Capítulo Trinta e Seis - parte I, Steven
Eu não sei o que me levou a descer aquelas escadas naquele dia. Creio que nunca soube.
Era como se uma força invisível levasse os meus pés até lá e eu não tivesse escolha a não ser obedecer. Talvez, muito tempo depois e parando para pensar no assunto, eu acabasse percebendo que ainda não sentia que aquilo tinha acabado. Que ainda faltava um ponto final.
Pensei que vê-la de novo faria meu coração se encher de raiva e amargura, mas, quando finalmente olhei no fundo daqueles olhos azuis atrás das grandes, havia apenas uma indiferença gélida dentro de mim.
Ela estava diferente. Parecia mais velha e cansada. Sua pele estava cinzenta e seus cabelos não tinham mais o brilho dourado de antes. Tudo isso com apenas sete dias em uma prisão.
Pensei como ela se pareceria depois de uma vida inteira naquela condição.
"Por que você veio?", ela perguntou, encolhida em um canto da cela. Havia raiva em sua voz, mas também ressentimento.
Como se ela tivesse o direito de se ressentir de alguma coisa...
"Não sei", respondi, e minha voz parecia ecoar por aqueles corredores gelados. "Talvez só acreditasse na ironia a vendo de perto. Há sete dias, era Ivanna que estava aí encolhida, nessa mesma cela."
Arabella grunhiu e seus olhos foram tomados pelo ódio. Ela se atirou contra as grades de ferro, mas eu nem pisquei, não dei um passo para trás.
"Acha que isso acaba assim?", ela perguntou friamente. "Todos esses anos, para acabar assim?"
"Não sei e não me importo", falei, no mesmo tom que o dela. "Faça seus planos, trace suas mentiras. Eu não ligo. Você nunca mais colocará os pés nesse lugar de novo. Vai ser a rainha de nada."
Arabella soluçou e afastou-se das grades, escondendo o rosto nas mãos, as unhas enterradas na carne macia das bochechas.
Quase me solidarizei com ela.
Devia ser difícil perder tudo assim, tão de repente.
Eu sabia como era a sensação.
"Mas eu não vim aqui para te falar essas coisas, Arabella", disse, percebendo aquilo naquele instante. Não queria humilhá-la nem rebaixá-la mais. Ela faria aquilo com si própria e eu não precisava daquilo. "Não sei se um dia eu vou ser capaz de perdoar você. Espero ser. Gostaria que se arrependesse."
Ela ergueu os olhos para mim, amargos, frios.
"Me arrepender? Sabe do que eu me arrependo, principezinho? De não ter matado você quando tive a chance. De não ter matado aquela garota! É disso que me arrependo!"
Eu dei um passo para trás, prestes a virar as costas para ela.
"É uma pena", sussurrei. "Mas não importa. Talvez você mude de ideia. Terá um belo tempo para pensar enquanto passar o resto da vida na prisão."
Arabella guinchou e se atirou novamente contra as grades, me olhando com fúria assassina.
"É o que você pensa."
Mas eu não respondi. Virei-me e subi de volta à superfície.
Não acredito que foi coincidência me encontrar com Margot, Sebastian e meu pai enquanto atravessava um corredor.
Cada um de nós estava vindo em uma direção e trombamos em um mesmo momento na encruzilhada, onde os quatro corredores principais daquele andar se encontravam.
"Ei", meu pai disse quando esbarrou em Margot e quase a derrubou no chão. "Tudo bem?"
Margot assentiu e olhou-o com um sorriso.
"O senhor devia olhar por onde anda, mocinho", ela falou, o que o fez soltar uma pequena risada.
Meus irmãos e eu olhamos para ele por um segundo, espantados.
Era a primeira vez que ele sorria em uma semana, desde que tudo tinha acontecido.
"Então, o que estavam fazendo?", ele perguntou, olhando para nós três.
"Eu fui ajudar Alex a terminar de arrumar as malas", contou Margot. "Ela deixou tudo para a última hora."
Que surpresa, pensei internamente com ironia.
"E eu fui procurar isto", disse Sebastian, mostrando um livro velho para o meu pai. "É um resumo de todos os reis e rainhas que já governaram Steinorth desde 1800. Devem ter uns sete exemplares na biblioteca e eu pensei em dar um para Layla, como presente de despedida. Ela ama história, como eu."
Meu pai olhou para ele com satisfação.
"Parece uma excelente ideia, Sebastian."
Meu irmão abriu um sorriso de orelha a orelha.
E então os olhares dos três se viraram para mim.
"Eu...", gaguejei, pensando no que dizer. "Eu fui ver Arabella", confessei, fazendo com que todos me olhassem horrorizado. "Não sei o motivo", apressei-me em dizer. "Eu só... Não sei. Ela será transferida hoje, não é? Eu só precisava dizer algumas coisas para ela antes que fosse embora."
