Dois


Quando tinha oito anos, li um livro infantil onde o garotinho gostava de se esconder em um lugar secreto, que era só seu. A partir daí comecei a procurar pelo palácio algo parecido. O meu refúgio secreto.

Então encontrei o lugar ideal, costumava chamar de sótão do palácio. Não era grande coisa, na verdade tinha cheirinho de poeira, uma janela pequena e algumas coisas velhas. Sabe, parece que algumas coisas que não eram mais valiosas para o palácio eram esquecidos lá.

Digamos que era quase um lixo real. Uma vez achei uma lamparina e uma cobertor, o quê me foi muito útil. Eu podia ler os meus livros e fazer os meus desenhos sossegada e até um pouco confortável.

Entretanto, não tinha passe livre para o sótão, era um lugar que só pessoas autorizadas podiam entrar, então tinha que dar o meu jeito e conseguir entrar lá sem chamar a atenção. Exigia habilidade e esperteza e eu era muito boa nisso. Mas não era só isso, outra coisa que tornava possível que tivesse acesso ao sótão era por que até então não costumava ficar nenhum guarda de ronda por perto. Até aquele dia.

Desci do meu lugar secreto, distraída olhando para o lado até trombar em alguém. Antes de olhar para cima, gelei completamente e engoli em seco. Foi um susto. O caminho ali perto estava sempre livre, sem nada bloqueando, dessa vez foi diferente. Imediatamente pensei que era o meu fim.

O que eu deveria fazer? Fingir um desmaio? Poderia dar certo. Mesmo assim quando acordasse me perguntariam por que havia invadido o terceiro andar sem permissão. Pelo visto não tinha outra escapatória. Respirei fundo, juntando coragem para olhar na cara do guarda na minha frente.

O guarda estava me encarando com uma das sobrancelhas arqueadas e vários pontos de interrogação estampados na sua cara _ A senhorita sabe que o acesso ao terceiro andar é proibido para pessoas não autorizadas, não sabe?

Ainda estava um pouco apreensiva, mas aos poucos meus músculos foram se relaxando. Porque reconheci o guarda de farda azul bem na minha frente e algo me dizia que ele não era tão severo quanto os outros guardas em serviço.

_ Jura? _ Dei uma de cínica e confusa. Obviamente Matthews Lennox me olhou com descrença.

_ Tem uma placa bem ali na parede _ Apontou para ela fazendo sinal de  positivo com a cabeça.

Girei nas pontas do pé para o lado e mirei a tal placa com os olhos semi-cerrados  _ Que engraçado. É a primeira vez que vejo aquela placa ali, dá para acreditar? Então agora que já sei, acho que preciso me retirar daqui o mais rápido possível, não é? 

Fiz uma breve reverência e quando me esquivei, Matthews soltou uma risadinha baixa, que me fez parar no meio do caminho por alguns segundos, olhar para ele e sorrir também.

Até um tempo atrás tinha certeza que só existia uma único homem perfeito e maravilhoso no mundo que era o príncipe Joshua Schreave. À possibilidade de sentir desejo por outra pessoa estava fora de cogitação, uma possibilidade quase inexistente. Simplesmente não conseguia pensar em ninguém além do príncipe.

Porém desde o momento em que aquele guarda chegou no palácio, esse pensamento começou a mudar. Pelo visto Josh não era o único rapaz atraente no mundo e eu teria que colocar os dois em uma disputa para ver qual se sobressaia no quesito beleza.  Matthews Lennox era uma versão diferenciada do príncipe, ele tinha cabelos castanhos claros e a cor dos olhos era um tipo de verde. O seu olhar era penetrante e sempre me fazia sentir um certo tipo de cala-frio.

Dei de um jeito de sumir daquele corredor o mais rápido possível antes de ser pega por outro guarda e não tive mais tempo para pensar nos novos sentimentos.

Alguns funcionários como mordomos e criadas tinham seus quartos no palácio e praticamente moravam lá. Mas não eram todos. Minha mãe e eu por exemplo voltávamos para casa todos os dias no fim da tarde. Pegávamos o metrô e chegávamos no sobrado onde morávamos em uns trinta minutos.

