Capítulo 35 A lei do retorno
ESTE CAPÍTULO CONTÉM CENAS (BREVES) DE TENSÃO QUE PODEM SE TORNAR UM GATILHO.
A lei do retorno realmente chega. Nunca imaginei que um dia veria dona Eugênia, de joelhos e com o rosto inundado de lágrimas, me implorar por qualquer favor. E, quando aconteceu, não foi um motivo de comemoração, aquela visita despertou todos os sentimentos que eu havia tentando enterrar por meses. Mesmo não sendo a sua intenção, o resultado daquela discussão foi desastroso.
— Ela está voltando.
A voz de Rodolfo ressoava no fundo da minha mente, assim como a do meu pai.
— Você está me ouvindo, filha?
— Não quero olhar para ele! Não quero ver os olhos dele!
Eu gritava e me debatia, a imagem dele desfigurado estava ali me perturbando, me chamando, me assombrando.
— Cíntia, eu estou aqui. Vai ficar tudo bem, Cíntia! — Rodolfo me chamava tentando me acalmar, enquanto me imobilizava para evitar que eu me machucasse ainda mais. Apesar de ser uma medida necessária, isso só aumentou a minha agitação.
Na pressa, deixaram minha mãe para trás. Ela estava na colônia, entregando queijos, doces e geleias que havia feito. Como o caminho era em sentido contrário, não havia como voltar. Meu pai dirigia apressadamente, enquanto Rodolfo, no banco de trás, fazia o possível para me ajudar. A ambulância estava a caminho e nos encontrou quase na entrada da cidade. No entanto, foi preciso administrar um tranquilizante, pois eu estava em um surto de ansiedade difícil de controlar.
— Ela caiu da escada. A secretária ligou avisando, mas não conseguimos ser mais rápidos — meu pai explicava a alguém que não faço ideia, enquanto minha consciência oscilava entre a lucidez e a escuridão, como as imagens e sons que se desfaziam e retornavam ao meu redor.
Os olhos estavam pesados e o corpo ainda formigava, embora não tanto como antes. Eu queria desesperadamente me livrar daquela dor, esquecer tudo o que vivi, mas parecia que sempre haveria alguém para me fazer lembrar, e isso provocava em mim uma enxurrada de sentimentos que não conseguia lidar. Não sei por quanto tempo fiquei adormecida, mas quando acordei, encontrei Rodolfo sentado em uma cadeira ao lado da cama, cuidando de mim.
— Rô — chamei, tentando me levantar, mas não consegui. — Por que não sinto minhas pernas?
— A anestesia ainda não passou — ele respondeu, segurando minha mão.
— E a perna machucada, eu...
— Está tudo bem agora, não aconteceu nada sério com a perna machucada — disse ele, e não pude deixar de notar seu semblante abatido.
— Onde está meu pai?
— Foi até a capela fazer orações, mas pelo tempo já deve estar voltando. Fabiano está vindo com sua mãe.
— O que foi?
Notei que havia algo diferente em seu olhar, e conhecendo Rodolfo como eu conhecia, já imaginei que não era coisa boa.
— Por que minha mãe está vindo? Eu não vou embora hoje?
— Não, você precisa ficar de repouso. Fez um procedimento e só poderá sair amanhã.
— Que procedimento? O que está acontecendo, Rodolfo? — questionei, percebendo que evitava me olhar nos olhos. Ele quase nunca fazia isso.
— Você sabia que estava grávida?
— Eu, grávida? — a surpresa tomou conta de mim. — Isso é impossível! Eu tomo anticoncepcional contínuo, e...
— Estava grávida quando tomou a injeção — afirmou, para meu total desespero. — Por que não me disse que ia começar a tomar a injeção? Eu a teria alertado sobre a importância de fazer um exame. Poderíamos ter cuidado, e...
— Mas só não usamos camisinha uma vez. Não imaginei que... eu perdi, não é? Por isso está assim, eu estava grávida e perdi o bebê, é isso?
Ele respirou profundamente fechando os olhos, mas isso não impediu que uma lágrima escorresse pelo seu rosto, seguida por outras.
— Eu estava grávida, Rodolfo?
— Desculpe, eu não deveria ter falado nada. Sou um idiota, insensível — lamentou, limpando o rosto com a mão.
— Eu não quero que você me esconda nada, Rodolfo. Não combinamos de ser assim?
— Meu amor, o que mais desejo é que você esteja bem. Estou preocupado; toda essa situação me abalou profundamente e... Ah, Cíntia, eu não sou perfeito. Por favor, me perdoe.
— Não, eu é que preciso pedir desculpas. Isso tudo é culpa minha. Se eu tivesse ouvido você e tomado as devidas providências, talvez... Droga, será que esse pesadelo nunca vai acabar?
— Se dependesse de mim já teria acabado.
