Capítulo 4

No dia seguinte, ao despertar, sentindo o corpo de alguém se mexer ao meu lado, imaginei que estava em meu quarto, em minha cama, ao lado de Fernanda. Ainda que não morássemos juntos, seguidas vezes passávamos a noite na casa um do outro, especialmente na minha, uma vez que ela ainda vivia com sua mãe e irmãs. Sem recordar de muito sobre a noite anterior, sorri ao pensar que estávamos juntos outra vez após aqueles dois meses dormindo sozinho.

Não me dei conta de onde realmente me encontrava até que tentei abrir os olhos e percebi que a porta estava do lado errado do quarto. Esfreguei meus olhos com uma das mãos para ter certeza do que via e também achei bastante estranha a decoração do lugar, a mesa de cabeceira branca, o guarda-roupas com espelho. Havia algumas roupas espalhadas pelo chão, uma delas se parecia muito com uma calcinha fio-dental cor-de-rosa, esta pequena demais para ser de minha namorada. Esta constatação finalmente me despertou por completo, me dando consciência de que não fazia ideia de quem era a mulher ao meu lado no colchão. Também me fez lembrar que já não tinha mais namorada, me deixado um pouco chateado. Eu nunca teria coragem para trair a mulher que amava, por mais que ela tenha sido tão cruel comigo.

Tudo isso se deu de forma muito rápida. Me apoiei como dava nos cotovelos e virei o rosto para o lado oposto com a intenção de descobrir quem era a pessoa ali comigo e onde estava de fato. Imediatamente meus olhos se abriram mais, porque não conseguiam acreditar que a loira bem na minha frente não era uma desconhecida qualquer que conhecera na noite anterior, mas Andressa, melhor amiga de minha prima e, não podia deixar de dizer, minha ex-inimiga número 1.

— Henrique! – ela gritou, fugindo rapidamente da cama, segurando o edredom entre os dedos de forma a se cobrir o máximo possível.

Fiquei completamente confuso com aquela cena, mas fui rápido o bastante para me virar e cobrir minhas partes íntimas com um travesseiro ao invés de ficar de traseiro para cima, que foi como ela me deixou ao me destapar. Fiquei tão vermelho quanto um pimentão ao constatar que estávamos os dois nus, um diante do outro. Nada fazia sentido. Por que infernos eu estaria pelado no apartamento de Andressa? Como chegáramos ali? O que estava acontecendo com o mundo? Eu estava sonhando ou entrara em uma realidade alternativa onde não nos odiávamos? Ou pior, uma realidade alternativa em que éramos um casal!

Pelo gosto de cabo de guarda-chuva em minha boca, a sede e a sensação de queimação no estômago, eu havia ingerido álcool suficiente para não ter memória alguma da noite anterior. E, pela maquiagem escorrendo nos olhos de Andressa e a bagunça de seus cabelos, ela devia estar na mesma situação.

— O q-que foi q-que aconteceu aqui? – gaguejou.

A verdade é que eu não tinha muita certeza, porém, ao vê-la diante de mim, algumas imagens começaram a se formar em minha mente, uma delas de quando chegara ao bar e fora cumprimentar o aniversariante e minha prima. Andressa, por outro lado, parecia não recordar de absolutamente nada.

— Não sei – respondi, desviando os olhos, sem saber o que dizer. – Mas tenho alguma ideia.

Poucas cenas passavam em minha cabeça e eu estava apenas começando a compreender. Não recordava de fato o que havia acontecido, mas tinha algumas ideias de acordo com nosso estado naquela manhã.

— Talvez... – ela sugeriu, envergonhada, depois de alguns segundos de silêncio. – Talvez não tenha sido exatamente como você tá pensando. Talvez... talvez a gente tenha ficado com calor!

Sua ideia era tão absurda e sua expressão tão engraçada que me peguei rindo, sem conseguir controlar meus sentimentos, algo que havia aprendido a fazer tão bem conforme os anos. O problema foi que, por esse motivo, acabei me mexendo e revelando um pouco mais de minhas partes, o que Andressa pareceu notar muito bem, devido a intensidade do vermelho em sua face.

— Mas como foi que viemos parar aqui? – ela quis saber, sem me encarar mais. – Estávamos no bar e então todos foram embora...

— Foi quando você me convenceu a ir a uma balada para que "encontrássemos alguém que nos fizesse sair da fossa". – a interrompi, recordando de algumas cenas, ainda sem acreditar muito bem em minha memória, já que parecia muito que Andressa estivesse me dando mole. – Suas palavras, não minhas.

