Capítulo Trinta - Steven
Naquele pequeno cômodo apertado e empoeirado do palácio, rodando o pequeno gravador em minhas mãos trêmulas, eu não conseguia parar de pensar que algo poderia dar errado.
Havia tantas opções, tantas coisas que poderiam sair do planejado, que eu estava a ponto de ter um colapso.
De um dia para o outro, o meu maior objetivo da vida era encurralar Arabella. Fazê-la pagar por todo o mal que um dia tinha causado a minha mãe e a minha família, e se por acaso isso saísse do controle... Eu não conseguia nem pensar.
Do outro lado do espelho falso, vi Ivanna sentada em uma cadeira em frente a uma antiga lareira apagada. A pouca luz do local entrava por uma janela estreita que dava para algum ponto mais esquecido do palácio, assim como aquele lugar.
Assim como Layla e eu, Ivanna estava aguardando. Enquanto a observava, me perguntei como ela conseguia permanecer tão calma.
Eu, ao contrário dela, sentia como se o meu estômago estivesse sendo empurrado para mais fundo no meu corpo, meus músculos estavam tão tensos quanto gesso e eu podia garantir que, se minhas mãos ficassem um pouco mais geladas, congelariam por completo.
Naquele momento, senti uma mão pequena e quente segurar meu braço, o apertando com carinho.
Olhei para Layla.
Ao meu lado naquele lugar escuro ela parecia quase tão pálida quanto eu.
"Sei que isso não vai ajudar a melhorar seu estado de nervos, mas tem certeza de que Arabella não tem conhecimento desse espelho falso?"
Lentamente eu assenti, olhando através do vidro escuro como se ele fosse minha única armadura. E ele realmente era.
"Até onde sei, eu sou o único que sabe", falei lentamente. "Quando era criança e os gêmeos ainda não tinham chegado, eu gostava de sair explorando cada mínima parte do palácio que pudesse alcançar. Até mesmo aquelas que eram um pouco negligenciadas. Devia ter cerca se nove anos quando subi até aqui e esbarrei em uma silencia na parede do corredor. Quando a parede se moveu entrei nesse cômodo e vi o vidro e a salinha do outro lado que já era conhecida por mim. Por um segundo, pensei estar em outro mundo, no outro, fiquei desesperado para sair e me perguntando se morreria sem ar ou comida aqui dentro."
Layla sorriu timidamente.
"Nem me diga." Ela olhou pelo ponto da parede por onde tínhamos entrado, que agora se encontrava totalmente selado. Quando mostrei a passagem para ela, pensei que ela desmaiaria de tanta excitação. "Porque será que isso foi construído? Será que alguém rei ou rainha do passado fez isso por um motivo especial ou sempre esteve aqui, desde a fundação do palácio?"
Surpreendentemente, sorri com a curiosidade de Layla. Mesmo estando tão nervoso, eu não poderia ignorar o quanto ela ficava bonita daquele jeito, fazendo mil perguntas e tentando desvendar o passado.
"Eu não sei", respondi. "Acho que quem construiu isso não queria que ninguém soubesse, caso contrário não seria secreto e estaria nos registros do palácio. Sabe-se lá Deus quantas passagens secretas há nesse lugar que ainda não descobrimos."
Os olhos de Layla brilharam como duas estrelas cadentes ao ouvir aquilo.
"Impressionante..."
Naquele momento Ivanna se moveu e olhou diretamente para nós, quase como se pudesse nos ver através do seu lado do espelho. Com uma cara aborrecida, ela levou um dedo até os lábios no sinal universal de silêncio.
Estávamos fazendo barulho de mais. Não podíamos ser vistos, mas podíamos, sem sombra de dúvida, ser ouvidos.
Mais cedo, quando eu tinha levado Ivanna e Layla até aquela pequena saleta do outro lado e ao cômodo escondido, as duas concordaram que o lugar parecia excelente, ainda mais levando em conta minhas garantias que ninguém sabia daquele lugar e daquele espelho a não ser eu. Porém, agora, as inseguranças se amontoavam todas na minha mente, me fazendo duvidar até mesmo da minha própria sombra.
