Capítulo 8

Não sabia muito bem por onde começar nem como, mas ao menos sabia que deveria falar sobre aquilo. Então enviei mensagem a minha amiga perguntando se podíamos conversar.

Nem lembrava que dia da semana era. Não até que ela disse que tinha reunião na escola e que só poderíamos conversar no dia seguinte, me deixando sozinha com meus pensamentos horríveis.

O pior de não conseguir esperar, era fingir que estava tudo bem, mesmo ela insistindo em saber logo do que se tratava. Ainda pior era não conseguir colocar nada no estômago, em parte porque estava muito nervosa, em parte porque tinha a sensação de que tudo que entrasse tentaria sair imediatamente.

Ainda estava me negando a aceitar que haveria uma coisinha crescendo dentro de mim. E que essa coisinha viraria um bebê em algum momento. E que aquele bebê nasceria em oito meses e teria não só meus genes como os de Henrique. E que teria que conviver com ele por todo o resto de minha vida.

Tinha certeza que ele teria um ataque do coração quando descobrisse. E que tentaria me assassinar. Não queria ficar pensando em sua reação, mas era impossível.

Naquela noite tive os piores pesadelos, em que contava a meus pais e eles me expulsavam da família. Depois que revelava a Henrique e ele me obrigava a abortar. Eu não queria nem pensar nessa possibilidade. Justo eu, que defendia tanto a liberação do aborto. Mas agora que estava do outro lado, parecia tão horrível.

Em outro sonho, todo mundo ria e me apontava: lá vai a Andressa, tão jovem, sozinha e carregando um filho de sabe-se lá quem. A mãe solteira, tão mal vista.

Pela manhã, estava praticamente morta. Quando me olhei no espelho, parecia um fantasma: branca e com olheiras fundas e escuras. Não consegui trabalhar nada. Fiquei até às três da tarde na cama, um pouco assistindo televisão, um pouco dormindo.

Tentei colocar comida para dentro, porém tudo que consegui comer foi bolacha cream cracker, sem gosto e quase sem nenhum cheiro. Estava tão fraca que fui até o apartamento de Igor e Carolina de Uber, com medo que pudesse causar algum acidente.

Assim que minha amiga abriu a porta e me viu, sabia que alguma coisa muito ruim havia acontecido. Ela correu pra me fazer uma água com açúcar enquanto eu sentava no sofá, já com lágrimas rolando por meu rosto. Será que não conseguiria mais parar de chorar?

— O que foi, Dêssa? O que aconteceu, amiga?

Como não respondi, ela me abraçou, bem apertado, um daqueles abraços que só alguém que se importa consegue dar, um abraço que suga toda nossa tristeza e nos deixa melhores. Funcionou.

— Acho que tô grávida. – revelei, no meio de seus cabelos.

Ela rapidamente se afastou, me encarando com seus enormes olhos castanho-esverdeados.

— Juro que começaria a rir desesperadamente com a sua piada. – brincou. – Mas sua cara me diz que isso é sério.

— É sério, muito sério. – bebi um gole da água doce.

Ela engoliu em seco antes de perguntar:

— O Bernardo já sabe?

Balancei a cabeça, negando. Não porque ele não sabia, mas porque ele nem tinha porque saber.

— Quando ele vai saber? – quis saber, com os olhos apertados de empatia.

— Provavelmente nunca. – sugeri. – Ele não tem nada a ver com isso!

Minha amiga riu, achando graça. Só que não era uma piada.

— Cá, ele não é o pai.

Seus olhos se abriram ainda mais, o que era bastante assustador.

— Espera um pouquinho. – ela pediu, com uma mão espalmada a sua frente. – O que você andou fazendo no último mês que eu não tô sabendo? Você nem saiu de casa, como pode tá gravida? Você tá me zoando, é isso?

Foi minha vez de engolir em seco. Fechei os olhos por alguns segundos, tomando coragem para contar tudo desde o início.

— Lembra o aniversário do Igor?

