Capítulo 2
Dias atuais.
— Você o quê? — Luce grita do outro lado da linha. Estamos em meio a uma chamada de vídeo, mais precisamente em meu apartamento, com Laura e o pequeno Nick, que completou dois anos há pouco tempo.
Laura e eu nos conhecemos na mansão Delamont, onde trabalhei como empregada doméstica, enquanto a ruiva trabalhava como babá, antes de se casar com nosso chefe. Ela me apresentou Luce e, juntas, são minhas melhores amigas e incentivadoras.
Fiz seis meses de estágio no banco de Nikolas e, até há pouco tempo, procurava por um emprego novo em meu ramo. Laura e Nick me ajudaram com um empréstimo para comprar o meu pequeno apartamento, no mesmo prédio em que Luce continua morando.
Hoje, minha amiga, e vizinha, está de plantão no hospital em que trabalha, e precisei contar a novidade a respeito do meu novo emprego, por telefone. Há tempos almejava o cargo de secretária na Ferraz e Collins, uma conceituada empresa de advocacia, e quase perdi as esperanças, já que haviam se passado meses desde a última entrevista.
— Não acredito, garota! Agora que não é mais uma sem teto e nem desempregada, só falta tirar essa teia de aranha do meio das pernas e arranjar uma boa de uma.... — Arregalo os olhos, mas Laura é mais rápida:
— Cala essa boquinha, Lu! Esqueceu que temos menores aqui? — Laura replica. Seu sotaque mineiro diminuiu ao longo dos anos. Sorrio, mesmo não estando acostumada com o vocabulário de Luce. Nick bate palminhas, e eu e sua mãe achamos graça. Ele está cada dia mais fofo e parecido com o pai.
— Eu já disse que não quero saber de homem na minha vida, não é porque terminei com Gustavo que... — começo a explicar, porém Luce é curta e grossa:
— Pela décima vez, Duda, acorda! O cara está sempre te traindo com jovens, coroas e, se duvidar, até com homens.
— Luce... — Laura sibila, sacudindo os cabelos avermelhados para ambos os lados, enquanto Lu dispara:
— É sempre o mesmo ciclo: ele termina com você, do nada aparece, e você acaba cedendo. Tá mais do que na hora de a senhorita encontrar outra pessoa.
— Luce! — Laura corta-a, e meus olhos se enchem de água ao lembrar-me da última vez em que, de fato, Gustavo e eu terminamos.
Gustavo é meu ex-namorado, ele sempre foi importante para mim e sei que, do jeito torto dele, continua apaixonado. Eu o amei desde o dia em que cheguei na mansão de Nikolas. Gustavo já trabalhava para a família Delamont, como jardineiro e motorista, enquanto sua irmã, Izabela, trabalhava na cozinha. Sua mãe, Damiana, até hoje trabalha como governanta, e seu pai, o senhor Josefo, sempre comandou o quadro de motoristas.
Antes de Laura trabalhar na mansão, ele nunca havia demonstrado interesse em mim. Muito pelo contrário! Sua ânsia era por minha amiga, o que não foi recíproco. Esse, acabou se tornando o ponto de partida para o nosso relacionamento.
Quando fui pedida em namoro, a felicidade foi tanta que não conseguia me conter. Parecia que alguma coisa no mundo havia mudado, mas quem mudou fui eu. Me tornei parceira da pessoa que amava! Estava nas nuvens por conseguir algo que ansiava há tempos. Naquela noite, nada mais importava, nem mesmo as indiretas negativas de Gustavo a respeito do vestido vermelho que eu usava. O que contava era o sentimento que eu trazia no peito, sobre o seu pedido de namoro. Finalmente estávamos prestes a ter um compromisso sério.
Eu estava feliz, confesso! Mesmo com seus ciúmes excessivos e a forma como isso afetava nas minhas amizades e nas minhas roupas. Passei a fazer o que ele pedia. Afinal, era para o bem do nosso relacionamento. Mesmo que às vezes eu me sentisse incomodada! Principalmente quando ele sumia.
Eu comecei a ficar obcecada com o telefone dele. À cada mensagem que chegava, eu fantasiava. Os sorrisos tortos; as conversas, que duravam horas, através de mensagens, e nas vezes em que era nítido que ele inventava uma desculpa para não nos vermos. Claro que fui tachada como louca e óbvio que me senti dessa forma, uma vez que havia lido em algum lugar o quanto era errado pensar em rastrear o celular do namorado. Por isso, passei a me sentir incomodada com minhas próprias atitudes.
