Capítulo 6
Quando finalmente chegamos de volta a aldeia, Haruki fez com que seu cavalo andasse lentamente, como uma marcha leve e sem pressa.
Algumas pessoas que estavam presentes por ali nos olhavam curiosos, obviamente pela aparência surreal de Haruki. Eu aproveitava a luz da lua em minha pele enquanto suspirava no puro ar noturno de lá. Até que eu olhei para o astro lunar, que brilhava encima do morro da kanzakura, o que me deixou nervosa. Eu não podia simplesmente deixar Haruki em minha casa e ir rezar para uma árvore, ainda mais se isso vai me trazer um companheiro que talvez possa não ser ele.
Como eu deveria sair dessa?
- Haruki, você poderia me levar ao morro? Tenho que fazer minha oração no templo de lá. - Eu o pedi. Ele não deve saber que estou falando da kanzakura, é duvidoso que Haruki conheça os lugares por aqui.
- Claro, por que não? - Ele assentiu com um sorriso pouco aberto, antes de virar a guia do cavalo para sair da aldeia, em direção ao morro.
Pensei que estaria tudo bem, até que no meio do caminho, ele pergunta:
- Vai orar para a kanzakura? - Ele pergunta.
- Kanzakura? - Tentei disfarçar o máximo que pude.
- A cerejeira que tem por lá. - Ele continua. - Não que você tenha que me responder, eu respeito a privacidade da senhorita.
- Oh, sim. Eu vi a cerejeira lá, mas não sei por que ela está por lá. - Eu disse - Ela é especial, desabrochou suas flores antes de todas as cerejeiras.
- De fato ela é especial. A senhorita deve conhecer a história dela, certo?
- Sim, Hinata já me falou sobre ela.
- Não que eu quisesse te assustar, mas dizem que existem monstros lá encima. Ouvi boatos da existência de uma kitsune e um oni. - Ele diz, me alertando. - Não faço idéia se é real, mas dizem que a kitsune aparece quando se atrai pelo adorador, e o oni raramente aparece, é como um nômade que mora no templo.
- Um oni? Existem vários relatos por aqui. Mas não tenho coragem para saber se eles existem. - O respondo, com um toque de nervosismo.
Era incrível como apesar de estarmos falando sobre um assunto que era para ser assustador, parece calmo e tranquilo. Sei que estamos praticamente em um relacionamento sério, mesmo sem nenhum de nós dois ter mencionado isso. Eu conseguia ver pelos seus olhos quando me encontram, são puros, sem demonstrar malícia alguma.
O trote baixo do cavalo fazia sincronia com o movimento do grande rabo de cavalo do maior. Eu poderia jurar ter visto uma imagem muito semelhante ao rapaz em um livro de história, não me lembrava qual e nem me lembrava seu papel lá. Sei apenas que era sobre um sobrevivente de um clã extinto em uma guerra, e nesse livro, ele é o protagonista. Dizem ser baseado em fatos reais, por mais que eu queira acreditar, não se encaixa em minha cabeça. Ao menos não se encaixava coisa alguma relacionada ao mundo espiritual e sobrenatural, isso durou até ficar cara a cara com uma kitsune naquela noite.
Me livrei de meus pensamentos, vendo então Kiku querendo sair de uma das bolsas aos lados da cela do cavalo.
Eu o retirei da bolsa, pondo o animalzinho em meu colo.
Haruki pareceu ficar tenso conforme nos aproximávamos do monte. Foi até chegamos no começo da trilha.
Quando o maior parou seu cavalo, ele desceu do animal, e logo me deu sua mão para que usasse-a de apoio para descer também, assim eu o fiz. Depois que Haruki removeu os arreios de seu cavalo, ele sinalizou para que o seguisse, mesmo que já soubesse como chegar até o topo, ele insistia que fosse em minha frente por segurança.
- Então... Você está rezando a quanto tempo? - Haruki pergunta.
- Há menos de uma semana. Por que a pergunta?
- Só para saber. Seu companheiro vai aparecer somente daqui há algumas semanas. - Ele diz, notei uma pontada de tristeza em sua voz.
- Eu só estou indo por... Sabe, eu acredito que você ele já tenha aparecido. Lá no templo tem uma kitsune, ela é muuito linda. Acho que ela está tentando me dizer algo. - Eu digo. - Eu não entendo nada sobre kitsunes, mas sei que gostam de aprontar com os humanos. Se ela não tentou me prejudicar, acho que significa algo.
