Capítulo Trinta e Um - Layla
À noite, quando estava prestes a vestir o meu pijama e me deitar, percebi sem nenhuma relutância que seria impossível pregar os olhos até o amanhecer.
Como eu poderia?
No dia seguinte, algo grande aconteceria. Algo monstruoso. E eu não fazia ideia de como agir.
Andando pelo meu quarto tentando encontrar qualquer coisa em que pudesse colocar as mãos e ajeitar, minha mente não parava de ir ao encontro de Ivanna, solitária em uma das prisões do palácio.
Era verdade que nós já sabíamos que aquilo poderia acontecer, ela tinha dito a mim e a Steven que Arabella jamais confiaria nela e daria um jeito de tirá-la do caminho, por isso tínhamos dois gravadores. Mas mesmo assim...
Mordi o lábio inferior com força, não pela primeira vez desejando estar em casa e longe daquela confusão. Mas eu não podia. Na verdade, nem tinha certeza se queria aquilo realmente.
Steven precisava de mim e eu sabia que jamais conseguiria deixar tudo aquilo para trás sem antes ter terminado. Não podia, em hipótese alguma, saber sobre aquela assassina e mesmo assim entrar em um avião e deixá-la ali, com suas tramas e oferecendo risco de vida para todos ao seu redor.
Sebastian era prova disso.
Assim que pensei nele - pela centésima vez naquele dia - tive vontade de chorar.
A morte de Louisa era horrível, algo digno das séries dramáticas de TV, causada pela vilã mais monstruosa. Mas o que ela fez com Sebastian... Como ela disse aquilo em voz alta e com um sorriso no rosto...
Aquilo passava dos limites da maldade. Era doentio. Doentio em um nível que eu nunca tinha visto antes.
Naquele momento meu celular apitou e percebi que uma mensagem de Alexia tinha chegado.
Ela havia saído do meu quarto há pouco, mas como sempre nós éramos do tipo que não conseguíamos ficar sem nos falar por mais de duas horas, mesmo quando ambas deviam estar no sétimo sono.
Boa noite, fofa. Sinto muito que essa não seja a melhor passagem de ano para você. Achei que devia ter te contado antes que no palácio não costumamos comemorar o ano novo porque a atenção de todos está sempre voltada para o dia primeiro de janeiro e a prestação de contas da Coroa para alguns dos nobres do país. Sei que você já disse que não está nem aí, mas a verdade é que eu estou. Sempre viro o ano com pelo menos três garrafas de champanhe vazias ao meu redor, você sabe. Ano que vem prometo que vou planejar algo melhor para a gente. Beijinhos.
Eu sorri, olhando para as palavras com certo carinho.
A verdade é que eu realmente não dava a mínima para o ano novo. Tanta coisa tinha acontecido nos últimos tempos que o dia trinta e um de dezembro não passava de mais um dia para mim em meio a todo aquele mistério e drama em torno de Arabella.
O que me preocupava, de verdade, era o dia seguinte.
Quando Ivanna disse que desmascarar Arabella na frente de todo mundo era a melhor chance que tínhamos, nem eu nem Steven contestamos muito.
Iríamos aproveitar que todos os principais nobres do país se reuniriam no dia primeiro em uma reunião/festa no palácio para expor a rainha e suas mentiras.
Mas agora, pensando bem, eu não sabia se aquela era uma boa ideia.
O rei merecia uma explicação antes. Saber de tudo do modo como tínhamos planejado... Seria um choque. Mas o que podíamos fazer?
Não dava para sentar com ele e dizer que sua atual esposa tinha matado a antiga e esperar que ele ficasse numa boa. Ele perderia a cabeça e Arabella perceberia. Poderia até dar um jeito de se safar.
Talvez o melhor, por pior que possa parecer, seria expô-la de um modo que não conseguiria dar dois passos para fora do palácio sem antes ser pega e jogada em uma prisão até o julgamento.
