meio à chuva torrencial. Jongin, percebendo a atitude estranha do namorado, saiu do carro, o puxando rapidamente para dentro.
- O que aconteceu lá, Soo? - indagou, perdido, quando voltaram ao veiculo.
Pela primeira vez, viu Kyungsoo chorar daquele jeito. Chorava até mais que na noite em que confessou seus sentimentos para ele.
- Kim Junmyeon... se matou, Jongin... - falou, com a voz grossa arranhando a garganta - na minha frente.
O dançarino segurou seu corpo e o aproximou de si, abraçando-o com força, deixando-se molhar por inteiro graças às roupas encharcadas e lágrimas naquele fim de tarde. Acariciou seus cabelos e beijou-lhe o rosto com ternura na intenção de consolar-lhe. Ficaram assim por longos minutos, até que o choro do menor cessasse.
- Eu não queria que ele morresse, eu juro - o Do murmurou, ainda choroso.
- A culpa não foi sua, meu amor - Jongin falou, com sinceridade, pegando uma toalha pequena guardada no banco de trás e usando-a para enxugar os cabelos molhados do outro, que parecia tão vulnerável. - Kim Junmyeon era um homem amargo até consigo mesmo. Não dê ouvidos a nada que ele te disse. Sei que é um trauma que ficará marcado em você, mas vamos dar um jeito nisso, eu te prometo.
O Do apenas assentiu, se recompondo. Tinha sorte de ter Kim Jongin ao seu lado naquele momento, pois não saberia nem como voltar para casa - a casa do Kim, já que estavam morando juntos nos últimos meses - daquele jeito.
Enquanto o carro se afastava, Kyungsoo observava pelo vidro escurecido aquele lugar terrível ficar cada vez menor com a distância. Suspirou, ainda abalado com o ocorrido. Havia tentado se redimir com todos e dar-lhes novas chances de recomeço... de certa forma, tentar salvá-los mesmo que das consequências das próprias escolhas. Era triste saber que Kim Junmyeon não pensava assim. E era mais triste ainda conviver com a culpa de ter sido um dos responsáveis por torná-lo o que ele um dia já foi.
[ . . . ]
- Acabamos por hoje - Heize, sua terapeuta, deu por fim à sessão do dia. - Bom final de semana, senhor Do.
- Obrigado, Heize, para você também - sorriu. - Saia para se divertir, é jovem demais para ficar apenas ouvindo gente problemática falar de seus problemas - recomendou, bem humorado.
- Irei sair para beber daqui a pouco, não se preocupe - a mulher riu, alegre pela evolução do paciente, que havia chegado traumatizado em seu consultório um ano atrás.
É óbvio que Do Kyungsoo estava longe de uma plena saúde mental. Depois do que viveu, precisaria de muito mais tempo. Alguns sonhos ainda lhe atormentavam a cabeça vez ou outra, fazendo-o acordar assustado no meio da madrugada, precisando que Jongin lhe acalmasse com palavras de conforto e dizendo que tudo já havia passado.
- E eu, como o bom homem comprometido que sou, irei apoiar meu homem na apresentação de balé dele - sorriu cheio orgulho. - Foi um prazer, querida.
Assim que saiu da clínica encontrou Kanim pronta, com uma Eui vestida pomposamente com um vestido rosa esperando pelo segundo pai.
- A gente vai perder a apresentação, appa! - reclamou ela, levando as mãos para a cintura.
- Não vamos, não, meu amor - sorriu para a menina, que se mantinha ansiosa. - Ainda faltam vinte minutos.
Os três adentraram o carro e Kyungsoo dirigiu rapidamente até o teatro onde ocorreria a apresentação. Chegaram em cima da hora, mas chegaram a tempo. Kanim observava tudo na mais pura contemplação, enquanto Eui apontava para os trajes dos bailarinos. Kyungsoo confessava que enquanto Jongin não aparecia era um saco observar todas aquelas danças. Porém, quando Kai, vestido num collant especial e maquiado com os olhos marcados, apareceu, Kyungsoo permitiu-se suspirar em admiração. O traje daquele personagem combinava com a pele bronzeada de Jongin de um jeito magnífico.
O último ato findou a apresentação de uma hora e meia. O Do pegou Eui no colo e pôs a mão no ombro coberto de Kanim, a guiando junto consigo e a filha ao camarim do Kim. Encontraram-o já banhado, com uma roupa comum e mais confortável segurando um dos vários buquês de flores.
- Já podemos ir? Ou o senhor tem que receber mais flores de outros homens por aí? - brincou, o Do.
