Capítulo Sete - Steven
Ouvindo as risadas dos meus irmãos pelo jardim, eu senti como se fosse uma criança de novo, amando cada segundo da vida perfeita que tive até os onze anos.
Naquela época meu pai ainda era presente; ele estava ali ao nosso lado mesmo nos dias mais corridos e nas noites em que só tinha tempo de nos dar um beijo de boa noite, quando já estávamos na cama. Naquela época minha mãe ainda estava viva, fraca por conta do parto arriscado dos gêmeos - do qual nunca se recuperou totalmente - mas mantendo sempre um sorriso no rosto.
E, também, naqueles tempos Sebastian tentava dar seus primeiros passos. Passos que alguns anos depois cessariam para sempre.
E eu ainda tinha sonhos incríveis, objetivos concretos e felicidades reais.
Eu era muito mais do que só o príncipe herdeiro que o mundo observava. Era uma criança cheia de vida que nunca sofrera de verdade.
E então foi como se eu fosse perdendo uma parte de mim a cada queda e a cada dor. Como se a cada dia o meu lar se tornasse mais um castelo vazio e silencioso e menos o refúgio seguro e amoroso da minha infância. Foi um alívio minha ida para a universidade aos dezoito anos, por mais que não tivesse encontrado lá muito mais do que teria achado se continuasse em Arthenia.
Aliás, não é como se eu conseguisse encontrar algo bom sem nem ao menos sair para procurar, não é?
Eu sabia daquilo e a verdade produzia um sabor amargo na minha boca.
Mas tudo bem. Eu tinha me acostumado a viver daquele jeito: sem sentir. Coloquei toda a dor em uma caixinha e a tranquei a sete chaves, para que não fosse capaz de me machucar. Mas o que ganhei com isso? A indiferença diante das situações da vida, a incapacidade de sentir de verdade, de me divertir... E tudo bem. Eu podia sobreviver daquele jeito, aliás, minha vida não era ruim, certo? Ela estava longe de ser.
Eu podia conviver comigo mesmo e sufocar todas as dores do passado bem no fundo da minha alma, mas, quando aquele bilhete da noite anterior foi entregue, foi como se as muralhas que eu tinha cuidadosamente erguido ao meu redor caíssem por terra, deixando exposto aquele garotinho assustado e deprimente que eu tinha sido durante os primeiros meses da morte da minha mãe.
Minha segurança interior estava acabada, e eu não sabia se conseguiria restaurá-la de novo e deixar aquilo para trás.
Eu precisava de respostas. Precisava entender, mesmo que aquilo fosse apenas uma brincadeira e eu fosse um peão para quem quer que estivesse jogando.
"Steven?", a voz de Layla Bennett fez com que eu despertasse dos meus devaneios de forma abrupta. Ergui os olhos para ela. "Está aí?"
Deus... Era como se aquela garota fosse um raio de sol ou algo assim.
Ao olhar para ela me senti exposto, embora de alguma forma não me importasse com isso.
Ela, assim como Alexia, parecia não se encaixar direito naquele lugar escuro e sem vida. Era como se ela fosse capaz de transformar tudo o que tocasse, e eu podia ver isso em meus irmãos, que riam como há muito tempo eu não os via rir, brincando na neve de dezembro como se aquela fosse a coisa mais divertida que já tinham feito.
"Desculpe", sussurrei, lutando para olhar nos olhos dela, castanhos e gentis. Eles eram tão bondosos e cheios de vida que me sentia culpado por serem obrigados a me fitar, alguém que com certeza não tinha nem metade da vivacidade e alegria dela. "Eu estava... só descansando", menti. "Não tenho mais metade da energia que você e os gêmeos têm."
Ela riu baixinho, uma risada alegre e tímida, que me fez admirá-la ainda mais.
"Ah, eu duvido muito", ela falou, e uma rajada de vento fez com que seus cabelos castanhos voassem ao redor de seu rosto. "Bom, eu estava pensando em levar os garotos para dentro. Já estamos aqui há algum tempo e Sebastian acabou de espirrar. Além do mais, não quero abusar da boa vontade da rainha." E ao dizer isso sua expressão se obscureceu ligeiramente, como se ao se lembrar da minha madrasta um pouco do seu bom humor se esvaísse. Eu sorri.