Mas tinha outra coisa, algo pior e mais doloroso até mesmo do que o choque do rei ao saber de tudo de repente.
Peguei o celular e digitei para Steven.
Nós tínhamos conversado pouco tempo antes, mas agora que tinha me lembrado daquilo parecia certo conversar com ele.
Oi. Ainda está acordado? Bom, eu estava pensando, Steve, é não quero que todos escutem o que Arabella fez com Sebastian. É cruel demais. Depois que todos escutarem sua confissão a respeito de Louisa, podemos desligar o gravador e mostrar a parte em que ela fala de seu irmão somente para o seu pai.
Steven não levou nem meio segundo para responder.
Nem por um segundo pensei em deixar que ele escutasse o que Arabella confessou. Sebastian já sofreu demais para ter de, em um dia só, descobrir que a morte da minha mãe e o que aconteceu com ele foi causado por uma pessoa que sempre esteve por perto, se fingindo de boa.
Eu suspirei, sentindo-me um pouco mais aliviada. Pelo menos um pouco de dor poderíamos poupar, até que Steven e seu pai encontrassem um modo de, um dia, contar a Sebastian o que realmente o fez ficar preso a uma cadeira de rodas.
Antes que eu pudesse digitar uma resposta, meu celular vibrou em minhas mãos e eu sorri ao ver o nome de Steven no visor.
"Oi", sussurrei quando atendi a chamada, sentando-me na cama para conversar com ele.
"Oi. Pensei em te dar boa noite, boa sorte e... um feliz ano novo."
Eu sorri tristemente, encarando a parede do meu quarto.
"Vai ser um bom ano", eu disse, embora não pudesse ter certeza daquilo. "Para nós dois."
Steven ficou em silêncio por um tempo e eu senti meu coração pesar.
"Como você está?", perguntei.
Já tinha feito a mesma pergunta para ele umas mil vezes depois que saímos do nosso pequeno esconderijo do outro lado do espelho falso, mas mesmo ele dizendo sempre a mesma coisa, "vou ficar bem", eu não conseguia deixar de me preocupar e perguntar novamente.
Quem ficaria bem depois de descobrir tudo o que ele tinha descoberto naquele dia? Eu não conseguia imaginar tanta dor e sofrimento.
Mas talvez seja isso, aquele velho ditado que dizia que ninguém recebe um peso maior do que consegue carregar.
Talvez, por maior que tenha sido aquele peso, Steven conseguia ser forte o suficiente para suportá-lo.
"Não estou bem, mas você sabe disso", Steven respondeu do outro lado da linha com um suspiro pesado. "Mas tenho de manter a cabeça fria para amanhã. Quando isso passar, terei muita coisa para contar ao meu pai, e ainda preciso me preparar para o tipo de coisa que a mídia vai dizer quando descobrir..."
Eu mordi o lábio inferior com apreensão.
"Isso não pode ser abafado, não é?"
"Impossível. Como vamos explicar a ausência da rainha?"
Eu suspirei, deitando-me na cama e encarando o teto como se ele tivesse as respostas para os meus problemas. Mas ele não tinha, é claro.
"Não vou conseguir dormir essa noite e você provavelmente também não", falei baixinho. "Se quiser ligar e conversar a qualquer hora..."
"Sei que vai estar aí para mim", ele disse, e foi quase impossível não sorrir ao ouvir aquilo. "Como sempre está."
Eu senti meu coração bater mais forte, assim como mais dolorosamente, quando pensei em tudo que nós já tínhamos feito e passado juntos naquelas poucas semanas.
Como era possível um coração pertencer a alguém em tão pouco tempo quanto o meu pertencia a Steven?
E eu sabia que não era apenas uma coisa passageira, algo platônico, porque, quando pensava em mim mesma ao chegar naquele palácio e quando me deparava com o meu eu de agora, percebia mudanças incontestáveis, muitas delas que eu sabia terem sido causadas por ele. Por aquele príncipe que me fazia sentir como eu nunca tinha me sentido antes.
