Capítulo Quatro - Layla


Durante todo o trajeto pelos corredores do palácio eu tentei não pensar. Não queria nem respirar. Talvez, se eu desmaiasse por falta de oxigênio, não precisaria passar por toda aquela humilhação.

Mas é claro que era inútil tentar desmaiar de propósito, e não é como se eu pudesse fingir, já que sou uma péssima atriz e não consigo me manter imóvel sabendo que alguém está me observando. Então, tudo o que me restou foi pensar.

Por mais que eu tentasse conter, minha mente parecia disposta a reviver de novo e de novo o momento patético no qual eu me desequilibrava sobre uma almofada patética e quebrava um vaso de porcelana que devia pagar pelo menos seis meses do meu aluguel. E eu até poderia lidar com isso, poderia mesmo, se estivesse sozinha. Eu eliminaria as provas do crime e daria um jeito qualquer no meu pé, aliás, quem além de Alexia naquele lugar ia dar a mínima por eu andar mancando um pouco?

Mas não, é claro que não. O destino, ou seja-lá-o-que-for, deve estar rindo da minha cara nesse instante. Rindo não, gargalhando. Eu não apenas tinha caído como uma abóbora molenga e derrubado um vaso caro, eu tinha feito isso na frente de um príncipe! Um príncipe que, por sinal, eu nem conhecia.

Sem querer, gemi baixinho, desejando virar poeira e sumir dali.

"O que foi? A senhorita está bem?", ouvi aquela voz grave ecoar. Aparentemente nós estávamos próximos demais e eu me surpreenderia se ele não ouvisse as batidas desesperadas do meu coração.

Me encolhi. Queria andar com os meus próprios pés para qual fosse o lugar que ele estivesse me levando, mas ao relancear um rápido olhar para o meu pé direito soube que aquilo seria impossível.

"Estou", respondi, e percebi naquele momento o quanto minha voz estava fraca.

"Não se preocupe, Dr. Davies não deve demorar."

Eu abri os olhos, que até então tinha mantido fechados ou cravados em qualquer ponto em que meu olhar não encontrasse com o dele.

Ao olhar para cima, percebi que a feição do príncipe estava fechada e concentrada, e seus passos apressados diziam que ele talvez estivesse mais preocupado comigo do que deixava transparecer.

Droga! Ele devia ter coisas melhores para fazer do que aquilo, e eu, embora não quisesse admitir, tentava internamente sufocar aquele pânico que parecia tomar conta das minhas veias. Pânico esse que não tinha nada a ver com aquele incidente.

Eu não ficava sozinha com um homem desde Joseph. Tinha me esquivado de situações parecidas diversas vezes nos últimos meses mentindo para mim mesma que não seria boba daquele jeito de novo e que aquele terror seria passageiro. Mas não era. Eu estava aterrorizada e sabia disso, meu coração martelava e eu conseguia ouvir o zunido do sangue pulsando em meus ouvidos. Tudo o que eu queria era que Alexia estivesse ali, como sempre esteve.

Então, antes que eu desse mais voz àqueles pensamentos, o príncipe desceu um pequeno lance de escadas comigo em seu colo, e de repente me vi em um corredor curto e bem iluminado com poucas portas.

Ele parou defronte a primeira delas e me segurou apenas com um dos braços enquanto girava a maçaneta prateada. Assim que entramos, percebi que aquele lugar era uma ampla e iluminada enfermaria.

Com cuidado, Steven me colocou em uma das camas estreitas perto de uma janela que dava para os jardins da frente do palácio. Apenas aquele pequeno contato que meu pé ferido fez com o colchão macio foi o suficiente para que eu me encolhesse.

"Você está com frio?", o príncipe perguntou, depois de me depositar na cama. "Tenho certeza que há alguns cobertores por aqui..."

Ele parecia agitado, como se quisesse fazer algo, qualquer coisa, para ajudar.

"Eu estou bem", repeti. Na verdade, deitada daquele jeito e fitando o teto branco, eu me sentia tonta. Tentei apoiar minhas mãos no colchão para me sentar, percebendo apenas um microssegundo depois que aquilo era um erro. "Aí!"

Como se se materializasse ao meu lado, Steven segurou meus cotovelos e me ajudou, colocando-me recostada sobre os travesseiros.

