Capítulo Vinte Um - Steven
"O céu está bastante nublado, você não acha? Parece que vai cair uma baita tempestade..."
"Eu posso te levar de volta para o palácio agora mesmo, se quiser."
"É claro que levaria, Alteza. Não importa que já estejamos chegando em Bluehill, você com certeza faria o retorno e me levaria de volta para Arthenia sem que eu nem mesmo acabasse de falar."
Eu ri, desviando por um segundo os olhos da rodovia para olhar Layla, que estava sentada no banco do carona. Tê-la ali parecia algo tão natural e ao mesmo tempo tão incrível, que eu não sabia como descrever.
"Você me conhece tão bem assim?", não consegui deixar de perguntar, com um sorriso.
"Pode apostar que sim."
Voltei os olhos para a rodovia, de repente desejando que Bluehill continuasse a quilômetros de distância, porque estar naquele carro com Layla, mesmo que ficássemos minutos e minutos em silêncio, era simplesmente perfeito.
Durante toda a noite anterior e aquele dia, minha mente parecia impossibilitada de parar de pensar nela. E no baile. E nos fogos de artifício e qualquer outra coisa relacionada ao Dia da Nova Conquista.
Para quem simplesmente odiava aquele feriado, aquela noite tinha sido em disparada uma das melhores da minha vida.
Porque ela estava lá. E aquilo mudou tudo.
"Layla?", chamei de repente, porque, ao me lembrar do baile, outra coisa tinha surgido na minha mente. Bastante inconveniente por sinal.
"Hum?"
"Eu não sei se você já ficou sabendo, mas..."
"Um punhado de matérias sobre a gente saiu na Internet?", ela completou, voltando os olhos castanhos e inteligentes para mim. "É, eu fiquei sabendo. Meu irmão fez a gentileza de me acordar às sete da manhã para me contar isso. Estava me perguntando quando você tocaria no assunto, já que a nossa simples dança no baile já atravessou fronteiras internacionais."
Eu apertei o volante com força, fazendo os nós dos meus dedos ficarem brancos.
"Estava... reunindo coragem. Talvez."
Layla abriu um sorrisinho doce, piscando para mim ao dizer:
"Levando em conta que saímos de Arthenia há uma hora, você precisou de um bom tempo, não é?"
Mantive os olhos fixos na rodovia, como se minha vida dependesse disso quando perguntei:
"E você não está... chateada? Ou... ou zangada?"
Ao meu lado, Layla soltou uma risadinha.
"Bem, admito que não estava esperando por isso, mas tenho fé que a mídia logo vá esquecer a gente. Isso se uma notícia melhor surgir. E, se não, não tenho problemas em ser abordada por um punhado de colegas de St. Andrews me perguntando sobre você quando as aulas recomeçarem."
Devagar soltei um suspiro de alívio, permitindo que certo peso saísse das minhas costas.
Claro que, quando decidi que naquele ano não seguiria exatamente o que meu pai ou qualquer outra pessoa estava esperando de mim naquele baile, seguindo meu desejo de aproveitar a noite com Layla, eu sabia que aquilo poderia acontecer. Mas, com toda a sinceridade? No momento eu não tinha ligado. Pois tudo estava perfeito demais para me importar com as pessoas, me prender novamente a elas e colocar de lado o que eu queria.
Mas, desde que eu soube por Alexia naquela manhã que a mídia estava enlouquecida com "A Garota Misteriosa de Vermelho" que ficou comigo no baile quase a noite toda, minha maior preocupação foi de que Layla pirasse com aquilo. Porém, como sempre, aquela garota parecia ter o dom de me surpreender.
É claro que aquilo não me liberava totalmente da culpa que sentia por não ter avisado a ela antes que, em um baile tão conhecido no país como o do Dia da Nova Conquista, todas as pessoas no palácio estariam de ouvidos e olhos abertos para qualquer mínima novidade, espalhando-a aos sete ventos antes mesmo do sol nascer na manhã seguinte.