Minha mãe era uma guerreira, ela gastava toda a sua energia no trabalho como criada e no final do dia suas forças haviam sido consumidas pelo cansaço. Todos os dias no metrô de volta para casa ela encostava a sua cabeça no meu ombro e acabava dormindo. A exaustão a vencia. Mesmo com o choro de crianças, ou risadas alta ou quando as luzes se acendiam, nada disso a despertava. Isso me fazia entender o quanto esgotada ela ficava no final do dia.

E esse era um dos motivos importantes para participar da seleção e quem sabia até vencer! Participando do concurso poderia aliviar a carga da minha mãe, poderia dar a ela uma vida confortável e digna. Sem ter que trabalhar como uma escrava, arrumando mais de cinco quartos enormes por dia e subindo grandes escadas.

Vencendo o concurso poderia dar a minha mãe a vida de princesa que ela merecia e que meu pai nunca foi capaz de dar a ela. Meu pai nos abandonou quando eu tinha três anos, ele fugiu e nos deixou sem dinheiro e sem um lugar decente para morar.

_ Mamãe, nós chegamos _ Sussurrei no seu ouvido e mexi devagar o ombro para ela se despertar.

Minha mãe levantou a cabeça rapidamente e arrumou o seu cabelo como se já estivesse programada para acordar exatamente naquele momento.

Descemos do metrô e um ventinho frio bateu nos meus braços. Deveria ser umas oito horas da noite, mesmo assim as ruas ainda tinham um pouco de movimento de algumas pessoas que tinham descido do metrô, outras fechando seus comércios e ainda outros apenas voltando para casa.

Era isso todos os dias. Todos os dias pegava o metrô e todos os dias passava por aquelas ruas e na maioria das vezes via as mesmas pessoas, mas agora havia uma pequena diferença; antes podia andar por ali que ninguém me notava, depois do anúncio de que Wendy Allison era oficialmente uma das selecionadas, algumas pessoas me cumprimentavam e acenavam até de  noite me reconheciam. Para ser sincera gostava um pouco dessa atenção, então eu acenava e abria um sorriso de volta.

Nessa noite em especial, quando eu e minha mãe estávamos chegando bem pertinho da nossa casa uma garotinha soltou da mão de sua mãe e correu até mim, a mãe da garotinha chamou a sua atenção e veio correndo atrás dela.

A garotinha me abraçou pelas cintura e olhou para cima para o meu rosto _ Eu gosto de você por que você é igual a mim

Franzi as sobrancelhas, sem entender o que ela queria dizer _ Como assim, igual a você? _ Me abaixei para ficar do seu tamanho. A mãe estava parada ao lado e tentou puxar a filha pelo braço antes dela responder. Mas a menina se negou a ir antes.

_ É que você vai ser princesa um dia. Mas uma garota malvada da escola disse que não existem princesas gordas como nós duas.

Fiquei olhando para o seu rosto por alguns instantes, sem saber o que exatamente dizer. A menina que deveria ter uns sete anos estava realmente acima do peso para a sua idade, suas bochechas eram bem grandes e ela tinha uma franja na testa.

_ Me desculpe por isso senhorita Allison _ A mãe pediu com um sorrisinho falso, desconcertado _ Vem, temos que ir Ember _ A mulher tentou de novo apressar a garotinha

_ Não tem que se desculpar _ Olhei para Ember e abri um sorriso _ E nós vamos provar para essa coleguinha da escola o quanto ela está enganada! _ Assegurei, com uma piscadela. Ela abriu um sorriso largo e balançou a cabeça várias vezes fazendo um joia com o dedo polegar.

A mãe e a filha continuaram andando, olhei para minha mãe e ela me lançou um olhar de pena. Entendia aquela cara, ela sabia que as vezes os comentários sobre o meu corpo me deixavam desconfortável. Mas acho que isso doía mais nela do que em mim!

_ O quê foi? Eu me sinto muito bem! _ Mesmo sorrindo e agindo naturalmente, ela não acreditou totalmente.

A verdade  é que  ninguém quer ser alvo de chacota ou de críticas, ninguém quer ouvir as pessoas comentando mal do seu corpo só por que ele não tem curvas definidas ou porque você não se encaixa no padrão de beleza. Minha mãe não estava totalmente errada de não confiar em mim, no fundo algumas situações acabavam se tornando constrangedoras.

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Hey!  2º capítulo publicado com sucesso
Espero que tenha gostado e continue acompanhando os próximos!

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