Trêmula, olhei para as minhas mãos.

Estavam realmente cobertas de sangue, mas aquilo não me assustou. Daquele jeito, devia parecer pior do que realmente era.

"Tenho certeza que consigo limpar, se você não se importar", ouvi o príncipe dizer, e seus olhos azuis esverdeados se encontraram com os meus. "O sangue. Talvez adiante um pouco as coisas quando o Dr. Davies chegar."

Assenti. "Eu ficaria grata."

Ele então foi até uma pia muito branca do outro lado da enfermaria, e o vi remexer em algumas gavetas. Aproveitei o momento para observá-lo sem que ele me visse.

Todos os seus movimentos eram tão ágeis e precisos que não pude deixar de invejá-lo. Eu sempre estava, literalmente, tropeçando por aí.

Steven então se virou e eu baixei os olhos para as minhas mãos em meu colo. Puxando uma cadeira, ele se sentou junto à cabeceira da cama, colocando uma pequena bacia com água limpa ao seu lado.

"Talvez arda um pouco", ele murmurou, enquanto pegava com cuidado minha mão direita e passava lentamente um paninho molhado ao redor dos pequenos ferimentos, onde alguns poucos cacos ainda estavam cravados na pele. As mãos dele eram tão grandes e fortes que achei impressionante que conseguisse fazer aquilo sem me machucar, embora estivesse um pouco desajeitado.

"Eu sinto muito", falei, antes que pudesse refrear as palavras. O príncipe parou e olhou para mim, mas eu obviamente não consegui encará-lo. Além de ser tão absurdamente lindo, eu já tinha percebido que ele era do tipo que demonstrava tão claramente o que sentia por meio de suas expressões que tive medo do que iria encontrar ali. Sarcasmo? Zombaria? Eu não fazia ideia. "Sinto muito por tudo isso. Por estar te incomodando e ter quebrado aquele vaso. Eu posso pagá-lo e..."

"Esqueça o vaso", ele disse apenas, como se não pudesse acreditar que eu havia dito aquilo. Ergui os olhos para ele, que me encaravam como se eu tivesse vindo de outro planeta ou algo do tipo. "E, por favor, não precisa se desculpar. Foi um acidente e tudo o que importa agora é garantir que você fique bem."

"Eu sei. Eu..." Balancei a cabeça, sem conseguir encontrar as palavras certas. Por fim, decidi pela verdade, pois sabia que agora não conseguiria ficar calada. "Eu só estou morrendo de vergonha."

O príncipe sorriu amplamente, revelando uma covinha que até então eu não tinha percebido em sua bochecha esquerda. Ele voltou ao trabalho em minhas mãos, limpando o pano sujo na bacia de água e o torcendo.

"Por que está com vergonha?", ele perguntou ainda sorrindo, e eu ergui uma sobrancelha para ele.

"Bom, por tudo isso", falei, dando ênfase na palavra "tudo." "Nós acabamos de nos conhecer e olha só o que aconteceu. Quer, dizer, o que você vai pensar de mim?"

"Vou pensar que foi só um acidente", ele disse simplesmente, e depois acrescentou: "Um acidente que, depois que tiver certeza que você está bem e completamente fora de risco, talvez eu ache um pouco engraçado."

"Viu só, é disso que estou falando!", disse, e não consegui deixar de rir, pois tudo aquilo era ridículo. "Além do mais...", parei, pensando melhor antes de falar.

"O que foi?", o príncipe perguntou, olhando para mim. "Pode dizer."

"Não é nada."

"Você pensou que, por eu ser um príncipe, tudo tinha ficado pior." Não era uma pergunta, e, analisando as palavras do modo como ele as disse, parecia algo terrivelmente fútil. Eu corei.

"Desculpe, isso é besteira..."

"Tudo bem", ele falou, como se realmente não se importasse. "Talvez a maioria das pessoas olhem para os membros da realeza como pessoas quase perfeitas e inalcançáveis. Principalmente aquelas que não expõem muito da sua vida ao público. Mas não é assim." Ele fez uma pausa, soltando uma de minhas mãos, já limpa, e segurando a outra. "Se te tranquiliza saber, eu torci o pé há um mês pisando em falso um degrau do meu apartamento e, quando tinha catorze anos, quebrei um braço tentando descer de escorrega por um corrimão de uma das escadarias do palácio. Como pode ver, até mesmo os príncipes amadurecem mais devagar."