- Eu não gosto de receber flores. Não tem sentido, elas murcham - Jongin falou. - Vamos logo embora, preciso da minha cama. Apresentações são sempre exaustivas - sorriu ao se aproximar deles e pegar a filha dos braços do outro homem para abraça-la. - Vocês gostaram?
- Foi perfeito, appa! - a menina gritou em euforia, enquanto a moça concordava com um sorriso.
Logo se retiraram do teatro e foram deixar Kanim em sua casa. Assim que estacionaram na garagem da mansão clássica do Kim, Kyungsoo ordenou à filha adotiva que fosse direto ao banho e depois para a cama, numa estratégia óbvia de ficar sozinho com o Kim.
- Olhe o que chegou para você - Jongin pegou as flores deitadas no chão, ao lado da entrada da casa. - Pelo visto não fui só eu que recebi flores hoje.
Kyungsoo pegou o buquê de rosas com estranhamento. Percebeu o cartão vermelho grudado ao plástico e abriu-o com delicadeza. Sentiu o namorado lhe abraçar a cintura, apoiando o peitoral em suas costas e o queixo em seu ombro para, curioso, ver do que se tratava. Os lábios de Kyungsoo se partiram, em choque, ao ler o cartão que dizia para encontrar os gêmeos num café próximo dali dentro de alguns dias, assinado pelos mesmos.
- E aí? - Jongin perguntou. - Você vai?
Os olhinhos se apertavam, ansiosos pela resposta.
- Acha que eu deveria? - questionou, virando o rosto um pouco, para encarar o outro.
- Acredito que sim - murmurou, sincero. - São seus filhos, de toda forma, mas isso cabe apenas a você. Lembre que você viveu muitas coisas ruins graças a eles também.
O Do suspirou pesado. Era claro que ainda amava seus filhos, mas havia se machucado muito por conta deles e havia também cansado de ser rejeitado. Ir ou não era um dilema que preferia não resolver naquele momento tão bom. Mesmo assim, havia um pequeno fio de esperança de que pudesse se resolver com eles e viver em paz.
- Posso pensar nisso depois? - indagou retoricamente o Do, virando-se para ficar cara a cara com o namorado e segurando sua cintura com possessão. - No momento a única coisa que eu consigo pensar é em como o corpo do meu noivo fica lindo naquele collant.
- Noivo? - Jongin deixou a cabeça ceder para o lado.
Do Kyungsoo afundou a mão no bolso direito da calça e retirou dali a caixinha com duas alianças de noivado.
- Não vou me ajoelhar aqui, estou velho - falou, fazendo o outro rir. - Estamos juntos há muito tempo, só vamos oficializar isso. O que me diz?
Um sorriso surgiu no rosto do Kim quase que involuntariamente. Era óbvio que estava feliz com o pedido, mas se preocupava com o quão seguro o outro estava.
- Tem certeza que quer isso? Você saiu de um casamento conturbado há um tempo. Além disso, sabe que a Coreia ainda possui uma legislação bem homofóbica, não é? Teríamos que viajar para o Japão e...
- Está arranjando motivos para não casar comigo, Jongin? - brincou, arqueando a sobrancelha. - Sei muito bem o que estou fazendo. Só quero findar meu relacionamento com o homem que eu amo.
- O homem que eu amo... - Jongin focava nas últimas palavras ditas. Havia esperado um ano por aquilo e finalmente aí estava. - É claro que eu aceito! - falou, por fim, com o sorriso bonito no rosto.
Kyungsoo beijou o noivo de forma apaixonada e intensa, apertando com força a cintura fina do outro que tanto amava, até afastar seus lábios.
- Vá tomar um banho - Jongin mandou, risonho, se desvencilhando dos braços fortes que adorava apertar e se distanciando da sala em direção às escadas.
Claro que sua vida não era perfeita, talvez nunca fosse ser, mas Kyungsoo estava mais do que grato, depois de muito tempo. Estar ao lado de Jongin naquele novo começo era a promessa de viveria o resto dos seus dias da maneira mais intensa possível, podendo finalmente conhecer o que era viver um amor de verdade e ter a chance de todos os dias ser alguém melhor, tanto para ele mesmo, como para seu noivo Kim Jongin. Finalmente tinha achado o seu lugar, que, ao contrário do que ele mesmo pensava, não era nos braços frios da Morte, mas sim ao lado de alguém que ele aprendeu a amar. E somente aquilo importava.
(N/A) Finalmente acabamos por aqui também! Gostaria de agradecer à todos que leram até aqui e também à Úrsulla (VioletsAre19) por ter me convidado para escrever essa fic. Ela sabe o quão impolgadas ficamos, e esperamos realmente que tenham gostado! Nos vemos na próxima fic. Fighting!
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