Capítulo 22 - Eu ainda estou aqui com você

De repente, doces palavras ganham forma

"Rápido", elas dizem

"Pois você não tem muito tempo

Abra seus olhos para o amor à sua volta

Você pode achar que está sozinho

Mas eu ainda estou aqui com você

Você pode fazer tudo o que sonha

Apenas lembre-se de ouvir a chuva"

Evanescence

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Eu estava limpando a cozinha da minha mãe depois do almoço. Minha mente estava perdida no mesmo assunto que me incomodava pela última semana. Destiny e Nicholas.

Eu precisava lidar com isso ou não restaria nada para nós dois. Parte de mim dizia que eu estava exagerando em minha reação, Dess confiou em mim para me contar a verdade antes de qualquer coisa e eu gostava dela, eu queria estar com ela, quando nós estávamos juntos eu me sentia completo. Mas então, a imagem dela e do Bryce juntos se formava em minha mente, e era algo que eu não conseguia aceitar tão fácil, e eu não poderia começar um relacionamento sem conseguir lidar com aquela questão.

A única coisa que eu desejava era poder voltar aos dias que passamos juntos no Hawaii, nós vivíamos em perfeita sintonia lá e não existia nenhuma preocupação tola. Não podia acreditar que estava sentindo falta de um período onde minha vida estava tão bagunçada.

— No que você está pensando? — A voz de Carol me tirou de meu devaneio.

Eu me virei, encontrando minha irmã  parada na porta da cozinha, me observando com um olhar astuto. Ela  se aproximou de mim, passando a tirar a louça da máquina de lavar e me entregar para que eu guardasse.

— Em nada especial — eu menti.

— Mesmo? Pois eu acho que esse nada tem nome e sobrenome — ela revirou os olhos — como está a sua garota?

— Bem — eu desconversei seguindo para o outro lado da cozinha.

— Se isso é verdade, porque você tem passado todo o tempo aqui e nós ainda não a conhecemos? — ela ergueu uma sobrancelha — Se é por causa da Valy.

— Nós estamos com alguns problemas, mas eu não quero falar disso — eu pedi.

Eu pensei que tinha conseguido fugir das perguntas de minha irmã, mas estava bem enganado.

— Foi por causa da Maxinne? — Ela questionou fazendo com que eu suspirasse audivelmente.

— Você não vai deixar pra lá, não é?

— Só quando você me contar o que você fez e porque não está tentando consertar as coisas — ela sorriu.

Eu me sentei em uma cadeira junto a mesa da cozinha ao notar que não adiantaria tentar fugir, Carol me perturbaria até descobrir o que queria saber.

— Eu não fiz nada, nós apenas tivemos um problema.

— Se você não fez nada, ela fez — minha irmã mordeu o lábio se sentando na cadeira ao meu lado — eu estou tentando ignorar o que Valy diz e acreditar que ela não seja tão ruim, Rob.

— Ela não é ruim, Valy está deixando se levar por boatos — eu suspirei — e ela também não fez nada, apenas surgiu uma situação que eu não estou conseguindo lidar.

— Que tipo de situação? — ela perguntou.

— Destiny se envolveu com alguém nesse período que estivemos separados — eu comecei.

— E qual o problema? Você teve a Maxinne — Carol franziu o cenho — eu estou ouvindo Valy reclamar sobre isso na última semana. Você esperava que ela aguardasse até que vocês dois se reencontrassem?

— Não é isso — eu me defendi. Não queria passar aquela imagem para minha irmã — o problema não foi ela ter se envolvido com alguém e sim a pessoa com quem ela se envolveu. Eu não consigo explicar, a situação toda é complicada.

— Você gosta dela?

— Mais do que eu imaginava, eu não quero terminar tudo, mas ainda não consigo assimilar as coisas então pedi um tempo.

Minha irmã me observou por um tempo analisando minhas palavras com cuidado antes de me dar qualquer conselho.

— Rob, eu não sei bem o que te dizer, mas se você não quer perdê-la é melhor encontrar uma forma de passar por cima disso depressa, porque tenho certeza que depois de uma semana sem ter notícias suas, ela deve pensar que você a odeia.