Eu ri e ele me acompanhou. Por algum motivo, imaginar aquele rapaz à minha frente em uma versão mais nova e de terno engomado escorregando por um corrimão era engraçada.

"Viu só? Essa coisa de realeza não passa de títulos que nem eu nem nenhum dos meus familiares próximos conquistamos de verdade. Só foi passado de geração em geração."

"Do jeito que você fala, a coisa toda perde um pouco do brilho", disse com um meio sorriso.

"As monarquias de hoje em dia não são como eram antigamente. E ainda bem que mudaram. Mas os monarcas, pelo menos aqui em Steinorth onde o rei ou rainha atuam como regente, há muito trabalho a se fazer. Às vezes, até demais..."

Eu estreitei os olhos para ele, mas Steven não olhou para mim. Sua voz tinha abaixado e eu percebi, pelo modo como ele pareceu se concentrar em dobro na simples tarefa de limpar o sangue das minhas mãos, que havia mais por trás daquela frase do que eu conseguia captar.

"Mesmo assim", eu disse baixinho, tentando quebrar o gelo que pareceu se instalar ali. "Para nós, meros mortais, a realeza é algo que vale a pena admirar."

"Meros mortais, hein?", ele disse com uma risadinha, e sua expressão se tornou novamente mais leve.

"Eu aposto que você nunca escorregou em almofadas e derrubou vasos de porcelana caros por aí."

"É, isso é verdade", ele disse, erguendo os olhos para mim. "Esse mérito é todo seu."

Eu sorri e também o olhei, e aquilo pode ter durado apenas um microssegundo, mas novamente vi algo estranho cintilar naqueles olhos que eu acabara de conhecer.

"O que foi?", eu tomei coragem para perguntar, baixinho.

"Desculpe?" Ele voltou sua atenção para as minhas mãos.

"Você me olha de um jeito..." Eu tentei escolher as palavras com cuidado, aliás, apesar da conversa leve de antes aquele cara ainda era um príncipe e eu ainda não o conhecia direito. "De um jeito como se já me conhecesse", decidi por fim.

"É que..." Ele pareceu pensar por um instante antes de dizer: "Você me lembra muito uma pessoa."

"Uma pessoa?" Ele assentiu.

Minha curiosidade gritava para que eu perguntasse quem, mas continuei calada. A resposta, para o meu alívio, veio alguns segundos depois.

"Minha mãe", o príncipe falou, e eu engasguei.

"Arabella?", disse, sem conseguir conter o espanto na voz. "Desculpe, mas se eu me parecesse com ela não estaria aqui, e se estampando alguma capa de revista por aí."

Steven abriu um sorrisinho triste e olhou para mim.

"Você acha que Arabella é minha mãe?"

"Ela não é a rainha?"

"Bem... é." Ele suspirou. "Arabella é a segunda esposa do meu pai. Minha madrasta. A minha mãe... Ela morreu há alguns anos."

Eu não disse nada, apenas fiquei ali, encarando-o por alguns instantes.

Aquilo explicava o fato de Sebastian e Margot chamarem Arabella pelo nome. Ela não era a mãe deles, como eu pensava, era a madrasta.

Dentro de mim, algo pareceu se partir. Era triste imaginar os dois, que eu acabara de conhecer mas já sentia compreender um pouco, sem uma mãe presente. Me perguntei se eles chegaram ao menos a conhecê-la, e, se sim, se isso não tornava tudo pior.

"E você acha que ela se parecia comigo?", perguntei por fim.

Nada de "sinto muito" ou "meus sentimentos". Algo me dizia que o príncipe Steven já tinha ouvido aquilo muitas e muitas vezes, e eu não queria ser mais uma a repetir as palavras conhecidas e tristes.

Ele então abriu um pequeno sorriso, parecendo ao mesmo tempo surpreso e satisfeito com a pergunta.

"É. Parecia." Seus olhos se perderam por um tempo enquanto fitava os lençóis imaculadamente brancos da cama em que eu estava. "Os mesmos olhos castanhos e cabelo escuro. Ela também era baixinha, como você, e seu rosto se parece com o dela." Conforme ele citava todas as características, seu sorriso foi se alargando, como se se lembrasse de um momento feliz há muito esquecido. "Você é bem parecida com ela."

