Capítulo 03 - Zander

Depois de três dias normais (o que incluem algum tipo de discussão sobre meu visual, minhas escolhas ou meu emprego) minha mãe parece outra pessoa. Assim que acordei eu a encontrei diante da porta do meu quarto com uma bandeja de café da manhã eela ainda perguntou se eu estava gostando de trabalhar para Mo. Se eu não soubesse que ela está eufórica pela visita de meu irmão eu acreditaria que ela passou por um transplante cerebral.

— Ah, Zander, seu irmão está tão ansioso para ver você! — Ela diz com um sorriso tão largo que parece o Coringa. — Faz tanto tempo que eu aposto que ele não vai te conhecer.

Aguardo por algum comentário, mas minha mãe se detém e ao invés de me criticar se senta na beirada da minha cama. Aproveito para terminar de comer o café da manhã em silêncio, aproveitando o raro momento em que ela não está tentando me convencer a cortar o cabelo ou tirar as lentes de contato.

— A melhor parte é que todos os seus irmãos estão vindo para o final de semana! Acho que todos ficaram animados com a notícia do noivado. A Harley é uma mulher incrível e eu tenho certeza que ela e Trenton vão ser muito felizes juntos. — Mamãe aperta as mãos contra o coração e pisca os olhos para não chorar. Ela costuma ficar sentimental quando meus irmãos estão na cidade.

— A Jacqueline e o Oliver já chegaram? — Pergunto antes que ela tenha muito tempo para pensar e acabe chorando de verdade, pois ela adora o genro.

— Não. Eles estão chegando e eu vou almoçar com sua irmã hoje. — Sorridente, ela se levanta e caminha até a janela de meu quarto. Seus olhos se fixam na antiga casa da árvore no quintal. — Joel chegou ontem à noite e está dormindo em seu antigo quarto.

— Vai ser um final de semana movimentado... — Comento como se não estivesse muito empolgado com tudo, mas a verdade é que mal posso esperar para ver meus irmãos de novo. A última vez em que os vi foi no natal passado.

— Sim, querido. E teremos muita coisa para fazer em família. Estou tão animada! — Ela se vira para falar algo mais, porém muda de ideia ao ver uma muda de roupas sujas jogada sobre minha escrivaninha. Eu me preparo para ouvir suas reclamações, mas minha mãe apenas apanha as roupas e as dobra embaixo do braço. — Você não está atrasado para o trabalho?

— Acho que sim... — Olho ao redor bem confuso. Não sei o que minha mãe está planejando agora, mas espero que ela continue sendo legal por um bom tempo. Eu poderia me acostumar a esta versão dela; aposto que teríamos menos problemas de comunicação se ela não tentasse me controlar toda hora.

— Então vá logo para o Java J. Mais tarde conversamos. E você poderá contar para seus irmãos como anda a vida por aqui. Acho que o Joel sente saudades da época em que ainda estava no colegial; ele sempre foi o mais festeiro de vocês. — Mamãe se aproxima de mim e fica na ponta dos pés para beijar minha bochecha. Logo em seguida ela me deixa e eu mal consigo acreditar que ela não fez uma reclamação sequer desde que eu acordei.

Ao chegar no Java J. não encontro o carro de Mo no estacionamento, o que significa que Kristen apareceu para trabalhar. Minhas obrigações sempre dobram quando Mo não está por perto, pois eu preciso fazer tudo sozinho. Às vezes eu não me incomodo tanto com isso, mas desde quarta feira não consigo deixar de pensar na garota de cabelos laranja e sem Mo e suas conversas eu não tenho com o que mais ocupar minha cabeça.

Ela parecia nervosa quando a deixei em casa, o que me faz acreditar que talvez ela não quisesse estar ali. Eu tentei não reparar no estado do trailer que ela apontou, mas não tinha como não notar que boa parte do metal estava corroído pelo tempo e as paredes pareciam ser tão finas que é provável que não resistam ao inverno. Por sorte Barbara não entrou no trailer decrépito que eu achei que fosse o seu; ela correu para o que estava ao lado e eu me senti estranhamente aliviado ao ver que era um maior e aparentemente mais confortável. O que me deixou mais intrigado sobre Barbara foi descobrir que de tudo que ela poderia escolher, ela iria para a faculdade se tivesse a chance! Escutá-la dizendo aquilo e mais os comentários sobre os moradores do lado leste me deixou culpado, mas eu não admitiria de jeito nenhum que faço parte do grupo que ela obviamente odeia.

