Capítulo 4

Ao chegar na empresa, sou encaminhada para o setor de RH por Hanna, a mesma recepcionista que me recebeu nas entrevistas com a doutora Marla Ferraz, sócia do também advogado doutor Collins, e confesso que não achei minha chefe solícita. Ainda não conheci seu sócio, mas espero que ao menos ele seja simpático.

Sigo Hanna até o setor de recursos humanos, observando que a maioria dos funcionários são tão simpáticos quanto a dona. As recepcionistas olham para mim como se eu fosse uma nova ameaça ao emprego delas, e a loira à frente não diz uma palavra sequer, até chegarmos em frente a uma determinada porta.

— Aguarde aqui! — corta o silêncio e seu tom zombeteiro faz-me querer voltar segundos antes, quando estávamos em silêncio. Ela deve estar amando me tratar como a novata. — Tony, meu bem, trouxe carne nova. — Não disse? — Foi a Marla quem a mandou. — Hanna movimenta os longos cabelos ondulados para ambos os lados.

— Mande-a entrar, oras! Ela vai ficar esperando a manhã inteira? — Ok! Já gostei dele! — E cadê a Beth? Ainda não chegou?

— Não a vi, mas não tenho nada a ver com isso também! — Hanna responde antes de virar-se na minha direção e dizer em voz alta: — Vem garota! – Ela faz gestos nada sutis com as mãos. — Esse aqui é o mundo do Tony, vai se acostumando. — Sem alternativas, entro na sala e cumprimento várias pessoas curiosas.

— Antony, esta é... — Ela parece pensar um pouco. — Qual seu nome mesmo, docinho?

Ela tem sorte por eu não ter a língua afiada de Luce.

Há um homem de frente para Hanna, e percebo se tratar de Tony. Ele é bem mais alto do que eu e, mesmo trajando uma blusa social, consigo enxergar seus músculos avantajados. Seu sorriso é convidativo e molda seu rosto, deixando-o mais interessante. Seus cabelos escuros caem revoltos próximos aos olhos e, mesmo a uma distância considerável, consigo enxergar o castanho acinzentado que traz neles.

— Maria Eduarda Teixeira. — Estico minha mão em cumprimento ao me aproximar.

— Prazer! Sou o Tony e responsável pelo RH. — Nos cumprimentamos.

— Prazer.

— Aqui está a ficha dela, Tony. Ela trabalhará como secretária dos senhores Ferraz e Collins. — Hanna começa, e confirmo com a cabeça. Sinto o desdém em seu tom de voz e passo a entender que talvez ela almejasse a vaga.

Nesse momento, um vulto de cabelos castanhos claros entra rapidamente na sala e, a primeiro momento, confesso ter pensado que se tratava de uma miragem, porém, percebo a confusão na minha mente, ao dar de cara com uma mulher. Sua testa está enrugada e o franzido de suas sobrancelhas me chama a atenção.

— Desculpe a demora, Tony, tive que deixar o Sam na escola e me atrasei — ela fala com tanta ansiedade, que até eu estou comovida pelo seu atraso. — E você, quem é? — Sua cabeça tomba para o lado.

Antony explica que sou a nova funcionária da empresa, e vejo-a sorrir automaticamente.

— Prazer, Maria, sou a Elizabeth, dona da porra toda aqui! Agora vem comigo — diz e me faz sorrir. — Vem, deixa o meu queridíssimo chefe, senão, é bem capaz de a baba dele cair sobre você.

— Mas ele foi bem gen... — Ela me corta:

— Tudo fachada, amiga, esse aí não vale nada!

— Olha quem fala! Vai assustar a garota, Beth! — Antony grita, enquanto sigo-a até o fundo da sala.

— Vem! Sou da turma do fundão — ela cochicha em meu ouvido. — E, Hanna... — A menina olha na nossa direção. — Você tá liberada. Agora vaza! — Não seguro a risada. Essa daí tá doida para mudar de setor, amiga! Cuidado, hein...

— Sério? Nem tinha percebido! — caçoo.

— Senta aí. — Sentamos uma de frente para a outra.