Depois de definirmos o lugar e conseguirmos os gravadores de última geração dignos de espiões que Ivanna precisava em um lugar sigiloso em Arthenia, ela havia escrito sua carta para Arabella, dizendo que desejava se encontrar com ela naquele lugar e em um determinado horário. Ivanna não se esqueceu de assinar a correspondência, nem de falar que se caso Arabella fizesse algo antes das duas conversarem, em menos de um segundo todos saberiam de tudo.
Era claro que minha madrasta sabia o que aquele tudo significava.
Ivanna já era uma criada conceituada no palácio no apenas um ano que passou ali depois de ter voltado, por isso tinha permissão de limpar os cômodos mais prestigiados do palácio, inclusive o escritório particular de Arabella.
Aquela altura, a carta que tinha deixado em cima de sua mesa já tinha sido lida e estraçalhada em mil pedaços.
Agora só restava esperar.
"Tem certeza de que isso vai captar o som do outro lado?", Layla perguntou baixinho, indicando o gravador em minha mão.
"Sim", respondi com certeza. Pelo menos aquilo não tinha chance de dar errado. "O contato que consegui foi bem claro ao dizer que esses gravadores são os melhores da atualidade. De todo modo, vamos descobrir se ele está certo logo, logo."
Olhei para Ivanna, mais especificamente para o bolso pequeno e discreto que havia na saia de seu vestido. Ali, o segundo gravador se encontrava já ligado e pronto para captar qualquer barulhinho que seja. Especialmente as palavras de Arabella.
Quando discutimos nosso plano, sabíamos que todo cuidado com a rainha era pouco, por isso Ivanna decidiu que dois gravadores e um lugar onde eu pudesse me esconder sem ser visto para gravar tudo era essencial.
Na nossa cabeça, tudo estava ótimo, restava ver como as coisas funcionariam na realidade.
Naquele momento, sons de passos pesados foram ouvidos do lado de fora. Não na sala onde Ivanna estava, mas no corredor, ao lado da parede por onde tínhamos entrado. Antes que pudéssemos identificar o que era tudo aquilo, a porta da sala foi aberta e Layla e eu assistimos Arabella entrar com dois guardas altos e fortes a tiracolo.
No mesmo segundo meu coração deu uma cambalhota no peito e eu segurei a mão de Layla. Ela estava trêmula, como a minha.
Lentamente eu me levantei e liguei o gravador.
"Ivanna!", Arabella disse no momento em que seus olhos azuis se encontraram com a senhora sentada na cadeira. Ela tinha um sorriso enorme no rosto e caminhou até Ivanna de braços abertos, envolvendo-a em um abraço antes mesmo que ela se levantasse. "Ah, querida Anna, porque nunca mais me mandou uma carta? Por dez anos me perguntei por onde estaria andando. Senti tanto a sua falta!"
Layla e eu nos entreolhamos. Nós dois parecíamos tão chocados quanto Ivanna, que ainda estava nos braços de Arabella.
"Temos muito que conversar", minha madrasta disse, agora se afastando um pouco de Ivanna e acenando para a porta da sala. De lá, uma criada carregando uma bandeja de chá entrou. "Você deve imaginar como tudo anda corrido por aqui. Governar não é nada fácil, mas é claro que eu tiraria algumas horas para passar com você. Tenho tanta vontade de relembrar os momentos da minha infância, quando você me levava para brincar naqueles campos enormes de Partelia..." A criada pousou a bandeja numa mesinha de madeira velha de centro e Arabella sorriu para ela. "Obrigada querida." De sobressalto ela se virou para os guardas. "Senhores, por favor, vocês estão liberados. Podem me esperar aqui por perto. Por favor, fechem a porta ao passar."
Os guardas fizeram uma profunda reverência e desapareceram pela porta, fechando-a atrás de si.