— E como foi que chegamos aqui? E juntos?

— Você chamou um Uber, – lembrei. – mas ao invés de colocar o endereço do lugar, colocou o da sua casa.

Essa parte também me pareceu muito absurda, o que me fez rir outra vez. Ela devia estar muito bêbada para errar o endereço.

— Só percebemos quando estacionamos aqui na frente – acrescentei.

— Sério? – Senti ela se sentar na cama. – Não lembro de nada. E por que você subiu?

Expliquei então que ela havia sugerido que subíssemos porque sentia fome.

— Não tenho nem ideia do que aconteceu depois disso.

E era verdade. Minha última lembrança era de dentro do carro.

— Até aí não temos nenhuma prova de que rolou alguma coisa a mais entre nós – ela disse, depois de suspirar. – Estávamos tão bêbados a ponto de não lembrar de nada, o que significa que estávamos bêbados o suficiente para não conseguir fazer nada, certo?

Ela ainda devia estar alcoolizada para acreditar mesmo nessa possibilidade. Por que mais estaríamos nus e dormindo na mesma cama? Era a primeira vez na vida que a via se fazendo de burra na minha frente. Por isso, para provar o que havia acontecido, me inclinei sobre o colchão e pesquei minha cueca no chão junto de um pacote de preservativo aberto.

— Bem, aqui tá a prova! – respondi. – Pelo menos fomos prudentes.

Ri mais uma vez, mas dessa vez foi de alívio. Não conseguiria imaginar que grande merda seria ter transado com Andressa sem proteção.

Ela soltou um longo suspiro e tapou o rosto com as mãos, constrangida pelo fato de que, mesmo que não se recordasse de nada, havia mesmo acontecido. Nunca a havia visto tão mal daquele jeito, como se tivesse feito a maior burrada de sua vida. Não que eu mesmo estivesse muito contente por tudo. Não sairia por aí soltando fogos e contando aos quatro ventos que havia transado com alguém que me detestava com todas suas forças, isso era um fato. No entanto, não havia como voltar ao passado.

Além disso, era só sexo, nada demais. Não era como se tivéssemos feito tudo de comum acordo e completamente sãos. Ela não devia estar se sentindo tão culpada. Poderia ter sido pior, poderia ter sido com um desconhecido qualquer. Ou poderia lembrar de cada detalhe. Isso certamente seria mais constrangedor.

Contudo, a ideia de que, mesmo depois de tantos anos sem quase nos falarmos, Andressa ainda me odiasse tanto ao ponto de não suportar a ideia de ter passado uma noite sequer comigo me deixou incomodado. Mais do que gostaria.

— Caramba, mas é tão ruim assim a ideia de transar comigo? – perguntei, naquele mesmo tom de voz que sempre usara no passado para esconder minhas mágoas.

Resolvi me levantar e me vestir de uma vez. Não achava que teria uma conversa sobre a noite passada sem que acabássemos discutindo, como sempre acontecia quando éramos mais jovens.

— Não é isso! – tentou se defender. – É que é muito esquisito. Como se fosse proibido, tipo incesto.

Sua expressão de nojo me pegou desprevenido. Esperava que fosse ficar com raiva por ter me aproveitado de toda a situação para transar, mas ela estava mesmo incomodada com o fato de eu ser primo de sua melhor amiga. O que não fazia o menor sentido, já que não tínhamos nenhum traço genético em comum. Eu era um homem comum, assim como ela. Nosso envolvimento nunca seria considerado errado por ninguém além de nós mesmos.

— Andressa, nós não somos primos! Não temos nenhuma relação de sangue, que me lembre!

— Certo, mas passamos a vida toda juntos. É quase como se fosse assim.

Suspirei, sem acreditar no que ouvia. Justo ela vir me dizer que éramos quase primos! A mulher que mais infernizou minha vida e que certamente quis minha cabeça em uma bandeja muitas vezes. Só podia ser uma piada de muito mal gosto. Ou ela ainda estava muito alcoolizada. Não era possível! Andressa mesmo havia jogado em minha cara tantas vezes que não éramos nada um do outro e que eu não precisar seguir ela e minha prima pelos corredores da escola!

Para tentar acalmar aquela fúria que despertava dentro de meu peito, relembrando os momentos de minha infância e adolescência, quando Andressa fazia o pior florescer em mim, decidi me abaixar e pegar minha calça no chão para desaparecer logo da frente daquela demônia.

