Capítulo 18 - Zander

Barbara vai embora sem olhar para trás. Não consigo acreditar que ela esteja mesmo fazendo isso comigo. Com nós. Forço minha pernas a me levarem até a varanda em tempo de ver seu carro partindo.

Eu me sinto impotente por não ter nada que eu possa fazer para ela continuar aqui. Não estou pronto para falar nada do que ela quer escutar. Barbara está esperando por alguém que lhe salve. Eu nunca conseguiria ser essa pessoa por enquanto também estou à espera de algo que mude minha vida. Suas últimas palavras me machucaram mais do que deveriam simplesmente pelo fato de ela enxergar com clareza o que as outras pessoas parecem ignorar.

— Zander, — minha mãe chama enquanto fecha a porta atrás de si. — Está tudo bem?

— Eu preciso ir atrás dela. — Comento mesmo sabendo que minha mãe não entenderia. Barbara não pode ir embora acreditando que eu não me importo com ela.

— Você não vai a lugar algum nesse estado. — Minha mãe coloca uma mão em meu ombro, me fazendo virar. — O que está acontecendo entre vocês dois? Eu não nasci ontem, Zander. Sei mais do que você pensa.

— Não tenho tempo. A gente conversa depois.

— Não. Você vai me explicar tudo agora.

— Eu preciso ir atrás dela. — Repito ao tentar me desvencilhar de minha mãe, porém ela solta um suspiro que deixa claro que não vou conseguir nada além de irritá-la. — Mãe, eu não tenho tempo.

— Eu preciso saber o que está acontecendo entre vocês dois antes de te deixar ir. Preciso saber se você está prestes a destruir seu futuro ou não.

— Nós somos amigos. — Quando seus olhos suavizam sei que eu escolhi as palavras certas. Por mais que eu queira, sei que não posso contar nada mais para minha mãe porque ela não entenderia.

— Ela estava na biblioteca.

Concordo em silêncio. Sei o que minha mãe realmente quer dizer. Ninguém entra na biblioteca, nem mesmo Valentin. É óbvio que Barbara é mais do que uma amiga, mas nenhum de nós está disposto a falar isso em voz alta. Sinto um pouco de culpa por estar mentindo. Barbara merece alguém que não tenha medo de lutar. Isso só prova o quanto eu tenho sido egoísta. Eu comecei nosso relacionamento com uma mentira e depois, quando eu pensei que tudo estava resolvido, o fantasma da farsa continuou entre nós dois.

Eu sou uma farsa.

— Zander, — escuto a voz de minha mãe, mas lhe dou as costas e volto para meu quarto. Sozinho terei mais espaço para pensar.

Junto todos os desenhos que fiz pensando em Barbara e a cada gravura fica mais nítido para mim que tudo o que aconteceu hoje é minha culpa. Pior do que isso, os acontecimentos dos últimos anos também são produto dos meus erros. Volto a encarar meus desenhos. O cabelo laranja vibrante nas figuras faz com que meu peito acelere. Em um ímpeto eu apanho as chaves do carro e deixo a casa.

Eu não estou pronto para abrir mão dela tão facilmente.

Durante o caminho a voz de Barbara ecoa em minha cabeça como se ela ainda estivesse diante de mim. Ela disse que há algo me prendendo, mas o que ela não entende é que eu não tenho forças para me libertar. Continuar aqui sempre foi melhor do que realmente fazer algo sabendo que não vai funcionar. Se eu falhar, estarei decepcionando meu avô também. Ele apostava tanto em mim que eu nunca tive coragem de lhe dizer que não sou tão bom quanto ele pensava. Meus irmãos são melhores. Não quero me arriscar e ter de viver sob a sombra deles ou de meus pais. Prefiro não lhes dar esperança.

Por mais que eu quisesse contra tudo isso à Barbara, ela jamais compreenderia. Posso praticamente ouvir seus argumentos. Ela tentaria me convencer do contrário, ela diria que ninguém espera nada de mim, ou que eu devesse ter mais confiança.

É fácil dizer quando você não faz ideia do que a outra pessoa sente.

O campo de trailers está mais escuro que o normal quando chego. Nenhum dos vizinhos de Barbara parece estar em casa, exceto pelo velho espiando através das persianas do trailer detonado ao lado. Desço de meu carro procurando as palavras certas, mas ao ver a casa de Barbara com as luzes apagadas meu nervosismo sobe tanto que não consigo pensar.