Só naquele momento percebi o quão forte eu estava segurando a mão de Layla.
Dali, eu podia ver Arabella claramente, tão de perto que poderia perceber seu peito subir e descer em uma respiração mais profunda. Parecia que, a qualquer momento, ela viraria a cabeça e olharia para nós também, ali daquele lado do espelho, parados e amedrontados.
Na saleta, o silêncio reinou. Arabella preparava o chá como se estivesse prestes a realmente passar boas horas com uma velha amiga, já Ivanna a media de cima a baixo, sem ceder.
"Você sempre foi uma boa atriz", falou Ivanna naquele momento, a voz baixa ressoando. "Parece que sua habilidade melhorou com o passar dos anos."
Arabella soltou um pequeno suspiro, como se estivesse muito cansada.
"Realmente. Mas quis Deus que eu me tornasse a governante de um país, não uma atriz. Todos têm o destino que merecem. Aceita chá?"
Ivanna sorriu de forma afetada para Arabella. Com mãos firmes, pegou a xícara de chá e em um segundo despejou todo o líquido no tapete puído da sala.
"Não ouso beber nada que você me ofereça, Arabella", disse Ivanna secamente. "Não sou idiota."
Arabella soltou uma risadinha, dando de ombros e erguendo sua própria xícara aos lábios.
"É uma pena", ela falou, em seguida tomando um pequeno gole. "O chá está realmente divino."
Ivanna se recostou na cadeira, inclinando ligeiramente a cabeça e observando Arabella. Sua paciência estava quase me matando por dentro.
"Suponho que recebeu minha carta."
"Certamente. Estou aqui, não estou?"
"Sua tranquilidade me surpreende."
"É porque eu estaria nervosa? Você não pode fazer nada contra mim mesmo que queira."
Ivanna sorriu, inclinando-se para mais perto de Arabella.
"Eu não teria tanta certeza. Sabe, me pergunto quanto tempo esse império que você construiu em torno de si mesma duraria se meia dúzia de palavras fossem trocadas com o rei a respeito de sua falecida esposa."
Arabella não respondeu de imediato, ao invés disso pousou sua xícara na mesa e mediu Ivanna com o olhar.
"Não sei do que está falando."
Ivanna riu sonoramente. Ela estava agindo exatamente como Arabella agia, com desprezo e ousadia.
"Vai bancar a sonsa agora?", ela perguntou com um sorriso nos lábios. "Bella, você pode fazer melhor do que isso. Há anos sei a verdade. Sei de coisas que você nem ao menos imagina."
"Que são?", perguntou Arabella, mas naquele momento percebi um ligeiro tremor em sua voz, quase que imperceptível.
Ivanna cerrou as mãos em punhos no colo, seus olhos castanhos encarando Arabella quando falou:
"Que você a matou. Louisa. Sua própria prima. Que a fez perder o primeiro filho daquele jeito horrível, que..."
"Basta", Arabella falou, sua voz firme como gelo fazendo todo o meu corpo se arrepiar. "Tudo isso é..."
"Eu a vi uma semana depois da morte de Louisa", continuou Ivanna, sem se abalar. "Nas colinas. Estava cansada de derramar lágrimas falsas? É claro, depois de todo o trabalho que teve matando Louisa e saindo impune, você quis comemorar com uma garrafa de vinho."
Arabella se levantou de súbito, a saia de seu vestido carmim rodopiando.
"Você não tem provas da barbárie que está dizendo", falou Arabella. "Isso tudo é..."
Então foi a vez de Ivanna se levantar. Mesmo já tendo certa idade, ela mostrava força e era pelo menos alguns centímetros mais alta que Arabella.
"Foi por isso que eu fui embora naquela época. Viajei pelo condado e revivi o passado guardado em minha própria memória. Por anos você teve inveja de Louisa, por anos a odiou. Se lembra do que revelava a mim a respeito dela? O que era amor se transformou em ódio e eu vi a menina que eu ajudei a criar se transformar pouco a pouco em um monstro."