Arabella era uma mulher difícil e eu sabia disso, mas o modo como Layla a havia enfrentado em prol da alegria dos meus irmãos...
Eu não teria feito aquilo.
Não, eu teria aceitado a vontade da minha madrasta e levado Margot e Sebastian para dentro.
Aquilo só me fez perceber amargamente como eu já estava programado para agir de acordo com o que as pessoas próximas a mim esperavam, menos, é claro, dos meus irmãos.
Tinha raiva de mim mesmo por isso.
"Você vem?", a voz de Layla perguntou, e percebi que ela apontava para o castelo.
"Eu..." Instintivamente meus dedos voaram para o bolso interno do casaco, onde dois bilhetes estavam cuidadosamente dobrados.
Então, como que por mágica, me lembrei do real motivo pelo qual estava ali.
Estava caminhando lentamente até a fonte do anjo, que ficava em um pequeno pátio do palácio, quando vi Layla e meus irmãos brincando.
Durante todo o tempo que tinha estado com eles foi como se eu me esquecesse completamente do meu objetivo.
Ou da vida em geral, na verdade.
"Desculpe, mas eu tenho que discutir um assunto com alguns guardas", menti novamente. Mais um pouco e ficaria bom de verdade naquilo. "Se importa em levá-los para dentro?"
"É claro que não", Layla respondeu, ajeitando o cachecol em torno do pescoço. "Bem... A gente se vê."
E ela se afastou, ajudando os gêmeos a se limparem da neve. Eles reclamaram um pouco na hora de voltar, mas rapidamente aceitaram e decidiram ir, conversando alegremente sobre os próximos bonecos de neve que gostariam de construir durante o inverno.
Os observei por algum tempo, até que desapareceram pela curva do castelo.
Fiquei sozinho ali com Alfredo, O Boneco de Neve.
Então, sem pensar demais no que estava fazendo, continuei meu caminho que tinha interrompido antes, pelo lado oposto.
Em poucos instantes parei em frente a um pequeno portão de ferro que dava ao pátio interno, onde um jardim de rosas esquecido pelo inverno lutava para sobreviver.
O portão rangeu quando eu o abri, e ali encontrei a antiga fonte de pedra com uma linda escultura de um anjo no centro. A fonte estava congelada e a árvore que ficava próxima dali estava coberta de neve.
Olhando pra cima, percebi que duas das janelas do palácio davam vista direta e clara para aquele lugar. Uma, eu sabia, era a de um pequeno escritório que ninguém usava há um bom tempo, e a outra era a de um quarto que não ficava tão distante do meu.
O quarto em que Layla estava hospedada.
Decidi agir depressa, temendo que ela pudesse chegar logo ao quarto e me ver pela janela.
Aproximei-me da fonte e rapidamente encontrei uma fenda considerável entre duas pedras gastas que formavam sua mureta. Eu não sabia se alguém costumava frequentar aquele lugar, mas se a pessoa que tinha escrito o bilhete havia sugerido aquele ponto para nos comunicarmos, talvez quisesse dizer que era isolado o suficiente.
Antes de colocar meu bilhete ali, contendo minhas dúvidas que eu tinha escrito desesperadamente na noite anterior, me sentei, tentando acalmar os pensamentos.
Meu coração batia rápido e eu sentia todo o meu corpo pesado e cansado, resultado da minha noite passada completamente em claro.
Quando li aquele bilhete e passei pelo choque inicial, meu primeiro impulso foi sair do quarto e ir até à ala dos empregados, determinado a achar quem tivesse escrito aquilo e exigir respostas. Porém, antes que meu corpo desse vazão aos meus pensamentos, uma das frases do bilhete pareceu se destacar aos meus olhos:
E, por favor, não tente descobrir quem sou, será uma perda de tempo para nós dois.
Mas como eu poderia ficar no escuro daquele jeito? Confiando em uma pessoa que nem conhecia? Algo dentro de mim dizia que talvez a velha senhora que tinha me entregado o chá era quem tinha escrito o bilhete também, e isso explicava o motivo pelo qual ela permanecera com a cabeça baixa durante os poucos segundos que nos encontramos.
Durante toda a noite, tentei lembrar se tinha visto alguma parte do rosto dela, mas não havia nada.