— Barbara. — Bato com tanta força em sua porta que o trailer balança.

Ela deveria estar em casa. O tempo que passou desde que ela me deixou é mais do que suficiente para ela ter chegado. Chamo novamente, mas ao não obter resposta eu começo a procurar por seu carro. Não há nada além da escuridão ao meu redor.

— A garota não tá em casa. — O velho grita de sua porta, irritado. — Volta outra hora.

— Você viu pra onde ela foi? — Eu me aproximo o bastante para ver sua expressão de desgosto.

— O que ela faz não é problema meu. — Sua porta fecha com quase a mesma força que usei ao chamar Barbara.

Sozinho e sem muitas opções, tento pensar em possíveis lugares para onde Barbara iria. Volto para o carro e dou algumas voltas pela redondeza, sem sucesso. Repito o caminho de minha casa até a dela com o coração apertado, mas rapidamente me acalmo ao perceber que não há ninguém na estrada além de mim. Em uma última tentativa, passo pelo mirante, porém não há nenhum sinal de Barbara.

Ela realmente não quer ser encontrada, mas eu preciso ter certeza de que ela está bem. Acabei deixando meu celular em casa, então dirijo de volta para seu trailer e estaciono longe para que ela não me veja ao chegar. Ignoro o velho que faz um sinal para mim de sua janela. Não sei qual é o problema dele, porém não pretendo sair daqui antes de falar com Barbara.

Fecho meus olhos e peço, pela primeira vez em muito tempo, para que tudo dê certo.

***

Acordo com o som de algo batendo em minha janela e me assusto ao ver o velho com a testa grudada no vidro. Eu me surpreendo por ter dormido por tanto tempo ao ver que já amanheceu. Lembro-me do recado que ele me deu e desvio meu olhar para o que deveria ser seu jardim. Continua morto. Ele fala algo, porém sua voz é abafada pelo som de um motor e rapidamente viro o rosto na direção do barulho. O Vectra de Barbara está estacionado em frente ao seu trailer e o carro que está ligado é de algum vizinho. O velho bate mais uma vez em minha janela.

— Que horas são? — Pergunto ao descer o vidro.

— Você passou a noite aí? — Ele estuda o interior do carro e meu estado. — Devem ter sido umas horas infernais.

— Você pode me dizer que horas são? — Interrompo sua rosada e ele ergue as sobrancelhas.

— Posso. E ainda posso sentar e comer bolinhos com você... — Ele tira um maço de cigarros do robe e me encara por um tempo. — O que você está fazendo aí? Pelo que eu vi ela passou direto por você quando chegou.

— Ela me viu?

— Ah, viu sim. Ela veio até seu carro, olhou pela janela e foi para dentro do trailer.

Isso faz com que eu me levante. Ao sair do carro meu corpo reclama pela posição em que dormi. O velho continua a rir ao meu lado e faço meu melhor para ignorá-lo.

— Ela não vai falar com você. — Ele diz ao longe, entre uma tragada e outra.

— Como você pode saber disso?

Penso em ignorar o velho de novo quando a porta do trailer de Barbara abre e uma mulher sai. Não há dúvidas de que seja a mãe de Barbara por causa dos traços de seu rosto e sua gravidez aparente. Ela marcha até o carro com uma expressão cansada e algo dentro de mim faz com que eu sinta uma estranha empatia pela mulher que eu nunca conheci. Eu me pergunto se daqui a alguns anos Barbara será mais parecida com ela, se terá a expressão desiludida de quem teve de desistir de seus sonhos? Eu não quero que isso aconteça.

— Como eu estava dizendo, — ele continua ao ver o carro se distanciar. — A Barbara não parecia feliz quando voltou ontem e eu te avisei que não ia pegar leve se você a chateasse...

Analiso o velho dos pés à cabeça. Não acredito que ele esteja falando sério sobre me machucar porque eu sou bem mais alto, além de estar em melhores condições físicas.

— O que você está fazendo aqui, filho?

— Preciso falar com ela, não com você.

Ele dá um alonga tragada no cigarro e joga a guimba no chão. Observo-o apagar o fogo com a ponta do chinelo e balançar a cabeça como se estivesse se divertindo. Ao erguer a cabeça, ele me lança um sorriso e aponta para o trailer de Barbara, me desafiando.