"Cale a boca!", sibilou Arabella, seus olhos injetados de fúria. "Você não sabe de nada, Ivanna. Pensa que sabe, mas está enganada. Louisa era quem me odiou primeiro. Tudo que eu amei ela tirou de mim e esbanjava a vida que tinha para que eu me sentisse inferior. Sempre foi assim."
Ivanna fechou os olhos com força, negando com a cabeça.
"Louisa nunca odiou você, Arabella", ela falou. "Nunca. Ela te amava como amava os próprios irmãos. E você a matou."
Arabella não respondeu, andou pela saleta como um animal enjaulado.
"Ninguém nunca acreditaria em você, sua velha maldita", ela disse por fim, cuspindo. "Não tem provas. Tudo o que tem são suas palavras imundas e as lembranças em sua mente que não podem ser exibidas em um telão para que Carl veja."
"Como você..."
"As coisas estão melhores assim, Ivanna!", Arabella gritou, abrindo os braços como se quisesse mostrar a si própria para a antiga criada. "A vida inteira eu fui nada. A vida inteira vivi na sombra de Louisa. Ela tinha tudo o que eu não poderia ter. Ela tinha..." Mas Arabella não concluiu, de repente seus olhos estavam cheios de lágrimas.
"Riqueza?", sugeriu Ivanna, fria. "Status? Isso tudo é..."
"Amor", falou Arabella, interrompendo-a. "Louisa tinha amor." Agora as lágrimas rolavam por seu rosto livremente. "Ela tinha o amor dos pais, dos irmãos, dos criados e das pessoas que nem a conheciam. Ela..."
Ivanna deu um tapa na mesa, como se já estivesse cansada de ouvir.
"Se isso é uma tentativa para que eu fique com pena de você..."
"Não!", gritou Arabella, agora enxugando as lágrimas com tanta força que as unhas deixaram marcas em seu rosto. "Acha que preciso da sua pena? A verdade é que eu poderia ter convivido com aquilo, mesmo odiando o fato de ser a segunda filha de uma segunda filha. De não ter nada mais do que migalhas. Eu poderia sobreviver. Mas não depois do palácio. Não depois que ela o tirou de mim."
"Carl nunca foi seu para que Louisa o tirasse de você", disse Ivanna. "Você alimentou em sua mente ideias e fantasias de um romance com ele, e quando não foi correspondida..."
"Ela o odiava!", falou Arabella, o rosto vermelho. "Não gostava dele, mas sabia que eu gostava. Contei para ela e para você o meu interesse nele."
"Arabella, vocês não passavam de crianças na época", Ivanna disse com a voz trêmula, como se não conseguisse mais continuar. "Se Carl gostava de Louisa e mais tarde ela começou a retribuir esses sentimentos, você deveria ter seguido em frente. Tem noção de como era doentio? Do que tudo isso fez com você?"
Arabella não respondeu, apenas ficou olhando para o nada, o rosto molhado revelando o caos que ocorria dentro dela.
"Eu o amava com todo o coração, Anna. Amo ainda mais agora. Tudo o que um dia em sempre quis, status, dinheiro, amor, tudo isso eu encontrei em Carl. Mas, por mais que não acredite em mim, quando percebi o quanto gostava dele, de repente todas as outras coisas ficaram em segundo plano, mesmo aquelas que minha mãe costuma dizer serem tão importantes. E não me importo que não tenhamos filhos juntos, ou que uma parte dele sempre seja de Louisa. Ela está no passado como todo o resto. Não pode mais me atingir e nem voltar para ele."
"Louisa está morta, Arabella", disse Ivanna, e naquele momento a vi perder ligeiramente o controle. Suas mãos tremiam e seus olhos estavam marejados. "Ela tinha acabado de ter seus filhos, ainda tinha uma vida toda pela frente e..."
Arabella se virou para Ivanna de súbito, e havia tanto ódio em seus olhos que senti Layla soltar minha mão e se afastar do vidro do espelho.