Eu acabara por me convencer de que aquilo, tudo aquilo, era loucura. Eu não podia confiar em alguém qualquer que tivesse escrito aquilo e me entregado sem revelar o nome. Como a morte da minha mãe, ocorrida há mais de dez anos, poderia conter segredos como aquele?
Como poderia ter sido um assassinato?!
Eu não sabia, e era dúvidas como aquela que me mantiveram acordado a noite toda, fitando os antigos retratados no meu aparador.
Minha mãe tinha sido encontrada morta na base de um penhasco há dez anos, depois de dizer a todos que sairia um pouco sozinha naquela tarde de verão para se distrair.
Meus irmãos e eu tínhamos ficado com uma babá, já que Arabella - que geralmente ficava conosco na ausência dos meus pais - tinha saído mais cedo para visitar o irmão em uma cidade próxima.
Quando as horas se passaram e a noite caiu, metade do país já estava atrás dela.
Seu telefone não conseguia ser rastreado e ela não o atendia. Minha mãe não havia dito aonde ia nem mesmo ao meu pai, que mais tarde dissera não ter insistido no assunto, já que a esposa constantemente se sentia abafada no palácio e saíra muito pouco ao ar livre desde que dera à luz a Sebastian e Margot.
Lembro-me que toda a família tinha se reunido no palácio, todos preocupados e desesperados por notícias, até que, às duas da manhã, finalmente a encontramos.
Um helicóptero que vasculhava as redondezas sem parar por ordem do meu pai, tinha encontrado um corpo na base de um penhasco bem próximo a um vilarejo perto de Arthenia. Lá em cima, na beira do penhasco, o carro da minha mãe estava estacionado.
Durante os dias seguintes várias investigações foram feitas, mas meu pai, provavelmente pela dor que sentia, tinha mandado parar todas elas, determinado a deixar aquilo tudo para trás.
Todos pareceram aceitar a teoria de que ela tivesse parado ali para observar a paisagem dos campos no verão e se aproximado demais da beira do penhasco, escorregando sem querer. E, outros, que acreditavam muito pouco naquilo, pensaram que ela tinha se suicidado.
Ao longo dos anos aquilo me incomodou mais do que qualquer outra coisa. A incerteza e as possibilidades fizeram com que meu coração ficasse ainda mais dividido e machucado.
Eu sabia, depois de ter crescido e assimilado o passado com mais clareza, que minha mãe tinha sofrido de depressão pós-parto depois do nascimento dos gêmeos. A complicação na gravidez e o parto consideravelmente prematuro havia danificado seu corpo e sua mente. Mas seria possível - e aquilo fazia com que a dor se tornasse ainda mais forte - que ela tivesse tirado a própria vida daquele jeito?
Perto de nós, dos filhos, ela sempre se manteve feliz e alegre, mas eu não sabia o que passava pela cabeça dela quando estava sozinha, não sabia o que estava passando.
Com o tempo comecei a aceitar que havia sido apenas um acidente. Coloquei aquilo em minha mente e aquele assunto pareceu me trazer um pouco de paz, por mais que as dúvidas ainda voltassem de tempos em tempos.
Minha mãe sempre tinha amado a natureza e dizia que ao ar livre era onde ela se sentia completa e feliz. Talvez o que ela tenha dito à babá fosse verdade. Talvez ela só quisesse um tempo para si mesma naquela tarde e tivesse dirigido por aí para se distrair. Talvez tivesse sido realmente apenas um terrível acidente.
Eram muitos "talvez" e eu sabia disso, mas um assassinato?
Aquilo era ridículo e impensável.
Quem gostaria de ver minha mãe morta? Todos adoravam estar ao seu redor, ela era amada pelo povo e nunca tinha causado mal a ninguém. Era medonho e horrível, mas, mesmo assim, eu estava ali, procurando por respostas.
E agora pensava que teria que ir até o final. Sozinho.
No bilhete a pessoa tinha escrito que guardara aquele segredo há muitos anos e tinha planejado trazê-lo a mim. Mas por que não tinha feito aquilo antes? Por que não procurara o meu pai ao invés de mim?
Eu não sabia, mas sentia que todas aquelas perguntas levariam a uma resposta bem maior, algo grande que eu precisaria buscar para descobrir.