— Claro. – ela disse. – Você tinha acabado de terminar com o Bernardo e bebeu todas aquela noite. Inclusive, quando fui embora, você ainda estava lá.

Gemi, a história chegando perto.

— Naquela noite, não fui a única que bebeu todas. – contei, sem encará-la. – Uma outra pessoa que estava lá também bebeu. E nós acabamos indo pro meu apartamento. Juntos.

— Certo. E quem é essa outra pessoa? Um amigo do Igor? Um colega?

— De certa forma.

— Fala logo, garota!!!! Com quem você dormiu?

Coloquei as duas mãos em frente ao rosto, me escondendo, com vergonha, antes de responder:

— Com o Henrique.

Senti o sofá se mexer assim que Carolina pulou, ficando de pé. Sua expressão demonstrava a mais assombrada das compreensões. Então ela começou a rir.

— Ai, para, Andressa. Que piada sem graça.

— Não é uma piada. – eu não estava rindo.

Suas sobrancelhas se arquearam, finalmente aceitando os fatos.

— Desde quando isso vem acontecendo?

— Isso não vem acontecendo. – corrigi. – Foi apenas uma vez. E eu simplesmente não lembro de absolutamente nada. Nem ele.

Carolina sentou outra vez, com os olhos desfocados. Se eu mesma não acreditava, como ela poderia?

— Ai, meu Deus! Todos os meus sonhos de infância se realizaram! – ela riu, parecendo feliz.

Claro que sim. Minha amiga era tão insensata que só ela mesmo acharia aquela uma situação boa.

— Porque não são os seus sonhos de infância que estão indo pelo ralo junto com a sua dignidade! – quase gritei.

Ela sempre conseguia me tirar do sério com suas gracinhas. Será que não via o quão traumatizada estava?

— Me perdoa, Dêssa! – pediu, sincera. – Fiquei meio exaltada. Nem consigo acreditar ainda. Ele já sabe?

— Claro que não. Acho que nunca vou conseguir contar.

— Você já foi ao médico? – ela quis saber.

— Nem ao menos fiz um teste de farmácia. Porque acha que tô aqui?

— Sua doida, e eu aqui tendo esperanças enquanto você pode estar apenas com a menstruação atrasada! – ela gritou, me puxando pela mão até a porta.

— Acho que duas semanas tá longe de ser apenas um atraso.

***

Quinze minutos depois, havíamos ido até a farmácia mais próxima e tínhamos não apenas uma, mas duas caixinhas contendo testes de gravidez diferentes. Queria ter certeza absoluta de qual seria o resultado. E ainda tinha esperanças de ser tudo um falso alarme.

Contudo, assim que fiz xixi no potinho e enfiei o primeiro teste lá dentro, imediatamente apareceram dois tracinhos. Como dizia que levava três minutos para aparecer o resultado, achamos que poderia estar estragado. Então tentei outra vez.

Na segunda tentativa, demorou um pouco mais para aparecer o segundo tracinho.

— Merda, deu positivo outra vez! – gritou Carolina, segurando o palitinho no ar.

Naquele exato momento, no entanto, Igor entrava na porta no apartamento. Nós duas olhamos assustadas para onde se encontrava, pois não estávamos pensando em contar a ele nada do que havia acontecido. Ele era a pior pessoa quando se tratava em guardar segredo. E ainda por cima era amigo de Henrique.

Em alguns poucos passos largos conseguiu chegar até nós, que, de tão surpresas, nem conseguíamos falar.

— Eu vou ganhar uma princesinha? – ele perguntou, parecendo muito mais feliz do que se podia imaginar.

Não era segredo que Igor queria ter filhos. Ele falava isso aos quatro ventos. Minha amiga, pelo contrário, como eu, ainda não se sentia pronta para tanto. Sem contar que havia acabado de conseguir emprego em uma escola particular.

Então a situação mais inimaginável (porém muito a cara de Igor) aconteceu. Ele se abaixou, pegando a mão vazia de Carolina e, olhando-a nos olhos, disse:

— Princesa, vamos casar?