Meus sentimentos, porém, não podiam ser analisados com mais afinco. Não naquela noite e possivelmente não nos dias que se passariam.
Eu tinha ajudado Steven a resolver o mistério por trás da morte de sua mãe, mas depois ele teria que trilhar seu próprio caminho sozinho, como muitas coisas nessa vida.
E eu teria que trilhar o meu.
"Boa noite", disse por fim, baixinho. "Espero que consiga descansar. Eu..."
Mas me calei assim que percebi o que estava prestes a dizer.
Era isso? As três palavras mágicas pronunciadas em uma ligação?
Senti meu coração disparar, pensando em como tudo tinha acontecido entre nós.
Apesar de rápido, não parecia errado. Afinal, se havia uma coisa que eu tinha certeza em meio a todo aquele caos palaciano, é que os meus sentimentos por Steven não eram outra coisa se não verdadeiros.
Aparentemente, ele também havia percebido o que eu estivera prestes a dizer, pois ficou calado por muito tempo. Eu quase conseguia ouvir as engrenagens de seu cérebro girando e ver seu rosto tão lindo enrubescer.
"Eu também, Layla", ele disse por fim, e foi como se o mundo de colorisse ao meu redor. "Eu também."
E então desligamos.
Por dois minutos - exatamente dois minutos - tudo pareceu bom e perfeito. Nenhum problema. Nenhuma preocupação com o dia seguinte.
Até murros socarem a minha porta.
Sobressaltada, eu me ergui da cama em um pulo.
"Abra a porta, em nome da rainha!", uma voz grossa disse, e eu senti minhas pernas bambearem. "Abra, já!"
Em menos de um segundo - sem nem saber ao certo porque estava fazendo aquilo e apenas seguindo um extinto pulsante do meu coração - eu peguei meu celular e apaguei todas as conversas com Steven que eu tinha, assim como o nosso registro de chamadas. Sentindo minhas mãos tremerem, peguei meu celular e o joguei em uma de minhas malas, o enterrando fundo embaixo de uma pilha de roupas.
Eu não sabia o porquê de estar fazendo aquilo, não sabia o motivo pelo qual meu coração estava quase saindo pela minha boca, mas sabia que se não escondesse tudo o que poderia ligar Ivanna, Steven e aquele mistério a mim, eu estava acabada.
Ali, numa tábua solta que eu tinha achado no meu banheiro mais cedo, eu tinha escondido o gravador. A única prova que Steven e eu tínhamos dos crimes de Arabella se caso não conseguíssemos chegar até Ivanna no dia seguinte e pegar o gravador dela.
Eu esperava, rezava, na verdade, que aquele esconderijo fosse bom o suficiente.
"ABRA A PORTA!", a voz grossa ordenou novamente, agora praticamente gritando.
Sem conseguir conter os tremores, fui até a porta do quarto e a abri.
Nem um pouco para a minha surpresa, Arabella entrou majestosamente no quarto, cercada pelos mesmos dois guardas fortes e assustadores que tinham acompanhando-a até Ivanna mais cedo.
"Majestade?", eu disse, tentando manter a minha voz o mais neutra que consegui. Mas era impossível.
Ela sabia. Dava para ver em seus olhos.
Em menos de um segundo, ela ergueu a mão para mim e me mostrou um aparelho pequeno e destruído, partido em mil pedaços.
O gravador.
Agora não restava mais dele do que peças desconexas.
"Não é muito resistente, se quer saber", ela disse com um pequeno sorriso. "Um dos meus rapazes conseguiu destruí-lo com duas pisadas mais fortes."
Mantive minha boca fechada, pois tinha medo que minhas palavras fracas e trêmulas me traíssem.
A rainha se virou e fechou as portas atrás de si. Os dois guardas permaneceram ao seu lado.
