Vinte e quatro


O novo quarto não era tão diferente do anterior. O quarto de Prissy Theodor ficava de frente para o meu. Tinha um lembrete constante dos berros que ecoavam por ali e da piedade que sentia pelas suas criadas.

Mas minha atenção foi desviada quando Mariah entrou no quarto, radiante, segurando o vestido feito por Natalié nas mãos.

__ Veja, senhorita, seu vestido não foi consumido pelo fogo! __ anunciou, com um sorriso.

Atravessei o quarto com passos rápidos, sentindo uma onda de alegria e alívio. Não estava com muitas expectativas de que meus vestidos estariam em bom estado após o incêndio. Achava que tinha perdido para sempre o presente da minha melhor amiga.

Me aproximei de Mariah para analisar o vestido mais de perto e conferir com os meus próprios olhos. O tecido ainda estava intacto, mas...

__ Uma pena ele estar cheirando fumaça como os demais __ lamentou Mariah, levando uma parte do tecido até o nariz e fazendo uma cara ruim. __ Teremos que providenciar novos vestidos para a senhorita.

Inclinei a cabeça para sentir o cheiro do vestido e minha criada tinha razão. O cheiro de fumaça entrou pelas minhas narinas e me fez tossir. Provavelmente não daria para usá-lo mais, o que era uma pena. No entanto, estava feliz por tê-lo nem que fosse para guardar como recordação.


O rei Rubens não compareceu ao almoço e nem mesmo ao jantar, uma ausência notável que pairava sobre a família real como uma sombra. A rainha Clair sentou-se à mesa principal, sua expressão desanimada e cansada. Seus olhos, normalmente brilhantes, estavam baços e sua boca estava curvada para baixo, revelando uma profunda preocupação.
A princesa Charlotte estava emburrada como sempre, seu rosto fechado e seus braços cruzados sobre o peito. E o príncipe Joshua também não parecia feliz. Ele encarava a bandeja de fruta à sua frente com um olhar vazio, sua mente aparentemente em outro lugar.

O clima na sala de jantar era tenso. Ninguém se arriscava a perguntar o que estava acontecendo, mas a curiosidade pairava no ar como uma nuvem invisível.

Após a sobremesa ser servida, Joshua foi o primeiro a pedir licença e se retirar. Ele se levantou rapidamente, sua cadeira arrastando pelo chão com um som abrupto. Enchendo a boca de ar, como um balão inflado, ele soltou o ar lentamente, um suspiro silencioso que revelava sua frustração. Com passos rápidos, Joshua saiu da sala de jantar, deixando para trás uma atmosfera de desconforto e incerteza. As selecionadas se entreolharam, todas se fazendo a mesma pergunta com os olhos.

Senti um impulso irresistível de sair correndo atrás de Joshua, meu coração batendo forte com a urgência de entender o que o estava perturbando. Queria alcançá-lo, segurá-lo pelo braço e perguntar o que estava deixando-o tão preocupado. Suas feições tensas e distantes haviam despertado preocupações em mim também.

No entanto, a presença das outras na sala de jantar me conteve. O medo de ser julgada ou considerada imprudente me fez hesitar. Talvez, se estivéssemos sozinhos, não teria hesitado nem por um momento. Teria me levantado sem pensar duas vezes e ido em sua direção. Porém fiquei parada, imóvel, enquanto o príncipe desaparecia pela porta.

__ Acho que alguém está com problemas __ Mackenzie meio que cantarolou se inclinando para o meu lado, com as sobrancelhas arqueadas e olhos grandes, antes de levar o último pedaço do seu pudim até a boca. Diferente de mim, ela não demonstrava genuína preocupação. Me virei para ela com a cara fechada. Parecia que estava debochando dos problemas do príncipe.

Depois que saí da sala de jantar, esperei todas selecionadas irem para os seus aposentos, incluindo Morgan e Chloé e então fui visitar o meu refúgio, o sótão, pois não estava com a mínima vontade de voltar o quarto.

Estava ansiosa, com várias perguntas na cabeça
referente ao comportamento de Joshua naquela noite, e desenhar me faria melhor. Mas queria ter a certeza de que ele também ficaria bem. Por isso tive a ideia de fazer uma caricatura sua e deixar debaixo da porta do seu quarto, como fazia no passado. Tinha esperança de que seu humor melhorasse quando encontrasse o desenho.

Na tarde do dia seguinte, algumas das selecionadas decidiram jogar tênis na área externa do palácio. O clima em Angeles estava bem agradável. O sol radiante brilhava sobre o palácio, o céu estava azul sem nuvens e a área verde, bem cuidada e relvada.

As duplas foram formadas e na minha vez de jogar, minha companheira era Chloé, enquanto nossas adversárias do outro lado eram Mackenzie e Gisely.
Gisely era uma adversária formidável, graças a sua habilidade no esporte. Já eu e Chloé, não éramos exatamente estrelas do tênis. Nossa falta de coordenação era evidente, e nós duas estávamos mais preocupadas em nos divertir do que em vencer.
Nossas risadas ecoavam pela área verde.

Morgan assistia a partida, sentada em um banco branco debaixo da sombra de uma árvore, mas não quis jogar em nenhum momento, pois se queixava de cólica. Sua cara pálida e seu semblante triste demonstrava o seu desconto.