Bom, no fundo, eu realmente esperava que a mídia logo a esquecesse, pois eu sabia o que era ter câmeras e pessoas te perseguindo ser pestanejar, prontos para arrancar um pedaço seu. E era exatamente por isso que eu não queria que acontecesse o mesmo com Layla. Não me perdoaria se a levasse a isso por simplesmente tê-la chamado para dançar mais do que deveria e ter segurado sua mão.
"Enquanto ao seu pai?", Layla perguntou de repente, enquanto passávamos por uma ponte que atravessava o grande rio Broyle, que cortava praticamente todo o condado de Crownworth. "Ele... disse alguma coisa?"
Eu franzi as sobrancelhas de leve, sentindo uma raiva repentina se instalar no meu corpo quando ouvi a pergunta de Layla.
"Não", falei de modo casual, tentando controlar as emoções. "Ele não disse nada. Saiu cedo para o parlamento hoje, não sei se viu as notícias."
Embora, é claro, os olhares de meu pai quando o baile terminou na noite anterior tivessem deixado bem claro para mim que ele não esqueceria o meu pequeno ato de rebeldia tão cedo.
Bom, eu teria que lidar com aquilo quando ele decidisse me encurralar. Não posso dizer que estava ansioso para aquilo.
No banco do carona, Layla se remexeu, inquieta.
"Ei", disse, involuntariamente tirando uma mão do volante e segurando a sua. Para o meu alívio e felicidade, ela não se afastou. "Não se preocupe com ele, ok? Você não tem motivos para isso."
"Eu não tenho tanta certeza", disse Layla, quando eu voltei a colocar as duas mãos no volante, sentindo todo o meu corpo reagir àquele simples toque. "Não depois de... Bem, depois que usei o vestido da sua mãe no baile e fiquei com você a noite inteira, quando claramente ele queria que você desse mais atenção à princesa Asha."
"Espera um pouco, o que você disse?", perguntei sem entender, lançando um rápido olhar para Layla, que mordia o lábio inferior com tanta força que temi que ela o arrancasse sangue. "Sobre o vestido, da minha mãe..."
"Bom, aquele vestido que eu usei, o vermelho, era da sua mãe. A rainha", ela disse baixinho, como se estivesse envergonhada. "Eu tive... Bem, eu tive um problema com o meu primeiro vestido, por isso disse a você naquela mensagem que não iria ao baile. Mas então Margot surgiu e me mostrou o vestido vermelho, ela disse que o guardou de recordação da sua mãe, para que pudesse usar quando crescesse. Então ela me emprestou para o baile."
Por alguns segundos, eu fiquei em silêncio, sem saber muito bem o que dizer.
Margot tinha um vestido da minha mãe? E Layla o tinha usado? Mas... Por quê? O que tinha acontecido com o primeiro vestido?
Porém, por mais que quisesse ver respondida a última pergunta, percebi que aquilo não era o mais importante no momento.
"Não se preocupe com isso", falei para Layla, tentando tranquilizá-la. "Se Margot o emprestou a você, meu pai não tem de dizer nada."
Layla soltou uma risadinha.
"É. Ela disse a mesma coisa."
Eu já ia tentar arrancar de Layla a verdade do que tinha acontecido na noite anterior, quando, de repente, a grande cidade de Bluehill surgiu entre as grandes colinas repletas de neve. Eu me lembrava vagamente de ter visto uma placa anunciando sobre a proximidade da cidade alguns minutos antes, mas estava tão entretido com a conversa com Layla, que nem percebi.
"Bom, aqui estamos nós", ela disse, se empertigando no assento do carona e olhando curiosa através da janela, quando adentramos a cidade. "Você sabe onde fica a penitenciária?"
"Eu tenho... uma breve noção", falei, parando num semáforo e seguindo pela esquerda em seguida.