- Oh... Não havia visto algum relato de paz vinda de uma kitsune á um humano antes. Isso é bem estranho. - Haruki diz. Chega a ser assustador, ele sabe de absolutamente tudo até aonde foi provado.
- Deve ser um bom sinal, afinal, se não está tentando me machucar, é por que não é algo ruim. - Eu digo, tentando ser positiva.
Reparei em nossa distância, ele parecia estar andando mais rápido. Aumentei meus passos, chegando ao seu lado, cuidando para que kiku não caísse.
Parecia estar tudo bem, até que Haruki parou no meio da trilha, pondo seu braço em frente ao meu peito, me fazendo parar atrás de si.
Notei um volume peculiar em seus cabelos enquanto parecia estar procurando algo pela mata fechada ao nosso redor.
Eu fiquei assustada, em silêncio e paralisada enquanto ele procura com os olhos ao redor da mata, sem se mexer. Percebi seus olhos selvagens, sua pupila fina como a de um gato, isso estava macabro de um certo nível, nunca havia sentido presença de nada nessa trilha antes.
Foi quando comecei a ouvir barulhos de galhos quebrados. E logo algumas folhas caíram acima de nós.
- Feche os olhos e não os abra até que eu peça, senhorita. - Ele sorri para mim. - E não olhe para cima, nem para mim.
Eu o obedeço, fechando meus olhos, quando ouvi uma forte onda de vento e um rugido selvagem se aproximar, eu abri meus olhos por reflexo, assustada eu pulei para trás, vendo então Haruki com sua braço ereto para cima, quando um Oni tentou abocanhá-lo pela cabeça, ele havia estendido seu braço dentro da boca do demônio. Tentei cobrir meus olhos e os de kiku com a mão, mas eu não poderia perder aquilo por mais que assustador e traumático seja. Pisquei fortemente meus olhos, e havia notado algo diferente embaixo do kimono de Haruki, foi quando o oni tentou morder a mão de Haruki para arrancá-la, em um clarão inesperado. Nove caudas esbranquiçadas como a lua saíram de baixo de seu kimono e então pude notar que o volume em seu cabelo não era nada mais que orelhas compridas na mesma cor.
Em um movimento, Haruki fez um peão de mão encima do oni, parando de ponta cabeça encima do demônio, segurando-o pelos ombros enquanto tinha seu outro braço preso. Foi quando o oni soltou seu braço quando ele pisou em seus ombros com os pés, impulsionando o monstro para baixo e pulando para cima. Haruki girou no ar, caindo então com o braço esticado na direção da boca do oni novamente, e quanto caiu, arrancou o coração do mesmo com suas mãos, e o puxou para cima, arrancando-o de seu corpo antes de cortar sua cabeça com um golpe usando suas unhas incrivelmente afiadas.
Eu tentei fingir que não estava vendo aquilo, mas já era tarde.
- Eu sei que a senhorita viu. Eu peço desculpas por ser tão insensível dessa forma durante nosso encontro.
- A-ah... Não tem problema, Haruki, você está me protegendo de qualquer forma! - Eu tento esconder meu nervosismo quando ele olha para mim.
Eu fecho bem meus olhos, foi quando ouvi seus passos se aproximando de mim. Senti que iria morrer ali mesmo, mas tudo que eu senti foi cócegas em minha nuca. Quando abri meus olhos, notei o mesmo me acariciando com suas caudas como forma de se redimir.
- Eu acho que devo uma explicação á senhorita, não é? - Ele diz, com o mesmo sorriso de antes estampado em seu semblante calmo e paciente.
- Eu também acho. - Apenas concordo, o espero começar a se explicar.
- Você parece não se importar com tudo isso, obrigado, senhorita. - Haruki diz. - Bom... Acho que a senhorita conhece um pouco sobre a guerra dos humanos pela independência territorial com o paraíso kitsune não é? Se lembra sobre... É... - Haruki começou a se enrolar com as palavras, algo que não era comum.
- Tá tudo bem, você não precisa me contar. Eu conheço a sua história. Não precisa se lembrar dessas coisas, sei que foi difícil para você. - Eu disse, o confortando.
- Eu disfarço minha parte kitsune para sobreviver, se é que me entende. - Ele diz. - Não me parece ser bom ter uma faca no meu peito.
- Então era verdade que kitsunes morrem com uma faca no coração? - Eu o questiono.
Ele acenou positivamente com a cabeça. Quando ele começou a explicar sobre a quase imortalidade e fraqueza das kitsune, eu não parava de olhar para cada canto de seu corpo. Seus pelos brancos de suas caudas e suas orelhas brilhavam feito cristais, ele era tão lindo, e ficava ainda mais com sua luz própria. Não prestei atenção em uma única palavra que ele disse.