"Não tem nada a dizer, Srta. Bennett?", ela perguntou educadamente, voltando-se para mim. Seus olhos azuis me analisavam como se pudessem ler cada pensamento em minha mente e ouvir cada batida do meu coração acelerado. "Está muda?"
A rainha passou os olhos pelo quarto, lentamente analisando cada coisinha espalhada por ele.
"Você deveria começar a se explicar", ela falou calmamente, recolhendo a mão e entregando os restos do gravador para o guarda da direita, que era loiro e um pouco menor do que o outro. "Apesar de ter descoberto sua trama com Ivanna, ainda não sei o motivo pelo qual fez isso nem o que motivou você, uma estrangeira sem nenhum laço com a família real além de sua amizade com Alexia, se colocar em um perigo tão iminente tentando me fazer cair."
"Não sei do que está falando, Majestade", disse, me esforçando para olhar fundo em seus olhos. "Não sei quem é Ivanna."
Com um gesto suave, Arabella ergueu a mão para o guarda da esquerda, que em menos de um segundo deu um passo em minha direção e ergueu a mão pesada.
Quando senti a dor do tapa e o gosto de sangue na boca, eu já estava no chão, atordoada e vendo tudo ao meu redor girar.
Fechei os olhos com força, agarrando o carpete fofo com as mãos para tentar me firmar.
Por alguns segundos eu não acreditei que aquilo tinha acontecido. Não acreditei que estava naquela situação.
"Talvez isso refresque a sua memória", disse Arabella, olhando para mim de cima como se eu não fosse nada mais do que um animal ferido e indefeso aos seus pés. "Se não começar a falar, virá mais de onde veio este."
E ela não estava mentindo.
Por muito tempo, mantive a boca fechada, até que os tapas e agressões do guarda maior e mais forte arrancassem lágrimas dos meus olhos.
Eu queria gritar, chamar por alguém, mas simplesmente não conseguia e duvidava que sobreviveria o suficiente para ser socorrida se fizesse aquilo.
A dor em meu rosto me deixava tonta e enjoada, e logo um corte se abriu em meus lábios, fazendo com que o sangue derramasse.
"Não deixe que ela suje o carpete com sangue", falou Arabella depois do que deveria ser o quinto tapa do guarda. "Não quero vestígios dela aqui."
"Sim, Majestade."
E, com brutalidade, o guarda segurou meu rosto e limpou o sangue que escorria pelo meu queixo.
Então Arabella veio até mim e se abaixou, para que seus olhos ficassem na altura dos meus.
Nunca pensei que sentiria ódio de alguém a ponto de querer provocar um assassinato. Mas, naquele momento, enquanto ela me olhava com calma e com um sorriso no rosto, soube que se tivesse forças seria capaz de matá-la.
Então ela revelou para mim um medalhão dourado que carregava no pescoço, o abriu e, de lá de dentro, tirou um único fio de cabelo castanho que balançou suavemente no ar.
"Achei isso naquela sala depois que mandei Ivanna para a prisão", ela disse baixinho. "Sempre tive olhos muito bons, eu diria até melhores do que os da maioria, e não foi difícil perceber isso quando me abaixei para pegar uma das pérolas do meu colar. Estava bem perto da minha mão." Ela então olhou para o fio de cabelo como se fosse algo interessante e revelador. "Ivanna tem cabelos brancos, os meus são loiros e eu sei que há algum tempo ninguém vai até aquela sala na torre para limpá-la. Deu para perceber pela poeira do local. Então..." Ela sorriu para mim sugestivamente. Eu queria desaparecer, encolher até sumir daquele lugar. "Claro, talvez não fosse nada, talvez alguém tenha entrado ali. Alguma mulher de cabelos castanhos. Não podia saber que era você, mas então fui visitar Ivanna agora a pouco e..."
Arabella ergueu a mão para o guarda loiro, que no mesmo instante tirou algo de dentro do casaco e entregou a rainha.