— Beleza, Maria! Vai trabalhar como secretária, né? — Ela analisa a ficha que Tony havia lhe entregado. — Bom, eu tenho duas notícias para te dar: a boa e a má, qual você quer primeiro? — Franzo o cenho.

— Manda a boa, primeiro! — Dou de ombros.

— Gostei de você, garota! — Faz uma pausa. — Bom, a notícia boa é o salário. Você ganhará bem, mas em compensação... — corto-a:

— O quê?

— É que você trabalhará diretamente para o CEO da empresa. E ele é bem egocêntrico!

— Egocêntrico como...?

— Digamos que ele é bem exigente no trabalho. A Marla também não fica atrás. E outra, ela e o senhor Collins têm algo, então, vá se acostumando com o quanto a mulher pode ser possessiva e enjoada. Todas as mulheres são um alvo em potencial desde que gostem da mesma fruta que ela. — Ela revira os olhos.

— Sério? Isso soa como desespero.

— E quem disse que não é? — gargalha. — Trouxe os documentos que pedimos? O passaporte com o visto americano também? — Faço que sim com a cabeça, sabendo que esse era um dos requisitos para a vaga e o motivo da demora para a mesma, e ela continua: — Beleza! Como temos clientes internacionais, preferimos operar nos Estados Unidos. Vou precisar da cópia de tudo. Reembolsaremos o dinheiro gasto junto com seu pagamento. Mas relaxa! Nesse tempo que estou aqui, jamais vi alguma secretária viajar, além dos donos. São apenas precauções que a empresa gosta de tomar.

Depois de tudo acertado com Beth, sou encaminhada à recepção em que trabalharei. Beth é uma ótima profissional. Pelo que entendi, ela é braço direito de Tony e faz todo o procedimento de admissão e demissão da empresa. Ela mostra tudo o que preciso fazer diariamente e apresenta algumas ferramentas do computador que usarei com frequência. Nada muito diferente do que já fazia no banco, o que facilita muito.

Conversamos sobre coisas aleatórias e, em algum momento, ela menciona sobre Sam, seu filho de 5 anos, que é um rapazinho introvertido, inteligente e pouco carismático. Beth é uma mãe solteira e se intitula feliz, uma vez que hoje em dia não precisa mais se preocupar com homens.

Entramos numa conversa sobre o sexo oposto — no quanto são uns idiotas quando querem —, namoros frustrados e casamentos unilaterais, e desabafo sobre a minha relação com Gustavo. Ela fica perplexa quando escuta tudo o que ele já aprontou comigo e me encara com raiva quando digo que ainda está tentando voltar para mim. Quando ela menciona exatamente isso, respondo:

— Pois é, o pior é que estou me sentindo péssima hoje. Fiz algo que não sei se consigo me perdoar. — confesso, vendo-a se ajeitar no balcão. Ela encosta-se nele e cruza os braços franzinos e pálidos.

— O que houve, Maria Ed... — começa, e emendo:

— Pode me chamar de Duda. — A mulher assente, voltando a fazer a mesma pergunta. Suspiro alto e continuo: — Ele apareceu lá em casa ontem, e eu estava pronta para enxotá-lo de casa, porém, no final, não consegui. — Envergonhada, desvio os olhos.

— Isso não é o fim do mundo, Duda!

— Como, não? Ele apronta comigo, pisa nos meus sentimentos e depois volta como se nada tivesse acontecido, só para eu transar com ele no final? — Fecho os olhos, balançando a cabeça para ambos os lados. — Sou uma idiota mesmo! Você deve estar me achando uma menininha ridícula, que ainda chora pelo ex.

— Eu não acho nada! Quem sou eu para te julgar? As pessoas erram, é normal, basta querermos acertar. E além do mais, nem sempre fui forte assim. Já cedi várias vezes para o meu ex, até perceber que era melhor sem aquele traste.

Ela dá de ombros e faz uma careta engraçada.

— Sério? — Vê-la confirmar com a cabeça me deixa com esperanças. — E o que aconteceu com ele? Com vocês dois?

— Ele é só mais um babaca que nunca aparece, traz um litro de leite, uns pacotes de biscoitos, tira algumas selfies e as coloca nas redes sociais. O famoso pai de selfie. Nem mesmo o Sam pergunta por ele.

