Capítulo Três, parte I - Steven
Naquela tarde, quando abri as portas duplas e entrei no meu antigo quarto no palácio, apenas dois pensamentos pareceram surgir na minha mente, barulhentos e clamando por atenção.
Primeiro: Por que aquele quarto sempre parecia melhor do que aquele que eu ocupava o ano todo em Partelia? E, segundo, por que toda vez que eu o adentrava era como se estivesse entrando em um túnel do tempo?
Bom, para a primeira pergunta, talvez a resposta fosse bastante óbvia.
Apesar de gostar de todo o meu apartamento que ocupava desde que tinha começado a universidade há três anos, não havia sido lá que passei toda a minha infância e adolescência. Apesar dos momentos ruins que também tinha passado ali, naquele quarto, as memórias boas pareciam sobrepor-se as ruins, e toda vez que vinha passar alguns dias em casa o meu antigo quarto parecia ser o lugar mais confortável e maravilhoso do mundo.
Já a segunda pergunta...
Bem, nada tinha mudado desde que deixei aquele lugar, aos dezoito anos. Mantive a decoração intacta durante todas as minhas visitas desde que me mudei e aquilo com certeza fazia com que eu experimentasse aquela desconfortável sensação de déjà vu todas as vezes que entrava ali.
Os pôsteres desbotados dos meus antigos ídolos de boxe e hóquei continuavam pregados nas paredes - exatamente onde eu os tinha cuidadosamente colocado aos treze anos -, alguns orgulhosamente autografados. Os porta-retratos, que guardavam momentos que há muito já tinham ficado no passado, continuavam enfileirados com cuidado sobre o aparador perto do meu armário. A cama continuava sempre forrada com os lençóis azuis, assim como o chão com seu carpete macio. E, claro, meu antigo saco de pancadas continuava ali, pendurado perto da porta do banheiro, um pouco mais gasto do que o normal.
Tudo naquele lugar parecia reluzir. Eu sabia que o quarto era limpo com frequência, e mesmo sabendo que não havia mais ali do que meus pôsteres e retratos que poderiam revelar um pouco mais sobre mim, era desconfortável pensar que alguém fosse ali e ocupasse aquele ambiente além de mim.
Sem pensar duas vezes, fechei as portas atrás de mim e larguei minhas malas no chão - que eu havia dito a um dos mordomos ser perfeitamente capaz de carregar - e comecei a revirá-las em busca das minhas luvas de boxe. Assim que as encontrei - deixando algumas roupas espalhadas no chão no processo - as calcei e fui até o saco.
Atualmente eu não tinha muito tempo para treinar, não com todos os testes e trabalhos da faculdade para fazer, mas, sempre que as férias chegavam, eu me dedicava 100% ao boxe. Aquilo era muito mais do que só um hobby para mim. Era uma terapia.
Eu estava pronto para acertar alguns golpes no saco de pancadas e extravasar um pouco daquela tensão que pesou sobre os meus ombros o dia todo quando ouvi minha porta se abrir e fechar em um estrondo. Antes que meu corpo reagisse, se virando para descobrir a fonte do barulho, eu sorri.
Só uma pessoa no mundo podia ser tão mal educada daquele jeito.
"Seus pais nunca te ensinaram que se deve bater antes de entrar?", perguntei, tirando as luvas das mãos e as jogando na cama.
"Ah, eles estiveram muito ocupados a vida toda para passar para frente essa pequena regra social. Um furo na minha imaculada educação. Fazer o quê?"
Então eu me virei para Alexia, que já me esperava de braços abertos.
"Bom te ver priminho."
Fui até Alex e a segurei pela cintura, erguendo-a alguns centímetros do chão, fazendo com que ela risse e batesse nas minhas costas.
"Senti sua falta", falei sem vergonha, porque era verdade. Eu sempre sentia falta de Alexia.
"E quem não sente?", ela implicou, e eu a soltei. "Estou brincando, Steven. Você sabe que também senti sua falta."
Ela então caminhou até a minha cama e se jogou ali, se enrolando no edredom que a cobria.
"Está mais frio por aqui esse ano", ela comentou casualmente. Era sempre assim. Nós podíamos ficar anos sem nos vermos e retomaríamos uma conversa normal como se morássemos na mesma casa. "Desde que cheguei mal sinto minhas orelhas."
"Em Partelia está melhor. Apesar de mais tedioso, o sul tem suas vantagens", falei, e me sentei ao lado dela. "Como andam as coisas na Escócia?"
"Ah, o mesmo de sempre", ela disse, dando de ombros. "Sempre te conto tudo em nossos e-mails semanais. Não tenho muitas novidades." Ela então abriu um sorriso travesso. "Mas eu não sou a princesa de um país, então posso dizer que minha vida é bem mais calma que a sua. Alguma novidade? Finalmente achou alguém em Jacob Adams? Quem sabe alguma caloura? Deus sabe que se já está lá há três anos e não encontrou ninguém é porque realmente nenhuma delas te interessou. Mulheres caindo aos seus pés é o que não te falta..."