"Eu odiava Louisa", ela falou, e as palavras foram proferidas com tanta verdade e força que senti um arrepio correr pela minha espinha. "Eu a odiava por ter tirado Carl de mim e pela vida sempre ter sido tão fácil para ela. Quer saber de uma coisa, Ivanna? Ver os olhos de Louisa me encarando quando a derrubei daquele penhasco foi a melhor coisa que já me aconteceu. Ela gritou e tentou me segurar, me puxar para o inferno junto com ela, mas eu fiquei na borda, observando seu corpo se despedaçar nas pedras lá embaixo, exatamente do modo como ela fez com a minha alma quando tirou a única coisa que me trazia esperança de uma vida melhor." Arabella sorriu, um sorriso cruel, repleto de raiva e ódio de anos acumulado. "Então Carl e eu nós aproximamos durante todo aquele ano, fiz com que ele gostasse de mim e me pedisse em casamento, mesmo contra todas as probabilidades. Só mais tarde fui descobrir que ele tinha feito aquilo não porque me amava do fundo do coração, mas porque queria uma mulher que os filhos dele gostassem para substituir o lugar de Louisa como mãe. E eu podia fazer aquilo, é claro que podia, mesmo odiando aquelas crianças por serem fruto de Carl com aquela vagabunda. Steven e Margot sempre foram tão parecidos com Carl... Se me esforçasse, podia fingir que eles eram realmente meus e dele. Criancinhas de olhos claros. Mas Sebastian..." Arabella agora parecia falar para si mesma, mergulhada no passado. "Toda vez que olho para aquele garoto é como se Louisa estivesse aqui, viva na minha frente, me julgando com seus olhos castanhos. Eu não aguentei. Não aguentava ver Carl tão próximo dele, daquela parte de Louisa que permanecia aqui, tão viva." Arabella suspirou e encolheu os ombros, abrindo um pequeno sorriso. "Eu sabotei o trenó daquele garoto no inverno. Ninguém nunca soube. Pensei que ele só se machucaria um pouco, nada demais, com sorte, bateria a cabeça em uma pedra ou em uma árvore e morreria, mas tudo aconteceu bem melhor do que o planejado." Arabella riu e um brilho doentio tomou conta de seus olhos. "Deixei o garoto aleijado. O principezinho, o mais parecido fisicamente e emocionalmente com a minha falecida prima preso para sempre em uma cadeira de rodas. A morte dele não seria tão doce para mim quanto isso."
Lentamente, foi como se tudo ao meu redor desmoronasse.
Meu corpo parecia suspenso por uma fina corda que a qualquer momento arrebentaria, me fazendo cair também do alto de um precipício.
De repente, a imagem do meu irmão mais novo me veio tão clara na mente que foi como se ele estivesse do meu lado, e não em alguma parte do castelo, com certeza lendo um livro, pois agora aquela era a maneira mais fácil para ele de viajar para outros lugares e conhecer novas pessoas.
Então a imagem se desfez e o vi em uma versão um pouco mais nova chorando em um hospital, de olhos fechados e tampando os ouvidos com força, se recusando a olhar para a cadeira de rodas que tínhamos trazido para buscá-lo.
"Eu não quero, pai. Por favor... Por favor. O médico pode me consertar. Eu sei que ele pode. Onde está Margot? Ela vai dizer a ele."
O dia do acidente me voltou à memória, apenas dois Natais atrás. O trenó voando e um filete de sangue vermelho de Sebastian se misturando com a neve branca.
Então de novo a imagem mudou e me vi sozinho em meu apartamento em Partelia, três meses depois do acidente, socando um saco de pancadas até que finalmente um soluço gutural escapasse dos meus lábios e eu caísse no chão frio, me perguntando qual seria o modo menos doloroso de acabar com tudo aquilo.
De súbito, abri os olhos que eu não tinha me dado conta de ter fechado.
O sangue corria nos meus ouvidos e tudo parecia um borrão.
Eu iria quebrar aquele vidro.