- Então é por isso que nós nos aproximamos dos mortais para arrancar seus cérebros. - Ele termina de falar, foi quando eu arregalei os olhos surpresa.
- O que?!
- É brincadeira, eu sabia que a senhorita não estava ouvindo. Mas é real, nós comemos cérebros, principalmente a glândula pituitária. - Ele diz. - Mas eu não vejo necessidade em manter essa dieta.
- Que susto! Nunca mais faça isso. - Eu exclamei, tirando uma risada do maior.
Ele passou uma de suas caudas por baixo de meus braços, levantando-os e me convidando a tocá-lo.
Eu acariciei seus pêlos macios e suaves que passavam e mexiam com a brisa leve que batia ali.
- Por um lado, eu e meu pai estávamos certo. Eu sabia que você não era um humano com uma aparência peculiar como a sua. - Eu disse.
- Realmente, vocês são os humanos mais espertos que lidaram comigo. - Ele diz. - Mas a senhorita ainda precisa orar. Não vai perder a kanzakura, não é?
- Oh, e mesmo. Havia me esquecido. - Eu sorrio, nervosa.
Ele se aproxima mais ainda, agora não é mais suas caudas que estavam me abraçando. Haruki roubou um beijo de meus lábios, que por sinal, infelizmente não durou muito tempo. Ele separou uma mecha de cabelo atrás de minha orelha. (Novamente, se seu cabelo for curto, ele vai te acariciar com as unhas).
- Você pode poderia guardar esse segredo por mim, senhorita? - Ele pergunta, esperando por uma resposta.
- É claro. Você pode confiar em mim. - Eu o respondo.
- Não conte a ninguém, okay? Nem por 30 moedas de prata. - Ele acrescenta um final que parecia familiar. Eu apenas concordei com a cabeça.
[...]
Voltando para a vila, Haruki estava exausto após um longo dia de viagem e uma grande tarde comigo. Enquanto passamos pela aldeia, notamos um aglomerado de homens gritando em um bar próximo a entrada da aldeia, o que chamou a atenção do esbranquiçado quando chamaram por seu nome lá.
Yoshida estava lá, ameaçando Haruki com o dedo. Obviamente, Haruki fez com que seu cavalo parasse até lá perto.
- Esse filho da puta! Ele roubou minha esposa! - Yoshida grita, aparentemente após seu quarto copo de saquê.
- Se Lady S/N prefere homens reais á bêbados lamentáveis, a culpa não é minha. - Haruki o responde. - Vocês tem algo para dizer?
- Nós vamos te matar, cara. - Um dos bêbados grita.
Eu toquei as costas de Haruki, tentando chamar sua atenção para que saia dali, mas ele não ligou para meu toque.
- S/N, gostosa, volta pra mim! - Yoshida grita novamente.
- Não o escute, senhorita. - Haruki me diz.
Notei os dedos de Haruki disfarçadamente girando, eu então notei a bebida de Yoshida obedecendo os gestos, eu imediatamente entendi. Haruki estava na verdade, batizando o saquê do rapaz. Não faço ideia com que seja, mas tomara que sejam efeitos negativos, não que eu esteja praguejando.
- Já fiz meu trabalho aqui. Agora, se nós derem licença, estamos de saída. - Haruki diz, sorrindo para os rapazes.
Quando o cavalo começou a trotar, um dos homens tentou segurar o animal pela sua cauda, mas recebeu um forte coice de um pê em meio ao rosto. Eu ri, apesar de ter me preocupado um pouco caom o ferimento.
Agora eu me sinto um tanto mais próxima de Haruki, agora que eu sei sobre sua outra face. Não acho que ele tenha mais algo a esconder, mas tenho certeza que ainda tem muito a contar.
Nós nos aproximamos ao Palácio sem pressa, para encerrarmos o dia após uma boa refeição.
Até que a ideia da tradição familiar não é tão ruim assim.
Poucos segundos depois, uma mulher grita atrás de nós, Haruki parou o cavalo novamente para ouvir.
- Mortos! Os nobres do bar estão todos mortos! - A mulher grita desesperadamente, chamando várias ao redor.
Eu olhei para Haruki, assustada e me deparei com um de seus sorrisos mais assustadores e satisfeitos de todos. Ele realmente estava feliz com isso?! Lorde yoshida morreu?! Ele matou todos os homens com um único copo envenenado e absolutamente ninguém suspeita ter sido ele...
De fato, não era esse tipo de efeito negativo que eu esperava!
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