Prólogo
O clique da porta sendo fechada parece selar meu destino.
A quem estou querendo enganar? Fiz isso sozinha, no segundo em que permiti que esse homem se aproximasse mais do que sempre soube ser seguro. Ele me avisou. Continua me avisando todas as vezes, e eu continuo aqui.
Encaro-o se aproximar, um passo lento demais de cada vez, como se me desse a chance de ir embora antes de chegar até mim. Ele sempre dá.
Até que me alcança, os olhos incertos e hesitantes, pedindo permissões que já foram concedidas vezes demais. As mãos se encaixam em meu rosto, delicadamente erguendo minha boca em sua direção. Engulo em seco, fecho os olhos e sinto seus lábios pousados sobre os meus, em uma veneração silenciosa que dura um minuto longo demais antes que o espaço entre nossas bocas se torne inexistente. Ele me beija, sem pressa, sem desespero, explorando cada canto da minha boca como se o pertencesse. E pertence mesmo. Eu pertenço.
É por pertencer que dói tanto.
Ele me beija, me entrega seu toque, seu abraço acolhedor, seu cheiro, seu gosto, sua pele arrepiada. Entrega-me tudo, menos a única coisa que quero. Priva-me do seu coração inteiro que insiste em manter fechado. O beijo tem um sabor amargo, cruel e injusto por saber que irei acordar sozinha na cama quando o sol raiar, e isso me enraivece.
Enraivece-me por eu ansiar tanto por sua proximidade que me derreto quando seus dedos hesitantes testam se embrenhar por minha blusa, explorando minha pele como se fosse a primeira vez. Não é; e prometo a mim mesma que será a última, embora saiba que essa é apenas outra mentira.
Enraivece-me por eu inclinar a cabeça para trás, pedindo, implorando por sua boca descendo por minha garganta. Por eu desafivelar seu cinto com um arquejo atormentado, enquanto seus dedos vacilantes alcançam meu seio com delicadeza vagarosa.
Eu sou pressa, desespero e paixão. Ele me concede calma, comedimento e brandura.
É complicado.
Essa paixão que não deveria ter virado amor. Esse desejo que não deveria ter se transformado em sentimento.
E, da parte dele, não se transformou.
Eu nunca tive qualquer chance.
A cada beijo afetuoso, meu corpo esquenta e meu coração se quebra mais. Por entre os cílios, com os olhos nublados de prazer, vejo seus fios castanho-claro revoltos, seu rosto bem delineado, revestido por essa voz inteligente que estimulava cada célula minha.
Henrique é como um buraco negro que me suga sem que eu possa fazer nada. Sem que eu queira fazer nada a não ser me perder na sua gravidade destrutiva. Estou cansada de ser forte.
— Você não pode continuar me machucando assim — murmuro em uma súplica, apertando seus braços.
Ele sabe que não estou falando do beijo. O beijo é bom e supre uma parte dessa minha necessidade obstinada por tê-lo. Estou falando desse aperto no peito que faz com que seja impossível estar perto dele, com que seja mais impossível ainda estar longe.
— Desculpa — responde em um sussurro, afagando meu rosto, beijando meus lábios. — Eu nunca quis te machucar. Nunca. Só não...
A frase morre no ar e agradeço por isso. Não quero ouvir. Não quero ouvir como sou maravilhosa, mas ele não consegue me amar. Não quero ouvir como eu mereço coisa melhor, no clichê dos clichês. Não quero ouvir respostas evasivas, desculpas sem explicação.
Não quero ouvir.
Ao invés disso, não me acanho em pedir mais do veneno que um dia irá me matar. E ele me dá. A boca terna é mais destrutiva do que se fosse uma pegada forte. Engana meu coração, ilude meus sentimentos e confunde meu julgamento.
Não consigo refrear o sorriso com seus beijos lentos e quentes, com o carinho delicado. Não consigo refrear as lágrimas também. Ele levanta meu queixo na sua direção e, por detrás de olhos marejados, vejo o homem mais bonito que já conheci na vida.
O homem capaz de despertar o que há de mais belo em mim. O homem que me faz querer resgatar a beleza que não enxerga em si mesmo. Mas, nesse momento, tudo que há de belo entre nós é facilmente sobrepujado pela sua recusa em me ter na sua vida, serve apenas para abrir um buraco em meu peito.
— Desculpa — ele murmura novamente, e não precisa dizer mais nada.
Assinto, sentindo meu lábio tremeluzir.
— Odeio você — sussurro, o ardor na garganta fazendo ser difícil falar. Amo você, e odeio que me queira.
Ele acena com a cabeça, acariciando meu rosto.
— Eu sei. Eu me odeio também.
INÍCIO DAS POSTAGENS: 25 DE JANEIRO
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