Eu jamais poderia odiá-la, por mais que aquela situação tenha me magoado, eu ainda sentia falta dela. Não era para ser tão difícil assim, mais uma vez me peguei desejando retornar para o começo de nossa relação, onde não existia problema algum entre nós.

Minha irmã se levantou bagunçando meu cabelo antes de sair da cozinha, eu permaneci ali pensando em tudo. Como Dess estaria nesses últimos dias? Ela parecia desolada na última vez que a vi antes de sair daquela confeitaria.

Eu estava sendo infantil, precisava falar com ela e resolver tudo.

Eu me levantei, decidido a me livrar da cozinha de uma vez por todas antes de falar com Destiny. Eu trabalhei o mais depressa possível para me despedir de minha irmã e meus sobrinhos antes de sair de casa. Eu voltaria para Boston ainda hoje e resolveria tudo.

Porém as coisas não saíram como planejado. Eu estava manobrando o carro quando vi Timmy, meu sobrinho de doze anos, sair correndo da casa.

— Tio Rob — ele acenou para que eu parasse o carro.

Eu franzi o cenho, encostando no meio fio enquanto o menino corria em minha direção ofegante. Abri a porta, saindo do carro enquanto ele finalmente se aproximava.

— Você tem que vir, a Vovó... — ele começou sem ar.

Eu não esperei para ouvir o resto da frase, corri em direção à entrada da casa de minha mãe com o coração disparado. Ela tinha ido se deitar após o almoço alegando estar com dor de cabeça. Aquilo era algo comum e ela tinha os medicamentos próprios para aliviar os sintomas da leucemia, mas não tinha nenhum tratamento.

Assim que entrei na casa meus temores se concretizaram, minha irmã estava ajoelhada na frente do sofá, segurando um pano ensanguentado, tentando estancar o sangramento no nariz de minha mãe que estava deitada  com um olhar perdido enquanto Peyton, minha sobrinha que tinha apenas cinco anos, chorava ao lado da mãe.

— Ethan — Carol ergueu o olhar marejado em minha direção.

Eu nunca tinha visto minha irmã tão assustada, ela sempre era a parte calma e diplomática da família. Ela sempre acabava intervindo em minhas discussões com Valy, e até mesmo quando minha mãe tinha algum problema conosco. Vê-la daquela forma me colocou em movimento.

— Carol, eu preciso dos documentos dela, tire Peyton daqui — eu pedi, assumindo o comando da situação — Timmy, abra a porta do carro para mim.

Eu me abaixei, pegando minha mãe no colo, enquanto Carol corria em direção às escadas, caminhei com passos firmes até o veículo, onde meu sobrinho tinha corrido na frente para abrir a porta do passageiro.

— Incline o banco — eu pedi enquanto saia de casa, tomando cuidado para não tropeçar em nada.

Eu a coloquei com cuidado no banco do carro, afivelando o cinto em seguida antes de me virar para meu sobrinho.

—  Telefone para seu pai e peça para que ele volte para casa — eu orientei — entendeu?

— Sim — ele balbuciou antes de correr para dentro, quase esbarrando na mãe que saia apressada com uma carteira em mãos.

Valy tinha saído com as amigas e Jason, marido de Carol, tinha ido até o mercado. Eu podia ouvir o choro de minha sobrinha vindo de dentro da casa, para desespero de minha irmã.

— Rob — Ela me estendeu a carteira — eu vou com você.

— Não, você vai entrar, acalmar sua filha e esperar seu marido voltar — eu avisei, fechando a porta do passageiro e contornando o veículo — eu vou para o hospital de Springfield

— Eu não posso ficar aqui! — ela exclamou.

— Carol, não vai ajudar em nada levar duas crianças com você para o hospital — eu respirei fundo — eu te ligo assim que chegar lá, e quando Jason voltar, você pode ir e ele fica com os dois.

Eu não dei a ela oportunidade para discutir, entrei no carro e arranquei com ele em seguida, dirigindo até o hospital. Decidi tentar falar com minha irmã mais nova ainda no caminho.

— O que você quer? — Ela murmurou descontente após alguns toques.