Se não estava enganado, a Penitenciária Feminina de Bluehill ficava um pouco afastada da cidade, em uma pequena colina. Ou era numa grande colina?
Virei à direita, pois estava quase certo que a prisão ficava ao lado norte da cidade.
"Steven? Não é mais fácil ligar o GPS?", Layla perguntou naquele instante, erguendo uma sobrancelha para mim.
"Relaxe. Sei para onde estou indo."
"É. Estou vendo. Esse não é o mesmo armazém que passamos há cinco minutos?" Ela soltou uma risada quando eu olhei pela janela, surpreso ao ver que realmente tínhamos passado por ali pouco tempo atrás. "Homens... Por que são sempre tão teimosos?"
Eu já ia responder que não estava sendo teimoso quando ela se inclinou e ligou o GPS do carro. A proximidade do seu corpo fez com que eu pudesse inalar perfeitamente o perfume de seus cabelos castanhos, além se sentir o calor do seu corpo próximo ao meu. Instantaneamente, pensamentos que eu definitivamente não deveria ter a respeito de Layla surgiram em minha mente, fazendo com que fosse a coisa mais difícil do mundo tentar afastá-los.
Ela então voltou a se acomodar no assento e eu finalmente consegui respirar de novo.
Por um segundo fechei os olhos com força, tentando colocar a cabeça de volta no lugar e entender o que estava havendo comigo.
Mas eu já sabia. Sabia e não adiantava tentar fugir disso.
Eu desejava Layla. Desejava de um modo que nunca tinha desejado mulher nenhuma na vida. E, o que era ainda mais assustador, é que não só o meu corpo parecia ansiar por ela, mas também o meu coração.
E, agora que já tinha percebido aquilo e encarado pelo menos em parte o que sentia, tudo parecia ainda mais complicado e confuso.
E mais intenso. Mil vezes mais intenso.
O latejar do meu corpo era uma prova viva disso, embora eu nem sequer a tenha tocado.
Seguindo o conselho de Layla e tentando manter cada pensamento focado no caminho que devia seguir até a penitenciária, percebi quase que instantaneamente que ela estava certa em ligar o GPS. Mais breve do que eu previa sai da cidade e avistei a penitenciária no topo de uma pequena colina próxima.
"Sinistro, né?", ela disse quando subi a colina e estacionei em um local próximo aos muros da prisão. "Parece uma fortaleza assombrada."
Lancei um rápido olhar para a penitenciária, que era realmente grande e escura, cercada por muros de quase dez metros de altura.
"É, parece mesmo", concordei, abrindo a porta do carro. "Talvez seja isso que as pessoas que estão aí dentro merecem. Se sentirem em um filme de terror."
Sai do carro, sendo seguido por Layla logo em seguida. Podia ser apenas impressão minha, mas seu rosto parecia transtornado e os olhos castanhos não paravam de olhar para mim de maneira preocupada.
"O que foi?", perguntei baixinho, enquanto seguíamos pela trilha de pedra que levava até os portões de ferro da penitenciária. "Você está me olhando de um jeito estranho."
"Eu não sei...", ela disse, mas logo em seguida soltou um suspiro pesado, voltando os olhos para mim. "Tem certeza de que quer fazer isso, Steven? Quer dizer, ver essa mulher?"
Eu desviei os olhos dos dela, olhando para a penitenciária como se fosse um monstro gigante, um monstro que eu tinha de encarar.
"Não cheguei tão longe à toa, Layla", respondi, pensando em tudo o que já tinha investigado e descoberto sobre o passado, coisas que eu nem ao menos sabia que existiam. "Preciso ir até o final."
"Mas e se..." Ela respirou fundo, virando completamente o rosto para mim ao dizer: "E se isso machucar você mais do que pensa?"
A pergunta deveria me fazer pensar, refletir ou até mesmo amedrontar, mas para a minha própria surpresa, um sorriso surgiu em meus lábios.
