Dezesseis

A rainha Clair estava determinada a realizar um chá da tarde com suas damas de companhia e as selecionadas, e não deixou margem para desculpas. Era um chamado imperativo, não um convite que pudéssemos recusar. Mas, sinceramente, tudo o que queria era me esconder no meu quarto e escapar daquela obrigação.

Durante o chá, eu seria forçada a enfrentar uma maratona de conversas e sorrisos, quando, na verdade, desejava apenas me isolar e evitar até mesmo os olhares curiosos das outras garotas.

O mau humor que me acompanhava era fruto do desagradável encontro com Joshua Schreave. A combinação do frio com a espera e o comportamento ridículo dele desde o início foi o suficiente para me deixar irritada.

__ Por que está tão atrasado? __ Questionei, cruzando os braços e franzindo a testa, enquanto meu olhar penetrante o encarava __ Estou à sua espera desde as seis da manhã!

Joshua se aproximou mais, seu passo tranquilo e confiante, um sorriso leve nos lábios

__ Tão cedo assim? __ ele indagou, sua voz tingida de ironia, enquanto erguia uma sobrancelha e me lançava um olhar sinico.

__ Foi você que me disse para esperá-lo aqui, as seis __ Afirmei.

Joshua franziu as sobrancelhas, sua expressão mudando de sorriso para confusão, como se estivesse genuinamente perplexo. Ele inclinou a cabeça para o lado, seus olhos estreitando-se ligeiramente, enquanto sua voz adquiria um tom de inocência

__ Não, não, não __ disse ele, sacudindo a cabeça. __ Deve ter havido um engano. Me lembro claramente de combinar com você um pouco mais tarde do que isso __ Ele pausou, seu olhar se tornando _questionador __ Ou será que não foi você que se precipitou um pouco?

Olhei para o lado do jardim, sentindo o ar fresco encher meus pulmões enquanto inspirava profundamente, tentando acalmar a tempestade que se formava dentro de mim. Meus nervos estavam em frangalhos, tensos como cordas de violino prestes a se romper. Sabia que aquilo era uma estratégia de Joshua, uma manobra calculada para me fazer perder a concentração e desistir da competição.

Mas eu não iria cair nessa armadilha. Eu sabia que o melhor era manter a calma e a postura, não deixar que minhas emoções me dominassem. Respirei novamente, sentindo meu coração desacelerar.

__ Então podemos ir? __ Perguntei, esboçando um sorriso falso no rosto ao me virar para ele.

__ Ah, sim, claro. Por aqui __ O príncipe desceu um degrau da escada, ajeitando seu cachecol no pescoço.
De acordo com o protocolo ele deveria me estender o braço, porém não o fez. Preferiu caminhar livremente.

Passamos pelo jardim e continuamos a caminhar em direção ao gramado verde do palácio. O gramado estendia-se diante de nós, uma vasta extensão de verdejante relva. A tranquilidade do local era quase palpável, e o ar estava repleto do aroma da grama recém-cortada. O som suave das gotas de água de um chafariz distante criava uma melodia serena. O sol estava surgindo aos poucos dando um pouco mais de vida a tudo em nossa volta. Mas a grama ainda estava úmida com orvalho e a medida que andávamos sentia os meus sapatos e as pontas do meu vestido ficarem encharcados. Não estava sendo algo muito agradável.

Joshua caminhava com os braços abandonados às costas, seu olhar perdido no infinito do céu. Seu rosto, uma máscara de serenidade, refletia a sua tranquilidade. Ele parecia flutuar sobre o gramado, seus passos leves e silenciosos.

Sua presença era quase etérea, como se ele estivesse ali, mas também em outro lugar, distante e inalcançável. O mundo ao seu redor parecia desvanecer-se, deixando apenas ele, sozinho e imerso em seus pensamentos.

__ Posso fazer uma pergunta? __ Acelerei um pouco mais os meus passos e parei ao seu lado.

__ Hum __ Foi a sua reação, sem olhar na minha direção.

__ Soube que nos encontros você sempre se preocupa em atender as preferências de cada selecionada. Por exemplo, a senhoria Hadassa Rincks é vegana e na vez dela você organizou um jantar com uma variedade admirável de comidas veganas. E você não é vegano __ Dei uma pausa, para formular a próxima pergunta __ Você me conhece desde que era uma menina e deve saber muito bem que não sou uma grande fã de atividades ao ar livre. Por isso sempre passo a maior parte do meu tempo dentro do palácio. Então por que me trouxe para este gramado?