Nossa relação ainda não estava boa após a situação com Dess e Max.

— Valy, me escuta — eu pedi alternando minha atenção entre o trânsito e minha mãe que olhava confusa ao redor — a Mãe não está bem, eu preciso que você me encontre no hospital de Springfield.

— O que ela tem? — a preocupação ficou evidente na voz de minha irmã.

— Rob? O que você está fazendo aqui? — minha mãe perguntou  com uma voz fraca — você devia estar na faculdade.

Um nós se formou em minha garganta ao ouvir aquilo. Não era para ela estar assim!

— Eu vim te visitar, mãe — eu respondi forçando um sorriso.

— Rob? — Valy me fez lembrar que eu ainda estava na chamada com ela — o que está acontecendo?

— Valy, apenas vá para o hospital. Preciso desligar — eu avisei.

— Eu senti sua falta — Minha mãe continuou com a voz embargada — sinto muito pelas coisas que Valy te falou da última vez, é claro que ela não quis dizer que estávamos melhor sem você.

Minha mãe se referiu à última briga que tivemos por conta de sua decisão, quando eu ameacei não retornar mais se ela não fizesse o tratamento e Valy saiu em sua defesa. Eu fechei os olhos por um segundo, respirando fundo antes de levar minha mão até sua testa constatando sua temperatura elevada.

— Eu sei que não, mãe — eu tentei sorrir para tranquilizá-la.

O caminho até o hospital nunca pareceu tão longo. Ao chegar, ela foi atendida imediatamente enquanto eu cuidava de sua internação, não demorou muito para que Valy se juntasse a mim, acompanhada de Ava e Max. Carol não demorou para chegar, acompanhada do marido após deixar Timmy e Peyton com uma vizinha.

Nós demoramos para conseguir alguma notícia, e quando conseguimos, elas não foram animadoras. Minha mãe estava na UTI e permaneceria até que conseguissem estabilizar seu quadro. Max estava ali para apoiar Valy, mas mantinha a maior distância possível de mim, me lançando alguns olhares sentidos.

Já passava das nove da noite quando o médico retornou à sala de espera. Estávamos todos ansiosos para vê-la mas ao olhar em seu rosto, eu soube que não seria possível.

— Como ela está? — Valy foi a primeira a se manifestar.

— Eu sinto muito — o jovem médico suspirou.

Carol abraçou Valy a consolando, enquanto o médico nos desejava seus mais profundos sentimentos por nossa perda. Eu sentia minha mente anestesiada, não era possível que ela tivesse partido assim. Nós nem tivemos a chance de nos despedir!

Eu desabei em uma poltrona vazia sentindo o mundo se quebrar ao meu redor. A última imagem que eu teria dela era de seu pior momento, presa em um delírio com o rosto sujo de sangue em meu carro.

Meu olhar voltou às minhas irmãs, Jason tinha assumido as rédeas da situação consolando sua esposa, enquanto as amigas de Valy cuidavam dela. Mas eu... eu estava sozinho naquele momento.

Eu respirei fundo segurando as lágrimas que ameaçavam chegar aos meus olhos. Mas naquele momento outros assuntos precisavam de minha atenção, e eu deveria fazer o possível para poupar minhas irmãs. Eu pedi que Jason as levasse para casa enquanto eu cuidava de toda a burocracia necessária.

Já era de madrugada quando voltei para a casa de minha mãe. Valerie tinha adormecido no sofá e tinha uma expressão desolada no rosto, enquanto Carol tinha dormido no quarto das crianças. Eu segui para o quarto onde dormia quando a visitava, tomei um banho antes de me deitar. Eu precisava descansar para o dia seguinte quando começariam os preparativos para seu funeral.

Eu não levaria para o lado pessoal, não era tão diferente do que eu estava acostumado a fazer no trabalho, eu posso lidar com a situação sem permitir que ela me afete. Eu apenas precisava deixar minha mente adormecida e me desligar do fato de que estava prestes a enterrar minha mãe.

Pela manhã aquela resolução fraquejou por um momento ao me lembrar de nosso último almoço, como ela estava satisfeita de ter todos os filhos reunidos apesar da dor de cabeça. Eu precisava me livrar daquele sentimento, precisava me manter racional, então eu liguei para a única pessoa que pensei que poderia me oferecer algum conforto naquele momento.

