Capítulo 05 - Zander

Quando voltei para casa na noite passada não encontrei ninguém acordado. Hoje de manhã foi a mesma coisa, acabei dormindo demais e tive que sair às pressas de casa. Foi bom não ter tido que conversar com minha mãe pela minha reação durante o jantar.

Meu celular vibra no bolso da calça, mas nem isso faz com que eu deixe de encarar a porta do Java J. Desde que comecei meu turno hoje que não tiro os olhos da entrada. Barbara prometeu que passaria aqui após o trabalho e toda vez que o sino preso na porta toca eu ergo a cabeça para ver se é ela quem está entrando, só que nunca é.

Frustrado ao ver três garotas entrando no café lanço um olhar gélido para elas, no entanto sinto Mo ao meu lado e rapidamente mudo a postura. Elas têm aparecido quase toda tarde durante o verão e a cada dia ficam mais irritantes. 

— Bem vindas. O que posso fazer por vocês? — Tento soar animado como Mo me ensinou, mas minha voz acaba saindo como um lamurio.

As três garotas soltam risadinhas e se encaram. Uma delas até aponta para minhas tatuagens antes de se voltar para as amigas.

— Não estou vendo ninguém aqui para me atender. E vocês? — A loira que está mais perto do balcão pergunta e as outras duas balançam a cabeça.

Elas estão fingindo que não me veem, o que não é nem um pouco original.

— Eu estava querendo um frapuccino de caramelo e canela, mas acho que vamos ter que ir embora. — Ela continua e as outras duas seguem rindo.

— Mo, você pode cuidar disso? — Viro para meu chefe sem paciência alguma para lidar com as três hoje.

— Vocês não estão escutando ele perguntar? — A morena pergunta. Diferente das outras duas, essa se sente mal pelas brincadeiras que fazem. Outro dia ela chegou a pedir desculpas quando as duas amigas não estavam vendo.

— Você está vendo alguém Brit? — A líder se vira para a terceira delas e a garota balança a cabeça em negativa. Eu nunca ouvi a voz dela, mas seus olhos dizem tudo que eu preciso saber. Ela é tão má quanto June, a loira que a está encarando.

— Muito bem... — Mo me empurra para o lado com a voz cansada e eu acho que ele também não tem muita paciência para aturá-las. — O que vocês querem hoje?

— Eu quero que ele prepare minha bebida, — June aponta para mim e alarga o sorriso. — Mas cuidado para não infectar meu pedido.

— Olha só isso, Mo. — Comento mais relaxado do que me sinto e as três erguem as sobrencelhas. — Ela finalmente admitiu que consegue me ver e ouvir.

— Não! Eu não fiz nada disso, eu só... — June fecha a boca abruptamente e revira os olhos. — Tanto faz.

Vejo a morena, Nicky, sorrir disfarçadamente enquanto June e Brit fazem seu melhor para não perderem a pose. Eu realmente não sei o que acontece entre elas, mas para mim está claro que Nicky não é muito amiga das outras duas. June me fuzila com os olhos quando eu entrego seu pedido e em seguida as três marcham para fora do café.

Escuto o sino tocar e me arrependo no minuto em que ergo a cabeça. Eu preferia que June tivesse voltado para me irritar, mas ao invés disso minha mãe e Hilary entram sorridentes. Chega a ser engraçado o modo como as duas destoam do cenário.

— Zander, finalmente consegui te encontrar. — Minha mãe se aproxima do balcão. — Eu liguei para seu celular várias vezes, por que não atendeu?

— Eu estou trabalhando. Não posso atender o celular. — Lanço um olhar para Mo, mas assim que ele vê minha mãe vira para o outro lado.

— Não importa mais. Eu trouxe a Hilary até aqui porque ela estava parecendo tão triste lá em casa sozinha. Sua irmã e Oliver saíram para passear.

Hilary me dá um sorriso tão largo que eu acabo me sentindo culpado por estar ignorando ela.

— Oi Hilary, — Olho para ela por uns três segundos antes de voltar a encarar minha mãe. — Estou trabalhando e não posso sair agora.

— Eu sei. A Hilary disse que não se importa em ficar sentada por aqui enquanto espera. — Mamãe se inclina em minha direção e beija minha bochecha. — Agora eu preciso ir. Tenho uma reunião com os outros sócios do clube e eles não vão ficar esperando por mim para começar.