O que ela faria se soubesse que estava falando mal dos meus vizinhos (e possivelmente de mim) para mim? Depois receber seu olhar gentil e um pequeno sorriso eu não estava pronto para confessar e me tornar alvo da sua raiva. Pior seria se ela descobrisse que eu não fui para a faculdade por opção; tenho certeza de que ela não compreenderia meus motivos.

— Hey, Zander! — A voz baixa e fantasmagórica de Kristen me faz parar no meio do estacionamento.

Ela está encostada na parede de tijolos da lateral com um cigarro apagado na mão direita. Seus olhos negros estão apertados devido ao sono e pelo modo como seu rosto está coberto de maquiagem eu tenho certeza que ela não dormiu muito na última noite.

— Kristen? O que aconteceu? — Pergunto ao me aproximar dela. Enquanto destranco a porta da frente escuto-a bater um dos pés contra o chão.

— Eu preciso de um favorzinho. — Ela puxa a camiseta branca para baixo, deixando o decote indecente ainda maior. Eu não entendo como ela consegue vestir roupas tão apertadas, mas Valentin sempre disse que é um dom que só ela possui.

Ao invés de responder eu a encaro por um bom tempo. Suas bochechas adquirem um tom vermelho intenso e um biquinho surge em seus lábios.

— Ah, Zander, eu nunca te peço nada!

Penso em discordar, mas acabo concordando com a cabeça. Tentar discutir com Kristen é uma causa sem propósito, pois você acaba se cansando antes de conseguir provar seu ponto de vista.

— Obrigada! Você é um amorzinho. — Ela joga o cabelo de um lado para o outro e abre um sorriso largo. — Eu preciso trocar de turno com você amanhã.

— Cuidado com o que você está planejando fazer à noite. — Digo sem realmente acreditar que acabei de concordar em trabalhar durante a noite de amanhã, pelo menos terei a desculpa para faltar a um dos eventos de família.

— Você está falando igual ao meu avô. — Ela revira os olhos, mas logo esquece o que eu falei. — Mas e aí, você viu que eu criei um perfil para ele em um site de relacionamentos para a terceira idade? Achei a ideia genial. E ele vai sair com uma mulher hoje. É tão fofo!

Ela bate palmas e me encara em expectativa. Às vezes Kristen me deixa sem ação porque eu nunca sei o que ela espera que eu faça. Por mais que ela tenha vinte e cinco anos age como se tivesse dezoito. Por esse motivo, ela e a namorada de Valentin iam se dar muito bem; as duas são louquinhas.

— Depois a gente conversa, agora eu preciso ir andando... — Ela apoia as mãos em meus ombros, me forçando a inclinar o rosto em sua direção e beija minha bochecha antes de rebolar até o estacionamento do outro lado da rua e entrar em seu carro vermelho; ela nunca estaciona em uma das vagas do Java J.

Há um supermercado e uma loja de sapatos onde Kristen parou seu carro. Um Chevrolet Vectra verde ocupava uma das vagas desde quarta feira, mas nesta manhã o local está completamente vazio e eu desconfio que fosse o carro de Barbara. Ela disse que precisava de um reboque. Ontem fiquei de olho no estacionamento no caso de alguém ir buscar o carro, mas não houve nenhum sinal dela até a hora que meu turno acabou. Aparentemente ela passou depois que eu já tinha ido embora.

Observo o pouco movimento da rua, sabendo que em menos de trinta minutos as pessoas começarão a surgir de todos os cantos, como se brotassem da terra. No verão a cidade fica mais cheia que de costume e a maioria dos turistas passa pelo Java em busca de um pouco de cafeína antes de iniciarem seus passeios. Eu tento atender todos eles com o sorriso falso que Mo me ensinou a dar, mas as garotas de colegial conseguem me tirar do sério com seus gritinhos e a capacidade de falar todas as palavras como se fossem uma exclamação.