Nossas discussões se tornaram constantes, porque ele sempre dava um jeito de contornar sua ausência. Até que um dia, decidi por mim mesma investigá-lo, o que resultou no nosso primeiro término e depois no nosso recomeço; na realidade, uma sequência deles.
Hoje, sinto-me quebrada, porque ele levou tudo com suas traições: meu primeiro amor, o primeiro e único homem com quem tive relações íntimas e, consequentemente, a primeira desilusão amorosa.
As meninas não fazem ideia, mas foi ele que terminou comigo pela última vez. Ele arranjou uma nova namorada — seus casos com mulheres mais experientes e que o sustentam — e tem saído com ela, desde então. Esse sempre foi um dos principais motivos para discutirmos: o "trabalho" dele. Há tempos, ele deixou de ser motorista dos Delamont e basicamente virou acompanhante de luxo, como passou a se intitular. Eu dizia ser traição, mas ele chamava de profissão.
Claro que eu não aceitava e terminávamos o nosso relacionamento mais vezes do que consigo contar nos dedos. Ele me trocava por uma mulher rica e, quando elas se cansavam de sustentá-lo, voltava a me procurar. O problema? É que eu sempre o aceitava.
Mas o que eu poderia fazer, além de acreditar na sua mudança e lhe dar um voto de confiança?
Sou uma mulher sozinha, morando na cidade maravilhosa, enquanto minha família vive em São Paulo. Minhas irmãs mais novas vivem com minha mãe e, infelizmente, ainda não consegui trazê-las para o Rio de Janeiro. Vim para estudar e tentar um emprego melhor, mas o custo de vida é alto demais. Sempre procuro enviar quantias consideráveis para ajudá-las nas despesas mensais.
Leandra tem dezenove anos, e Maria Quitéria, dezessete. Lê já trabalha em casa de família, enquanto Kika continua estudando. Dona Cecília, minha mãe, já se aposentou, e sei que não aguenta mais trabalhar devido à idade. E, sinceramente, prefiro que não trabalhe. Enquanto puder, pretendo ajudá-la no que for preciso e retribuir todo o esforço que fez por nós. Ela nos criou sozinha depois que meu pai, Zé Benedito, veio a falecer, devido a um aneurisma. Nossos avós maternos faleceram há muito tempo e nosso avô, por parte de pai, sumiu Brasil afora. Vovó Lili, mãe do nosso pai, nos deixou pouco depois que vim morar no Rio.
— Desculpe, amiga, às vezes esqueço de como você é sensível. — Luce fala fazendo-me sorrir fracamente. Papai costumava dizer isso quando eu era pequena. Ele sempre me incentivava a ser uma moça independente para que eu nunca precisasse depender de ninguém.
— Não, você está certa, preciso mesmo de algo que me deixe contente! — começo. — Que tal uma noitada, sábado à noite?
— À três? — Luce se levanta e começa a dar pulinhos, animada.
— Ei, eu tenho cinco pestinhas para criar, tá! — Laura emenda rindo.
— Ah, para de graça, Lau, você tem a Damiana e mais quinhentos empregados naquela casa, sem contar que tem duas babás. Dê um pouco de trabalho para elas! Alice e os gêmeos nem são mais tão pequenos assim. — Luce retruca.
— Tá bom! Vou falar com o Nick... — Laura retruca.
— Beleza! Vou resolver com Dani também. — Luce refere-se ao namorado. — Agora vou voltar, meninas, beijos e amo vocês. Até sábado! — Luce grita eufórica. — Tchau, Nick, manda beijo para a titia! — fala com meu afilhado, que tenta beijar o telefone.
— "Tau titia!" — ele responde em sua língua de bebês.
— Tchau, amiga! — Laura e eu dizemos juntas e desligamos em seguida.
Minha amiga e eu passamos uma tarde animada e, depois de um tempo, um dos seus motoristas aparece para buscá-la. Assim que sai, vejo-me mais uma vez sozinha, rezando para dar tudo certo no dia seguinte.
À noite, após o jantar e um banho, decido me deitar lembrando-me, erroneamente, de todos os momentos quentes que passei com o Gustavo, nesse mesmo quarto. Disposta a me fazer esquecer, decido procurar por alguma coisa na televisão, porém, sou impedida de continuar, uma vez que ouço a campainha tocar insistentemente.