__ Não está gostando do nosso encontro?

Olhei para os lados e depois me virei para trás, o palácio já estava a uma distância considerável. Não havia nada de interessante ali além de a algumas árvores e grama. Se continuássemos a caminhar mais um pouco logo chegaríamos no estábulo, e se prosseguíssemos chegaríamos na área de cultivo do palácio. Até onde sabia.

A propriedade real se estendia, uma vasta extensão de terra que parecia não ter fim. Era como se fosse uma fazenda majestosa. Havia jardins manicurados, lagos cristalinos e áreas de lazer luxuosas. Era cercada por uma floresta densa e verdejante, que servia como uma barreira natural de proteção ao palácio. As árvores altas e majestosas, com troncos grossos e galhos entrelaçados, criavam um túnel de sombra e silêncio.

No entanto, aquele não era o tipo de encontro perfeito uma vez que só estávamos caminhando "pelo meio do nada". Se ao menos tivesse a liberdade de conversar com o príncipe como bons amigos. Mas ele não parecia interessado em conversar comigo.

__ Só estamos andando. E se quer saber, minhas pernas doem, meus sapatos estão molhados e veja só a ponta do meu vestido, está suja. Não estamos fazendo nada de interessante. Só andando e ficando cada vez mais distante do palácio. Que tipo de encontro é esse?

Joshua parou na minha frente enfiou uma das mãos no bolso e balançou nas pontas dos pés, estendendo a outra mão para tudo ao seu redor

__ Você pode contemplar a vista! __ Sugeriu, esboçando um sorriso sarcástico.

__ Não quero admirar vista nenhuma, Josh! __ Me dei conta de que havia me referido a ele por apelido, arregalei os olhos e engoli em seco. Entretanto agora já era tarde, Josh já tivera saído dos meus lábios em um volume que pudesse ouvir perfeitamente.  O príncipe não deu a mínima.

Joshua inflou o peito, enchendo-os de ar, e erigiu suas costas, projetando uma postura confiante e assertiva.

__ Tudo bem, então, __ Joshua disse, sua voz baixa e conspiradora, enquanto olhava em volta, como se temesse que alguém estivesse escondido em algum lugar ou atrás das árvores, ouvindo nossa conversa. Ele se aproximou de mim, seu rosto próximo ao meu, e continuou:  __ Tenho uma proposta para você.

Seu olhar foi direto e intenso, como se estivesse desafiando-me a recusar. __ Estou disposto a lhe oferecer um valor significativo para que desista da seleção __ sua voz era firme e decidida.

Minha reação foi instantânea. __ Está me subornando? __ indaguei, minha voz elevando-se mais do que o desejado, surpresa e indignação misturadas em meu tom. Meus olhos se arregalaram, e minha boca se abriu em uma expressão de choque.

__ Veja bem Wendy. Isso é o melhor que você conseguirá de tudo isso. Com o valor no qual estou disposto a lhe oferecer você e sua mãe poderão viver confortavelmente bem por algum tempo. Talvez consigam encontrar uma casa maior. Ou melhor, com essa grana talvez você invista em uma boa universidade!

Fitei o rosto do príncipe por alguns instantes, processando aquelas informações. Não poderia dizer que a proposta era descartável, na verdade não era tão ruim. Me fez ficar pensativa e com vários "E se" na cabeça.

__ Por que faz tanta questão que eu saia do concurso?

__ Sei os motivos pelo qual está aqui __ Joshua disse, sua voz firme e segura, como se estivesse revelando uma verdade absoluta. __ Só quero lhe poupar de decepções __ continuou ele, sua voz tingida de uma certa dose de piedade __ No fim, você verá que não terá nem a mim e nem a coroa.

Seu olhar se encontrou com o meu, e nele vi uma convicção inabalável, como se ele já tivesse visto o futuro e soubesse exatamente como seria o final. Como se já tivesse escolhido alguém em pensamento. Alguém que não era eu. Seria Morgan Alvis? Os dois não faziam o menor esforço de serem discretos nas trocas de olhares durante as refeições. O pensamento me atravessou como uma faca, deixando-me com uma sensação de vazio e desapontamento.