Era claro que a pessoa que tinha escrito aquilo - se é que tudo aquilo fosse verdade - não tinha provas para incriminar quem quer que ela achasse ter matado a minha mãe. E, sem provas, como eu próprio poderia ir atrás daquela história?
Sem pensar mais, desdobrei o meu bilhete e o li com cuidado, antes de colocá-lo na fenda da fonte.
Não sei se posso acreditar no que você diz. Não sei se posso ir atrás de algo que não tenho certeza ser verdade.
Entendo que você tenha medo de se revelar, mas se tem algo a dizer, confie em mim e podemos nos encontrar. Você pode me dizer o que sabe e eu ouvirei.
Mas, de todo modo, não sei por onde começar.
Sei que você disse para que eu vá ao lugar onde tudo aconteceu e converse com pessoas que conheciam a minha mãe, mas, sinceramente, aonde isso tudo vai levar? Sinto que vou procurar por sombras, por algo que não existe.
Por que esperou tanto tempo para contar o que sabe? Por que comigo?
Esse assunto morreu anos atrás e as investigações nunca apontaram nada. Se você tinha algo a dizer, deveria ter dito naquela época.
Não sei se posso fazer isso.
Deixei o bilhete entre as pedras e saí do pátio, determinado a voltar ali ainda naquele dia, à procura de respostas.
Apesar da minha última frase no bilhete, eu sentia meu coração bater forte e minha mente passar pelas mil possibilidades do que poderia ter acontecido com a minha mãe e do que eu poderia fazer para descobrir a verdade.
Mas, se me permitisse deixar os sentimentos de lado e pensar de modo racional, perceberia que tudo aquilo era loucura e não me levaria a lugar nenhum, certo?
Eu não podia voltar ao passado e assistir o que realmente tinha acontecido. Era mais simples aceitar que a queda da minha mãe tinha sido um acidente infeliz, algo que aconteceu sem que ninguém pudesse controlar ao ajudar.
Mas, no fim das contas, tudo se resumia a isso, não é? Eu preferia acreditar naquilo porque era mais fácil, porque não poderia desenterrar sentimentos que eu tinha lutado tanto tempo para sufocar para que não me machucassem demais.
Se eu fosse atrás daquilo, se achasse algo, quem me garantia que iria gostar do que encontrasse? Quem garantia que toda a dor que eu sentia, tudo aquilo que lutava para reprimir, não me destruísse mais?
Mas no fim, aquilo não era só sobre mim, não é? Era sobre a minha mãe, sobre o que realmente tinha acontecido naquela tarde de verão.
Se eu me convencesse de que aquilo merecia atenção e que poderia haver algo por trás, eu teria que fazer. Não por mim, mas por ela. Pela minha mãe.
Entrei no palácio me sentindo ainda mais cansado mentalmente do que antes. Sabia que precisava descansar e dormir um pouco antes que aparecesse no jantar daquela noite, mas eu tinha certeza que não conseguiria pregar os olhos até receber outra resposta da pessoa que tinha escrito o bilhete.
Eu precisava entrar em consenso comigo mesmo e traçar um plano. Não tinha muitos dias em Arthenia, e sabia que não poderia continuar com o que quer que fosse longe dali.
Eu estava começando a subir as escadarias principais do palácio quando observei um guarda se aproximar.
"Alteza, o rei deseja falar com o senhor. Ele se encontra em seu escritório particular."
Reprimi um gemido de frustração. Tudo o que eu queria era entrar no meu quarto ou, quem sabe, me refugiar naquele pequeno escritório que dava vista ao pátio interno e observar quem poderia aparecer por lá.
"Certo. Obrigado", respondi ao guarda, que em instantes desapareceu.
A passos lentos subi as escadas, andando pelos corredores iluminados do palácio até o escritório do meu pai.
Ao chegar em frente às enormes portas duplas do escritório, bati, pensando no que o rei teria para me falar que fosse tão importante para solicitar uma reunião particular. Eu geralmente não tinha aquela honra.
Quando não estava em Arthenia ou em qualquer outra parte do país, meu pai ficava em seu escritório, trabalhando dia e noite ou simplesmente se ocupando com qualquer outra coisa que fosse importante o suficiente para que tivesse uma desculpa de não interagir com a família. Talvez por isso o chamado me espantasse tanto.