Era um gravador. Um gravador bem parecido com os que Steven tinha conseguido em Arthenia.
"Também tenho os meus brinquedinhos de espionagem, sabe?", falou Arabella, soltando uma risadinha. "Escute só."
Ela acionou o gravador e no mesmo instante ouvi um chiado, em seguida um som estranho, como se alguém estivesse tentando respirar com muito esforço.
"Ivanna, você não tem nada para me dizer?", a voz de Arabella soou do gravador. "Eu disse para não beber nada que eu trouxesse, mas parece que você confiou demais na água que os guardas trouxeram para você. Se tivesse ouvido meus conselhos..."
Eu senti meu coração parar por um instante. As lágrimas tomaram conta de meus olhos e eu tive que piscar várias vezes para afastá-las.
"Louisa", a voz de Ivanna disse do outro lado. "Me perdoe, minha menina. Eu... Eu tentei..."
Alguém tossiu várias vezes em seguida. Ivanna.
"A mistura que dei para ela causa alucinações", disse Arabella naquele instante, quando tudo o que se pôde ouvir do gravador foram os ofegos de Ivanna. "Não é incrível o que a mistura de alguns ingredientes podem fazer com a mente de uma pessoa?"
Eu não respondi.
"Ivanna, diga-me, quem está com você nessa trama?", Arabella perguntou do gravador. "Você não pode ter agido sozinha, não é, querida?"
Ivanna não respondeu.
"Vejo que resiste, velha idiota. É uma pena. Agora terei de descobrir por mim mesma se Layla Bennett estava com você nisso, como ando pensando. Depois, é claro, terei de matá-la."
Um grito fraco foi ouvido, e eu percebi que Ivanna estava tentando dizer alguma coisa em meio à falta de ar.
"Não, Arabella", ela disse, e agora parecia estar chorando. "Sem mais mortes. Não mate... Não mate a garota."
"Quem mais Ivanna? Quem mais além de Layla e você?"
"Só nós. Eu..."
"Ivanna?"
Tudo ficou em silêncio e a gravação se encerrou.
"Ela não resistiu muito tempo", disse Arabella, dando de ombros e se levantando com agilidade. "Já era velha, afinal de contas. Amanhã de manhã, quando acharem o corpo dela, não vão nem se dar o trabalho de pedir uma autópsia. Aliás, Ivanna era só uma prisioneira sem família que tentou agredir a rainha. É uma pena. A conheci por muito tempo, sabe? Não pensei que teria de..."
"Você a matou!", eu gritei, sentido agora não dor ou tristeza, mas uma raiva tão grande que fazia tudo ao meu redor ficar vermelho.
Eu me levantei de um salto, encontrando forças onde eu nem sabia que tinha, e tentei agarrá-la. Os guardas me seguraram e me manterem longe de Arabella.
"Você a matou!", gritei de novo, com as lágrimas rolando por minhas bochechas. "Ela esteve com você a vida inteira, ficou do seu lado até quando se tornou um monstro, e mesmo assim você a matou!"
Arabella se levantou e olhou friamente em meus olhos.
"Você não passa de uma criança que não sabe de nada", ela sibilou. "Cale a boca."
Continuei me rebatendo, tentando me libertar, mas era impossível.
"Estou curiosa", disse Arabella de repente. "Qual era seu plano depois de conseguir me gravar confessando tudo para Ivanna?"
Tentei pensar, manter a cabeça fria.
Nós ainda tínhamos uma chance, Steven e eu. Só uma.
Mas para isso eu precisaria mentir bem.
"Não esperava que você a prendesse", falei em tom baixo, agora forçando mais lágrimas. "Pegaria o gravador com ela e mostraria tudo ao rei."
Arabella se aproximou de mim, olhando fundo em meus olhos, tentando me intimidar.
Mas eu não estava com medo.