"Então eu vou ter que encarar a dor e superar, não é? Nada de escondê-la de mim mesmo. Nada de fugir. Você me ensinou isso."
Por três longos segundos Layla não disse nada, apenas me encarou surpresa, os olhos castanhos fixos nos meus, como se o tempo tivesse parado.
Então ela me abraçou.
E eu, depois de um segundo e meio da mais completa surpresa e embaraço, passei os braços em volta de sua cintura, retribuindo o gesto.
De alguma forma, eu não precisei perguntar o que aquilo significava. Eu sabia.
Era o modo dela de dizer que estava comigo. Estava comigo independente do que nós descobríssemos lá dentro.
E eu não poderia me sentir mais grato por aquilo.
Por dentro, a penitenciária se parecia bastante com qualquer outra do país.
Era bem planejada e equipada, mas escura e carregada de uma áurea tão sombria que podia ser sentida no ar.
Desde o momento em que decidi procurar a mulher que envenenou minha mãe anos atrás, fazendo com que perdesse o bebê que esperava, eu sabia que queria chegar de surpresa, sem avisos prévios ou uma ligação para o diretor da penitenciária.
Era melhor assim, porque aquilo minimizava um pouco as chances de alguém saber do meu destino e sair divulgando por aí.
Por isso, quando cheguei à sala do diretor do presídio - pedindo para que Layla esperasse do lado de fora, aliás, era melhor que eu fosse visto sozinho pelo mínimo de pessoas possíveis - não me surpreendi ao ver o homem se embasbacar assim que seus olhos pousaram em mim.
Connor Rodwell era um homem alto e com um bigode branco que me lembrava bastante um leão marinho, tinha cabelos grisalhos e ralos e olhos azuis que se arregalaram quando me viram atravessar a porta.
"Alteza!", ele disse, se curvando instantaneamente de forma um tanto quanto desajeitada. "Eu... Eu não sabia que viria."
E, ao julgar pelos farelos de biscoito em seu terno e a bagunça claustrofóbica do escritório, não foi muito difícil acreditar naquilo.
"Sinto muito por não ter ligado, diretor Rodwell. Minha decisão de vir até aqui foi tomada muito recentemente."
"É, claro, Alteza, eu entendo perfeitamente. Queira se sentar, por favor." Ele me indicou a cadeira em frente a sua mesa, em seguindo dando a volta no móvel e se sentando do outro lado. Seus olhos não paravam de me analisar e eu quase podia ouvir as engrenagens de seu cérebro girando, se perguntando o que eu estaria fazendo ali. "Me diga, Alteza, no que posso ajudá-lo?", ele perguntou então, provavelmente sendo vencido pela curiosidade.
Respirei fundo, não muito grato pela objetividade do homem. Mas era melhor fazer aquilo logo. Quanto antes eu saísse daquele lugar, melhor.
"Gostaria de ver uma mulher que foi presa aqui anos atrás, senhor. Eu não sei se o senhor era o diretor na época, mas sei que ela foi presa por ordem do meu pai. Sob a acusação de..."
"Sim, Alteza, não precisa dizer. Eu sei qual foi a acusação", Rodwell disse, me olhando de maneira sombria ao mesmo tempo em que apoiava os cotovelos na tampa da mesa, unindo as mãos de forma que formaram um triângulo. "Eu era o diretor na época, sim. Sou o diretor deste presídio há quase trinta anos, na verdade. O seu pai, o Rei, foi claro para que todos os envolvidos na prisão de Scarlet Maxwell guardassem segredo sobre o ocorrido, em especial o juiz que lhe deu a sentença na época e eu. Creio", e ele alisou o comprido bigode ao dizer aquilo, "que Sua Majestade não queria que a esposa sofresse com as perseguições da mídia na época. Foi uma situação trágica, sim. A pobre rainha merecia paz e tranquilidade depois do que aconteceu."
Engoli em seco, novamente sentindo a raiva queimar meu peito.