"Entre!", uma voz soou lá dentro.
Lentamente abri as portas e entrei, às fechando atrás de mim.
Passando os olhos pelo escritório familiar, com estantes repletas de livros e uma escrivaninha grande no centro, não me surpreendi ao notar que Arabella estava ali, sentada em uma poltrona confortável junto à janela.
"Pai", cumprimentei, me aproximando da escrivaninha onde ele estava sentado, seus olhos fixos em alguns papéis a sua frente. "Mandou me chamar?"
"Mandei, sim", ele confirmou, ainda sem olhar para mim. Era óbvio que meu pai não queria gastar mais tempo do que o necessário comigo, por isso disse logo: "Como sabe, a princesa Asha de Liechtenstein está vindo passar as festividades de fim de ano conosco. Ela chegará na manhã de Natal."
Segurei a língua, permanecendo em silêncio. Ele tinha me chamado ali para aquilo? Eu não podia acreditar...
"Você também deve saber que Steinorth tem ambições comerciais com Liechtenstein há bastante tempo, e sei que a princesa Asha tem grande afeição por você. Talvez essa seja uma oportunidade de..."
"De nos conhecermos melhor e, quem sabe, nos unirmos em uma aliança que seria boa para os dois países?", sugeri, o interrompendo. Meu pai finalmente ergueu os olhos dos papéis e olhou para mim, seus olhos azuis esverdeados como os meus me fitando. "Tenho poucas lembranças da princesa Asha, pai, mas, até onde consigo me lembrar, ela não era uma garota muito agradável."
"Bobagem", disse a voz de Arabella, do outro lado do escritório. Ela se levantou da poltrona em que estava acomodada e se aproximou do meu pai, colocando uma das mãos no braço de sua cadeira. "Asha é alegre e, o que você pode achar por desagradável, não passa de comportamentos da criança que ela costumava ser. Tenho certeza de que agora ela é uma princesa bastante gentil e agradável, além de, é claro, ser bastante bonita."
Olhei para a minha madrasta, que sorria discretamente para mim.
"Arabella, com todo o respeito, mas não me importa a aparência dela", falei, percebendo os primeiros sinais de impaciência na minha voz. "Muito menos se o senhor, pai, tem interesses com Liechtenstein. Estou certo de que há maneiras mais fáceis e menos constrangedoras de se conseguir uma aliança com outro país do que esta."
"Por Deus Steven, não estou pedindo para que se case com ela!", meu pai exclamou, a voz carregada de desprezo. Inconscientemente, dei um passo para trás. "Embora isso também não seja uma ideia tão terrível, não é? Você tem vinte e um anos e em breve se formará em Jacob Adams. Suas responsabilidades como príncipe herdeiro já estão à porta."
"Eu sei", eu disse com veemência, tentando acalmar as batidas do meu coração. "E eu vou assumi-las da melhor maneira que puder. Mas tenho certeza que um relacionamento com uma princesa estrangeira não é algo que deva ser realmente considerado."
"Passe um tempo com ela", meu pai disse, gesticulando com a mão como se tudo o que eu tivesse acabado de dizer fosse irrelevante. "Só estou pedindo para que lhe dê atenção. Como disse, ela parece ter admiração por você, conforme a mãe dela conta em suas cartas para Arabella. A princesa levará nossa hospitalidade na memória quando retornar ao seu país, e isso será ótimo para nós. E, se por acaso se sentir atraído por ela, saiba que estará fazendo seu trabalho dez vezes melhor."
Trabalho?
Deus, eu me perguntava se aquele homem a minha frente ainda tinha alguma relação com aquele de quem eu me lembrava na infância. Não parecia possível, mas, mesmo assim, eram os mesmos olhos que me encaravam. Estavam frios, mas ainda eram os olhos do meu pai. Aquilo era o que mais doía: olhar neles e lembrar-me de como costumava ser antes.
Falando daquele jeito - como se me aproximar da princesa de Liechtenstein fosse um trabalho que eu tivesse que desempenhar para seus interesses - meu pai quase me fazia desacreditar da história de amor que ele tinha tido com a minha mãe. Esquecer do modo como ele a amava e a idolatrava, contando mais de cem vezes durante a minha infância como eles tinham se apaixonado.
Fechei os olhos por um instante.