***

Escuto as vozes e risadas altas na sala de jantar atravessar as paredes e volto a encarar meu reflexo no espelho retrovisor do carro. Estou parado dentro da garagem por mais de vinte minutos e não sei o motivo de ainda não ter entrado em casa. Talvez por estar cansado depois de um dia de trabalho exaustivo. Respiro fundo e tento não pensar no fato de que estou cheirando a café enquanto atravesso a garagem e entro pela porta dos fundos.

Uma das empregadas sorri polidamente ao me ver na cozinha, mas logo volta a organizar alguns canapés na bandeja e esquece de mim. Vejo sua reação como um bom sinal, pois se minha mãe estivesse em seu estado normal gritando e fazendo exigências a cozinheira não ficaria tão calma.

À medida que caminho em direção a sala de jantar começo a reconhecer as vozes de cada um. Minha irmã tem uma risada suave e doce que sempre me fez ter vontade de sorrir de volta para ela, mesmo quando não havia sentido. Trenton e meu pai são tão parecidos que até mesmo suas vozes são iguais; ambos falam de um jeito duro, como se não estivessem acostumados a relaxar. Já Joel tem um ar de aventureiro que é detectado no modo como ele fala, na postura e no brilho de seus olhos. Desde pequeno eu vi Joel se meter em situações esquisitas por causa de sua mania de correr atrás de novas experiências e eu acho que é por isso que estou ansioso para o reencontrar. Nós dois sempre nos demos bem.

Eu me encosto no batente da porta e observo a cena diante de mim. Toda a minha família está reunida em volta da mesa e parece que nunca deixaram essa casa. É impressionante que todos os quatro filhos tenham nascido com o mesmo cabelo negro de meu pai e os olhos azuis de mamãe.

O modo como todo mundo ri e se entende faz com que qualquer um que nos veja acredite que essa é a família perfeita. Tenho certeza que se dependesse de meus pais nossa família seria mesmo a melhor, mas tem uma pessoa que não se encaixa nos padrões deles: eu.

— Zander, querido, você finalmente chegou. — Minha mãe diz ao me ver e imediatamente todas as cabeças do recinto se viram em minha direção. —Venha filho, só falta você.

— Irmãozinho, estou vendo que você ainda se fantasia... — Joel diz em seu tom divertido assim que me aproximo. Ele se levanta para me cumprimentar. — Você tinha uns dezesseis quando eu saí de casa e parece que não amadureceu nem um pouco de lá para cá.

Joel está mais forte que na época em que foi para a faculdade. Ele também deixou o cabelo crescer um pouco, apesar de ainda estar muito curto. Pelo menos ele não raspa mais a cabeça, porque ficava bem esquisito.

— Que exagero. — Jacqueline revira os olhos ao se levantar para me abraçar. — Ele está bem mais alto agora.

— Zander, você pode me explicar como conseguiu ficar tão alto? — Joel me olha da cabeça até os pés, ou o que ele consegue ver de mim que não está debaixo da mesa. — Esses meses que passaram te fizeram bem.

— Acho que agora você não deve mais apostar queda de braço com ele, você vai perder de uma maneira bem vergonhosa. — Minha irmã troca um olhar divertido com Oliver e só então percebo que há uma pessoa a mais na sala.

Analiso os cachos dourados e os olhos verdes da garota sentada ao lado do marido de minha irmã. Apesar do rosto angelical e os traços suaves, ela tem um olhar que indica ser exatamente o oposto de quieta. Sei que ela não é a irmã mais nova de Harley porque a conheci e ela tinha olhos escuros. A única explicação que encontro é que ela e Oliver devem ser parentes, já que os dois têm a mesma fisionomia e a pele rosada.

— Zander, esqueci de te apresentar à Hilary. — Minha mãe eleva a voz, fazendo com que eu a escute por cima das conversas paralelas de meus irmãos. — Ela é sobrinha do Oliver e veio junto com ele e Jacqueline para passar o final de semana.

— Muito prazer, — eu lhe estendo a mão e ela devolve o cumprimento.

A garota me dá um sorriso de canto e encara minha mãe como se estivesse esperando que ela vire o rosto para o outro lado.

— A Hilary acabou de entrar emDartmouth. Ela é aluna de economia, não é incrível? Além de ser linda, ainda é muito inteligente. E sua irmã nos contou que Hilary faz parte de vários programas comunitários! — Do modo como minha mãe fala eu imagino que ela esteja tentando vender um produto, e não me apresentar a alguém.