Eu merecia ter sabido daquilo antes. Deveria mesmo que isso ainda doesse no meu pai, pois, querendo ou não, fazia parte da história da minha mãe e até mesmo da minha própria história.
"Eu sei", me forcei a dizer em voz alta, pois preferia que Rodwell pensasse que aquele era um segredo que o meu pai também tinha compartilhado comigo ao longo da vida, por mais que não fosse verdade. "É realmente o que deveria ser feito. Mas ela, Scarlet, ainda está viva?"
O diretor assentiu, ainda passando a mão pelo bigode.
"A prisão não fez muito bem para ela, Alteza, se quer saber. Na verdade, desgastou-a muito mais do que o normal. Talvez a culpa faça isso com as pessoas."
Eu assenti, colocando as mãos nos bolsos de trás da calça para me impedir de cerrá-las em punhos.
"E ela... Saiu alguma vez? Foi liberada ao longo dos anos?"
"Ah, não", disse Rodwell, parecendo surpreso com o comentário. "O que ela fez com sua mãe, como o senhor deve saber, Alteza, poderia tê-la matado também, além do..." Ele gesticulou com a mão, como se quisesse se poupar de dizer algo desagradável. "O senhor sabe. O pobre bebê. A acusação foi gravíssima e creio que ela não verá mais outra coisa se não esse lugar."
Eu não disse nada, pois, de repente, minha cabeça começou a girar rapidamente.
Se Scarlet não tinha saído daquela prisão em Bluehill por todos aqueles anos, também não havia sido ela quem matara a minha mãe.
Mas, então, quem foi?
Eu já estava começando a me arrepender de não ter escrito para A Mulher Misteriosa antes. Talvez se o tivesse feito tudo ficaria mais claro.
"Eu posso vê-la? Scarlet?"
O diretor pareceu surpreso com o pedido, assim como eu, aliás, o que eu pretendia falar com aquela mulher agora que sabia que, de certo, ela não havia matado a minha mãe? Porém, antes que eu pudesse voltar atrás, o diretor assentiu com vigor.
"Pedirei a um dos guardas que te leve até uma das salas de visita, Alteza", ele disse, já se dirigindo até a porta, porém, antes que ele saísse, o chamei.
"Diretor? Eu ficaria grato se o senhor... Bem, se o senhor não comentasse com o meu pai que eu estive aqui."
Rodwell me olhou com curiosidade, o que me fez, por um segundo, duvidar que ele atendesse o meu pedido. Porém, quando falou em seguida, eu acreditei nele. Pelo menos um pouco.
"Não converso com Sua Majestade há muitos anos, Alteza. Mas, mesmo se não fosse assim, fique certo que eu não diria nada."
Eu assenti, desejando profundamente que ele estivesse falando a verdade.
Poucos minutos depois, me vi sentado em uma cadeira fria de metal ao lado de Layla, em uma sala quadrangular iluminada apenas por uma luz branca e fluorescente que refletia na tampa da mesa de aço, onde, do outro lado, uma cadeira estava posta.
Por mais que quisesse, eu simplesmente não conseguia parar de estralar os dedos, até que finalmente desisti de tentar me refrear e deixei com que o tique nervoso me dominasse. Layla, apesar de claramente perceber como eu estava, não disse nada, apenas ficou do meu lado, hora ou outra lançando pequenos sorrisos reconfortantes para mim, o que, de algum modo, realmente fez com que eu me sentisse melhor.
Eu tinha contado a ela o que o diretor da prisão havia me dito em sua sala, poucos instantes atrás, o que nos fez pensar sobre como aquela mulher que estávamos prestes a ver realmente não tinha sido a responsável pela morte da minha mãe. E, é claro, sobre quem realmente poderia ter sido o assassino.
Mas até então não tínhamos chegado a nada, e apesar da consideravelmente longa viagem até ali, eu já desejava entrar no carro e voltar para casa, sem precisar encarar a responsável por ter feito com que minha mãe perdesse o primeiro filho. Meu irmão. Ou irmã.