— Ethan? — A voz de Destiny soou sonolenta.

— Eu sinto muito te acordar — eu pedi — eu não sabia mais para quem ligar.

— O que aconteceu? — ela perguntou parecendo preocupada.

— Ela morreu — eu soltei de uma vez, sentindo aquelas palavras me apunhalarem.

Eu pisquei atordoado, pela primeira vez desde que aconteceu eu estava admitindo em voz alta. Mais uma vez as lembranças de nossos últimos dias tomaram conta de minha mente, fazendo meu coração apertar.

— Ethan, onde você está? Está em Boston? — sua voz soou ansiosa.

— Não, eu estava visitando minha mãe, eu a levei para o hospital mas... — eu tirei o celular do ouvido tentando abafar um soluço que me chegou aos lábios enquanto meus olhos ardiam por conta das lágrimas.

Eu devia tê-la levado ao hospital quando ela disse pela manhã que não estava se sentindo bem. Eu respirei fundo antes de voltar a colocar o telefone no ouvido.

— Acho que ele desligou — ouvi ela dizer — Ethan?

— Eu estou aqui — eu avisei.

— Olha, vai ficar tudo bem — ela falou apressada — você vai ver, tudo isso vai passar apenas...

— Apenas?

— Aguente firme — ela parecia perdida nas palavras — eu...

— Eu preciso desligar, Dess — eu a interrompi, me sentindo um pouco decepcionado.

— Certo, fique bem, Ethan.

Eu não sabia o que esperava com aquela ligação. O que aconteceria, eu magicamente me sentiria melhor por falar com ela? Eu fui um tolo por acreditar nisso. O que eu preciso fazer é me levantar e enfrentar a realidade.

Carol estava mais centrada do que Valy, de forma que a deixei responsável por organizar a recepção após o velório enquanto eu resolvia as coisas com a agência funerária. Eu segui a indicação que havia conseguido no hospital, chegando a uma casa bem cuidada de tamanho considerável. Senti  minha resolução falhar um pouco ao perceber que estava ali para organizar a despedida final de minha mãe, meu desejo era pedir para que outra pessoa cuidasse disso.

Não... Ninguém poderia fazer, eu precisava garantir que ela teria o funeral perfeito. era o mínimo que eu poderia fazer. Juntando todas as minhas forças, eu entrei na casa.

— Olá — eu fui recepcionado por um senhor em seus cinquenta anos — Posso ajudá-lo?

Ele vestia um terno preto com uma camisa azul clara e gravata também preta, seu cabelo estava cuidadosamente penteado para trás e sua expressão era serena. Ele certamente era o homem certo para sua profissão.

— Olá, eu sou Ethan Roberts. Eu conversei por telefone com o Sr Hardman — eu expliquei.

— Sr Roberts, Eu sinto muito pela sua perda — o homem se adiantou me estendendo a mão — eu sou John Hardman.

Eu apertei a mão do homem sem saber ao certo o que dizer a seguir.

— Podemos começar? — ele perguntou antes de sair da sala.

A próxima hora foi gasta com o homem me apresentando o local, ele mostrou onde seria realizado o velório, as flores que ornamentariam o lugar. Eu apenas ouvi e o acompanhei por todos os lugares.

— Desculpe, eu preciso atender — eu avisei o homem quando meu celular começou a tocar.

Ele respondeu com um sorriso simpático enquanto eu me afastava um pouco, observando a foto de Destiny na tela.

— Dess, agora não é um bom momento — eu suspirei.

— Desculpe, onde você está? — ela perguntou.

— Estou na funerária conversando com o Sr Hardman. Eu te ligo assim que sair daqui.

— Você está bem? — seu tom se tornou preocupado.

— Eu estou bem, apenas preciso terminar isso — eu garanti.

— Mesmo?

O que ela queria? Que eu falasse que não estava bem? Eu estava sozinho ali, tendo que lidar com todos aqueles detalhes, eu não podia me dar ao luxo de não estar bem!

