Capítulo 10
Quando contei a Henrique que estava esperando um filho dele, não esperava que fosse aceitar o fato tão facilmente. O mínimo que esperava era que pedisse um teste de DNA, coisa que ninguém nem ousou sugerir. Muito menos esperava que ele já fosse se sentir preocupado com meu estado de saúde ou o do bebê, até porque nem tínhamos falado sobre isso. Até porque nunca tivemos uma relação assim.
Na segunda-feira, no entanto, recebi uma mensagem sua no Whatsapp, dizendo que tinha pegado meu número com a prima. Nem havia pensado que precisaríamos nos comunicar de alguma forma. A verdade é que eu não tinha a mínima vontade de me comunicar com ele. Henrique sempre me causava sentimentos muito ruins e não queria ter que ficar mais incomodada pela gravidez do que já estava.
Ele foi sucinto em suas frases, no entanto parecia interessado em saber se já havia ido ao médico, se tinha feito algum exame do pré-natal e se já havia feito um ultrassom ou ecografia para ver se havia mesmo algo dentro de mim. Suas palavras, não minhas. Palavras que pareceram bastante ambíguas, o que me fez pensar que ele talvez estivesse sugerindo que eu não tinha alma ou coração. Não seria a primeira vez. Era uma de suas temáticas preferidas quando estávamos no Ensino Médio, sabe, dizer que eu era um robô sem sentimentos. O que era bastante ridículo, considerando o quanto eu sentia raiva dele. Raiva era um sentimento, ou não?
Além disso, ele tinha muito mais características de um robô do que eu. Quer dizer, ele dificilmente fala, estava sempre sério, talvez até tivesse algum transtorno de personalidade como psicopatia. Até porque era só comigo que ele se transformava naquele ogro idiota. Como as outras pessoas do mundo, era muito simpático e sorridente, o que, aos meus olhos, parecia um claro indicativo de algum problema.
Goram muitas as mensagens. Sério! Ele estava falando mais comigo naquelas semanas do que no resto de nossas vidas. Me perguntou se me sentia bem, se sentia o bebê, se tinha plano de saúde ou se precisava que pagasse a consulta e os exames. Falei que estava bem, apesar de alguns enjoos e o cansaço, que não dava para sentir ainda e que meus pais pagavam meu plano de saúde desde que havia terminado a faculdade.
A verdade é que ele estava sendo bem prestativo e fofo, mas eu estava tentando não pensar que dentro do robô ogro sem sentimentos havia, no fim das contas, alguma bondade. Sabia que mais cedo ou mais tarde seu verdadeiro eu se mostraria e voltaríamos a bater boca como antigamente.
Dois dias depois, como previsto, suas mensagens pareceram muito menos simpáticas quando, pela terceira ou quarta vez, quis saber se já havia marcado o médico para começar a fazer os exames e saber se estava tudo bem com o feto. E, ao descobrir, mais uma vez, que nem havia ligado para marcar a consulta, pareceu bem mais o idiota que eu conhecia desde criança. Foi quando passei a distinguir os dois homens que habitavam o pai de meu filho: o Henrique Idiota, aquele que vivia discutindo comigo, sendo arrogante e metido, que me deixava irritada e com vontade de esfregar sua cara no asfalto, versus o Henrique Fofo, aquele que aceitara tão fácil que seria pai e que ainda ficava preocupado com nosso bem estar.
Só que o Fofo não estava mais presente e era bem provável que a culpa fosse minha mesmo. Havia me esquecido de marcar a consulta por ter muito trabalho a fazer. Certo, talvez não tenha sido apenas por isso. Eu estava com medo de ver que realmente havia uma criança crescendo dentro da minha barriga. Mas quem me culparia? Eu não tinha planejado que aquilo acontecesse.
Depois de me xingar de inconsequente, dizendo que seria uma péssima mãe, me deixando com muita vontade de mata-lo, ele pareceu se acalmar, embora em nenhum momento tenha pedido desculpas pela ignorância. Então me perguntou se precisava de uma indicação de Obstetra e se queria que perguntasse a suas duas cunhadas, já que elas eram mães.