Eu nunca saberia.
Quando a porta da sala de visitas foi aberta, instantaneamente minhas costas se endireitaram e senti cada músculo do meu corpo ficar tenso. Porém, a mão de Layla entrelaçada com a minha, por debaixo da mesa, fez com que eu me acalmasse. Pelo menos um pouquinho.
O primeiro a passar pela porta foi um guarda alto e de expressão severa, em seguida dando passagem para uma mulher de cabelos cinzentos e de rosto abatido, que parecia determinada a olhar apenas para o chão.
Ele a levou até a cadeira que ficava do lado oposto da mesa onde Layla e eu estávamos, em seguida saindo da sala, mas tendo o cuidado de fechar a porta atrás de si.
Como se aquela mulher conseguisse fugir de uma prisão fortificada... Na verdade, eu duvidava que ela conseguisse ao menos se levantar da cadeira sem cambalear.
Eu não sabia quantos anos ela tinha, mas provavelmente já estava próxima dos sessenta ou setenta. Seu rosto era bastante enrugado e seus olhos estavam fundos, o cabelo caia sobre seus ombros de maneira desgrenhada, e suas mãos nodosas estavam postas sobre a mesa unidas uma na outra, como se estivesse orando.
Se eu não soubesse o que ela tinha feito, talvez tivesse pena daquela senhora. Talvez me comovesse por ela.
Mas aquele não era o caso.
"Sra. Maxwell?", chamei, o nome rasgando minha garganta e atingindo o ar, finalmente chamando a atenção da mulher. Lentamente ela ergueu a cabeça, e foi como se facas me atingissem quando olhos verdes e tristes me fitaram.
"Eu não recebo muitas visitas", ela disse então, em um tom tão baixo que mal podia ser ouvido. "Mas sei que você não é da minha família nem alguém que eu conheça. Nem ela." E dizendo isso voltou os olhos para Layla. "Embora ela me lembre bastante o motivo pelo qual estou aqui há vinte e dois anos."
Umedeci os lábios, me remexendo na cadeira ao olhar rapidamente para Layla.
Àquela altura, às vezes eu quase me esquecia do quanto ela se parecia com a minha mãe para as outras pessoas.
"Meu nome é Steven", falei então, fitando Scarlet. "Sou filho de Louisa. A mulher que você envenenou."
Isso chamou a atenção da mulher, pois, no mesmo instante, seus olhos voaram diretamente para mim, me analisando como se a qualquer momento eu fosse desaparecer do lugar sem deixar vestígios.
"Você é ele?", ela perguntou. "O bebê...", a mulher engasgou, como se de repente tivesse perdido a capacidade de falar. "O bebê que deveria estar morto?"
"Não", respondi, percebendo pela primeira vez que talvez os anos presa ali tivessem alterado não só a aparência de Scarlet, mas também sua mente. "O primeiro filho da minha mãe realmente morreu. Por sua culpa."
"Não!"
O grito fez com que Layla se assustasse e desse um pulinho na cadeira. Lentamente, me encolhi, pois a palavra saiu na forma de um lamento profundo de gelar os ossos.
"Eu não matei o bebê", ela disse baixinho, levando as mãos à cabeça como se não quisesse escutar mais nada. "Eu não envenenei a rainha."
Engoli em seco, os olhos fixos na mulher.
"Ouvi dizer que você nega o crime. Que sempre negou. Mesmo depois da investigação e do julgamento."
"Não...", ela disse novamente, e agora lágrimas desciam por suas bochechas enrugadas. "Eles nunca me ouviram. Eu disse que não fui eu. Disse a todos eles."
"Você envenenou minha mãe", eu falei, e não me surpreendi quando as palavras saíram da minha boca como veneno. "Fez com que ela perdesse um filho. O bebê que deveria ser meu irmão. Colocou a vida dela em risco..."
"Não..."