Iria quebrá-lo e acabar com Arabella.
"Steven, não...", uma voz amedrontada sussurrou ao meu lado quando ergui um punho para acertar o espelho. "Por favor."
Meus olhos se encontraram com os de Layla. Ela estava chorando, segurando meu braço com toda a força que tinha.
Mas eu estava acabado.
Arabella era a responsável por acabar com a minha vida. Por me fazer tantas vezes pensar que não havia mais nada naquele mundo para mim a não ser a solidão de um apartamento distante.
Minha mãe tinha morrido por conta dela. Um bebê que poderia ser meu irmão mais velho também se fora. A condição de Sebastian pela qual me culpei por todo aquele tempo... Sempre foi Arabella.
De repente, a prisão parecia pouco demais para ela.
Naquele instante os olhos azuis de Arabella se viraram pela primeira vez para o espelho, como se tivesse ouvido alguma coisa.
Tanto eu quanto Layla nos afastamos, como se ela já soubesse que estávamos ali.
Eu teria tempo para sentir tudo o que invadia o meu peito depois.
Por ora, tinha que manter o sangue frio e seguir com o plano.
"Eu quero dinheiro", disse Ivanna calmamente, quando percebeu o que Arabella observava. "Voltei por isso. Apesar de descobrir a verdade, deixei isso no passado, por mais doloroso que seja. Todas as minhas economias foram perdidas, Arabella, e preciso de dinheiro para viver o resto da minha vida longe desse maldito país."
Arabella então voltou os olhos para Ivanna, como se de repente acordasse de um pesadelo.
"Dinheiro?", ela perguntou. "Te dou dinheiro e você vai embora para nunca mais aparecer?"
Ivanna assentiu.
"E por que devo confiar em você?"
Ivanna abriu a boca, mas nada saiu dela.
Arabella riu.
"Foi o que pensei. Bom, darei o que você quer, mas primeiro quero que me responda uma coisa: tem alguém com você nisso tudo? Alguém para quem contou... o que eu fiz?"
"Não", Ivanna respondeu, nem tão rápido nem devagar demais. Ela era uma boa mentirosa. "Do que adiantaria? Não tenho provas, como você mesma disse."
Arabella lentamente assentiu, mas eu podia ver as engrenagens do seu cérebro girando.
Ela se aproximou de Ivanna e um longo tempo se passou até que ela dissesse calmamente:
"Você acha que eu sou burra?"
"O quê?"
Arabella olhou bem fundo nos olhos de Ivanna quando disse:
"Te conheci a vida inteira sua velha tola. Sei como é. Sei como pensa. Acha que eu acredito que manteria a boca fechada em troca de dinheiro? Nada lhe daria mais satisfação do que ver justiça sendo feita por sua amada Louisa e o filho nojento dela. Até mesmo você, que cuidou de mim a vida inteira, aquela bastarda tirou de mim." Arabella sorriu maliciosamente. "Você não deveria ter saído do seu buraco, querida Anna. Não deveria ter ganhado este posto no palácio para se aproximar de mim de novo. Se a deixar livre, não lhe dou mais do que um ano para encontrar algo que possa me incriminar. E eu não vou, ouviu bem? Não vou deixar tudo o que eu levei anos para conseguir ser tirado de mim por você."
Então, com a rapidez de um lince, Arabella ergueu uma mão e estapeou o próprio rosto, ao mesmo tempo em que soltava um grito estridente e caia no chão de joelhos.
"O que você está fazendo?!", gritou Ivanna, desesperada.
Arabella usou as unhas para machucar os braços e o rosto, e com um só puxão arrancou o colar de pérolas de seu pescoço, fazendo com que as pedras rolassem pelo chão.
"Pare Ivanna, por favor!", ela gritou, enquanto lágrimas falsas rolavam por seu rosto. "Por favor, você está me machucando!"
Ela se estapeou ainda mais, e tanto eu quanto Layla estávamos tão embasbacados que não conseguimos mexer um músculo.