— Não, mãe, espera! — Eu praticamente grito ao vê-la saindo, porém ela continua andando como se não tivesse me escutado.

Volto a encarar Hilary parada diante de mim toda sorridente e sinto meu sangue ferver. A presença dela vai acabar com qualquer chance que eu poderia ter com Barbara! O melhor que posso fazer agora é ser honesto com ela.

— Hilary, — Ela ergue a cabeça ao me ouvir chamar. — Você parece ser uma garota legal e eu não sei o que foi que a minha mãe te disse, mas não posso—

— Zander, — Ela coloca o indicador em meus lábios e se inclina em minha direção. Não sei o que ela pretende, mas meu primeiro instinto é recuar. — Escuta bem o que eu vou dizer... sua mãe é uma mulher muito legal, mas ela está achando que eu sou uma garota bem diferente de quem sou e eu acho que isso aconteceu pelo que o Oliver falou para ela. De qualquer jeito, você não precisa se preocupar porque eu só estou querendo me divertir um pouco enquanto estou aqui.

Ela passa uma mão pelo cabelo, soltando o rabo de cavalo, e me encara. O modo como seus olhos brilham indicam que ela está planejando algo bem diferente do que a minha mãe consideraria diversão. Preciso admitir que estou surpreso.

— O que você tem em mente? — Acabo perguntando. Hilary não é a primeira garota que aparece querendo viver uma aventura antes de voltar para a vida normal e mesmo que eu vá dizer não, fico curioso para saber qual seria sua proposta.

— Eu percebi que sua família está um pouco preocupada com as suas escolhas e eu entendo isso. Já estive no mesmo lugar que você. Eu sei como você pode tirar eles da sua cola, mas você vai precisar de mim para fazer isso.

— Eu já disse que você é uma garota legal, mas eu não estou interessado. — Olho nervosamente para a porta e torço para que Babara não resolva aparecer agora.

— Relaxa, eu também não estou interessada em você. — Ela revira os olhos. — Nada contra, mas é que eu já encontrei um cara legal para me manter ocupada por aqui. O problema é que ninguém na minha família vai aceitar ele e eu acho que nós dois podemos nos beneficiar se fingirmos que estamos em um relacionamento. Você e eu, quero dizer.

— Deixa eu ver se entendi direito, você quer fingir que estamos namorando na frente da nossa família?

— Isso. Dessa forma eles não vão se incomodar tanto com o que estamos fazendo. Enquanto nós estivermos juntos a gente finge ser o casal mais fofo que existe, e longe deles podemos ser quem realmente somos.

A proposta de Hilary parece ser tão fácil que me faz acreditar que algo pode dar muito errado. Sei que minha mãe ficaria satisfeita se eu aparecesse com Hilary, afinal ela seria a primeira namorada que minha mãe aprovaria. Isso também faria com que eu ganhasse mais algum tempo para encontrar um jeito de falar que eu não quero ir para a faculdade. Talvez eles até recebam bem a notícia se acreditarem que eu estou realmente focado em ter uma vida estável com Hilary.

— Como você pretende fazer isso? — Por mais que eu odeie a ideia de enganar minha família, sei que já passou da hora deles me deixarem fazer minhas próprias escolhas.

— Fácil. Você vai ter que se tornar o homem que a sua mãe quer. — Ela me lança um sorriso malicioso.

— Como eu posso saber que isso não é um jogo seu e da minha mãe?

— Você precisa confiar em alguém. — Ela se inclina ainda mais sobre o balcão e segura meu rosto com ambas as mãos. — A primeira coisa que você vai fazer vai ser tirar essas lentes, qual é a cor dos seus olhos?

Abro a boca para protestar, mas o som do sino me distrai. Escuto alguém prender o ar e não preciso virar o rosto para saber que foi Barbara quem acabou de entrar. A pior parte é que Hilary continua me segurando com o rosto tão próximo do meu que dá a ideia errada a qualquer um que nos veja. Empurro as mãos de Hilary para longe e volto para Barbara.

— Que bom que você chegou.

— Fiquei presa até mais tarde... — Ela lança um olhar nervoso na direção de Hilary. — Muito prazer, eu me chamo Barbara.

— Hilary. — Elas trocam um aperto de mãos e Hilary me encara. — Pense sobre o que eu disse. Vai ser bom para você também.

Ela se despede e sai do café com o celular na mão.

— Eu não queria interromper vocês. — Barbara diz.