Eu não costumava ser melancólico daquele jeito, mas toda a vez que retornava a Arthenia era como se eu voltasse a minha antiga vida que eu já não era mais capaz de ter. Era como se as coisas que eu lutava tanto para guardar se tornassem ainda mais difíceis de suportar, e o descaso e a indiferença do meu pai era uma dessas coisas.
"Certo", foi tudo o que eu disse, pois não desejava mais estar naquele escritório, que parecia ter se tornado pequeno demais para mim. Eu podia me enganar, dizer a mim mesmo que não me importava mais com a indiferença do meu pai, mas aquilo era uma mentira. Pouco a pouco, minhas muralhas iam se desfazendo, e eu tinha medo do que encontraria se olhasse para mim e para o que sentia de verdade quando nenhuma delas conseguissem mais me proteger. "Não precisava me chamar para lembrar-me de ser cordial e dar atenção aos nossos visitantes, pai. Sei que devo fazer isso."
Ele assentiu uma única vez, em aprovação.
"Ótimo. Mas não foi só por isso que te chamei aqui."
Por um segundo, meu coração parou.
Será que ele tinha descoberto sobre o bilhete? Será que sabia que eu estava quase revirando o passado em busca da verdade por trás da morte da minha mãe? Se sim, isso não precisava me apavorar, mas apavorou.
De algo modo eu soube que quem quer que tivesse escrito aquele bilhete queria que apenas eu soubesse o que tinha acontecido e que apenas eu fosse atrás da verdade, e aquilo, por mais infantil que seja, era algo que meu pai não tinha.
E, naquele momento, percebi que eu também não queria contar. Pelo menos não por enquanto, não até ter certeza que havia realmente algo por trás daquela história.
"É sobre a amiga de Alexia, a Srta. Bennett."
O suspiro de alívio que soltei com certeza não passou despercebido aos ouvidos e olhos atentos de Arabella. Ela olhou para mim e ergueu levemente uma sobrancelha.
"O que tem ela?", perguntei de forma casual.
"Arabella me disse que ela esteve com os gêmeos há pouco tempo. Estavam... brincando na neve."
Tive que conter o impulso de revirar os olhos.
"É. Eu sei. Eu estava lá."
"Steven, você sabe sobre as condições de Sebastian", meu pai disse em tom baixo, olhando para mim por cima das mãos entrelaçadas. "Todo cuidado é pouco."
"Pai, Sebastian não é um enfermo", me atrevi a dizer, sentindo uma boa dose de raiva tomar conta de mim. Por um segundo, todos os meus outros pensamentos foram esquecidos. "Ele é uma criança normal, e assim como Margot precisa de um pouco de contato com outras pessoas, com o ar livre..."
"Steven, por favor, nós nem conhecemos aquela garota", Arabella falou, se inclinando para mim. "Não podemos deixar os príncipes andando por aí com ela, nem que ela proponha atividades das quais não sabe se põe em risco Sebastian, ou até mesmo Margot." Deus, aquilo era um exagero... Mais um pouco e meus irmãos se tornariam pessoas intocáveis e amarguradas das quais ninguém consegue se aproximar. "Além do mais", minha madrasta acrescentou pragmática, "não vamos esquecer que ela os manteve escondidos enquanto deveriam estar estudando."
"Bom, talvez eles não quisessem estar escondidos no quarto de uma desconhecida ao invés de assistir a uma aula se seus desejos verdadeiros fossem ouvidos, não é?", eu soltei, farto daquilo tudo. Mas então os olhos frios do meu pai se cravaram em mim, e eu quase me arrependi.
"Do que está falando, Steven?", meu pai perguntou baixa e calculadamente.
"Eles querem ir à escola", contei, tentando manter meu tom no mesmo volume que o dele. "Querem conhecer crianças da idade deles e sair um pouco do palácio. Eles me disseram."
Arabella emitiu um som estranho, como se estivesse bufando. Olhei para ela e a vi me encarar como se eu fosse um garotinho ingênuo ou algo assim. Desejei sacudir minha madrasta, assim como muitas vezes ao longo da vida.
"Isso é ridículo, Steven", meu pai disse, e ouvi o barulho da cadeira pesada arrastando pelo chão quando ele se levantou, dando as costas para mim e passando os olhos por uma das prateleiras repletas de livros do escritório.