Ele então voltou a me encarar, os olhos divertidos. Estranhamente, me senti aliviada quando percebi que a dor que antes estavam neles tinha ido embora momentaneamente.

"Se fosse mais velha do que eu, diria que você é uma irmã perdida."

Eu ri, erguendo uma sobrancelha para ele.

"Eu posso ser mais velha que você."

"Duvido muito." Ele abriu um sorrisinho, revelando novamente aquela covinha. "Se não soubesse que você já está na universidade com Alexia, te daria dezessete."

"Dezessete? Obrigada. Mas errou por dois. E você, senhor? Vinte e cinco?" Ele me olhou espantado, fingindo ultraje.

"Estou tão mal assim?" Eu ri, balançando a cabeça. "Vinte e um."

"Bem, desculpe decepcioná-lo, mas eu tenho certeza que sou filha da minha mãe. E você já tem irmãos demais." Ele riu e seus olhos cintilaram ao me encarar. Sem querer, senti meu estômago dar voltas.

Eu não fazia ideia de quanto tempo eu não conversava assim com um rapaz, há quanto tempo não ria e me divertia com um simples diálogo. E, é claro, eu nunca tinha sido o alvo de atenção de um cara como ele, tão bonito e diferente de um jeito que eu... Bem, de um jeito que não me incomodava nem um pouco.

"Os gêmeos são realmente difíceis às vezes. Mas quando alguém os cativa, adoráveis."

"Então eles são gêmeos?", perguntei, sem ficar realmente surpresa. Eles realmente eram muito semelhantes, tirando a pequena diferença na cor dos olhos. Enquanto os de Margot eram parecidos com os de Alexia e Steven, Sebastian tinha olhos castanhos claros como os meus, provavelmente herdados da mãe. "Desculpe não ter percebido, mas a princesa não é do tipo que fica quieta para podermos reparar nela."

Steven gargalhou.

"Experimente conviver com ela todos os dias e você vai ver o que o resto de nós passa."

Naquele momento, antes que eu pudesse responder, um vulto entrou rapidamente pela porta da enfermaria, barulhento e agitado.

"Eu deixo você sozinha por algumas horas e olha só o que acontece! Layla, serei obrigada a contratar uma babá para ficar de olho em você, e nem pense em reclamar..."

Eu sorri, observando Alexia se aproximar descabelada, parando por alguns segundos no meio da enfermaria ao ver meu pé ensanguentado.

"Eu estou bem", disse calmamente.

"Ah, claro, como um soldado que pisou em uma mina..."

Meu olhar se cruzou com o de Steven e ele abriu um sorrisinho, como se dissesse: "Ele sempre foi assim, dramática." E eu sorri de volta, como se respondesse: "É. Eu sei. Convivo com ela todo santo dia."

"Quem te avisou?", Steven perguntou, me poupando o esforço.

"Sebastian", ela disse, puxando uma cadeira próxima e se sentando ao lado do primo. "Isso antes que Arabella o encontrasse e o arrastasse para a aula com uma tal Sra. Jones. Mas não se preocupem, ele me contou tudo e eu vi um carro saindo do castelo há alguns minutos. O médico já deve estar a caminho."

Pelos minutos seguintes, Alex me forçou a contar cada detalhe do que tinha acontecido desde que nos separamos mais cedo, e, quando cheguei à parte do vaso, ela parecia dividida entre rir ou me dar uma bronca. Para o bem de todos nós, ela ficou com a primeira opção.

Não que aquilo fizesse eu me sentir exatamente bem perto do príncipe, com minha melhor amiga rindo da minha cara daquele jeito.

Cerca de trinta minutos depois da chegada de Alexia o Dr. Davies apareceu. Era um homem velho e parecia cansado, embora durante todo o tempo em que me examinou se mostrou bastante cuidadoso e simpático.

Doeu um pouco quando ele começou a tirar os cacos de porcelana que tinham atingido principalmente meu pé, e, depois de aplicar alguns remédios e outras coisas que eu não conseguia identificar, ele o enfaixou.