Para provar a ele que não fui afetado, caminho com confiança exagerada até a porta de Barba e bato uma única vez. Para minha surpresa, Barbara sai e me puxa de volta até meu carro.

— Eu não acredito que você esteja aqui. — Ela olha rapidamente para sua casa antes de me encarar e eu me sinto ainda mais vazio do que ontem. Posso ver em seus olhos que ela não quer me ouvir. — Zander, você precisa ir embora agora. Eu falei sério ontem.

— Você precisa me escutar primeiro.

— Eu não posso. — Ela respira fundo. — Por favor, vá embora.

Sem esperar, Barbara me dá as costas e se distancia. Dois homens saem de seu trailer e eu lembro onde eu o vi antes; é o gerente desconfiado do clube. De repente eu compreendo os olhares que ele me enviou e percebo que minha mentira afetou muito mais pessoas do que eu poderia imaginar. Eu me pergunto se ele comentou sobre isso com minha mãe, mas é o último dos meus problemas agora. Primeiro eu preciso fazer com que Barbara me escute.

— Estou vendo que ainda não arrumaram seu jardim. — Eu me aproximo do trailer do velho, sabendo que ele está me seguindo.

— Eles disseram que não têm tempo e que não fizeram isso. — Ele bufa descrente. — Eu vou te dizer uma coisa, aquele pessoal deveria ser mais responsável. Não quero nem pensar na bagunça que vai ser quando a outra criança nascer...

— Se eu arrumar seu jardim você vai parar de reclamar com eles?

— O que você está falando? Acho que minhas plantas têm mais chances com um deles do que com você.

— Eu sei algumas coisas sobre jardinagem. — Minto. Não deve ser tão difícil preparar o solo e jogar algumas sementes, mas preciso convencer o homem.

— Se você diz... Mas eu não vou pagar por isso.

— Não quero seu dinheiro. — Estendo a mão para ele.

— Não sei o que você está tramando, mas desde que não me traga problemas está tudo bem. Eu me chamo Patch. — Ele devolve meu cumprimento e marcha para dentro do trailer.

Tento memorizar o tamanho do gramado e faço nota de alguns materiais. Preciso passar o maior tempo possível aqui, até Barbara desistir e resolver me escutar; e agora tenho a desculpa perfeita.

Nas próximas duas semanas acabo criando uma rotina. Acordo antes de amanhecer, dirijo até o Java J para pegar dois cafés e sigo para o parque de trailers, onde passo praticamente toda a manhã preparando o jardim de Patch. Nos primeiros dias ele não ficou muito satisfeito por me ver, mas com o passar do tempo ele percebeu que eu não pretendia desistir e acabou me ajudando. Tenho certeza de que ele sabe quais são as intenções por trás da minha proposta, pois quando Barbara sai de casa todas as manhãs eu invento alguma desculpa e também vou embora.

Há dois dias Patch chegou a fazer uma piada sobre eu ficar esperando que ela me escute. Ele disse que é provável que eu cuide de todos os jardins do parque antes de receber um pouco de atenção dela. A pior parte é que ele pode estar certo. Depois de me pedir para ir embora, Barbara não olhou mais em minha direção. É como se eu fosse invisível para ela e isso só me irrita cada vez mais. Ela está sendo completamente irracional.

— Você está mais atrasado que o normal hoje. — Patch diz quando saio do carro. Ele está sentado em uma cadeira velha de praia, lendo seu jornal.

— Precisei cuidar de uma coisa antes de vir. — Eu lhe entrego um dos cafés e tomo o outro silenciosamente.

Tento não pensar nas consequências do encontro que tive esta manhã. Quando contei aos meus pais o que eu estava planejando eles ficaram surpresos, porém eu fiquei ainda mais ao sair da reunião com duas respostas positivas.

— Você pode ir embora, se quiser. — A voz cansada de Patch me chama atenção. Algo em seu olhar está diferente hoje.

— O que está errado?

— Você não perde uma... — Ele resmunga. — Não pensa que eu não sei que você só vem aqui pra ficar de olho nela.

— Patch, só diz o que houve. — Peço, mas quando sua boca retorce ao invés de abrir sinto que não vou gostar do que vou ouvir.

— Ela já saiu.

