2• FUJA PARA SOBREVIVER

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"Corra garoto corra
Eles estão tentando te pegar
Corra garoto corra
Correr é uma vitória
Corra garoto corra
A Beleza se esconde por trás das colinas
Corra garoto corre
O Sol estará lhe guiando"

-Run boy run, Woodkid

    Depois de alguns minutos tentando me recuperar de tudo isso que acabou de acontecer, me lembro do lugar de segurança onde os guardas ficavam, o galpão, será que ainda sobrou algum? Eu poderia ir até lá, ficaria protegida por enquanto até me recuperar e resolver para onde vou. Não é tão longe daqui, isso é bom pois não aguento ir muito longe com esse ferimento de bala na minha perna. Mas pensando bem não sei mais em quem posso confiar, e se encontro alguém lá que seja um dos traidores? Estaria indo direto para minha morte, como um porco indo para o abate, mas não me restam muitas opções, vou arriscar assim mesmo, é um bom lugar para me esconder e tem equipamentos dos soldados, mantimentos para o caso de emergências e com certeza deve ter algo para eu tratar dos meus ferimentos, e também aquele lugar era reservado apenas para os soldados que cuidavam diretamente do rei, que se realmente forem tão leais já devem estar mortos.

Enquanto ando vejo toda a destruição causada, eu simplesmente não consigo entender o que aconteceu, fomos pegos de surpresa, meu pai nunca imaginaria que isso ia acontecer, ou teríamos nos preparado. Tudo que vejo agora são ruínas, tudo destruído, pessoas caídas nas ruas, baleadas, esfaqueadas ou atingidas por algum fragmento das explosões. Fico enjoada ao ver tanto sangue e partes da anatomia humana que eu nem sabia da existência. Foram poucas as pessoas que conseguiram fugir a tempo.

A cada passo que dou é uma tortura, a dor se espalha por todo meu corpo, preciso chegar logo, antes que aconteça outra explosão ou alguém me encontre, mas não consigo andar rápido o suficiente. De repente escuto tiros, parece próximo a mim, então ouço passos vindo em minha direção. Procuro um lugar para me esconder, vejo uma padaria bem próxima, ótimo e lá mesmo que vou entrar.

Atravesso a rua tentando não pisar em nenhum corpo estirado no chão. Ao menos ainda não cheiram mal, tudo que sinto é o sangue recém derramado que ainda pulsava quente nas veias antes de serem brutalmente atacados sem aviso prévio, nem puderam ter tempo de fugir.

E é o que nos resta agora, se quiser sobreviver precisa fugir para longe daqui.

Empurro a porta mas está emperrada, dou um chute com a perna que não está ferida dando um impulso forte o suficiente para sentir uma dor lancinante na mesma, mas a porta se abre num rangido seco produzindo um som de algo sendo esmagado atrás dela. Ao entrar vejo o problema em conseguir abri-la, havia um corpo preso na fechadura, o que me impediu de abrir e ao empurrá-la com força ele caiu no chão como um boneco de pano. Me seguro para não deixar o jantar subir pela minha garganta.

Entro rapidamente e empurro o corpo inerte de um homem que um dia fora o dono dessa padaria, não poderia ficar presa aqui dentro o encarando naquele estado horrível em que se encontrava. Fecho a porta e corro atrás do balcão me escondendo abaixada, olho para o local em busca de algo com que possa me defender. Quase sorrio com a ideia de que poderia fazer isso, atacar alguém, mal sei me defender quanto mais manusear qualquer tipo de arma.

Não que eu tivesse recusado aulas antes dessa coisa toda acontecer, pelo contrário, praticamente implorei por um pouco de aventura, queria me dedicar a tudo que tivesse direito sendo a futura rainha, mas meu pai sempre dizia que eu era uma dama, e damas não deveriam aprender a lutar. Nesse momento surge um pensamento, e se... e se eu soubesse? O que teria feito? Poderia ter dado uns socos mas no final iriam me matar de todo jeito, mãos não seriam páreo para uma dúzia de guardas armados.

Afasto esses pensamentos para focar no que devo fazer para me proteger agora que só resta a mim. Mas só deu espaço para outras lembranças, nas quais toda minha família estava viva e bem.