Por sorte, como eu havia pensado, minhas mãos estavam mais sujas do que realmente machucadas. Agora era possível ver apenas alguns cortes superficiais que rapidamente foram tratados com pequenos curativos.

Meu pé... Por outro lado.

"Tente não colocá-lo no chão por pelo menos vinte e quatro horas", Dr. Davies recomendou quando terminou, fechando sua maleta. "Os cortes não são muito profundos e logo você vai poder andar normalmente, embora com certeza sinta algumas fisgadas." Assenti, segurando o quite de curativos que ele tinha me dado, instruindo-me como trocá-los pelo tempo em que eu me recuperasse.

A ideia de ficar sem me locomover livremente me incomodou, mas aquilo queria dizer que eu poderia ficar pelo menos mais um dia inteiro dentro do meu quarto, onde, talvez, não causasse mais estragos e não precisasse interagir com ninguém daquele lugar.

Como se diz, certos males podem vir para o bem.

"Certo. Obrigada Dr. Davies."

Então Alexia, que havia ficado afastada durante todo o tempo que o doutor retirava os cacos de porcelana da minha pele, se aproximou com um par de muletas. Eu franzi o cenho para ela.

"O que foi?", ela disse, sacudindo as muletas com um sorriso. "Você ouviu o que o doutor disse, não é? Nada de colocar o pé no chão. Como você pretende ir ao banheiro? Pulando de um pé só?"

Eu corei, mas me ergui da cama e apanhei as muletas.

Steven então acompanhou Dr. Davies até a entrada do palácio, enquanto Alexia e eu caminhamos devagar até o meu quarto. Por sorte havia um elevador próximo que nos levaria mais rápido até lá.

"Elevadores?", assoviei, enquanto subíamos até meu andar. "Uau."

"Meus tios precisaram mandar instalar depois que Sebastian começou a usar a cadeira de rodas", Alexia falou. "Tio Carl ainda quer colocá-los em todas as torres, mas isso sempre dá muito trabalho e gera obras enormes e barulhentas, então por enquanto estão restritos apenas às áreas principais do castelo."

Eu mordi o lábio inferior, curiosa.

"Como aconteceu?", perguntei, sem conseguir conter. "Com Sebastian?"

Alex desviou o olhar do meu e fitou distante as portas do elevador. Soube instantaneamente que aquilo ainda a afetava. Ela e os primos deviam ser muito próximos.

"Foi há dois invernos, bem no Natal", ela disse vagamente. "Um acidente com um trenó. Foi mais grave do que pensávamos..."

Eu assenti, sem pedir por mais detalhes. Aquilo era o suficiente para saber como aquilo ainda a machucava.

"Sabe, apesar de todos os problemas com os meus pais e outros membros da família de quem eu vivo falando, ainda há os três", ela disse, como se eu não estivesse mais ali. "Steven, Sebastian, Margot... Acredito que a mãe deles transmitiu tudo o que tinha de melhor para os filhos, mesmo sem saber."

Eu sorri, apertando a mão de Alexia.

"Bom, pelo menos você não precisou aguentar sozinha todos os Natais anteriores, não é?" Alex sorriu e assentiu.

Quando chegamos ao meu quarto ela me ajudou a subir na cama e desfez minhas malas, que até então tinham ficado intactas.

"Eu mereço o prêmio de Melhor Amiga do Mundo, não mereço?", ela perguntou orgulhosa, depois de me entregar um livro que eu tinha trazido de casa para me entreter.

"Sim, merece."

"E você o de Melhor Amiga Mais Desastrada."

Revirei os olhos para ela.

"Vai me lembrar disso para sempre, não vai?"

O rosto de Alex se iluminou.

"Com certeza."

Então, quando Alexia me ajudou a limpar toda a bagunça que eu e os gêmeos tínhamos feito ali - depois de eu implorar para que ela não chamasse nenhuma criada para testemunhar a prova do meu crime - e colocou as muletas bem perto da minha cama, ela foi até a porta.

"Vou pedir para que tragam o jantar para você mais tarde", ela disse, e antes de sair completou: "Sei que isso é meio impossível levando em conta seu estado atual, mas tente não destruir mais nada e fique bem quietinha, certo?"

"Alex!"

Ela riu e fechou a porta atrás de si, desaparecendo antes que eu pudesse jogar nela uma das minhas novas muletas.