Caminho devagar até a porta do apartamento, pensando em Luce. Será que ela saiu mais cedo do plantão?
Pelo olho mágico, noto Gustavo através da lente. Sinto o meu coração acelerar, conforme minhas pernas tremem. Viro-me de costas para a porta, sentindo o frio da madeira passar através da minha camisola, e fecho os olhos enquanto a campainha toca mais uma vez. Minha respiração falha e lembro-me do nosso último encontro; a forma rude que ele falava que não poderia continuar comigo.
Ele não pode fazer isso comigo. Não agora! Não de novo!
— Abre para mim, Duda! Eu preciso de você. — Ele desfere socos na porta, deixando-me nervosa. — Se não abrir, juro que vou arrombar essa porra dessa porta!
Pior que sei que ele faria isso, Gustavo é capaz disso e muito mais quando quer algo. Respiro fundo e giro a chave devagar, mesmo sem estar convicta disso. Sinto a palma da mão escorregar na maçaneta, devido ao suor frio, e minhas pernas tremularem ainda mais. Ao abrir a porta, encaro os olhos vermelhos que há muito não via.
— Por que está fugindo de mim? — pergunta com o tom de voz alto, e percebo que está bêbado, devido ao cheiro forte de álcool que exala. Gustavo parece ainda mais bonito do que há seis meses quando nos vimos pela última vez.
Ele me puxa bruscamente e olha dentro dos meus olhos. Seus olhos intensos e negros como sua alma.
— E-eu n-não e-estou fugindo! — consigo dizer.
— Pois acho que está. Por que mudou o número de telefone? Tentei te ligar durante a semana. — Ele intensifica o aperto em meu braço e seu olhar recai sobre o meu decote. Mudei de telefone após as meninas insistirem, uma vez que eu sempre arrumava um jeito de ligar para ele. De telefone e número novo, os únicos contatos que me sobraram foram dos amigos próximos, mesmo que eu soubesse o número de Gustavo de cabeça.
Fecho os olhos e sinto o meu coração acelerar ainda mais quando ele inspira o meu pescoço. De repente, uma lembrança insistente faz-me duvidar do poder que achei que tinha sobre mim; imagens dos seus lábios em torno do meu corpo faz com que os pelos da minha pele se arrepiem.
"Você consegue, Duda!" A voz da doutora Marisa me vem à mente, e tento não pensar no maldito dia que deixei de frequentar as reuniões da terapia em grupo que um dia fiz parte.
— Me dê mais uma chance... — O ar parece faltar, mesmo que uma parte de mim esteja gritando de felicidade por vê-lo outra vez. — Juro que será a última!
— E-eu não quero mais, Gustavo! — Abro os olhos e começo a empurrá-lo para fora da minha casa, em meio a um dilema interno: sei que é errado, mas sinto saudades de qualquer jeito. — Sai daqui, faz esse favor para nós dois e me esquece! — A incerteza na voz me entrega.
— Eu adoro quando você faz isso! Só me deixa com mais tesão!
Eu sei o que ele quer.
Penso em todas as vezes que precisei ir às reuniões de mulheres que possuem transtornos psicólogos. Mulheres que tiveram términos conturbados e que continuavam presas em seus relacionamentos e aos ex-companheiros. Nunca contei para ninguém, mas da última vez, precisei tomar remédios para conseguir dormir e tentar esquecer.
Ele não pede licença para entrar em meu apartamento e, automaticamente, dou alguns passos para trás quando vejo-o vir em minha direção. Seus dedos tocam a minha pele e sinto dormência por onde encostam. Seu hálito quente me deixa atordoada e a sensação apenas piora quando sou imprensada contra a parede e seus lábios reivindicam os meus, com aspereza e sofreguidão.
Minha vontade é de gritar, dizer que não o quero mais, que não aceitarei suas migalhas e que não sou mais aquela garotinha boba que ele tirou a virtude, mas a quem quero enganar? Eu não consigo dizer absolutamente nada, nem fazer nada. Sempre foi dessa maneira.
Estouhá seis meses sem transar e seus lábios são convidativos demais. Tanto que nãoconsigo parar de beijá-lo também. As lembranças se misturando com o desejo cadavez mais vívido. Mal percebo o momento em que ele fecha a porta e começa a medespir. Faço o mesmo por ele, sabendo o quanto é errado, mas a verdade é que,nesse momento, eu não consigo mais pensar.
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