Sebastian e Margot ainda me olhavam como se eu fosse maluco, mas um brilho de compreensão passou pelos olhos do meu pai.
Aquele foi um dos maiores presentes que eu poderia ganhar.
Entendimento.
"Bom, as coisas estão bem diferentes por aqui", falou Sebastian de repente, soltando um sonoro suspiro. "Quando Alex, Layla, Asha, Lily e Steven forem embora, tudo vai ficar bem mais silencioso. Pelo menos não teremos mais a Arabella por perto..."
"Sobre isso...", falou meu pai.
Ele passou uma das mãos pelo cabelo em sinal de apreensão. Depois, colocou as mãos nos bolsos e pigarreou.
"Talvez este não seja o melhor lugar para se dar essa notícia, mas eu..." Ele olhou para os gêmeos. "Matriculei vocês em uma ótima escola em Arthenia."
Sebastian engasgou com a própria saliva. Margot arregalou os olhos e cambaleou para trás.
Eu sorri tranquilamente.
Já sabia.
"O quê?", os dois praticamente gritaram, avançando para cima do meu pai. "É sério?"
"Não pode ser...", disse Sebastian assombrado.
Meu pai deu de ombros.
"Vocês têm quase doze anos", ele disse tranquilamente. "Já estava na hora de frequentarem instituições de verdade e... fazerem amigos."
Sebastian e Margot olharam para o meu pai como se ele não existisse e fosse apenas uma invenção.
Então o abraçaram.
Ele riu e pegou Margot no colo, enquanto envolvia Sebastian com o outro braço. Os gêmeos não conseguiam ver seu rosto, mas eu podia e sabia que aquelas lágrimas não eram de outra coisa senão felicidade.
Ele provavelmente não sabia a última vez que tinha abraçado os filhos daquele jeito.
"Quero que sejam felizes", ele confessou baixinho. "Sei que eu...", ele engoliu em seco, "errei com vocês. Que não deixei com que saíssem mais daqui e conhecessem outras pessoas. Sinto muito. Pensei que se os mantivesse por perto poderia afastar o mal de vocês, mas isso não é verdade. O mal está por aí, em todo lugar, e não podemos nos esconder dele. Precisamos viver."
Margot e Sebastian se afastaram um pouco e olharam para o meu pai com carinho.
"A gente entende", disse Margot. "E tá tudo bem."
"Muita coisa aconteceu", completou Sebastian. "A morte da mamãe, seu casamento com Arabella... Nenhum ficaria bem depois disso."
Meu pai sorriu e soltou uma risadinha, bagunçando os cabelos de Sebastian.
Eu me aproximei e meus olhos se encontraram com os do meu pai. O amor que vi ali quase me derrubou.
A vida inteira ele esteve ali. Eu só não conseguia enxergar.
Então Margot - como sempre a primeira a tomar uma iniciativa - pegou meu braço bom com uma força impressionante e me puxou para um abraço também.
De algum modo, soube que aquele momento ficaria comigo para sempre.
Quando os gêmeos se afastaram, dizendo que queriam comemorar e contar as suas amigas criadas que em breve eles iniciariam o semestre em uma escola em Arthenia, disse para que eles não se entretecem e esquecessem que daqui duas horas precisávamos levar Alex e Layla ao aeroporto.
"Tá brincando?", falou Margot, me olhando como se eu fosse idiota. "Não vamos nos esquecer de nos despedir delas."
"Tenho de levar o livro, lembra?", acrescentou Sebastian, balançando o volume no ar em ênfase. "Nos vemos já, já."
E então eles desapareceram pelos corredores.
"Eles vão te tratar como um deus pelos próximos meses", comentei para o meu pai, quando voltamos a caminhar em direção a um corredor qualquer. Eu sabia que ele estava atolado de coisas para fazer, mas por algum motivo estava ali, caminhando lentamente comigo como se por ora tudo pudesse esperar.
"Eles deviam reservar esse comportamento a você", ele comentou. "Aliás, se não tivesse jogado aquelas verdades na minha cara há algumas semanas..."
Eu ri.
"Acho que, depois do que aconteceu com Arabella, o senhor acabaria percebendo isso."
Meu pai suspirou e percebi que uma tristeza profunda tomou conta dele.
"Espero ser melhor do que fui antes", ele confessou. "Para eles. Para você."
Eu senti um nó se formar na minha garganta.
"Não fale assim. O que passou, já passou. Agora temos que nos concentrar no presente e tentar reconstruir tudo."
Ele assentiu e ergueu os olhos para mim, abrindo um ligeiro sorriso.
"Você vai ser um bom governante", ele disse, e eu senti uma onda de orgulho bobo invadir meu peito. "Acho que um dos melhores da nossa história."