— Preciso desligar, Dess — eu avisei sem esperar sua resposta — desculpe Sr Hardman, onde estávamos?

— Eu vou lhe mostrar nossos caixões, Sr Roberts — ele me ofereceu um olhar simpático diante de minha expressão.

Eu o segui até uma sala repleta de caixões, mal ouvindo sua explicação sobre cada modelo enquanto imaginava minha mãe ocupando cada um deles. Eu desviei o olhar tentando pensar em outra coisa, mas nada apagava aquela realidade.

Eu não sou capaz de comprar um caixão para minha mãe!

— Sr Hardman eu.. — eu balbuciei sem saber o que dizer.

— Tire o tempo que precisar, Sr Roberts — ele ofereceu novamente aquele olhar.

Eu precisei sair da agência funerária imediatamente, eu não conseguia mais fingir que aquilo era apenas uma reunião de negócios e não o planejamento do funeral de minha mãe. O telefonema de Dess também acabou me desestabilizando, eu fui até uma praça que tinha ali perto, me sentando em um banco tentando esquecer tudo o que aconteceu.

Passado algum tempo eu ouvi passos se aproximarem, não me interessei em levantar a cabeça para ver, mas quando a pessoa se sentou ao meu lado, não pude fugir. Eu ergui meus olhos para encontrar Destiny sentada ao meu lado.

— Dess! O que... — eu não fui capaz de completar meu raciocínio.

Não fazia sentido algum ela estar ali naquele momento!

— Uma vez eu te prometi que sempre te apoiaria, e quando você me ligou eu fiz o melhor que pude para chegar rápido — ela explicou mordendo o lábio inferior enquanto repousava a mão em meu joelho.

— Como você soube onde me encontrar? — eu pisquei atordoado.

— Você disse que estava na agência funerária conversando com o Sr Hardman, eu imaginei que você estivesse se referindo à agência funerária Hardman — ela deu de ombros — quando cheguei lá e perguntei se um cara alto estava lá, ele me indicou a direção que você tinha tomado.

Eu absorvi aquela informação sem me dar ao trabalho de fazer qualquer comentário sobre o fato dela estar presente ali. O que importava era que ela estava.

Ela não comentou nada sobre meu sumiço ou sobre a nossa situação pendente, aquilo parecia não importar no momento, ela apenas estava ali. Sua mão seguiu até encontrar a minha, atraindo meu olhar em sua direção.

— Como você está lidando com isso, Ethan? — Dess questionou com carinho.

— Eu estou bem, apenas parei para descansar um pouco — menti — eu não imaginava que dava tanto trabalho e...

— Ethan... — ela me interrompeu.

— O que? — eu pisquei atordoado.

— Você não pode mentir pra mim — ela passou a acariciar minha mão, observando meus dedos antes de olhar em meus olhos — pensei que já tivesse aprendido isso.

Como sempre eu senti toda aquela armadura que eu tinha conseguido erguer ser desfeita com seu olhar. Eu não me importava de demonstrar minhas fraquezas para ela, e ela não se importava em cuidar de minhas feridas. Era assim que nós dois funcionávamos.

— Eu pensei que podia lidar com isso sozinho, mas não consigo — eu comecei a liberar tudo o que me afligia e eu vinha ignorando nas últimas horas — eu não posso  escolher o caixão para ela, e depois, todos esperarão que eu como filho faça algum discurso em sua homenagem. Eu vou falar sobre o que? Sobre como eu a abandonei por meses?

— Ethan, eu te falei isso uma vez. Você não pode mudar o que aconteceu, mas pode assumir o controle daqui pra frente — ela depositou um beijo suave em minha mão — Siga em frente, um passo de cada vez, e se você achar que não consegue, eu vou estar segurando a sua mão o tempo todo. Eu vou voltar agora com você e vamos resolver a questão do caixão.

Eu fechei os olhos pensando em suas palavras, Destiny parecia sempre saber o que fazer em situações assim, mesmo quando eu estava prestes a desistir de tudo, me inspirava a continuar.

— E sobre a questão da sua homenagem, eu sei que você consegue. E se você precisar de apoio eu estarei presente o tempo todo Ethan, é só me chamar — ela voltou a falar.