Por um lado, fiquei bastante incomodada com o fato de que mal fazia quatro dias que havia descoberto sobre a gravidez, mas que já havia revelando a toda sua família, o que demonstrava mesmo que para homens a situação era muito mais simples. Garanto que ninguém ficou com pena e até o parabenizaram, mesmo sabendo que não tinha nenhuma relação comigo.
Pior ainda pelo fato de que eu mesma não havia contado a ninguém além de Igor e Carolina. E que meus pais, que eram minha família, não sabiam nada sobre o assunto. E que provavelmente levaria muito tempo para conseguir contar a eles, porque estava com muito medo de sua reação. Não por menos, com essa minha mania de ficar imaginando tudo que aconteceria antes de acontecer.
Porém, meus hormônios me faziam ser uma pessoa bem diferente do que antes da gravidez. Assim, embora tenha me irritado saber que toda sua família já sabia, também achei bastante encantador ele ter pensado em pedir a opinião de suas cunhadas. Era muito difícil conviver com tantos sentimentos conflitantes!
Logo, com muita calma, resolvi não ser grossa nem estúpida, respondendo que já tinha médico, pois minha Ginecologista era também Obstetra. Então finalmente tomei coragem de ligar e marcar uma hora.
A doutora Regina estava viajando para um congresso em Berlim e consegui marcar horário apenas para dali a quase duas semanas.
Henrique pareceu ter se acalmado quando avisei que já marcara a consulta, querendo saber quando seria e onde ficava. Será que queria ir junto? Provavelmente era apenas para ter certeza de que havia mesmo ligado para um médico, pois, de qualquer forma, às 10h da manhã ele estaria trabalhando.
Aquelas conversas todas me deixaram um pouco ansiosa com tantos segredos. Não queria ainda contar para meus pais, mas poderia contar para algumas amigas mais próximas. Certo, eu não tinha muitas amigas além de Carolina, porque não era realmente uma pessoa muito fácil, então acabei contando mesmo para Luana, que trabalhava comigo uma vez ou outra e quem encontrava com frequência pelos tribunais da vida.
Não teria realmente contado se ela não tivesse me convidado para sair:
— Vamos, Dêssa! Você precisa se distrair um pouco.
— Ah, Lua, não tô muito preparada pra isso. – respondi.
— Sério, amiga, você precisa beber um pouco e abstrair. Quem sabe ficar com outro cara não ajuda.
Só a lembrança da bebida já me deu um mal-estar no estômago que por pouco não acabei vomitando ali mesmo, na porta do Tribunal de Justiça. Minha expressão devia ter sido muito horrível, pois ela logo notou:
— O que houve? Tá passando mal?
— Não posso beber. – foi tudo o que disse.
Ela franziu as sobrancelhas em um V, imagino que juntando as peças daquele quebra-cabeça.
— Você por acaso não tá... grávida.
Luana disse aquela última palavra em um sussurro, como se tivesse medo de pegar uma doença contagiosa. A conversa teria se estendido por horas se eu deixasse, mas meu cliente tinha acabado de chegar e eu precisava seguir para minha audiência. Logo, tudo que pude dizer antes de me mandar dali foi:
— Por favor, Lua, não conta pra ninguém, tá?
Esperava mesmo que ela não saísse por aí contando a torto e a direito o que estava acontecendo comigo, porque eu não estava nem um pouco preparada.
Já estava com a cota de problemas bem grande na minha vida, mas a gente nunca espera que pode acontecer mais coisas.
No dia da consulta, depois de subir até o oitavo andar e me dirigir para o consultório da minha médica, abri a porta e encontrei o pai do meu filho me esperando na recepção. Ele estava sentado em uma das poltronas, folheando uma revista, porém logo se levantou ao me ver ali, com cara de poucos amigos. Minha expressão de espanto devia estar absurdamente cômica, como a de um desenho animado.
— O que você tá fazendo aqui? – perguntei, como se não fosse bastante óbvio.