Um barulho de passos se aproximando me tiram desse devaneio. Pelo som pude identificar 2 pessoas, provavelmente estavam patrulhando as ruas a fim de ver se ainda havia alguém por aqui, como fechei a porta com o corpo do lado de fora podem presumir que não teria ninguém do lado de dentro.

- Como estão as coisas por aqui? Ainda tem alguém vivo? – Uma voz desconhecida pergunta ao seu colega.

- Acredito que não. Atirei em todos que estavam no meu caminho e recebi uma chamada do soldado Cruz afirmando que o território estava limpo.

Conheço essa voz mas não consigo identificá-la. Já escutei antes a não muito tempo atrás. Tento puxar na memória quando o ouvi, volto ao momento antes da explosão. Antes dos tiros. É isso, Duncan. Falei com ele antes de ir para a sala de jantar, eu percebi como estava agitado.

O outro homem ri com escárnio de seu comentário.

- O território está tudo menos limpo, se é que me entende.

- Fizemos uma bagunça e tanto, mas esse foi o único modo de conseguir o que queríamos. Precisamos voltar ao Palácio e limpar o local, retirar os corpos e queimá-los, o novo rei não irá gostar nada do estado em que a deixamos.

- Então se apresse Soldado. Ele está chegando e vai querer tudo bem limpo e organizado.

Então eles vão embora. Me sinto enojada com a frieza que falam das pessoas, tirar os corpos, os corpos dos meus pais, meus irmãos! E pensar que trabalharam conosco por tantos anos. Mas tem uma pessoa que não seria capaz dessa traição, era praticamente um membro da família, o General Diego. Me lembro que ainda estou com meu celular, passo a mão pelos bolsos a procura. Encontro, e por incrível que pareça ele está intacto, sem nenhum trinco ou arranhão, ótimo! Ligo e vejo as horas, já passa da meia noite. Fiquei muito tempo desacordada, a essa altura já não deve ter restado ninguém por aqui além dos assassinos.

Não consigo me conter e as lágrimas escorrem pela minha bochecha, sinto dor, não apenas pela dor física mas pela perda da minha família inteira numa noite só. Dos meus amigos, de todos que viviam nesse reino, o reino que seria meu um dia. Seria, nunca mais vai ser, agora é de outro homem, um assassino frio e ambicioso. Tudo por poder.

Mas eu não tenho tempo para isso, tenho que deixar o luto para depois, mesmo sendo muito difícil para mim fazer isso, em um momento estavam aqui e no outro se foram para sempre

Espero mais um pouco até ter certeza de que não tem mais ninguém por perto para que eu possa sair.

Assim que saio pela porta dos fundos, encontro uma arma jogada no chão, certamente quem a derrubou nem deu falta pois a rua está deserta, rapidamente a pego para levar comigo, não sei atirar mas apenas por estar com ela já me sinto mais segura, posso usar para ameaçar quem aparecer no meu caminho, a pessoa não precisa saber que não sei usá-la. Em um momento desses eu realmente queria ter tido um treinamento, teria sido de grande ajuda, agora a única coisa que posso fazer é fugir porque não sei lutar, que bela covarde estou me saindo, obrigada papai!

O esconderijo dos guardas não parecia tão longe quanto está sendo. Mas também mal consigo dar 3 passos até precisar parar novamente para descansar. Sinto um ar frio passar pelas minhas costas, provavelmente minha blusa deve ter rasgado, não quero nem ver meu estado, devo estar horrível, o lindo penteado que Camilla fez já não existe mais, perdi o grampo da minha mãe, meu sapato se foi a muito tempo. Ah Cami, espero que ela tenha conseguido fugir, ela era uma das minhas melhores amigas, acho que ela estava na cozinha no momento que tudo aconteceu seria mais fácil de escapar por lá poderia sair pelos fundos que dá para o cais, ninguém pensaria em ficar de guarda pois é de uma altura imensa.

Finalmente avisto o galpão a poucos metros na minha frente, pelo que parece não tem ninguém, mas se tiver, estarei preparada. Me aproximo da entrada o mais devagar e silenciosamente que consigo. Abro a porta com cuidado para que não faça barulho, olho em volta para dar uma conferida mas está muito escuro para que eu veja algo, entro e fecho a porta novamente. Semicerro os olhos até que minha visão se acostume com o escuro da sala. Escuto um barulho de algo caindo, pelo visto não estou sozinha, procuro pela arma que guardei no meu bolso e fico pronta para um possível ataque.