O som de passos apressados foram ouvidos no corredor, e, antes que os guardas entrassem, Arabella sorriu para Ivanna. Seu rosto estava arranhado e continha grandes hematomas. Um filete de sangue escorria de seus lábios.
"Se eu fosse você, não comeria nem beberia nada enquanto estiver nas masmorras do palácio."
Então a porta da sala foi aberta com um estrondo e Arabella voltou a chorar, se arrastando no chão como um animal ferido.
"Majestade!"
"Eu não sei o motivo pelo qual ela fez isso", disse Arabella em um sussurro, enquanto um dos guardas se atirava contra Ivanna e segurava seus braços com força. "Anna... Anna, por que me atacou? Eu só queria entender o que você andou fazendo por esses anos..."
Então um dos guardas arrastou Ivanna para fora da sala e nós a perdemos de vista. Seus olhos revelaram a dor que sentia pelo aperto de ferro do guarda.
O outro guarda permaneceu perto da rainha, mas ela o dispensou com um sussurro, dizendo que queria ficar sozinha por um segundo até se recuperar do choque.
Algum tempo se passou até ela se levantar do chão e limpar o sangue da boca.
"Porque essa desgraçada foi aparecer logo agora?", ela disse sozinha, se abaixando para pegar uma das pérolas de seu colar do chão. "Depois de todos esses anos... Por que diabos fui para as colinas naquele dia, afinal? Apesar de tudo, ainda era tola o suficiente para cometer um erro tão ridículo..."
Então ela parou de súbito, cerrou os olhos e pareceu pegar algo do chão. No mesmo instante ela se virou de costas e nós não podemos ver o que era.
Ela ficou parada por um longo tempo e eu me perguntei o que estava acontecendo, até que Arabella saiu da sala sem mais voltar.
Layla e eu ficamos em silêncio por um longo tempo, sem ousar respirar normalmente por medo de provocarmos qualquer ruído.
"Ivanna...", ela disse por fim, com lágrimas nos olhos.
"Nós já sabíamos que isso podia acontecer", falei baixinho, ainda estava atordoado demais para pensar direito. "Por isso temos o nosso gravador. Prometo que assim que mostrarmos isso para o meu pai e para todos os nobres que irão aparecer no palácio amanhã, vamos tirá-la de lá. Vou cuidar para que ela não seja envenenada por Arabella."
Layla assentiu lentamente e nós continuamos nos entreolhando por longos minutos.
"Ela vai pagar", Layla disse, com lágrimas silenciosas escorrendo por seu rosto. "Conseguimos pegá-la." Eu assenti, um alívio momentâneo se instalando pelo meu peito quando olhei para o gravador.
"É melhor isso ficar com você", disse, lhe estendendo o pequeno aparelho. "Guarde o bem. Arabella é ardilosa, por desconfiar de mim, mas não de você."
Layla assentiu, pegando o gravador com as mãos trêmulas.
Então ela me abraçou, ficando na ponta dos pés e envolvendo meu pescoço com os braços.
"Vai ficar tudo bem, ok?"
Eu envolvi sua cintura com carinho, mantendo meus olhos secos enquanto disse:
"Eu sei que vai. Caso contrário, não vou saber o que mais fazer."
____________________❤️____________________
Oiii gente! Desculpe pela infinita demora em postar o capítulo, mas é que este em particular exigiu muito de mim e eu queria que fosse bom o suficiente para vocês. Consegui?
Esse encontro de Arabella com Ivanna... Foi difícil! O que acharam?
E a revelação de Arabella sobre Sebastian? Estavam esperando?
Às vezes eu mesma me surpreendo o quão cruel ela é e quão complexa é sua história. Sou meio manteiga mole e chorei bastante escrevendo isso... Kkk
Bom, espero que vocês tenham gostado! Estamos na contagem regressiva agora, faltam cinco capítulos totalmente intensos para o livro acabar!
Muitos beijos e até semana que vem galera!
Ceci.
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