Em um determinado momento do jogo, quando a bola amarelinha veio na nossa direção, Chloé a atacou com uma fúria que nos surpreendeu. Sua raquete encontrou a bolinha felpuda com um som agudo, e a bola disparou em direção ao outro lado com a força de um raio, passando por cima das cabeças de Mackenzie e Gisely que saltaram, com olhos arregalados acompanhando a trajetória da bola, mas foi em vão. A pequena esfera amarela por fim caiu pesadamente no chão e rolou para baixo a fora como se tivesse vida própria.

__ Ops! __ Chloé, soltou entre os dentes e em seguida soltando uma risadinha sem graça, olhando para mim.

__ Nossa, precisava colocar tanta força assim? __ Mackenzie reclamou, impaciente.

__ Não foi minha intenção __ Rebateu Chloé.

__ Ótimo, agora alguém vai precisar ir atrás daquela bola amarela e não vai ser eu __ Mackenzie, murmurou, abandonando sua raquete no chão e limpando o suor de sua testa com a mão.

__ Deixa comigo, eu vou!

Me ofereci para ir à procura da bolinha e sai quase que correndo na direção em que ela fora parar, perto de um dos muros do palácio, estava perdida entre a grama. Me abaixei para pega-la quando ouvi um cochicho.

__  Vai, fala com ela!

Assustada, levantei a cabeça com as sobrancelhas franzidas, correndo os olhos por todos os lados. Por um instante pensei na possibilidade de estar ouvindo vozes ou ser apenas impressão minha. Até me deparar com a figura de uma jovem e uma garotinha se aproximando das grades do portão do palácio. Uma delas deveria ter uns quinzes anos enquanto a outra tivesse uns onze. Elas eram bem diferentes, dava para ver que não eram de Illéa. Estavam descalço e pelo modelo dos vestidos me dei conta de que só podiam ser da família dos ciganos que Mackenzie tanto falava.

__ Ei, você, pode nos ajudar? __ A jovem mais velha perguntou.

Olhei para trás para certificar que ninguém podia nos ouvir e em seguida dei um passo para frente.

__ O que vocês querem que eu faça por vocês?

As duas se entreolharam, como se conversassem entre elas apenas com os olhos.

__ Somos de uma família de ciganos e tudo o que queremos é ter uma vida normal como vocês. Mas as pessoas desse país não querem nos deixar comprar, estudar nas escolas e se recusam a nos dar qualquer emprego.

__ É, estão nos tratando como se fôssemos animais selvagens! __ A garotinha mais nova esbravejou, transparecendo a sua indignação. Ao mesmo tempo, podia ver nos olhares das duas a tristeza e até mesmo medo.

Fiquei olhando para as duas por um instante, enquanto processava aquelas informações. O meu coração se partiu e o sentimento de pena tomou conta de mim. Nada de ruim que diziam sobre os ciganos parecia ser verdade e aquelas jovens estavam como que implorando por ajuda. Só queriam uma vida digna e pelo visto os Illéanos os interpretavam mal.

Enquanto pensava em algo para dizer para elas , ouvi pegadas na grama se aproximando.

__ Wendy, o que está fazendo aqui? __ Matthews, o guarda quis saber, vindo na minha direção, mas antes que pudesse respondê-lo ele olhou para o portão e se deparou com as duas ciganas. Em seguida arregalou os olhos e automaticamente ativou o seu modo defesa, estendendo o seu braço na minha frente e me obrigando a afastar do portão __ Vamos, aqui não é um lugar seguro

O guarda olhou feio para as duas meninas do outro lado da grande, era um olhar de desconfiança misturado com preconceito.

__ E vocês devem ficar longe do palácio __ Ele ordenou com uma voz firme, provocando susto e um pouco de medo nelas, que rapidamente começaram a se afastar do portão. No entanto, antes de virarem de costas para nós e irem embora, as ciganas me lançaram um olhar de misericórdia como se me pedisse para pensar no que tinham dito e não me esquecesse delas.

__ Vem, aqui não é seguro para você __ Matthews segurou o meu braço com gentileza mas com firmeza afim de me tirar dali.

Puxei o meu braço de sua mão, demonstrando o quanto estava indignada e desaprovava a forma como havia se comportado, rude e insensível.

Matthews parou e olhou nos meus olhos surpreso com a minha atitude, procurando entender o que estava acontecendo. Não precisei dizer nada, na mesma hora o guarda se deu conta de qual era o motivo para eu estar de mau humor.

Ele respirou fundo e esfregou o rosto impaciente.

__ Wendy, eu fiz uma promessa a mim mesmo de que irei proteger você sempre. Mas por favor não force a barra, e pare de se colocar em situações perigosas. Você pode fazer isso?

Fechei a cara

__ Aquelas meninas ciganas não são do mal. Elas virem pedir ajuda Matthews!

Ele soltou uma risadinha sarcástica como se duvidasse.

__ Wendy, você não vê o que as pessoas falam desses tais ciganos? São pessoas estranhas, de cultura diferente da nossa e não são confiáveis. Dizem até que eles roubam dos outros!

Balancei a cabeça, discordando da sua acusação. Depois de conversar por menos de dois minutos com as ciganas e depois do que me pediram, me recusava ainda mais a acreditar nas lendas sobre os ciganos. Não sabia tudo o que estava por trás daquele povo que havia acabado de chegar em Illéa, mas sabia que precisava descobrir mais.

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