- Quem está aí? - Pergunto olhando em volta, mal conseguindo enxergar um palmo à minha frente.

Decido ligar a lanterna do celular para ver melhor.

- Merda! - Vejo um homem, mais ou menos de minha idade, se levantar de um canto.

- Levante as mãos para onde eu possa ver! - Grito para ele a beira de ter um ataque de nervos.

Espero que ele não tenha percebido que não sei o que estou fazendo.

- Calma ai. Não vou fazer nada contra você. Estou do seu lado.

Ele diz com as mãos para cima dando passos lentos em minha direção.

- FIQUE LONGE DE MIM! - Dou alguns passos para trás. Sem pensar muito, puxo o gatilho e a arma dispara, errando por poucos centímetros sua orelha direita, deixando que ele pense que errei propositalmente, apenas tentei assustá-lo.

- Já disse que estou do seu lado, Não precisa atirar em mim. Como se fosse ter coragem! - Ele balbucia um tanto baixo.

- O que te faz pensar que eu não faria isso?

- Porque você não sabe atirar... Princesa.

- Como você sabe? - Pergunto confusa. Minha cabeça está girando com tanta coisa.

- Qual é? Você não sabe quem sou eu? - Ele diz ainda com as mãos para cima.

- Eu deveria saber? - Digo tentando entender onde quer chegar com isso.

- Deveria, era seu melhor amigo quando tínhamos 5 anos.

- E por que eu acreditaria na sua palavra? - Poderia muito bem ser um dos inimigos disfarçados, ou pior, um traidor. Seguro a arma com mais força que deveria, sem dúvidas ele percebeu que não sei o que estou fazendo com isso nas mãos.

- Eu posso provar se quiser. - Ele responde.

Assinto em concordância, mas nem um pouco convencida de que falará a verdade.

Eu realmente tinha um amigo, meu melhor amigo desde que éramos crianças, estávamos sempre juntos pois ele é filho do General Diego que sempre estava por perto. Mas depois ele simplesmente sumiu, nunca mais o vi, já fazem muitos anos.

- Meu nome é Philip Eratos, filho do General Diego Eratos. Eu estava sendo treinado por isso fui embora. – Ele se aproxima devagar. – Você não sabe usar uma arma, não pode ser treinada como queria. E por último... - Continua se aproximando e agora pude ver suas feições mais claramente sobre a luz de minha lanterna. – Eu tenho uma foto nossa juntos sentados ao pé de uma árvore de Natal abrindo nossos presentes. - Ele coloca uma das mãos no bolso.

- Ei! Mãos para cima, não me ouviu da primeira vez? - Falo entrando em desespero, pois ele poderia muito bem estar procurando pela sua arma e me mataria bem ali naquele momento.

- Relaxa princesa! Só estou tentando te mostrar a foto. – Ele levanta a mão e nela tem um papel um pouco gasto pelo tempo. – Eu a levo sempre comigo, para não esquecer da minha melhor amiga.

Ainda relutante com arma em punho me aproximo dele e pego a foto que segurava. Assim que vejo mais claramente, estamos abrindo nossos presentes na manhã de Natal em frente a lareira no meu palácio, em casa. Na época tínhamos 5 anos e Philip era um garotinho magricela e pequeno, um tanto medroso e saiu com cara de espantalho na foto, lembro que rimos muito disso naquele dia.

- Então é você mesmo. - Falo devolvendo sua foto que é a mesma que guardo... guardava no meu quarto, mas isso ainda não prova que está exatamente do meu lado. Pois poderia muito bem fazer parte dos traidores e ser uma isca para me pegar.

- Sou eu. Agora já pode abaixar a arma, por favor? - Ele diz com as mãos para cima em rendição.

- Tudo bem. - Abaixo a arma ainda relutante, ele pode ser o Philip mas não confio totalmente em sua palavra até que prove o contrário. – Por que foi embora tão cedo?