"Por quê?", insisti, sabendo que nunca, desde a morte da minha mãe, tinha sido tão teimoso em relação a algo que meu pai dizia.
Mas a conversa com os meus irmãos depois do jantar da noite anterior - mesmo que obscurecidas pela minha obsessão pelo que tinha acontecido depois, com a entrega do bilhete misterioso - ainda estava clara na minha memória.
"Nós poderíamos mandá-los para a mesma escola que estudei em Arthenia quando tinha a idade deles. É uma ótima e instituição e, mesmo que não tenha todo o suporte necessário para receber um cadeirante, podemos mandar verbas para que a adaptem... Poderíamos fazer isso com cada escola de Arthenia se quiséssemos!"
"Steven..."
"Pai, eu sei o quanto eles querem isso. Tenho certeza que..."
"Steven, já chega", ele disse, quase como um grito. Encarei meu pai enquanto ele se virava para mim. "Quero que Sebastian e Margot fiquem aqui, onde têm tudo o que precisam e sei que estão recebendo uma educação excelente. Não posso mandar apenas Margot para uma escola e deixar Sebastian para trás, e não posso mandar os dois porque..." Sua fala se perdeu por um instante e seus olhos se distanciaram dos meus. "Porque sinto que estão bem melhores aqui. Se eles querem sair por aí para passear, que seja, esperarei o inverno se amenizar e programarei atividades para eles, mas enquanto à escola, estou firme em mantê-los aqui."
Eu poderia ter insistido mais no assunto, poderia ter lutado até que meu pai perdesse as estribeiras comigo, mas não fiz isso.
Já tinha cruzado um limite que nunca tinha me permitido chegar perto, e para mim aquilo era o bastante.
"Você não sabe sobre eles, Steven", meu pai disse por fim, dando as costas para mim e se aproximando da esposa. "Sebastian ainda luta para se adaptar a nova vida e Margot precisa urgentemente ser ensinada a se portar como uma princesa, coisa que seria mais difícil se se misturasse com muitas outras garotas da idade dela. Você não sabe. Por isso não insista mais."
Você não sabe...
Mas ele sabia? Com a responsabilidade de um país nas costas e os vários compromissos ao redor do país, será que meu pai realmente enxergava os filhos mais novos? Será que os enxergava como enxergava a mim? Porque, se sim, eu não sabia se o que ele pensava ser certo realmente era.
Dizem que os pais sempre entendem os filhos e sabem o que é melhor para eles, mas, estou certo, talvez haja exceções. Não porque eles queiram isso, não porque desejam a infelicidade dos filhos, mas simplesmente... Não entendem. Ou perderam a capacidade de entender.
"Acredite, Steven, eles estão bem e logo vão crescer e entender nossos motivos de forma mais clara", a voz da minha madrasta se fez ouvir, e senti quando sua mão pousou em meu ombro.
Eu não respondi.
"Se me derem licença..." E eu saí daquele escritório claustrofóbico, escorando em uma parede do corredor e tentando respirar.
Minha mente girava e eu não sabia o que fazer.
Queria ajudar os meus irmãos, mas minhas mãos pareciam atadas às costas; queria compreender meu pai, ser próximo dele como antes e ser capaz de conquistar sua admiração, sua afeição que parecia ter se perdido; queria também compreender o que aquele bilhete queria dizer, queria saber a verdade e não me enganar, queria que tudo aquilo me trouxesse algum conforto, e não mais dor. Mas aquilo parecia impossível. E ainda havia aquela princesa estrangeira, da qual meu pai certamente exerceria certa pressão para que passássemos um tempo juntos. Mas não havia tempo para romance na minha vida, não agora.
Eu queria sentar e contar tudo aquilo para alguém, despejar meus problemas no colo de outra pessoa e buscar alívio nisso. Pela primeira vez desejei falar sem parar, deixando com que todos os sentimentos que tomavam conta de mim fossem ouvidos e assimilados por alguém que não fosse eu. E aquilo era aterrorizante, porque eu não tinha aquela pessoa.
Eu... Eu não sabia o que fazer.
Mais tarde, naquela noite, fui até a fonte do anjo.
Havia um bilhete entre as pedras e, quando o abri, percebi que não era a minha caligrafia ali.
