BROOKLYN BABY
Eles dizem que eu sou muito jovem para te amar, que eu não sei o que eu preciso. Mas eu estou aqui por você, querido, e sempre estarei.
Com a multidão aplaudindo ferozmente, respiro fundo e seguro a guitarra com força.
Faltam duas bandas para se apresentar.
A minha e a de Alex.
Consigo vê-lo do outro lado do palco, na lateral esquerda. Ele está com os rapazes de sua banda, conversando sobre algo que parece sério demais. Seu maxilar está tenso, e ele gesticula.
Veronica coloca uma das mãos no meu ombro esquerdo, e eu percebo que o apresentador do programa que estamos participando acabou de sair do palco. Ele fez a nossa introdução.
— Precisamos subir — ela diz.
Eu concordo com a cabeça, respiro fundo e ando até o meio do palco. As luzes caem sobre mim e eu não vejo nada por pelo menos cinco segundos. Quando finalmente consigo me acostumar ao caos, identifico jovens entusiastas da música próximos das grades, alegres e saltitantes, sedentos pela próxima apresentação da banda queridinha do Brooklyn nos últimos meses.
Foi isso o que essa competição fez com a Brooklyn Baby. Nós não passamos de cinco amigos em uma garagem antes da nossa inscrição para concorrer a um contrato com uma gravadora e alguns milhares de reais.
Até a minha família, que nunca acreditou no meu talento pada a música, está aqui, na área vip. Eles vieram me ver. Isso me deixa nervoso porque hoje é a final, e se eu não ganhar pode ser que eles nunca realmente levem o meu sonho a sério.
Olho para Alex. Ele parou de conversar com a banda para sorrir pada mim, e eu sinto o seu incentivo me atingir como uma dose de vodca em um corpo sóbrio.
Era o que eu precisava.
— Nós somos a Brooklyn Baby — digo no microfone.
Todo mundo grita. Acho que somos mesmo os preferidos da competição, porque não há barulho igual ao que se ouve quando subimos ao palco. Acredito que o nosso repertório impecável de músicas dos anos 2000 consegue como ninguém envolver o público naquela nuvem de identificação bizarra de quando se está ouvindo o rádio e algo que você conhece começa a tocar.
As pessoas simplesmente vibram.
Escolhemos Lou Reed para a final do concurso de música, e confesso que não achei que nos receberiam tão bem com algo tão velho. Mas ainda bem que eu estava enganado.
Quando as primeiras notas começam, todos reconhecem e cantam junto com a gente quando trago a letra ao público.
Com a boa recepção, fico mais tranquilo. Meu coração estava quase saindo pela boca. Eu mal posso conter o nervosismo que é participar deste concurso, principalmente com Alex por perto. Ele é um concorrente muito difícil de lidar: esperto e cauteloso demais, o guitarrista de seu grupo.
Tenho sorte de que não é o vocalista. Eu não conseguiria competir com a voz dele mesmo que tentasse por anos.
O vi cantar quando estive na sua casa, uma vez, durante as férias de verão. Ele queria me mostrar a sua coleção de jazz extremamente rara da qual conseguia tocar todas as musicas. Eu nunca vou esquecer da sua voz enquanto ele cantava distraído pelo quarto.
Havíamos acabado de descobrir o gosto musical que temos em comum, e eu propus um ensaio improvisado, um dueto entre guitarra e voz para que eu pudesse conhecer mais do timbre único que Alex tinha .
Ele aceitou sem pensar duas vezes, feliz por poder compartilhar algumas de suas músicas com alguém que também gostasse delas. Ele disse que o pessoal de sua banda preferia outros estilos, então eles nunca tocavam as coisas que Alex amava. Eu disse a ele que tocaria com ele, então.
Quando ele cantou, foi impressionante. Me fez admirá-lo mais do que temê-lo.
Tambem me fez querer transar com ele.
Não só naquele momento, mas por meses. Até que eu percebesse que não conseguia mais passar um dia sem ouvi-lo cantar junto comigo nos momentos mais íntimos possíveis.
Então veio o concurso de bandas de Nova Iorque, e ele disse que iria tocar com os amigos dele.
Eu me senti traído, mas não disse nada porque nossos ensaios, assim como o nosso relacionamento, não era algo do qual tínhamos certeza. Eu não poderia cobrar nada dele, não é mesmo? Até porque não daria certo.
Eu e Alex somos muito diferentes para que possamos ficar juntos. Nós percebemos isso quando prestamos atenção no fato de que, fora a música, não concordávamos em nada. Nem conseguíamos conversar sobre outros assuntos sem brigar. Somos como água e fogo; o vento e o oceano. Ele queima enquanto eu gelo; vê enquanto eu sou cego, e está sempre para baixo enquanto eu vivo em uma nuvem flutuante.
Mas tudo bem, porque eu e meu namorado estamos em uma banda na qual eu canto enquanto ele toca.
Só não estamos na mesma banda.
A música acaba e todos aplaudem a Brooklyn Baby animados. Olho para Alex e ele está tenso de novo, discutindo com um dos colegas de banda.
Quero saber o que está acontecendo, mas não posso simplesmente chegar e perguntar. Eles são os nosso rivais. Seria estranho mesmo que todos soubessem que eu e Alex temos um relacionamento.