"Fez com que sofresse. Tudo isso por quê? O que você..."
"Não, por favor", ela choramingou.
"O que você pretendia com isso?"
"Steven", uma voz chamou urgentemente, ao meu lado. Uma mão segurou meu pulso e eu percebi que estava me levantando da cadeira, me inclinando para onde Scarlet estava encolhida. Com um esforço hercúleo obriguei meus olhos a fitarem Layla, que me olhava ao mesmo tempo assustada e alarmada. Foi aquele olhar que me fez parar e perceber que estava agindo da maneira errada. Pois aquela mulher poderia ter feito algo horrível, mas não era eu que faria justiça pela minha mãe.
Me sentei novamente na cadeira, percebendo que minhas mãos tremiam pateticamente. As cerrei em punhos, odiando-me por perder o controle. Odiando estar naquela situação e viver naquele beco sem saída, que parecia levar a lugar nenhum.
Por um segundo suspirei e apoiei os cotovelos na tampa da mesa, escondendo o rosto nas mãos. Aquela maldita luz fluorescente estava me deixando com dor de cabeça, e eu sentia que não poderia continuar olhando para Scarlet por nem mais um segundo.
"Sra. Maxwell?", ouvi Layla chamar calmamente ao meu lado. "Por que a senhora não nos conta o que aconteceu naquele dia?"
Eu ergui o rosto das mãos, olhando para Layla. Ela mantinha os olhos fixos em Scarlet, que, com suas palavras gentis, parecia ter se acalmado um pouco.
Lentamente, a senhora assentiu. E, por mais que eu não quisesse, me obriguei a escutar.
"Eu era nova no palácio na época", ela disse lentamente, novamente juntando as mãos no peito, em sinal de prece. "Estava apenas substituindo uma das criadas pessoais da rainha, que havia ficado doente não muito tempo atrás. Ela era minha amiga e me ofereceu o cargo, pois sabia que eu estava precisando de dinheiro." Scarlet suspirou, fechando os olhos por um instante antes de continuar.
"A rainha costumava gostar muito de chá. Eu levava para ela uma xícara todas as manhãs, tardes e noites, pouco depois de o sol se pôr. Naquele dia, como em todos os outros, recebi a ordem de preparar a bandeja com o chá da tarde da rainha e o levei até uma das salas do palácio, onde o rei estava com um dos irmãos, que havia vindo passar uma temporada no castelo com a esposa, e a prima da rainha. Eu coloquei a bandeja na mesa de centro e sai da sala, voltando para a cozinha. No dia seguinte, quando fui presa em Arthenia e julgada mais tarde, descobri que apenas as minhas digitais e as da própria rainha estavam na xícara e que o veneno usado no chá era incolor e sem gosto, algo que se não fosse devidamente investigado ninguém jamais saberia o que aconteceu. Mas ela era a rainha e tinha perdido seu herdeiro aparentemente saudável de repente, então é claro que tudo foi investigado." Scarlet então ergueu os olhos para mim, e não me surpreendi quando os vi repletos de lágrimas. "Eu não fiz aquilo. Estou presa aqui há anos injustamente. Se quer saber, era claro que eu era a suspeita mais óbvia, por que quem desconfiaria que alguma daquelas pessoas que estavam na sala..."
"Não!", a interrompi no mesmo instante, meu coração batendo desacelerado no peito. "Eu não admito que você diga isso."
A mulher me olhou profundamente nos olhos. Lentamente, um sorriso se formou em seus lábios.
"Pode pensar que eu fui a culpada o quanto quiser, príncipe. Essa é uma mentira fácil de acreditar. Espero que consiga conviver com ela. A única coisa que fez com que eu não acabasse com a minha vida nesse lugar, foi a minha consciência tranquila. Ela sempre esteve comigo."
"Você está mentindo para tentar me convencer de que é inocente, assim talvez eu pudesse te ajudar a sair daqui", falei, mas até eu mesmo podia notar a insegurança na minha voz.