Eu devia estar, aliás, ela era uma assassina, mas algo dentro de mim tinha se rebelado, recusando-se a se assustar.
"Por quê?", foi tudo o que ela perguntou.
"Conheci Ivanna há muito tempo", menti, derramando ainda mais lágrimas. "Vim para Steinorth uma vez e a conheci. Ela cuidou de mim quando eu precisei, foi como... uma mãe." Eu parei, tentando pensar, tentando me perguntar o que Arabella farai se estivesse na minha situação, mentindo para salvar a própria pele. "Com o tempo ela me contou tudo. Me contou a verdade por trás da atual rainha e seu rastro de sangue até o trono. Nós duas queríamos trazer justiça para Louisa; Ivanna por causa da dor que sentia por pensar que nunca veria você atrás das grades por tudo o que fez, e eu por não suportar mais ver as sombras do passado corroendo aquela pobre mulher." Puxei um dos meus braços com força do aperto do guarda e ele me soltou. Enxuguei o rosto. "Tive de voltar para a Escócia alguns anos depois. Minha família biológica precisava de mim e acabei me restabelecendo lá novamente. Entrei na universidade de St. Andrews e, por obra do destino ou seja-lá-o-que-for, conheci Alexia. Ela... me contou quem era depois de um tempo. Me contou sobre sua relação com a família real de Steinorth.
"Quando soube daquilo, imediatamente contei tudo a Ivanna, que alguns meses depois conseguiu um emprego no palácio e se manteve escondida nas cozinhas e nos cômodos do castelo para que você não a visse. Quando Alexia me convidou para passar as festas de fim de ano aqui no palácio com ela, tanto Ivanna quanto eu vimos nossa chance e planejamos tudo. Até que..."
Mas eu não continuei, agora soluçando e chorando ainda mais.
Arabella ergueu meu rosto com brutalidade, cravando as unhas em minhas bochechas e me obrigando a olhar para ela.
"Até que eu a matei?"
Agora a raiva e a revolta dentro de mim não eram mais fingidas.
Ao pensar na dor de Ivanna ao morrer, naquela senhora que eu mal conhecia, mas tinha dado a vida por tentar trazer justiça a Louisa, tudo o que eu quis foi ferir Arabella.
Mas os guardas me contiveram antes que eu pudesse colocar as mãos em seu pescoço.
Nunca em minha vida tinha sentido tanto ódio correr por minhas veias, queimando.
"E dormir com o príncipe herdeiro estava nos seus planos quando veio para cá?", perguntou Arabella, me fazendo erguer os olhos para ela.
Eu rezei para que ela não percebesse o quanto fiquei pálida naquele momento.
"Steven nunca esteve nos planos", falei, traçando ainda mais a minha teia de mentiras. Eu nunca tinha feito aquilo antes, mas pelo menos aquela parte teria um fundo de verdade. "Nem o conhecia. Mas, quando percebi o quanto ele sofria com a morte misteriosa da mãe, o quanto tinha dúvidas sobre o que realmente tinha acontecido... Isso só me deu mais força e motivação para conseguir pegar você."
Arabella riu, me olhando com pena.
"E você suponho, pretendia me desmascarar?" Ela sorriu e acariciou o meu rosto com a mão delicada, fazendo com que um arrepio percorresse pelo meu corpo. "Tolinha. Você e Ivanna. Acha mesmo que eu consegui ficar todos esses anos sem ser descoberta para perder tudo por uma dupla como vocês? Não, querida, aqui as coisas não funcionam desse modo."
Então ela se afastou de mim bruscamente.
"Jackson", ela falou, olhando para o guarda loiro. "Limpe o quarto. Não deixe um único vestígio dessa garota e certifique-se que ela não deixou nenhum bilhetinho para o meu enteado ou algo assim."
No mesmo instante o guarda saiu de perto de mim e começou a remexer minhas coisas, jogando tudo nas malas e sumindo com qualquer vestígio meu que eu tinha deixado ao longo daqueles dias.