Ele primeiro lançou um olhar rápido para a secretária, como que envergonhado de minha cena, o que também fiz, me aproximando mais de onde estava para que ela não escutasse.
— Vim pra consulta. – respondeu, baixinho, mas incomodado. – Você levou uma vida para marcar um horário. Quis ter certeza de que viria e que faria tudo que a médica solicitasse.
— Bem a sua cara mesmo. – rosnei.
Não querendo demonstrar toda minha raiva na frente de uma quase desconhecida (só a via uma vez por ano), me dirigi ao balcão de atendimento e entreguei o cartão do plano de saúde. Depois de digitar no computador e pegar minha digital, ela sumiu dentro do consultório.
Voltei para onde Henrique estava, aproveitando aquele momento sozinhos.
— Você é um ridículo. – falei. – Eu sei me cuidar, se quer saber. Já sou bem grandinha.
— Pois não pareceu. – foi tudo que disse antes da secretária voltar e dizer que a doutora já estava me esperando.
— Você fique aqui. – mandei. – Quando ou se eu quiser, peço pra te chamar.
Henrique apenas me observou em silêncio enquanto eu entrava na sala da médica.
Doutora Regina era minha Ginecologista desde a adolescência. Mas não só minha, já que era amiga de infância de minha mãe. Então a primeira coisa que fiz foi exigir que se mantivesse em silêncio e não revelasse nada, pois eu mesma precisava fazer aquilo. Ela me sorriu e disse que nunca contaria, ao que acreditei. Mas pareceu bastante chocada ao saber que estava grávida e que não me dava bem com o pai, além do que nem éramos nem havíamos sido namorados.
Com aquela intimidade que preferia não ter, ela riu, achando engraçada minha história. Para mim não tinha graça nenhuma.
Depois de me explicar várias coisas sobre o pré-natal, coisas que talvez eu nem lembrasse, já que eram muitas (ainda bem que tinha um folheto explicando) e me receitar um remédio para o enjoo e mais um milhão de exames, finalmente me perguntou a data da última menstruação. Sem saber exatamente, procurei novamente no aplicativo e respondi.
— Nove semanas de gestação, então. – ela explicou. – Mas vamos ver no ultrassom se tá tudo bem.
Assim, pediu que fosse para uma salinha ao lado para fazer o exame. Como me levantei, mas continuava imóvel, parecendo nervosa, ela quis saber qual era o problema. Havia lembrado de Henrique. Talvez ele quisesse ver também.
— O pai do bebê está aqui e você não falou nada, Andressa?! – exclamou. – Você não disse que não se davam bem?
Eu também não sabia explicar!
Logo, ela pediu pelo telefone que a secretária o levasse até a sala do exame.
Diferente do que eu pensava, o exame não era feito com aquele gelzinho na barriga. Como ainda era muito cedo, era feito por dentro (por assim dizer), o que me deixou bastante nervosa, já que ela havia chamado Henrique. Compreensiva, doutora Regina me cobriu o suficiente (eu estava apenas com aquele avental ridículo de hospital). Ainda assim, o nervosismo não passou.
Quando entrou, ele também não estava parecendo à vontade. Pelo menos era o que parecia. Achei até que estava meio pálido.
Henrique então ficou bem ao meu lado, olhando para tela, assim como eu, enquanto a médica explicava o que estava acontecendo.
— Você pode sentir algum desconforto, mas isso é normal. – disse ela, inserindo o aparelho em mim. – Vamos ver...
Ela então apontou para uma coisinha minúscula na tela e disse que lá estava o nosso bebê.
Sério, pensei, nem parece...
Mas quando ela apertou um botão na tela, começamos a escutar uma batida constante e rápida.
— Isso já é o coração? – perguntou Henrique.
Eu o encarei e ele estava sorrindo. De verdade! Parecia constrangido, mas estava sorrindo. E eu não sabia se sorria junto ou se chorava, porque havia mesmo um serzinho crescendo dentro na minha barriga.
Era a sensação mais esquisita que já havia experienciado.
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