Eu tinha recebido minha resposta.
Alteza, eu sei que o senhor tem dúvidas, sei que pode não acreditar em mim, mas, de verdade, como vai saber se não tentar?
Acha mesmo que a rainha Louisa se suicidou naquele penhasco? Que caiu por acidente? Que foi até lá sozinha?
As pessoas não comentam, mas poucos acreditam nisso.
O motivo de não aceitar me encontrar com o senhor é bastante simples: o senhor conhece a pessoa que matou sua mãe, e, se eu contar tudo que sei antes que tire suas próprias conclusões, o mais certo é que me jogue em uma cadeia. Desculpe, mas não posso arriscar tudo.
Quando tudo aconteceu e eu soube a verdade, tive que fugir para longe. Tive medo e soube que não encontraria justiça naquela ocasião, que, se falasse algo para as autoridades, não levaria algumas horas para que descobrissem e me pegassem.
Não foi fácil conseguir esse emprego no palácio agora, não foi fácil me aproximar de você e lhe entregar o bilhete, e, principalmente, não foi fácil esperar todos esses anos para o momento ideal de buscar justiça.
Sei que acha que talvez não chegue a lugar algum, mas você vai. Irei ajudá-lo, mas sei - e estou certa disso - que o caminho se desdobrará para você de maneira bastante clara. Pessoas sabem coisas, Alteza, viram e viveram coisas, e o que descobrir te levará até a próxima pista e estas até a verdade. Sei disso.
Só peço que não demore. Aja o mais rápido que puder e vasculhe o passado. Ele tem mais a lhe contar do que pensa, por mais que também possa doer.
E, sobre o motivo de eu ter escolhido você, pensei que fosse bastante claro...
Alteza, você é o filho mais velho e sei que tem um bom coração. Trabalhei no palácio há muitos anos e o vi crescer, assim como vi também tudo ruir e você ser forte para continuar mesmo sendo tão novo, não sendo corrompido pela dor.
Não posso me aproximar do rei e duvido muito que ele acreditaria em uma só palavra do que eu digo. Ele mudou muito.
Mas, Alteza, o que importa é que escolhi você. Você que poderá me ajudar a trazer justiça para a sua mãe, aquela doce mulher. Esperei muito tempo para que você crescesse e eu pudesse contatá-lo, e essa é a hora perfeita.
Não digo que será fácil, e talvez você prefira desistir e deixar o passado onde está, mas te garanto que isso te assombrará para sempre, como me assombrou.
Eu confio em você. E peço que confie em mim também.
Mas, em caso de dúvida, siga seu coração. Ele vai te levar ao lugar certo.
Quando terminei de ler, minhas mãos tremiam e meus olhos ardiam.
A luz da lua iluminava a caligrafia cuidadosa no papel, e eu sentia o vento congelar meu rosto.
Ao olhar para o palácio, aquele lugar onde antes minha mãe sorria e cantava, alegrando cada pessoa que ali vivia, eu soube o que precisava fazer.
"O vi crescer, assim como vi também tudo ruir e você ser forte para continuar mesmo sendo tão novo, não sendo corrompido pela dor."
As palavras ecoaram nos meus ouvidos como um mantra, um aviso e uma promessa.
Eu iria atrás da verdade. Iria aonde quer que ela me levasse.
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GALERIA:
Olá meus amores! Tudo bem com vocês? Espero que sim!
Esse capítulo foi muito bom de escrever e ele nos explica muita coisa do passado do Steven, assim como prepara o terreno do que está por vir. O príncipe tomou uma decisão, agora resta esperar o que vai acontecer!
O que vocês acharam? Confesso que quero muito que vocês se empolguem com a trama! Muita coisa vai acontecer e cenas muito especiais estão vindo por aí! Sei que minha escrita em primeira pessoa não é das melhores rsrsrs, mas espero que vocês estejam se envolvendo com ela <3
Aliás, queria dizer que temos mais ou menos um calendário para postagens: De quinze em quinze dias teremos dois capítulos por semana, como essa por exemplo. Os capítulos serão postados às 5:00/6:00 de domingo e quarta-feira, quando houver dois capítulos por semana. O horário pode variar, mas vou tentar manter mais ou menos esse.
Mil beijos galera e até domingo!
Ceci.
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