"Você poderia perguntar como anda meu curso ou o que ando fazendo, mas ao invés disso sempre volta ao mesmo ponto", falei, revirando os olhos para ela. "O que você tem contra pessoas solteiras?"
"Elas me dão tédio", ela disse simplesmente, admirando as unhas das mãos. "Principalmente aquelas que já estão encalhadas há anos..." Alexia abriu um sorrisinho malicioso e piscou para mim. "Sem ofensas."
"Ah, que isso, não me ofendi. Prometo que quando encontrar alguém interessante você será a primeira a saber."
"Está dizendo isso só para que eu o deixe em paz."
"Além de irritante, você sabe muito bem como ler mentes."
Alexia me deu um chute.
"Não seja tão chato. Você sabe que eu só quero te ver feliz..."
"Mas eu estou feliz!"
Alexia bufou audivelmente.
"Pelo amor de Deus, Steven! Você é o cara mais melancólico que já conheci, sabia? Não preciso morar no mesmo país que você para saber que sua vida se resume a ir para Jacob Adams e voltar para casa, dar alguns murros em um saco de pancadas e assistir séries de suspense policial na TV."
Eu ergui uma sobrancelha para ela, não querendo demonstrar que aquilo tinha me atingido de alguma forma.
"Você se esqueceu de mencionar que agora estou virando um perito em cozinhar doces", falei sarcasticamente. "Estou louco para que você prove meus cookies de chocolate."
"Steven!", Alexia reclamou, se sentando na cama de supetão. "Você está virando uma tia solteirona, sabia?! Quanto tempo mais vai levar para que você adote cinco gatos?"
"Alexia..." Agora eu tinha me levantado da cama, fingindo estar muito ocupado em recolher minhas roupas do chão e organizar minhas malas. "Eu estou bem do jeito que estou, tá legal? Se não estivesse, eu diria. Amo Jacob Adams e amo cursar Geografia lá. E só para você saber, não fico vinte quatro horas por dia sete dias por semana trancado no meu apartamento. Às vezes também saio para alguns lugares e dirijo por aí, conheço pessoas e não estou vivendo em completo celibato."
Mesmo sem olhar para ela, soube que estava revirando os olhos.
"Nada no mundo me irrita mais do que pessoas em zonas de conforto."
"Não estou em uma zona de conforto."
"Cite cinco amigos que você conheceu em Jacob Adams e que mantêm algum contato. Não vale colegas de turma que você só dá bom dia."
Abri a boca para responder, desejando calar de uma vez Alexia, mas nada saiu. Eu me calei, irritado.
"Aí está! Te peguei."
Virei-me para ela, os braços carregados de roupas, sapatos e o que mais eu tivesse decidido arrancar das malas na pressa para me esquivar do interrogatório de Alexia.
"Sabe quantas pessoas se aproximam de mim todos os dias por puro interesse envolvido? É difícil saber quando é de verdade", disse, falando qualquer coisa que me veio à mente a fim de sossegar Alexia e fazer com que ela se esquecesse daquela mania irritante de tentar corrigir sempre a vida alheia.
Eu sabia que eu era sua cobaia preferida.
"Ok, certo, celebridade", Alex resmungou. "Pode até ser, mas você estaria mentindo para mim e para você mesmo se dissesse que superou completamente o que aconteceu com sua mãe. E, bem, depois do acidente de Sebastian..." Ela suspirou e eu vi uma sombra passar por seus olhos. Eu sabia como aquilo também a machucava. Dei as costas para ela, caminhando até meu armário e fechando os olhos com força. "Aquilo te quebrou e você não é mais o mesmo desde que tudo aconteceu. Duvido que alguém conseguisse ser, na verdade. Sei que a relação com tio Carl não ajuda e que estar sozinho a quilômetros de distância dos seus irmãos só torna tudo pior, mas, Steve, nunca é tarde para pedir ajuda..."
"Alex, eu estou bem", repeti, mas aquilo soou tanto como uma afirmativa falsa que eu continuei sem olhar para ela. "O fato de eu gostar de ficar mais na minha não tem nada a ver com isso. É só que eu prefiro ficar em casa e é difícil sair por aí numa sexta-feira à noite quando se tem por todo lugar prestes a arrancar uma parte sua. É sério. Só esqueça isso."
Eu pensei que ela fosse insistir no assunto, mas surpreendentemente Alexia ficou quieta. Talvez até ela soubesse a hora de parar, por mais que eu continuasse afirmando para mim mesmo que ela estava errada a cada segundo que enfiava sem jeito minhas roupas no armário, tentando esvaziar a cabeça de tudo aquilo.
"Você por acaso já viu meus irmãos?", perguntei a ela, quando finalmente fui capaz de encará-la.
"Não, ainda não", Alex respondeu, parecia distraída procurando pontas duplas no cabelo curto. "Acabei de chegar e só deixei Layla no quarto dela e organizei minhas coisas antes de vir para cá." Ela ergueu os olhos para mim. "Arabella não te falou onde eles podem estar?"