— Não é grande coisa, na verdade. — Hilary sorri novamente, fingindo não ligar para o elogio, porém seus olhos brilham tanto que é impossível acreditar na falsa modéstia dela. — Eu gosto de me sentir útil para minha comunidade.

— Claro que sim, querida. — As duas trocam mais um sorriso radiante e minha mãe vira em minha direção. — Ah, Zander, a Hilary veio com Oliver porque acabou de terminar um relacionamento de anos. Tenho certeza do quanto está sendo difícil para ela superar tudo isso, então eu sugeri que vocês dois passassem algum tempo juntos enquanto ela estiver por aqui.

Eu sabia! Quase solto um gemido de frustração ao notar qual é o verdadeiro interesse de minha mãe em Hilary. Ela acha que vai conseguir me enganar e fazer com que eu me envolva com uma garota que elaconsidera perfeita.

— Eu tenho trabalho amanhã. — Dou de ombros e tento não ficar muito contente com a desculpa.

— Tenho certeza que você pode faltar. Você nunca deixou de ir para aquele cubículo, mesmo quando não precisava. Mo deveria te dar um aumento só por você suportar ficar naquele lugar por mais de dois minutos. — A alteração na voz de minha mãe é quase imperceptível, mas estou tão acostumado que noto imediatamente a sua irritação.

— Não posso faltar, aceitei trocar de turno com Kristen, então eu preciso estar lá amanhã. — Dou um sorriso fingido para Hilary, termino de cumprimentar meus irmãos e suas famílias e volto para meu lugar. Alguém me serviu enquanto eu falava com os outros.

Mal consigo dar uma garfada na carne assada quando Trenton me chama do outro lado da mesa. Ele está sentado ao lado de meu pai e reparo que ambos vestem camisa social azul e gravata. Do jeito que estão parados parece que Trenton é um clone do nosso pai, como o Boba Fett e o Jango Fett em Star Wars.

— Você já recebeu a resposta da Columbia? — Meu irmão pergunta de maneira casual, mas a conversa ao redor da mesa cessa e todos me encaram em expectativa.

Vejo Harley passar uma mão pelo cabelo ruivo preso no alto da cabeça e em seguida ela me lança um olhar de desculpas por Trenton.

— Seu irmão nunca abre os envelopes que são enviados pelas faculdades. — Minha mãe cruza os braços e franze os lábios. — Talvez você pudesse conversar um pouco com ele e mostrar os benefícios de estudar lá.

Olho ao redor à procura de alguém para me apoiar, mas todos viram o rosto quando eu os encaro. Meu pai é o mais rápido em fingir que não está aqui. Por ele, minha mãe tomaria todas as decisões da casa e tudo estaria ótimo.

— Zander, até quando você vai brincar de criança? Não acha que já passou da hora de criar responsabilidades? Você já tem vinte anos e daqui a pouco ninguém nessa família vai ser capaz de te ajudar a entrar na faculdade. Aliás, daqui a pouco a gente não vai mais concordar em te manter. — Trenton eleva a voz e eu sinto meu rosto aquecer cada vez mais.

Se fosse fácil fazer minhas próprias escolhas eu não teria desistido de ir para a faculdade, mas nessa casa minha vontade é sempre a última a ser considerada.

— Trenton, eu não preciso do dinheiro de nenhum de vocês para me manter, então não se preocupe comigo usando sua fortuna. — Aperto meus punhos debaixo da mesa, onde sei que ninguém pode ver. — A vovó Morris me deixou uma herança tão grande que nem se eu quisesse ia conseguir acabar com o dinheiro antes de morrer.

Eu me levanto antes que ele volte a falar e vejo os olhares desconfortáveis no rosto dos meus irmãos, Harley e Oliver. Hilary é a única que não está nem um pouco incomodada com a situação, para falar a verdade, ela parece estar entediada. Sinto muito por eles terem que escutar minha discussão com Trenton, mas não sou capaz de escutar meu irmão me repreendendo e ficar calado.

— Onde você está indo? — Minha mãe ainda tenta me impedir, mas alcanço a porta e nem sequer olho para trás ao correr para a garagem.





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