Eu devo ter sorrido como um idiota, provavelmente.
Dar orgulho ao meu pai foi o que sempre quis a vida inteira, principalmente depois da morte da minha mãe. E parecia que ele já sentia aquilo.
Eu não poderia estar mais feliz.
"Mas eu espero que a minha hora ainda demore a chegar", disse com sutileza.
"Ah, vai demorar, sem dúvidas", meu pai falou de maneira energética. "Ainda tenho muito que fazer e não pretendo liberar o trono para você tão rápido."
Eu sorri e, naquele momento, percebi que tínhamos parado em frente a uma enorme janela que dava para os jardins.
O branco da neve era radiante. Dali, o mundo parecia puro, perfeito.
"E você? O que vai fazer a partir de agora?"
"Eu?", perguntei, virando-me para o meu pai. "Bom, pretendo, com a sua ajuda é claro, libertar Scarlet da prisão em Bluehill nos próximos dias. Quero visitar o túmulo de Ivanna e passar um tempo com..."
"Não estou falando disso", ele falou, me interrompendo com um aceno da mão. "Estou dizendo em relação a garota. Layla. Ela está indo embora daqui a pouco. Decidiram como vai ser para vocês dois daqui para frente?"
"Pensei que o senhor não aprovasse muito o nosso relacionamento", disse, desviando os olhos dos dele.
"Eu estava errado", ele falou na lata. "Como em muitas coisas. Posso ser insensível, garoto, mas não cego. O que vocês dois têm é difícil de encontrar por aí. E me escute quando digo que você não vai achar uma mulher igual a ela." Meu pai olhou sério para mim. "Uma garota que, em um país desconhecido, se envolve em mistérios envolvendo assassinatos e é presa no subsolo por ajudar você a encontrar um pouco de paz nesse seu coração? Acredito que nunca no mundo existirá uma mulher como Louisa, mas Layla pode muito bem equiparar-se a sua mãe no quesito fibra."
Eu sorri, sentindo aquela dor já familiar se espalhar pelo meu peito.
"Nós não discutimos muito sobre isso", admiti. "Antes de todos saberem a verdade sobre Arabella, conversamos e decidimos que o melhor era aproveitar o momento e não pensar no depois. Mas o momento já passou. Sabe, tem um mar separando a gente. E eu não sei... não sei se ela realmente estaria disposta a ficar comigo. Sou uma bagunça. Sem contar que ela teria que se acostumar a virar notícia sempre, pelas coisas mais triviais."
Quanto terminei de falar, meu pai fez uma coisa que eu nunca o tinha visto fazer antes: revirou os olhos.
"Ela não parece estar muito incomodada com a mídia", ele disse. "Desde o Baile do Dia da Nova Conquista ela já estampa capas de revistas de fofocas, e pelo que ando percebendo, isso não a afastou de você. Acho, e posso estar enganado, que Layla é segura de si o suficiente para não se importar muito com o que a opinião pública tem a dizer sobre ela. Bom, você só saberia o que ela pensa a respeito se perguntasse, não é?"
"Mas..."
"Você é realmente uma bagunça, filho. Quem não é? Ela também não parece ligar muito para isso."
"Pai, eu sei que..."
"É sobre a distância..." Mais uma vez, ele revirou os olhos. "Qual é a vantagem de ter o dinheiro que temos se não podemos usufruir de alguns privilégios para facilitar tudo de vez em quando? Pelo amor de Deus, Steven, se quisesse, poderia construir uma maldita ponte ligando Steinorth à Escócia."
Por um segundo, o olhei de olhos arregalados. Então sorri.
"Margot disse a mesma coisa", comentei.
"Eu sempre soube que, de todos os meus filhos, ela seria a mais parecia comigo. E a mais sensata, diga-se de passagem."
Em silêncio, me virei novamente para a janela, olhando a paisagem.
"Quem diria que o senhor estaria tão empenhado em me unir a Layla, não é?"
Ele suspirou e se aproximou de mim, ficando ao meu lado.
"Eu sei o que é perder um grande amor, Steve. Não quero o mesmo para você." Ele fez uma pausa de alguns segundos, como se pensasse no que iria dizer. "Não sei se Layla é realmente o amor da sua vida e não estou falando que vocês vão ficar juntos para sempre, mas parece um tanto quanto idiota vocês perderem o que sentem um pelo outro por questões que facilmente podem ser resolvidas." Ele olhou sério para mim e completou: "Tudo o que precisa pensar é se o amor vale a pena, se o que sente é maior do que os obstáculos que, às vezes, nós mesmos colocamos no nosso caminho." Ele sorriu levemente para mim. "E então, o que acha? Vale a pena?"
Eu não precisei responder.
No fundo, sempre soube a resposta.
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