Já estou fora do palco, com Veronica ao meu lado, quando o apresentador do concurso se posiciona atrás do microfone e anuncia que a última banda desistiu de se apresentar:
— Infelizmente, um dos membros do grupo precisou sair às pressas.
Veronica me olha animada, porque isso quer dizer que nós ganhamos. Mas eu não estou feliz. Estou preocupado com Alex e seu sonho Americano de ser um astro do Rock. Ele vai ficar arrasado. Eu sei quando vem se preparando para isto.
Ignoro Veronica e subo ao palco, atravessando até estar perto de Alex.
— Quem desistiu? — pergunto.
Alex está com o rosto aflito, o maxilar trêmulo. Quero abraçá-lo, mas não posso.
— Nosso vocalista.
— Por que você não canta? É um ótimo cantor.
— Porque não consigo tocar e cantar ao mesmo tempo, e não podemos ficar sem a guitarra.
Sem pensar muito a respeito, digo:
— Eu toco a guitarra para vocês.
Alex se interrompe no meio de uma fala como se tivesse levado um choque, então levanta o rosto até seus olhos estarem fixos nos meus. Como ele não diz nada, me aproximo:
— Vamos. Você sabe que sou muito bom com os dedos.
Ele sorri, e eu não sei se é um sorriso nostálgico ou um sorriso de quem está convencido de que pode ser uma boa ideia, mas sorrio também.
— Vamos tocar em público, juntos, pela primeira vez — ele diz.
Eu fico animado com o fato de ele ter aceitado a minha proposta, bagunçando seus cabelos em comemoração. Alex me afasta rindo e sai para contar a novidade ao resto da banda. Em um minuto, o apresentador está de volta ao palco:
— Pessoal, outra mudança. Eles vão tocar!
Todos aplaudem, felizes, e eu acho que os gritos acabaram vencendo os que minha banda recebeu. Não fico com inveja. Fico feliz. Quase tão feliz quanto Alex, que não tira os olhos de mim.
— Obrigado — ele diz.
Aperto um de seus ombros.
— Disponha.
Com o anúncio oficial, entro no palco com a banda de Alex, segurando a guitarra. Veronica me olha como se fosse capaz de me estrangular à distância, encolhida de braços cruzados no meio da plateia. Mas não posso lidar com ela agora. E não vou. Alex sempre diz que sou frio, que congelo. E vou congelar agora: essa raiva dela. Quando isso acabar a deixarei queimar como quiser.
Escuto o sinal da bateria em três baques, e como ensaiei com Alex o verão inteiro para as suas apresentações, conheço as notas de trás para frente. Geralmente, ele tocava e eu cantava, mas hoje é diferente, e algo no modo como os papéis se inverteram faz minhas mãos começarem a tremer.
Isso é insano.
Tocar com o homem que eu amo é quase tão bom quanto tocar o homem que eu amo.
Ou não.
Talvez seja só a música falando.
Ou o modo como a voz dele é provavelmente a coisa mais bonita que todos aqui vão presenciar na vida.
Seguro a guitarra por toda a música, e há momentos de altos e baixos porque ensaiei apenas com Alex, e não com o resto da banda. De qualquer jeito, acho que estamos muito bem. A plateia não para de gritar. Até Veronica sucumbiu ao ritmo e dança discretamente com a cabeça. Meus pais estão sorrindo, já não mais confusos com a minha contribuição com o adversário.
Quando a música acaba, Alex me puxa para a frente pela mão direta e diz no microfone que eu ajudei os Oliver's em um momento de pura tensão. Ele está agradecido. Eu fico envergonhado porque não queria esse tipo de reconhecimento. Eu só queria ajudar o meu namorado.
Então, inesperadamente, ele me beija. Na frente de todo mundo, em rede nacional, com os nossos pais e nossos amigos olhando.
Eu congelo.
Digo, eu queria isso. Claro que eu queria. Mas não sei se esse é o momento certo, apesar de sentir cada pequeno fragmento do meu corpo querer responder a esse beijo.
Acho que estou preocupado com o que vão pensar de nós. As pessoas me julgaram a vida inteira: primeiro, pelas tatuagens, segundo pela banda e terceiro pelo sonho da musica. Agora, vão me julgar por outra coisa. Uma coisa que diferente das outras eu não tive muita escolha, e que mesmo se eu tivesse não cederia.
Mas, bem, se a vida é um livro, as pessoas não o leem. Elas tiram conclusões pelas figuras, como um caderno infantil de imagens, e assim acham que sabem de tudo a respeito de todos.
Beijo Alex de volta. Com vontade. Sentindo a sua língua tocando a minha, entrelaçando e acariciando.
Porque essa é a minha geração. A nova era. E se eles não gostam disso, que caiam fora. Que superem.
Meu namorado está em uma banda, e ele canta enquanto eu toco.
Do jeito que deveria ser.
Do jeito que deveria ter sido desde o começo.
...
PRÓXIMO CONTO:
Duas melhores amigas saem de uma festa adolescente para entrar no carro de um grupo de garotos desconhecidos e viver uma aventura nada passageira.
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