— Você não atrapalhou nada. Ela é a sobrinha do meu cunhado. — Dou de ombros sabendo que isso não explica o modo como Hilary estava me segundo quando ela chegou.

— Pensei que fosse sua namorada.

— Eu não tenho namorada. — Seguro seu olhar por um tempo e Barbara começa a corar.

— Que bom. — Ela aperta os olhos assim que diz. — Quer dizer, não é bom que você não tenha uma namorada, aposto que você não gosta disso, mas eu achei bom saber.

— Mesmo? — Tento manter minha voz neutra, o que é difícil quando por dentro estou vibrando. 

— É... — Ela começa a balançar a cabeça, mas então se dá conta do que acabou de admitir e fica tão vermelha que precisa esconder o rosto. — A gente pode esquecer que eu disse isso?!

— Eu posso fazer um esforço se você aceitar jantar comigo hoje.

A verdade é que eu nunca vou conseguir fingir que não a ouvi, mas ela não precisa saber disso por enquanto.

— Você quer sair comigo? — Ela arregala tanto os olhos que eu me pergunto se falei algo errado.

— Acho que foi o que eu disse.

Ela me encara por alguns segundos e em seguida sorri.

— Eu vou adorar sair com você.

— Ótimo. — Contendo meu sorriso, dou a volta no balcão e me despeço de Mo. — Vamos.

— Agora? Eu pensei que você fosse me dar um tempo para me arrumar. — Ela aponta para o vestido de bolinhas que está usando.

— Você está ótima e, sinceramente, eu não poderia me importar menos com o que você está usando.

Suas bochechas coram e uma vontade louca de beijá-la me ataca, mas tento parecer relaxado enquanto abro a porta para Barbara. Ela me lança um sorriso tímido e nervoso, do tipo que me faz querer falar mais alguma coisa só para assegurá-la que realmente não me importo com a roupa dela; para mim ela continuaria bonita mesmo com uma fantasia de palhaço.

— Eu preciso deixar meu carro em casa. Minha mãe vai precisar porque ela tem um plantão hoje... — Ela segura a alça da bolsa com força, como se esperasse que eu mudasse de ideia por ela dizer isso.

— Tudo bem. — Dou de ombros e vejo os olhos de Barbara se arregalarem com surpresa. — Vou dirigir atrás de você até o trailer e depois nós voltamos no meu carro. Pode ser?

Ela faz que sim rapidamente, mas logo muda a expressão no rosto e aperta os lábios com firmeza. Eu me pergunto se ela está repensando sobre meu convite e faço meu melhor para desviar sua atenção. Não quero que nossa noite termine agora, não era exatamente assim que eu tinha imaginado nós dois juntos hoje.

— Então... O que sua mãe faz? — Gentilmente a empurro até seu carro, torcendo para que ela não perceba o que estou fazendo.

— Ela é enfermeira. Trabalha em um hospital em Seattle. — Ela para ao lado do vectra e sorri para mim. — Acho que falo com você daqui a dez minutos.

— Sim. E durante todo esse tempo você pode me ver pelo espelho retrovisor.

Sem dar tempo para ela mudar de ideia, corro para meu carro e ligo o motor. Barbara ainda demora alguns minutos dentro de seu carro antes de dar a partida, mas quando ela faz eu sinto como se tivesse acabado de ganhar na loteria. O percurso até o parque de trailers é mais rápido do que eu imaginava. Mesmo que seja rápido ir do centro da cidade até o lado oeste, acho que Barbara gosta de correr enquanto dirige, o que me faz pensar que isso não é muito seguro por causa do estado em que o carro dela se encontra. Ela só diminui a velocidade ao parar em frente ao trailer em que a deixei na outra vez que vim aqui.

Ao invés de vir direto para meu carro, ela sinaliza e entra no trailer. Vejo as luzes do trailer vizinho acenderem e em seguida a porta se abre, de onde sai um senhor de pantufas e um robe puído. Ele tenta equilibrar um cigarro nos lábios enquanto amarra a faixa, mas acaba derrubando o cigarro no chão. Observo-o marchar até o trailer de Barbara e bater com força na porta, porém ninguém vem recebe-lo.

Enquanto tento decifrar o que o velho está querendo ele vira e ao perceber minha presença vem até mim. Ele bate com os nós dos dedos em minha janela com mais força do que eu poderia esperar, fazendo com que eu imagine qual tipo de vizinho que Barbara tem aqui.