Encolhi-me na cama quando outro raio cruzou o céu, iluminado minha janela mesmo depois do meu cuidado em fechar as cortinas para tentar esquecer a tempestade que caía lá fora.

Uma das criadas do palácio tinha acabado de pegar a bandeja do maravilhoso jantar que tinham trago para mim quando o mundo pareceu decidir que queria desabar. O som do vento entrando pelas frestas da janela era arrepiante, e a cada estrondo de um trovão eu estremecia.

Nunca tinha gostado de tempestades.

Na verdade, não gostar é um eufemismo. Eu tinha pavor de chuvas fortes.

Desde a noite em que meu pai não voltou para a casa durante uma terrível tempestade, há muitos anos quando eu ainda era criança, aquele medo parecia ter se agarrado em mim para sempre, trazendo à tona todas as memórias vagas e distorcidas que eu tinha daquela noite em que vi minha mãe grávida e chorando em um canto, perguntando-se o que tinha acontecido com o marido enquanto todos do nosso pequeno vilarejo procuravam por ele. O encontraram apenas na manhã seguinte, e o laudo médico apontara que ele tinha caído do cavalo e batido a cabeça enquanto tentava voltar para a casa depois de um dia inteiro no campo.

Eu me lembro de que, mesmo tanto tempo depois daquilo, sempre que uma chuva forte começava eu entrava em estado quase que catatônico, fazendo com que minha mãe se desesperasse.

Era assustador como, mesmo sem lembrar-me direito daquela noite ou do meu pai, o trauma de todos aqueles acontecimentos ter feito com que minha mente entrasse em estado de choque sempre que uma tempestade começava.

Com o tempo esse medo foi amenizando sem que eu percebesse, embora continuasse presente. Porém, há alguns meses toda aquela loucura com Joseph atingiu um ponto no qual eu jamais imaginara, e, naquela noite que eu duvidava um dia ser capaz de esquecer, uma tempestade caiu sobre St. Andrews, fazendo com o que pior momento da minha vida se tornasse ainda mais horrível e assustador.

Depois disso, o meu pavor por tempestades voltou com força total, mesclando momentos antigos e recentes, sons que há muito haviam se perdido e aqueles que eu ainda podia ouvir ecoando na minha cabeça, como um disco que se recusava a parar de tocar. Eu quase não conseguia me mexer.

Desistindo de fingir ser corajosa e encarar aquilo sozinha, eu me levantei com dificuldade para ir até o quarto de Alexia, mas, antes que pegasse minhas muletas, alguém bateu na porta.

Eu sorri. Talvez já fosse ela.

Alex sempre soube que eu não gostava de chuvas fortes, e sempre que alguma caia sobre St. Andrews nós dávamos um jeito de nos espremer em minha cama, dormindo juntas. Ela nunca reclamou.

Esquecendo as muletas e mancando um pouco, eu caminhei até a porta e a abri.

Porém não foi Alex que eu vi do outro lado. Era o príncipe, que aguardava de costas para mim.

Quando ele ouviu o barulho da porta se abrindo, se virou para mim, e eu tive menos de meio segundo para ajeitar o meu roupão, que com certeza mostrava mais do meu busto do que ele devesse ver.

"Steven!", eu guinchei quando ele se virou para mim, sentindo minhas bochechas virarem pimentões. "Alteza... Oi! Eu... Boa noite."

Ele rapidamente passou os olhos sobre mim, e vi quando um leve rubor subiu por seu pescoço. Bom. Era melhor que ele se sentisse um pouco envergonhado também.

"Oi... Desculpe, Srta. Bennett. Eu não sabia que vinha por isso não avisei." Ele colocou as mãos nos bolsos de trás da calça, parecendo desconcertado. "Eu estava passando quando decidi ver como você estava."

"Ah! É muita... gentileza a sua", falei, ainda parada na porta, uma mão na maçaneta e a outra na gola do roupão, mantendo-a junto ao meu pescoço. "Eu estou ótima, obrigada."

"Não deveria estar usando as muletas?", ele perguntou, estreitando os olhos para mim.

"Não me dei muito bem com elas", disse soltando um risinho nervoso. "Além de me fazerem parecer uma velha, acredito que causaria mais estrago com elas do que sem elas."