- Durante esses anos fui treinado para ser seu guarda particular, assim como meu pai foi do seu. Foi necessário começar cedo para ser o melhor.

Enquanto ele se aproximava eu dava passos para trás, será difícil confiar em alguém após as conversas que ouvi. E afinal o que ele estaria fazendo aqui no galpão enquanto as pessoas corriam pelas suas vidas? Não era seu dever para com o reino ajudá-los? Para mim isso ainda soa estranho, algo não me convenceu de sua lealdade.

- Não acredito que você está viva! - Ele diz se aproximando mais de mim. - Fiquei sabendo que todos que estavam no jantar morreram. Como você conseguiu fugir?

Não o respondo e me afasto ligeiramente, o que o deixa confuso, ele me olha desconfiado e por um momento penso que iria vir até mim e acabar com essa farsa... ele não veio.

- Já disse que pode confiar em mim. Se quisesse te matar já teria feito isso.

Nesse ponto ele tem razão, eu não teria tempo de tentar me defender, ele é duas vezes o meu tamanho e bem mais forte também. Se fosse esse seu plano já o teria realizado no momento em que passei por aquela porta.

Me encolho em um canto e desabo no chão. Eu já não sei mais em quem posso confiar. Esse ataque abriu meus olhos sobre o que eu lidaria o tempo todo quando me tornasse rainha. Agora vejo que não estava completamente preparada para tal cargo de tamanha importância.

Fui tola em pensar que poderia reinar com paz absoluta, em pensar que seria assim tão fácil como imaginava, coroas e kirtle bonitos. Não, são guerras e mortes. Eu não estava preparada para isso, e agora sofro as consequências sozinha, ver tanto sangue sendo derramado em apenas uma noite. A única coisa que consigo pensar nesse momento é minha família, queria todos eles aqui comigo.

Não me contenho e deixo a lágrima que tanto segurava sair, sem vergonha de alguém ver a princesa em estado tão frágil como agora.

Philip parece meio perdido me vendo sentada no chão sujo do galpão dos guardas, com a roupas em farrapos, suja de sangue e um ferimento feio na perna, ele não tem reação a essa cena, não sabe o que fazer, relutante entre me amparar ou ficar parado me observando.

Confesso que essa pequena amostra de indecisão me lembrou do antigo Philip, meu melhor amigo de anos atrás quando me via caída com o joelho ralado após apostar uma corrida com ele. A única coisa que faltou foi seu pai aparecer e o repreender por me fazer chorar.

Foi então que lembrei.

O General Diego estava lá no jantar, em pé ao lado da porta, de guarda. Ele também foi uma das vidas que se encerraram essa noite. Imagino que ele também deva estar sofrendo com a perda ou talvez nem saiba de sua morte.

- Não tem sobreviventes. - Digo entre as lágrimas e vejo ele se aproximar devagar. – Levei um tiro na perna e pulei a janela. Fui a única a sair com vida do palácio. E sinto muito por seu pai.

Ele não responde de imediato, fica parado encarando a parede olhando para o arsenal de armas.

- Eu devia ter ajudado... fui covarde, não consegui sair daqui. Não depois de presenciar aquela cena horrível, as ruas estavam lotadas pelas pessoas fugindo, eu paralisei.

- Nem o melhor dos soldados poderia dar conta de tantos guardas armados, ainda mais sendo pego desprevenido. - Falo para amenizar

Ele desaba ao meu lado e ao esbarrar sua perna na minha solto um gemido de dor. O sangramento estava aumentando, se não fosse suturado logo poderia morrer de hemorragia.

Aperto com força o pano sobre o buraco onde a bala havia atingido. Me seguro para não gritar de dor. Eu não consigo fazer isso sozinha.

Philip se levanta e vai em direção a um armário.

Minha visão começa a ficar embaçada, vejo pontos pretos assumirem o local quase que por completo. A dor aumenta a cada momento. Vejo ele vindo até mim com uma caixa nas mãos, apenas um vislumbre de seus movimentos, eu já estava esgotada e com muito sono.

Senti ele tirar minha mão que pressionava o sangue e em um movimento rápido ele cortou minha calça para chegar no ferimento.

Eu não conseguia formar palavras e então deixei que o sono tomasse conta de mim.

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