"Disse alguma coisa sobre uma aula com uma tal Sra. Jones." Suspirei, massageando a ponte do nariz. "Tenho certeza que essa não é a mesma tutora do verão..."
Alexia abriu um sorrisinho, os olhos brilhando.
"Os pestinhas já devem ter tido cinco professoras diferentes só neste ano."
"Margot deve ter feito todas saírem correndo desesperadas. Vou ter que dar uma palavrinha com ela."
"Ah, dê um pouco de merecimento a Sebastian também. Aposto que ele agiu em todos os planos malignos de Margot, mesmo que por debaixo dos panos."
Abri um sorrisinho cansado e fitei o carpete aos meus pés. Era difícil imaginar Sebastian sendo influenciado por Margot, mas, até onde consegui observar em minhas raras visitas, a garota se tornava cada vez mais parecida com Alexia. E ninguém é capaz de dizer não a Alexia.
"Bom, seja como for, vou procurá-los", falei, me encaminhando até a porta do quarto. "Aposto que eles nem sabem que eu estou aqui."
"Provavelmente não. Arabella deve ter se esquecido de mencionar", Alexia disse, e eu a vi torcendo o nariz.
"Ou o meu pai", acrescentei.
"Ou o seu pai", ela concordou. "Por pior que seja, pelo menos eles vão ter uma baita surpresa quando te verem."
"É o que eu espero", falei, e tentei deixar a voz o mais estável possível.
A verdade é que a cada dia que passava eu me sentia mais distante dos dois e aquilo me apavorava. A cada visita eles pareciam maiores e um pouco mais diferentes em seus modos de ser, como se estivessem passando por diversas fases que eu não conseguia acompanhar de longe. Eu esperava que eles não acabassem mudando em relação a mim também, que continuássemos próximos apesar de tudo o que havia acontecido e dos gritantes dez anos de diferença que nos separavam.
Por mais que eu dissesse a mim mesmo que meus irmãos precisavam de mim e que eu devia passar cada segundo que pudesse ao lado deles enquanto estivesse em Arthenia, a verdade é que eu sentia que precisava mais deles do que eles de mim.
"Você não quer vir?", perguntei para Alexia, que já me acompanhava para fora.
"Quero tomar um banho quente primeiro, antes que acabe me tornando um picolé humano." Ela começou a andar para a direita, se afastando de mim e se dirigindo provavelmente ao quarto que ela sempre ocupava quando vinha passar alguns dias no castelo. "Mas avise a eles que a prima Alexia chegou e que trouxe presentes."
"Você os mima demais", falei em tom de brincadeira.
"E esse é mais um dos milhões de motivos pelos quais eles me adoram. Até mais tarde, Steven."
Eu continuei sorrindo mesmo depois de ela ter sumido pelo corredor, e, enquanto andava pelo palácio, pensei em como gostaria de ter pelo menos um terço da alegria e espontaneidade da minha prima mais nova.
Em minha mente, tracei o caminho mais rápido para a sala de aula no primeiro andar em que os gêmeos costumam estudar, mas, antes que eu pudesse decidir se cedia a preguiça e pegava o elevador do corredor à esquerda ou descia as escadarias até lá, ouvi vozes e risos preencherem o corredor em que estava.
Estreitei os olhos, me aproximando de uma porta próxima à curva do corredor.
"Ei! Isso não é atitude de uma princesa", uma voz feminina, com um sotaque diferente, exclamou rindo.
"Bom, para seu azar, eu não sou uma princesa comum...", disse a voz inconfundível de Margot, também rindo.
Outra risada, dessa vez um pouco mais grossa, soou, e eu soube que pertencia a Sebastian.
Por Deus, há quanto tempo eu não ouvia Sebastian rir?
E então, guiado mais pela estranheza de tudo aquilo do que por simples curiosidade, eu bati na porta.
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Oii galera! Tudo bem com vocês? Espero que sim! O capítulo saiu mais tarde, mas acabou saindo hahaha
Então, na verdade, esse capítulo ainda não acabou, essa é só a primeira parte que já consegui revisar e postar para vocês. Como já devem ter percebido, os capítulos desse livro vão ser bem grandes e, por isso, decidi que quando atingirem um tamanho considerável de palavras vou dividi-los em duas partes para que, assim, a leitura não fique muito cansativa.
Sei que muita gente não tem tempo para ler aqui no Wattpad e muitos usam os intervalos do dia a dia para entrarem por aqui, por isso achei melhor fazer assim.
Só para deixar claro, esses capítulos que serão divididos em partes já estarão previamente escritos, por isso pretendo postá-los em sequência ou em dias seguidos. A segunda parte deste capítulo, por exemplo, já sai amanhã.
Vou tentar seguir desse jeito, e, se ver que está dando certo e que vocês gostam mais assim, vou continuar. Além do mais, pelo menos vocês terão a impressão que estamos tendo mais postagens por semana hahaha
Bom, é isso! Não esqueçam de me contar o que acharam desse capítulo, principalmente as primeiras impressões que tiveram sobre o príncipe Steven!
Um milhão de beijos e até amanhã!
Ceci.
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