— Não, não é – contestei, me vestindo. – E se isso aconteceu, tenho certeza que você permitiu. Então agora não venha com essa conversinha...

— Ah, Henrique, me poupe! – Andressa me interrompeu, tão irritada quanto eu, se levantando da cama, ainda coberta pelo edredom. – Só mesmo muito bêbada para eu ter permitido que algo assim acontecesse. Você se aproveitou da minha fragilidade.

Estava demorando para que jogasse isso na minha cara, como se eu fosse o único culpado. Imaginei que acabaria dizendo algo do tipo. Resolvi ir logo e esquecer o que havia acontecido. Ou ao menos o que achava que havia acontecido, porque até então não possuía memórias sobre nada. Alcancei minha camisa e meus tênis e avisei:

— Melhor eu ir embora. Não vou ficar aqui ouvindo o quanto você se arrepende de algo que nem lembra como aconteceu.

Esperava que as malditas memórias não voltassem tão cedo, me dando algum tempo para me recuperar ou me preparar para o que quer que tivesse acontecido entre nós.

— Melhor esquecer que isso um dia aconteceu, certo? – ressaltei, caso ela quisesse contar tudo a alguém, em especial Carolina, de forma a me fazer parecer um cretino.

— E melhor que a Cacá não saiba disso, certo? – falou, como se tivesse lido meus pensamentos.

Ótimo, pensei. Estávamos de acordo.

— Se depender de mim, ninguém vai saber.

E ninguém saberia. Aquele sim era o Henrique de verdade. O Henrique que nunca admitiria ter caído nos feitiços de Andressa. O mesmo que passara quase dez anos aficionado por uma garota e nunca conseguira dizer em voz alta o quanto a admirava, o quanto a achava linda, experta, engraçada. O Henrique que preferia mil vezes fingir que não se magoava com todos os insultos que recebia quase que gratuitamente. O Henrique que se mantinha sério quando no fundo queria estar rindo de suas piadinhas criativas ou chorando por alguma ofensa mais forte; que dizia coisas horríveis em retorno quando na verdade queria estar se declarando; que tinha como maior medo ser rejeitado; que não suportava seus próprios erros, sentindo que sempre estava no lugar que não devia estar; que preferira odiar uma pessoa da pior maneira possível para que ninguém soubesse o que sentia de verdade.

Imagino que até então todos já devem estar compreendendo do que estou falando, não é mesmo? Já deu para perceber que toda a inimizade que tivera com Andressa na juventude tinha um pouco de sentimentos contraditórios. Embora pareça, externamente, tão óbvio que estivera apaixonado desde criança, ela pareceu nunca ter percebido. Ao menos que eu soubesse.

Carolina era uma história diferente. Minha prima por muito tempo teve suas desconfianças, tentando nos aproximar de todas as formas, fazendo com que nos encontrássemos em sua casa, território de paz, ou em locais públicos, como praças e shoppings. Por um lado, eu agradecia por todo seu empenho, porque, apesar de muitas vezes nossos encontros terem acabado em brigas, tivemos sim bons momentos. Andressa não parecia lembrar que, além das discussões, também rimos, brincamos e nos divertimos um com o outro como se fôssemos grandes amigos. Se nossa relação tivesse sido apenas de combates, a teria odiado desde sempre, mas não foi assim. Lembro de muitos dias felizes, dias esses que me faziam gostar dela cada vez mais.

Por outro lado, as tentativas de Carolina também foram meu maior inimigo. Porque, da mesma forma em que me divertia e achava que Andressa pudesse um dia sentir por mim o que sentia por ela, deixando-me cheio de esperanças e impedindo-me de desistir, também faziam com que cada briga machucasse ainda mais. Motivo pelo qual levara tanto tempo para conseguir me apaixonar outra vez. Eu não confiava em ninguém, eu não me deixava confiar. E, quando finalmente decidi que estava na hora de deixar de lado essa ideia (embora não tivesse tido realmente alguma chance de fugir de Fernanda), acabei levando uma rasteira que certamente levaria muito tempo para ser curada.

Assim, saí daquele apartamento sentindo algo que há anos não sentia. Novamente tinha dentro de mim aquela raiva, aquele calor que me levava ao extremo, me deixando com vontade de explodir, como se não coubesse dentro de meu corpo. Andressa despertava o pior em mim e eu não sabia controlar minhas emoções.

Andressa é malvadinha, né? Henrique todo empolgado e ela cortando os baratos.

O que achou disso tudo? Vai dar muita merda? será que ele vai lembrar de tudo?

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