Ela, boba como era, desatou a rir, não sei se achando realmente engraçada a situação ou se de nervoso, sabendo que a proposta só tinha a ver com a gravidez inexistente.

— Não tô grávida, Prim. – falou, entre risos, chamando-o pelo diminutivo de seu apelido, Príncipe (embora, de príncipe mesmo ele não tivesse nada).

Então me lançou um olhar de súplica, pedindo para que revelasse tudo e desfizesse aquele mal entendido.

— Mas se você não... – antes que conseguisse terminar a frase, Igor pareceu entender quem realmente seria a mãe naquele quarto. – Mas como...

— Acho que você sabe como! – minha amiga proferiu, revirando os olhos.

Só então, percebendo o engano, é que se levantou.

— E o Bernardo já sabe? – perguntou, baixinho, como se alguém pudesse ouvir e sair espalhando.

— Não é do Bernardo. – Carolina explicou, levando o teste para o banheiro e lavando as mãos.

— Você não sabe quem é o pai?

— Igor!!!! – xingou ela. – É claro que ela sabe! É do Henrique!

Meu amigo também arregalou os olhos, surpreso, assim como a namorada fizera ao descobrir.

— E quando é que você vai contar pro pai? – ele perguntou.

Estava grata por Igor nem sempre levar tudo na brincadeira e conseguir não ficar curioso demais em saber de toda a história (ainda que possivelmente sua namorada contaria tudo assim que eu fosse embora).

Sentei na cama, sentindo todo o redemoinho de emoções voltar, assim como minhas lágrimas.

Igor sentou ao meu lado e passou os braços ao meu redor, tentando me consolar. Deitei a cabeça em seu ombro e me deixei chorar sem culpa. Quem sabe as lágrimas acabassem e me sentisse melhor. Quem sabe as coisas se resolvessem mais facilmente.

— Ela precisa contar logo pra ele. – ouvi Igor dizer, como se eu não estivesse mais ali.

— Você sabe que eles não se dão bem. – Carolina explicou. – Ela tá com medo.

— Tenho certeza de que ele vai entender.

— Ele vai. Conheço meu primo. Ele vai assumir isso sem problema.

Eu não tinha tanta certeza. Carolina não tinha ideia do tamanho de nosso ódio um pelo outro. Nem do tanto de vezes em que havíamos discutido longe dela.

Nosso rancor era tão grande que certa vez precisei romper um relacionamento por sua causa. Isso porque ele era amigo demais do garoto e não suportava minha presença. Tínhamos quinze anos e eu era apaixonada por seu colega. Nunca iria perdoá-lo por não ter tido nem a chance de saber se daríamos certo.

— Ela não pode contar isso por telefone. – Igor falou.

— Não, também acho que deve ser pessoalmente. – ela concordou, agora mais perto, afagando meus cabelos como se eu fosse uma criança.

Criança. Eu ainda me sentia como uma.

— E se a gente convidasse os dois para jantar aqui em casa no sábado? Você acha que ele viria? – Igor sugeriu.

— É bem mais possível do que se ela simplesmente o convidar para ir a sua casa.

— Ainda tô aqui, sabia? – murmurei.

— E o que você acha?- minha amiga perguntou, agora que a estava encarando.

Engraçado como ela não sentia nenhum ciúmes de me ver abraçada em seu namorado. Não que tivesse algum interesse naquela ação. Eca. Era Igor. Eu, por outro lado, não conseguiria nem assistir a cena, mesmo sendo minha melhor amiga ali. Vai entender!

Dei de ombros, sem saber exatamente o que pensar. Que outra opção teria? Se telefonasse, ele acharia estranho, talvez discutíssemos ali mesmo. Se o chamasse para me encontrar em algum lugar, seria esquisito. Se fosse a minha casa... bem, duvido muito que quisesse ir na minha casa sem que contasse o motivo. Será que pensaria que estava interessada em mais uma noite de sexo? Oh, Deus, era tão complicado.

Provavelmente a melhor opção era mesmo ter Igor e Carolina de cúmplices

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