"O que está fazendo?", sibilei, olhando para a rainha.
"Você está indo embora do castelo, hoje. Não vai se despedir, vai simplesmente desaparecer." Ela suspirou, como se estivesse muito cansada. "Você vai escrever uma carta para Alexia e Steven, avisando que sua família, na Escócia, teve problemas e que você precisou sair de madrugada, por sorte encontrando um voo que te levasse para casa. Eles vão ver que você não deixou nada para trás quando vierem conferir o quarto."
O medo, que antes parecia não querer se apoderar de mim, veio com força total naquele momento.
"O que vai fazer comigo?", perguntei, e naquele momento me senti pequena, patética e indefesa.
Arabella gargalhou.
"Por enquanto, nada", ela respondeu. "Ainda não confio em você o suficiente para acreditar em suas palavras. Quem garante que não tem outras provas contra mim? Quem garante que não contou a alguém algo que sabe? Não posso matá-la sem ter certeza. Nunca deixo um serviço incompleto." Arabella se aproximou de mim. "Você ficará presa e amordaçada em uma sala abandonada no subsolo do palácio até amanhã à noite, quando a festa de prestação de contas da Coroa para com os nobres de Steinorth acabar. Então eu descerei até lá e teremos uma conversinha. Se você for uma boa menina, quem sabe..."
Mas ela não concluiu.
Ambas, eu e ela, sabíamos que depois que Arabella conseguisse o que queria me mataria. Nunca me deixaria solta depois do que confessei a ela.
Eu era como uma condenada apenas esperando pelo dia da morte, que viria logo.
Então Arabella me entregou dois papéis e caneta para que eu escrevesse as cartas para Alexia e Steven.
Não consegui parar de chorar enquanto escrevia as palavras, todas ditadas e conferidas pela rainha.
Steven não sabia onde eu tinha escondido o gravador reserva, e agora estava tudo perdido.
Quanto tempo demoraria até ele, Alexia e minha família na Escócia percebessem que havia algo errado? Que na verdade eu nunca tinha pegado um voo para fora de Steinorth naquela noite?
Provavelmente eu já estaria morta quando soubessem.
Me perguntei como Arabella iria encobrir tudo aquilo, mas sabia que ela encontraria um meio.
Sua genialidade para o mal não deixava de me surpreender.
Ela me fez escrever em ambas as cartas que meu celular tinha pifado e que eu provavelmente não conseguiria responder as mensagens deles até chegar na Escócia e encontrar alguém para concertá-lo, o que provavelmente demoraria algum tempo.
Será que Alexia acreditaria naquilo? Eu duvidava muito.
Mas isso já era um problema de Arabella, e não meu.
Depois de deixar as cartas bem à vista em cima da minha cama, foi amordaçada e levada em silêncio pelos corredores escuros do palácio, assim como minhas malas.
Não precisei perguntar para descobrir que aqueles dois guardas eram fiéis a Arabella e que sabiam bastante coisa a respeito de seu passado. Me perguntei quanto ela os pagava para que mantivessem a boca fechada, e se ambos sabiam que ela logo encontraria um fim para os dois também, mantendo novamente o seu segredo apenas para si própria.
Arabella e seus capangas me guiaram por cantos ocultos do palácio, onde não havia guardas patrulhando os corredores.
Em determinado momento, em um corredor escuro com uma pequena janela circular por onde a luz prateada da lua entrava e iluminava o rosto dos meus captores, vi Arabella pressionar um ponto secreto na parede, marcado por nada menos do que uma pequena e quase imperceptível rachadura.
Pulei para trás quando a parede se moveu, revelando uma escada circular de pedra que descia e descia infinitamente, mergulhando na escuridão do subsolo.