Novamente, Scarlet sorriu.
"Continue pensando assim e talvez um dia acredite nisso."
Me levantei, a cadeira quase tombando para trás com a rapidez do movimento.
Eu não conseguia ficar naquela sala nem mais um segundo. Não conseguia respirar, ou pensar, ou qualquer outra coisa.
Tudo o que eu queria era sair dali e olhar para o céu, para me garantir de alguma forma que estava livre daquela prisão e que não estava enlouquecendo.
Pois era isso que eu sentia. Que pouco a pouco eu estava enlouquecendo.
"Steven!"
Pelo canto do olho vi Layla se levantar também e me seguir para fora da sala. O guarda que estava na porta pareceu surpreso por nos ver sair de súbito daquele jeito, mas eu não liguei, continuei andando pelos corredores em busca da saída daquele lugar. Layla praticamente corria, tentando me acompanhar.
"Preciso sair daqui", sussurrei, tentando me lembrar de como respirar. Por que de repente eu parecia incapaz daquilo também, assim como descobrir exatamente o que aconteceu com a minha mãe. Com o passado dela. "Eu não consigo..."
Mas eu não completei, pois naquele momento sai da penitenciária, me vendo no pátio amplo que levava até os portões de ferro que me tirariam dali.
Os guardas do portão, ao longe, o abriram assim que me viram aproximar, e em poucos minutos eu estava fora da penitenciária, deixando para trás Scarlet Maxwell e suas mentiras.
Por mais que elas ainda estivessem bem vivas na minha mente.
Então, antes que eu conseguisse chegar ao carro, um trovão soou, tão forte que eu poderia jurar que o chão tremeu aos meus pés.
No mesmo instante, a chuva desabou.
Eu olhei para trás, deparando-me com Layla parada no meio da trilha que levava aos portões da penitenciária. Ela abraçava o corpo com força e mantinha os olhos fechados, seu peito subia e descia em uma respiração pesada.
"Layla...", sussurrei, e de repente tudo o que atormentava minha mente desapareceu. Só havia Layla, parada e com medo, tentando não entrar em desespero.
Corri até ela, meus movimentos consideravelmente mais lentos, porque minhas roupas já estavam pesadas e grudadas ao corpo.
Quando cheguei até ela, Layla abriu os olhos e percebi que ela ainda estava ali, comigo, lúcida e lutando contra o medo que era visível em cada parte do seu rosto.
"Steven", ela sussurrou. Seu queixo batia violentamente e seus lábios já estavam ficando roxos. "Eu... Não consigo me mexer." E, como que para enfatizar o que ela tinha tido, um raio cortou o céu e atingiu a Terra, em um estrondo de gelar os ossos.
Ela não precisou dizer mais nada. No mesmo instante passei um dos braços por seus ombros, sussurrando que eu estava ali com ela, como muitas vezes ela também esteve comigo. E, por algum milagre ou algo assim, suas pernas se moveram e nós corremos até o carro.
____________________👑___________________
Oii gente! Tudo bem com vocês?
Sei que demorei um pouco para postar a continuação, mas é que o último capítulo me deu bastante trabalho e eu precisava decidir os próximos passos da história, mas agora já está tudo normalizado e as postagens devidamente programadas!
Além disso, nessa última semana aconteceu uma coisa muito especial: eu ganhei o Wattys! Sei que essa não é uma desculpa muito boa, mas fiquei tão feliz com isso que todo o resto pareceu ofuscado hahaha <3
Bom, espero que vocês tenham gostado desse capítulo! Já quero muito ler os comentários de vocês sobre o mistério que está cada vez mais confuso! Ah, e antes que eu me esqueça, o capítulo vinte e dois já está quase pronto e pretendo postá-lo o mais rápido possível para compensar vocês pela demora na atualização!
Bom, por hoje é isso pessoal, mil beijos e até mais!
Ceci.
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