— Nossa! Essa situação deve embaralhar a cabecinha do seu filho — falo com sinceridade.

— Nem me fale. Eu o levo no psicólogo, porque meu filho é muito retraído. Ele não se interessa por nada, nem ninguém. A psicóloga disse que com o tempo ele vai mudar. Pensei até que fosse algum grau de autismo, mas não é. Confesso que seria difícil, mas se fosse, eu iria bancar! — Sorrio, e ela continua: — Bom, vou te deixar em paz agora. O senhor Collins está em uma reunião e só deve sair depois do seu horário de almoço. Então, não se preocupe, meio-dia você pode sair para almoçar. Vai comer na rua ou trouxe comida? — Ela pergunta, já se preparando para ir embora.

— Na verdade, vou ter que comer na rua. Vou usar o cartão-refeição que você me deu. — Ela assente.

— Sim, ele não é o definitivo! Depois virá um bonitinho com o seu nome. Esse é apenas para os novos funcionários, pois o senhor Collins não gosta que esperem muito até o cartão definitivo chegar. Assim que isso acontecer, você me devolve esse aí! — assinto. — Ah, e caso receba alguma ligação de um dos seus chefes, veja o que deseja e qualquer coisa me liga. Lembre-se dos números dos ramais que estão colados na sua mesa. — Olho para os telefones listados em um papel que está colado no balcão que passarei a trabalhar. — E se a pessoa apenas desejar uma xícara de café, ligue para a copa e peça para alguém trazer imediatamente. E outra, quem entrega é você, ok? — Confirmo com a cabeça. — A sala de reuniões fica dentro do escritório do senhor Collins, bata duas vezes na porta e entra. Não precisa esperar.

— Ok!

— E os documentos estão listados por pastas no computador. É só verificar com calma. Depois vá abrindo uma por uma para memorizá-las. Você aprende rápido, daqui a um mês estará cansada de fazer sempre as mesmas coisas. Ah! Temos festinhas e elas são ótimas! — Franzo a testa ao vê-la bater palmas e dar pulinhos animados. Ela está parecendo uma criança que acabou de ganhar um pirulito. — Agora me deixe ir antes que o Tony venha aqui pessoalmente e me arraste de volta para o RH. Eu te ligo meio-dia. — Ela dá uma piscadela e some ao virar no corredor. Respiro fundo e faço exatamente o que disse: abro arquivo por arquivo que há no computador, para memorizá-los com rapidez.

Ligo o som ambiente e coloco na playlist da Adele. A música Someone like you começa a tocar, fato que me faz lembrar de Gustavo. Fecho os olhos conforme aprecio a letra, porém abro-os abruptamente ao escutar o telefone tocar.

Sinto o meu corpo tremer por inteiro.

— Presidência.

— Senhorita Teixeira! — Uma voz imponente e rouca soa em meus ouvidos, e tento não focar no quanto ela é sexy.

— Sim, doutor, bom dia!

— Bom dia! Estamos em reunião, peça cinco xícaras de café e se direcione para a sala de reuniões. A senhorita Elizabeth já lhe passou suas tarefas diárias? — ele pergunta rápido demais e noto que as palavras saem emboladas. Reparo que, por seu sotaque, ele provavelmente não é brasileiro.

— Sim, Dr. Collins, estarei providenciando. Posso solicitar uma jarra de água fresca? — Me adianto em perguntar, observando-o fazer uma pausa, aparentemente pensando na resposta.

— Providencie! — diz simplesmente, desligando o telefone na minha cara.

Ele disse cinco cafés, certo?

Apresso-me em ligar para a copa e fazer o pedido com urgência. Lembro-me da jarra de água e dos cinco copos de vidro. São cinco mesmo, não são? Ai, Duda!

O telefone treme tanto quanto o meu corpo.

Bernadete, uma das moças que trabalha na copa, traz o que peço com rapidez, e me apresso em passar tudo para o carrinho de inox, que repousa ao lado do balcão onde trabalho. Direciono-o até a porta da sala do meu chefe e percebo que continuo tremendo e sentindo uma ansiedade enorme tomar conta do meu corpo.