"Você não faz ideia dos segredos que esse lugar esconde", disse Arabella com um sorrisinho satisfeito, jogando os cachos loiros por sobre os ombros e começando a descer com cuidado as escadas. "Me dediquei por muitos anos a descobrir cada uma das passagens secretas por aqui. Sempre soube que um dia poderiam ser úteis."
Pensei no espelho falso por onde Steven e eu tínhamos visto toda a sua conversa com Ivanna mais cedo e por um momento louco quis rir.
Talvez Arabella não soubesse de tudo afinal de contas.
Depois do que pareceram intermináveis minutos descendo as escadas, finalmente chegamos a um espaço amplo e mofado, de paredes de pedra e móveis de madeira caindo aos pedaços.
Pensei que aquele lugar poderia ter sido um antigo refúgio de antigamente, para onde a Família Real corria para se esconder dos constantes ataques ao território, principalmente por Vikings.
Agora era a minha vez de ficar ali, mas não como fugitiva, e sim prisioneira.
Um dos guardas me jogou de qualquer jeito contra a parede e usando uma algema amarrou meus pulsos em torno de uma viga de pedra que sustentava o teto.
O outro guarda acendeu alguns dos lampiões nas paredes, fazendo com que chamadas douradas e fantasmagóricas projetassem sombras tremulantes nas paredes de pedra.
Logo as chamas se apagariam e eu ficaria no escuro.
Por um momento, aquilo pareceu a coisa mais terrível que poderia acontecer, até eu me lembrar de Ivanna e de que, logo, me juntaria a ela.
Arabella se aproximou uma última vez e afastou uma mecha do meu cabelo dos olhos, sorrindo quando a encarei.
"O pobre Steven vai ficar arrasado quando souber que você foi embora sem se despedir", ela disse baixinho, fazendo meu coração se quebrar em mil pedaços. "Sabe, ele realmente gosta de você. Até um cego veria isso. Me pergunto se ele vai aguentar mais esse baque. Sempre tive a impressão que desde a morte de Louisa, meu enteado esteve se equilibrando em uma corda bamba. Quem sabe, desta vez, ele finalmente ache mais fácil desistir de se manter equilibrado e pule lá de cima. Não posso dizer que ficaria triste com isso."
E então ela e seus guardas me deram as costas.
Antes de subir as escadarias, sumindo da minha vista, Arabella se virou uma última vez e disse:
"Pode gritar e berrar, Layla. Ninguém sabe sobre esse lugar. Ninguém nunca vai te ouvir. Talvez você fique até grata quando amanhã à noite eu voltar para te fazer companhia."
E então ela se foi e eu fiquei sozinha, tendo apenas as batidas do meu coração como companhia.
Devo ter chorado por horas. Devo ter rezado todas as orações que conhecia pedindo a Deus que Steven achasse o gravador, que pelo menos aquilo desse certo.
Então pensei em Ivanna, e mais lágrimas vieram.
Tudo por conta de um fio de cabelo.
Era minha culpa.
Se eu não tivesse ido com Steven para analisar aquela pequena sala antes de ele me mostrar a passagem para o espelho falso...
Mas agora já era tarde e, apesar de saber que as lamentações não fariam o tempo voltar, elas eram a única coisa que eu tinha naquele lugar antigo e abandonado.
Por fim, adormeci, e sonhei com rainhas loiras sentadas em tronos cobertos de sangue.
______________________❤️__________________
Oiii gente!
Sinto comentários um pouco agressivos e desesperados vindo aí... Kkkkk Como estão? Sobreviveram? Eu disse que os coletes seriam necessários... Kkk
Então, o que acharam do capítulo no geral? Esperavam por isso? Arabella despertou mais o ódio de vocês? E a Layla? Será que ela deveria ter resistido mais?
Espero que tenham gostado! Sinto muito pela demora em postar capítulo, mas é que o ano está acabando e ando bem ocupada. De todo jeito tô feliz que não deixei pra postar só no domingo kkkk
Mil beijos pra vocês e até mais!
Ceci.
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