Eu continuo à espera de uma explicação porque não há nada de errado para que Patch tenha ficado tão desconfortável. Não estou surpreso porque sei exatamente onde Barbara está indo. Convenci o reitor da faculdade em que meus pais estudaram a fazer uma entrevista com ela, por mais que as aulas tenham começado há uma semana. Sei que a influência da minha família ajudou bastante e pela primeira vez não me sinto culpado por isso. Eu faria qualquer coisa para ajudar Barbara. Mesmo que ela nunca descubra, eu vou saber que a ajudei a alcançar seu sonho. Eu a coloquei no programa de doações anônimas da faculdade porque sei que ela jamais aceitaria minha ajuda.

— Ela pegou uma carona com Jake... E pediu para que você não estivesse aqui quando ela voltasse.

O chão desaparece sob meus pés. Isso não fazia parte do plano. Em um segundo, todo o esforço que fiz parece não ter mais sentido e começo a me arrepender da decisão que tomei. Sinto raiva de Barbara por me fazer acreditar que se eu lutasse algo bom poderia acontecer. Pior que isso, eu estou chateado por ela estar desistindo com tanta facilidade quando estou tentando fazer justamente o que ela me pediu.

— Acho que está na hora de você ir embora. — Patch diz com relutância. Nós dois sabemos que se eu for agora, não vou mais voltar. — Você ainda é um garoto novo, tem muita coisa pela frente. Acredite no que um velho como eu está dizendo. Eu já tive minha cota de corações partidos, mas sobrevivi.

Balanço a cabeça sem encontrar minha voz. Patch está dizendo o que eu já sabia. Não quero acreditar que vá acabar assim, mas infelizmente é o que acontece na vida real. Diferente de um romance, não tenho como controlar meu futuro; não tem ninguém para escolher as melhores palavras e me dar o final feliz. Eu deveria ser grato pelo pouco tempo que tive com Barbara, por tudo que ela me fez sentir. E mesmo assim, sinto como se não tivesse sido tempo bastante. Eu poderia viver uma vida inteira ao lado dela e não teria sido suficiente.

Provavelmente é por isso que eu sinto que ainda não acabou mesmo sabendo quando é a hora de parar.

— Você pode dizer para ela que eu espero que seja feliz. — Forço um sorriso e Patch faz um sinal de quem sabe o que estou querendo dizer.

— Vou dizer isso. E que você provavelmente não vai mais voltar.

Ele estende a mão e nos cumprimentamos uma última vez. Tenho certeza de que vou sentir falta dele, assim como de todas as outras pessoas que conheci nessa cidade.

***

Ao ouvir um carro passar correndo na estrada, eu viro minha cabeça a tempo de ver o borrão desaparecer em uma curva. Não há ninguém além de mim no mirante, o que é uma surpresa porque o lugar estava cheio em praticamente todas as noites do verão. O barulho dos motores dos carros e os adolescentes eram praticamente música de fundo para mim; eu só estava preocupado em escapar do meu drama familiar por algumas horas, pensar em um futuro que provavelmente nunca irá acontecer.

Aparentemente isso mudou. Sentado em um dos bancos hoje, eu só consigo pensar que este é o pior lugar que eu poderia ter escolhido para ficar com Barbara. Talvez eu devesse ter encontrado outro local para levá-la, já que aqui costumava ser um lugar especial tanto para mim quanto para ela. Duvido que continue assim no futuro. Será que quando ela vier aqui daqui a alguns anos vai se lembrar desse ponto como nosso local de encontro ou apenas o lugar em que ela fugia da realidade?

A perspectiva de ir embora é o que faz com que eu não desista de uma vez por todas. Eu preciso da mudança de cenário para descobrir o que há no mundo para mim. De tudo que aconteceu nos últimos meses vou guardar apenas a lembrança do quanto fui feliz com Barbara. Ela estava certa ao dizer que seguiríamos caminhos diferentes, mas eu tenho certeza que voltaremos a nos encontrar e, quando isso acontecer, vou ser a pessoa que ela merece. Até lá, vou apenas me concentrar em ser o melhor que posso.


(Continua...)






Gente, por favor, leiam o recado que deixei nos agradecimentos antes de sofrerem pelo final. Eu juro que é temporário, afinal é um amor fora do comum. Mas vocês precisam confiar em mim e nas escolhas que fiz para essa história.

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