Ela se inclinou, deitando a cabeça em meu ombro. Eu soltei sua mão para passar o braço ao seu redor, a abraçando antes de descansar meu queixo no topo de sua cabeça. Sua mão subiu por meu peitoral antes de respirar fundo.

Eu não sabia o que tinha feito de bom para ser presenteado com alguém como ela.

— Vamos Ethan, vamos acabar logo com isso — ela se afastou me oferecendo um sorriso encorajador.

Dess se mostrou mais do que útil naquele momento, ela me ajudou a manter a cabeça no lugar e cuidar de tudo o que eu necessitava, quando eu menos esperava estava me preparando para voltar para casa.

— Você pode me ligar se precisar de qualquer coisa — ela se inclinou beijando meu rosto — não importa o horário.

— Você vai voltar para Boston? — Eu questionei um pouco ansioso.

— Não, eu me hospedei em um hotel aqui. Posso ficar alguns dias.

Eu pensei momentaneamente em convidá-la para ficar comigo, mas nossa situação não tinha sido definida, e eu não sabia como Valy reagiria, talvez em outro momento. destiny se esticou e beijou meu rosto antes de caminhar para longe, me deixando para trás.

Ela parece tão bem com essa situação. Será que a partir de agora vai querer ser apenas minha amiga?

Decidi pensar naquilo em outro momento. Eu tinha que voltar para casa e para minhas irmãs.

~~**~~

— Está pronto para isso? — ela parou ao meu lado na frente da agência funerária.

Estava na hora de iniciar a cerimônia fúnebre de minha mãe, minhas irmãs já tinham entrado, mas eu me mantive ali na frente da casa, sem forças o suficiente para seguir em frente.

— Não — eu admiti.

Ela entrelaçou nossos dedos antes de se colocar em movimento, me guiando para dentro. Minha presença logo atraiu a atenção das pessoas ali presentes, mas ao contrário de Valy e Carol, poucas se aproximaram de mim, me fazendo agradecer por aquilo. Nós nos sentamos na primeira fileira, aguardando que a cerimônia se iniciasse. Eu sentia um enorme vazio crescer em meu interior conforme as homenagens ocorriam.

Dess manteve sua promessa segurando minha mão o tempo inteiro, Valy parecia não se interessar nem um pouco pela presença dela ali, para meu alívio. Mas Carol estava curiosa para entender toda a situação. Minha homenagem foi deixada para o final, eu havia passado a noite inteira trabalhando em algo para dizer, escrevendo meu discurso em um papel, mas naquele momento, eu sentia como se fosse incapaz sequer de ler aquilo. Nada parecia soar verdadeiro.

— Você consegue, Ethan — Dess sussurrou enquanto todos aguardavam que eu me levantasse.

Eu soltei sua mão pela primeira vez desde que entrei naquele lugar, me levantei e fui para perto do cavalete que continha uma foto antiga de minha mãe com todos os filhos.

— Eu pensei muito sobre o que dizer, mas nada parece ser bom o suficiente — eu comecei, me sentindo deslocado por ser o centro de todas as atenções — eu escrevi todo o meu discurso, e tudo o que está nesse papel é o retrato de uma mãe cuidadosa e que sempre se sacrificou por todos nós.

Meu olhar buscou o de Dess quando me senti fraquejar ali. Como sempre, ela me ofereceu forças o suficiente para prosseguir.

— Desde que recebemos a notícia, minha mente tem se mantido presa em lembranças — eu prossegui — lembranças da nossa infância, quando eu era apenas um garotinho de seis anos sendo torturado pela irmã mais velha e suas amigas, que me consideraram o noivo perfeito para suas bonecas. Eu fiquei tão chateado por aquela situação e minha mãe não me decepcionou, colocando minha irmã de castigo.

Eu pude ouvir alguns risos entre as pessoas ali presente, Carol limpou as lágrimas com um sorriso genuíno no rosto antes de se manifestar.

— Não sem antes tirar uma foto sua vestido de noivo — ela me provocou.

— Não sem antes tirar uma foto minha — eu concordei — e rir de minha expressão de indignação.