— Abre essa porcaria. — Sua voz é abafada pelos vidros fechados, porém ele fala claro o bastante para que eu tema não o obedecer. — Quem é você? Não interessa, você está com a ruiva né? Eu tenho um recado para ela... — Ele se apoia em minha janela e me analisa. — Tenho um recado para você também.

Eu devolvo o que imagino ser um olhar entediado e ele aperta os olhos sem realmente acreditar na minha pose. Disfarçadamente viro o rosto na direção do trailer de Barbara, mas não há nenhum sinal indicando que ela vai sair nos próximos segundos, o que significa que vou ter que escutar o velho. Volto a encará-lo e ele solta um suspiro frustrado.

— Eles estão fugindo a semana toda, desde que alguém passou com o carro por cima do meu jardim, e eu não estou achando graça nenhuma. Avise para ela que eu quero o dinheiro do estrago que eles fizeram nas minhas margaridas.

Ele leva uma mão aos lábios, mas para no meio do caminho ao lembrar que não está mais com o cigarro nas mãos. Aproveito essa pequena pausa para analisar o pedaço de grama em frente ao trailer e tento não demonstrar minha culpa ao perceber que fui eu quem passou com o carro por cima do mato dele.

— Você me ouviu? — Balanço a cabeça e ele continua, sem se incomodar com minhas respostas silenciosas. — Ótimo. Agora presta atenção no que eu vou te dizer, porque não vou repetir nunca mais. A garota não serve para você. — Abro a boca, mas ele é mais rápido e ergue uma mão para me calar. — Ela é meiga e sonhadora, o tipo que vocês gostam de brincar. Já tive sua idade, sei como isso funciona. O que eu estou querendo dizer é que se você machucar a Barbara eu e todos os moradores desse parque vamos te caçar e fazer você se arrepender por ter se envolvido com ela. Entendeu? — Balanço a cabeça de novo, mas dessa vez ele cruza os braços e coloca um olhar severo no rosto. — Você tem voz? Me diz se entendeu o recado.

— Sim, senhor. — Respondo contra a vontade e ele assente, satisfeito.

— Lembre a Barbara que ainda estou esperando o pagamento pelas flores. — Ele bate em meu ombro sorrindo como se não tivesse acabado de me ameaçar e volta para seu trailer.

Não se passa nem um minuto e Barbara aparece. Pelo modo como ela me olha eu posso dizer que não viu o vizinho maluco vindo até mim e decido que é melhor manter essa conversa em segredo. Fico incomodado ao pensar que o velho está irritando sua família por algo que eu fiz e faço uma nota para voltar aqui depois com o dinheiro que ele quer.

— Eu não queria demorar tanto, mas eu tive que explicar aos meus pais que não ia ficar para o jantar. — Ela diz ao se sentar ao meu lado.

Enquanto ela arruma o cinto lanço um olhar para a janela de seu trailer e vejo um homem se escondendo atrás das persianas. Imagino que seja seu pai que deve estar vendo com que a filha está saindo. O certo seria eu sair do carro e falar com eles, por mais que não fosse o que eu programei, mas não tenho muita certeza de que devo me apresentar aos pais de Barbara agora. Em um gesto bem egoísta, dou a ré e finjo não ter visto o homem nos observando.

Sinto meu celular vibrar e rapidamente o apanho. Barbara me encara com decepção e eu me forço a parar o carro antes de ler a mensagem.

       HILARY: CONTEI PARA SUA MÃE SOBRE NÓS. ELA FICOU MUITO FELIZ E MEU TIO DECIDIU QUE VAMOS PASSAR O VERÃO AQUI :)

Antes que eu consiga me segurar, solto um palavrão e sinto Barbara se movendo ao meu lado. Ela inclina levemente a cabeça, mas assim que percebo que ela está tentando ler a mensagem que me deixou tão irritado guardo o celular e volto a dirigir.

— Está tudo bem? A gente pode remarcar o jantar... — Ela soa forçada e eu sorrio ao pensar que ela quer estar comigo tanto quanto eu quero.

— Não foi nada.

Ligo o rádio e procuro por alguma música capaz de me acalmar. Durante o caminho até o restaurante me concentro nas letras e no perfume doce de Barbara ao meu lado. Tento não pensar na mensagem de Hilary ou no que isso vai me trazer. Amanhã eu resolvo meu problema com ela.





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