Bato duas vezes, antes de entrar na ante sala, ouvindo vozes exaltadas de outra sala fechada.

Olho rapidamente ao redor e noto que o escritório é rico em detalhes e todo ornamentado em madeira. Vejo o meu reflexo em um grande espelho pendurado numa espécie de painel e, na parte inferior, há uma lareira aparentemente jamais utilizada. Há uma grande estante de livros grossos que, provavelmente, são de inúmeros livros jurídicos. Observo que a mesa espaçosa não possui nenhum objeto pessoal ou de família; nem mesmo um único porta-retratos. Dou um pulinho assustado, quando ouço uma voz impaciente gritar, e reconheço-a de imediato: a voz do meu chefe.

— Ah, Dr. Marcus, não irei discutir sobre isso com ninguém nesse momento! É sobre a minha empresa que estamos falando, acredito que a Marla já tenha lhe explicado isso — rosna.

— Claro, Dr. Collins, eu sei, mas mesmo assim... — outra voz reverbera, porém, é entrecortada:

— Sem, mas... — Ouço uma batida na mesa. — Eu não vou ceder o futuro da minha empresa para um idiota qualquer, ele que não queira...

Merda! Ótimo momento para café.

Solto o ar aos poucos, tentando me decidir entre o agora e o nunca.

Sem mais alternativas, lembro-me de bater duas vezes na porta, como Beth já havia me falado, e aguardo.

Come in! — Meu chefe grita, pedindo para que eu entre na sala, e sou obrigada a fazer exatamente isso. Assim que abro a porta, empurro o carrinho com todo o cuidado para dentro do cômodo e percebo que cinco pares de olhos me encaram quase que automaticamente.

Excuse me, trouxe o café. — Olho para um homem qualquer, que está sentado em volta de uma mesa retangular, e foco todo o meu nervosismo nele. Não quero nem me preocupar com os outros.

Há um silêncio irritante no escritório, e sei que sou o centro das atenções.

Sirvo o primeiro homem, que sorri de orelha a orelha como se não tivesse todos os dentes amarelados e tortos na boca.

— Obrigada, mocinha... — O segundo responde com os olhos castanhos piscando rápido demais.

O terceiro parece emburrado e recusa a minha xícara de café. Ótimo! Menos um para encher o meu saco! O quarto diz que adorou a nova secretária, e eu encaro o piso de porcelanato. Ele tem uma cor linda!

Louca para me livrar da última xícara e dos homens, pingo três gotas de adoçante — conforme Bernadete havia me explicado —, e seguro-a firme entre os dedos, seguindo para a ponta da mesa. Tento equilibrá-la com o máximo de cuidado, uma vez que preciso causar uma boa impressão. Não tiro os olhos do líquido flamejante com receio de derramá-lo. Sempre fui boa na faxina, mas confesso que servir comidas nunca foi meu forte. Noto as ondas da bebida prestes a derrapar para o pires cada vez que meus sapatos tocam o chão, enquanto penso nas vezes que papai me encorajava a ser forte quando criança. Ele sempre dizia: você é mais valente do que acredita, passarinho. Passarinho era a forma como ele me chamava.

Assim que alcanço o meu destino e, ao levantar a minha cabeça a fim de cumprimentar o meu mais novo chefe, arregalo os olhos, deixando a xícara cair instantaneamente. Seus olhos, como o azul do céu, parecem petrificados também. Entreolhamo-nos, porque não faço ideia do que fazer nesse momento. Faz dois anos desde que nos vimos pela última vez, mas nunca esqueceria seu rosto esguio e sua pele aveludada, seus cabelos longos e dourados, como ouro maciço, sua boca em forma de coração e avermelhada.

O senhor Collins é simplesmente Andrew, o meio irmão de Nikolas Delamont. O mesmo Andrew que apadrinhou Laura e Nick em seu casamento, bem como a Nick Junior, em seu batizado; ambas ocasiões tendo a mim como madrinha. O mesmo Andrew que fazia Luce jogar indiretas para mim como "um deus nórdico pegável".

E agora ele está aqui, na minha frente, e para melhorar a situação, ainda é o meu chefe.


Entre!

Com licença!

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