Eu falava demais. Muito mesmo.

O príncipe, porém, sorriu, mas não me contradisse. Minha primeira impressão como desastre humano já tinha se fixado. Ótimo.

Naquele momento o barulho de um trovão pareceu sacudir as paredes do castelo. Tinha sido o mais forte até então.

"Você está bem?", o príncipe perguntou no mesmo instante, se precipitando até mim quando cambaleei. Mas eu dei um passo para trás e ele parou onde estava, o braço estendido para me ajudar sendo recolhido. Steven me olhou de um jeito estranho e eu me senti mal, queria dizer que não era nada com ele.

"Eu só não gosto muito de tempestades", consegui me forçar a dizer, sem encará-lo.

"Bom, o tempo é um pouco maluco por aqui", o ouvi dizer em tom mais baixo. "Em um só dia a neve pode cair, o vento aumentar e uma tempestade começar."

O lugar perfeito para mim, pensei com sarcasmo.

"Da neve eu gosto."

Ele sorriu, aquele sorriso lindo que faria centenas de garotas perderem o ar.

"Bem, acho que devo ir", ele disse então, naquele seu tom formal e ao mesmo tempo fofo. "Ainda tenho algumas malas para desfazer."

"Se Alexia não tivesse organizado tudo para mim mais cedo, eu provavelmente as deixaria no mesmo lugar por mais um ou dois dias até ser obrigada a por tudo no lugar."

O príncipe sorriu.

"O mal dos desorganizados..."

"Uma doença sem cura. Boa noite."

"Boa noite."

Eu já estava fechando a porta quando ele parou, se virando para mim novamente.

"Não precisa mais me chamar de Alteza. É estranho."

Eu sorri, dando de ombros.

"Não é o tratamento correto?", brinquei.

"Bem, sim, mas você não precisa mais usá-lo."

Era impressão minha ou ele tinha dado um pouco de ênfase na palavra "você"? Bom, se sim, eu me sentia aliviada. Aquilo me fazia enxergar que, apesar de ser um príncipe, ele era só mais uma pessoa, e que eu poderia tratá-lo como tal.

Talvez aquilo significasse que ele se sentia próximo de mim ao ponto de dispensar as formalidades, mesmo que isso possivelmente só se desse pelo fato de eu ser amiga da prima dele. Mas mesmo assim me senti grata por aquilo.

"Certo", falei. "Então não me chame mais de Srta. Bennett. É estranho."

Ele riu e seus olhos brilharam.

"Vou te ver amanhã no jantar, Layla?", ele perguntou, e foi bom ouvir meu nome saindo da boca dele, naquele sotaque pesado e naturalmente formal que parecia ter saído da boca de um antigo lorde inglês.

"Os jantares são eventos assim tão especiais por aqui para combinarmos de nos encontrar nele?", perguntei, ainda mantendo o tom leve, mas sem conseguir segurar o frio que se instalou na minha barriga. Eu não sabia se eu tinha etiqueta o suficiente para comer com a Família Real de Steinorth.

"No Natal, quando todos se reúnem, sim." Ele então soltou uma risada, provavelmente notando minha apreensão. "Não se preocupe, no geral, somos tranquilos."

No geral?!

"Suponho que não poderia chamar o resto dos nobres desse lugar pelo primeiro nome, não é?"

"Não se preocupe, Alexia é perfeitamente capaz de lhe soprar as formalidades no ouvido caso você se perca..."

"Isso não está fazendo com que eu me sinta mais encorajada."

Ele voltou a rir, e mesmo eu não consegui reprimir um sorrisinho nervoso.

"Boa noite, Layla."

"Boa noite príncipe Steven." E, com apenas um pé firme no chão, eu fiz uma reverência.

"Engraçadinha..."

Então ele sumiu pelo corredor, e eu me perguntei se o quarto dele também ficava ali perto.

E, por um segundo, sem que soubesse como, eu esqueci a tempestade.

___________________🖤_____________________

Oii gente! Tudo bem com vocês? Espero que sim!

Gostaram da surpresinha de um capítulo novo no meio da semana? Espero que sim! O que acharam? Os acontecimentos andam a todo vapor não é?

Bom, por hoje é isso pessoal.

Até o próximo capítulo!

Ceci.

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