Dess exibia um sorriso triste em seu rosto, me incentivando a prosseguir.

— Quando Valerie nasceu, eu e Carol odiamos aquela adição à família — eu continuei — Ela chorava o tempo todo e nós queríamos convencer minha mãe a deixá-la no hospital. Mas o que ela fez foi nos mostrar o quanto aquela garotinha era indefesa e precisava de todo nosso amor e cuidado, no fim, nos fez prometer que nós sempre iríamos protegê-la, e foi o que tentamos fazer. Eu sei que eu falhei nesse quesito tantas vezes, fui egoísta por tanto tempo, e injusto com as pessoas mais importantes da minha vida.

Eu encarei minha irmã mais nova que sequer tentava segurar as lágrimas.

— Eu pensei que estava fazendo o melhor, mas alguém me fez perceber meu erro a tempo de tentar consertar as coisas, e apesar de tudo, nos últimos meses eu posso afirmar que fiz o possível para ser o melhor filho e irmão que poderia ser — eu olhei nos olhos de minha irmã — eu sei que ainda cometo muitos erros, mas a promessa que eu fiz à nossa mãe quando você nasceu eu pretendo cumprir. Eu sempre vou cuidar de você, por mais que às vezes você me considere um idiota. Eu espero que eu tenha conseguido fazê-la feliz e deixá-la orgulhosa em seus últimos meses. Porque eu sempre terei orgulho em afirmar que minha mãe era Cassandra Roberts cabeça.

Eu encerrei meu discurso decidindo retornar ao meu lugar ao lado de Dess, mas Valy me impediu. Minha irmã se lançou em meus braços, envolvendo meu pescoço com seus braços. Eu retribui o abraço a segurando com firmeza, tentando afastar toda aquela dor.

— Obrigada por ter voltado — ela suspirou ao se afastar — isso significou muito para nós.

Eu notei quando Dess saiu discretamente pela porta do salão. Todos estavam se reunindo para ir até a casa de minha mãe, onde havíamos organizado a pequena recepção após o funeral. Eu tentei segui-la o mais depressa que pude, mas fui interrompido por algumas pessoas que me pararam para desejar seus pêsames. Quando enfim consegui sair da casa, Destiny estava já no fim da rua, me obrigando a correr para alcançá-la.

Ela se virou ao ouvir meus passos soarem abafados pelo pouco de neve que tinha se acumulado na calçada durante madrugada, Dess mordeu o lábio enquanto me encarava com expectativa.

— Ethan, você devia...

— Onde você está indo? — eu a interrompi segurando sua mão.

— Eu prometi que estaria ao seu lado, e eu estive — ela desviou o olhar — agora você deve se focar em sua família e...

— Eu quero que você esteja comigo — eu voltei a interrompê-la.

Seu olhar se focou no meu enquanto procurava entender o que se passava em minha mente, mas para mim estava claro. Eu não queria mais que ela se afastasse nem por um segundo. Mas para isso, nós precisávamos resolver tudo o que havia ficado pendente antes da morte de minha mãe.

— Destiny, eu sei que nós não conversamos mais sobre o que aconteceu...

— Ethan, eu sinto tanto por isso — foi a vez dela me interromper com uma expressão de pura agonia em seu olhar — Eu cometi um erro e eu me arrependo. Eu não queria ter te magoado, e desde que aconteceu eu tenho tentado mudar para me tornar algo melhor.

Dess começou a se atrapalhar com as palavras enquanto seus olhos se tornavam marejados, ela parou de falar, respirando fundo com os olhos fechados por um momento antes de voltar a abri-los para me encarar.

— Eu entendo porque você ficou chateado — ela continuou — e se você tiver um pouco de paciência eu tenho certeza que vou conseguir mudar, eu apenas preciso descobrir como.

— Dess — eu levei minha mão até seu rosto — eu não quero que você seja perfeita, eu não quero que você mude, eu quero que você seja você.

Eu me aproximei beijando seu rosto antes de me afastar para olhar em seus olhos.

— Porque sem você, não pode haver "nós". E eu quero "nós" de volta — eu terminei antes de beijá-la.

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