__ Não precisa me dar uma resposta agora. Considere bem a minha proposta e me diga qual a sua decisão até amanhã.  Mas se eu fosse você ao menos considerava. Você é a única participante que terá a oportunidade de não sair da seleção de mãos vazias __ Dito isso, o príncipe se retirou voltando em direção ao palácio e me deixando ali no meio do campo verde, sozinha com as minhas reflexões.


__ Esse semblante cabisbaixo não realça a sua beleza. Não mesmo! __ A rainha Clair, se sentou na cadeira vaga ao meu lado, interrompendo os meus devaneios e me trazendo novamente a realidade. Ela estava com uma taça de iorgute e uma colher pequena na mão.

Haviam armado algumas tendas no jardim com mesas e cadeiras. Havia também uma mesa grande farta de biscoitos e roscas de vários tipos: amanteigados, de amendoim, canela, tortas e bebidas como chás, sucos, iogurtes e vitaminas. Além de frutas de todas as qualidades . A mesa estava muito convidativa visualmente, porém não estava com o menor apetite.

As outras selecionadas conversavam entre si. Não saberia dizer se tudo aquilo não se passava de uma encenação, fingimento ou se aos poucos estavam mesmo se tornando colegas.  Morgan estava em uma das mesas conversando com duas damas de companhia da rainha. Ela segurava a xícara graciosamente. Pelos gestos algo me dizia que estavam conversando algo sobre vestidos.

Já eu, decidi me sentar sozinha, debaixo de uma tenda onde não havia ninguém. Me sentiria mais em paz assim, até perdê-la quando Clair veio ao meu encontro.

__ Sabe, eu vou lhe dizer, estou gostando dessa ideia de ter várias jovens belas por todos os cantos do palácio. Me faz lembrar como era os meus dezoito anos __ A rainha comentou, levando uma colher de iorgute até a boca __ A propósito, nessa idade estava prestes a me casar com o príncipe Rubens Schreave.

Sinceramente, estava pouco interessada em saber sobre a juventude da rainha naquele momento. Mas acho que ela não se importava se eu estava prestando ou não a atenção, ela só queria continuar falando sem parar, enquanto observava todas as moças pelo jardim.

Me virei e a analisei por um momento. Ela usava maquiagem colorida, por exemplo naquela tarde estava usando uma sombra laranja nos olhos. E seus braços estavam cheios de pulseiras que se movimentavam e produziam um tinido irritante. Ela mexia bastante com as mãos enquanto falava. Na verdade a rainha Clair era um tanto inquieta. Lhe faltava um parafuso a menos, com certeza.

__ Pois é, o rei e a rainha não quiseram fazer uma seleção para o príncipe Rubens. A intenção era dar um fim nessa tradição em Illéa __ Continuou, falando, lambendo a colher dos dois lados sem muita ética __ O meu pai era primo do pai de Rubens. Eles decidiram que nós dois nos casaríamos. É, foi um casamento arranjado __ Enquanto falava, era como se as lembranças passassem diante dos seus olhos. Podia sentir sua nostalgia. E de repente começou a rir e balançar a cabeça __ Eu mesma não queria me casar com o príncipe Rubens. Não mesmo! Porque não tinha sentimentos por ele.

Nesse ponto, a história se tornou interessante e automaticamente me despertou a vontade de ouvir com um pouco mais de atenção.

__ Mas o coitado do príncipe suportou todas as vezes que o tratei mau, que o evitei, critiquei... Rubens, foi muito insistente ao tentar me conquistar. A sua insistência resultou no que temos hoje: um relacionamento de profundo respeito e uma amizade. Aos poucos comecei a enxergar nele, as coisas boas. Desde então, Rubens, tem me proporcionado uma vida feliz ao seu lado. Ele sempre me aceitou como eu sou, mesmo Illéa me julgando ser uma mulher louca. Ele se esforça todos os dias para que eu o ame.

Por algum motivo, esse lado da história tocou uma ferida que eu nem sabia que existia no meu coração. Meus olhos ficaram marejados, porém não queria chorar na frente da rainha de Illéa. Eu poderia estar criando cenários na cabeça, mas algo me dizia que a rainha Clair tinha um propósito ao vir me falar da sua história com o rei.

__ Algumas coisas levam tempo minha querida. Meu marido me ensinou que muitas coisas dependem de nós mesmo e da nossa persistência.




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Hello! Só gostaria de dizer que estarei postando capítulos com mais frequência. Se conseguir, um por dia. Pois estou muito ansiosa para concluir essa fanfic!

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