Rodolfo me abraçou em lágrimas, e eu não consegui me conter; acabei chorando juto com ele. Era evidente o quanto estava abatido, já vinha enfrentando tantos problemas, e agora mais essa pancada. Não sei de onde tirava tanta força para se manter em pé e ainda ser o meu ponto de equilíbrio. Nunca conversamos sobre seu desejo de ter filhos, mas vi o cuidado que ele tinha com Renatinho quando trocava fraldas, dava mamadeira, ou cantava para dormir; nunca deixou o menino desamparado, mesmo não tendo laços sanguíneos. E sobre mim? Eu não planejei ter um bebê, mas saber que aquela vida estava dentro de mim e o perdi, foi mais intensa do que pensava. O sentimento de culpa foi inevitável.
— Eu quero te dar um filho, mas dessa vez vamos planejar e cuidar para que tudo ocorra bem — falei enquanto acariciava sua cabeça, que repousava em meu peito.
— Eu só quero que você fique bem, não sei o que faria da minha vida se te perdesse. Eu te amo, Cíntia.
— Você disse... você...
— Eu te amo de verdade. Tenho um medo profundo de te perder — ele repetiu, fixando os olhos nos meus. — Você foi a mulher mais extraordinária que já passou pela minha vida.
— Eu também te amo muito, meu amor — confessei ganhando um abraço apertado, seguido de um beijo intenso.
Rodolfo sempre demonstrou seu amor em gestos, olhares, atitudes, mas aquela foi a primeira vez que assumiu em voz alta. Conversas anteriores revelaram sua resistência em se abrir assim para uma mulher; no passado, quando fez isso, acabou com o coração partido. Eu sentia um misto de felicidade e euforia, lágrimas brotando ao mesmo tempo que sorrisos, aquele frio na barriga, tudo ao mesmo tempo.
Se ele soubesse como desejei ouvir aquelas palavras, o quanto aquilo significava para mim... Como é possível amar tanto uma pessoa? Ele era o melhor presente que a vida me deu e, naquele momento difícil, segurava minha mão, oferecendo o consolo que eu tanto precisava. Mais do que nunca, tive certeza de que era o meu verdadeiro companheiro para a vida.
Não esperava receber tanto carinho, assim como não imaginava o impacto emocional que o aborto teria em mim. Estava com doze semanas de gestação de um menino, que tenho certeza de que seria muito amado por todos. Ao voltar para casa, meus pais me acolheram com todo o amor e apoio de que eu precisava. Busquei mais sessões de terapia e a dosagem do meu medicamento para depressão e ansiedade foi aumentada. Meus amigos foram incríveis, cuidando de mim de maneira carinhosa; posso dizer que fui muito mimada por eles. Rodolfo, em especial, destacou-se, pois agora podia dormir em meu quarto e não media esforços para me ver bem. Posso afirmar que tive sorte em tê-lo ao meu lado.
O advogado do Raul conseguiu um laudo que permitiu que aguardasse o julgamento em liberdade. Com isso, ele começou a retomar sua vida. A prótese o ajudou a se locomover com mais facilidade, e, em pouco tempo, ele já estava trabalhando em um escritório de contabilidade. Sempre foi excelente com números e parecia que finalmente estava toando um rumo positivo em sua vida. No entanto, não foi bem isso que aconteceu. Um ano após o acidente, sua prisão foi decretada, não em decorrência do julgamento do processo que movíamos, mas sim por ter sido flagrado esganando e empurrando Romana pela janela do sétimo andar do apartamento.
A defesa argumentou que o réu havia sofrido um surto psicótico, mas o juiz não aceitou essa justificativa, considerando-o um criminoso extremamente perigoso. A defesa tentou contornar a situação alegando que, após uma discussão conjugal, a mulher o agrediu ao não aceitar o término do relacionamento. Apesar das tentativas do réu, que enfrentava uma deficiência, ele não conseguiu impedi-la de se jogar. Eles estavam sozinhos, pois Raul havia expulsado sua mãe de casa em uma briga familiar; a relação dela com a nora nunca foi boa. Segundo os vizinhos do andar, que eram testemunhas do que acontecia no prédio, ele agredia a garota constantemente. Gritos e choros eram comuns, ecoando pelos corredores.
O homem com quem um dia planejei construir uma vida realmente se revelou abusivo e perigoso. Por sorte, não era minha foto nas páginas de crimes, nem naquelas matérias que ganharam repercussão nacional. E vocês acreditam que ele ainda teve a coragem de afirmar em uma entrevista que apenas amou uma vez na vida? Congelou meu sangue quando ouvi, especialmente quando disse que a perdeu prestes a subir no altar. Aquela declaração ainda me assombra, me dando pesadelos até hoje.
Não consigo compreender algumas mulheres que se submetem a humilhações por causa de homens. Mesmo após toda a repercussão em torno do caso de Raul, que envolve não só o meu processo, mas também o assassinato de Romana, ele ainda conseguiu conquistar uma namorada, que conheceu durante uma visita ao presídio. O que é ainda mais constrangedor é que Wendy protagonizou uma cena tumultuada na entrada, com direito a pancadaria. Para piorar, uma terceira mulher apareceu, afirmando que mantinha um relacionamento com ele há mais de dez anos e tinha um filho de seis anos.
Não consigo entender como ele conseguia tanto sucesso com as mulheres, já que, em relação a mim, ele deixou a desejar de várias maneiras. Meu receio era que, com aquele discurso de homem convertido, eles o libertassem por bom comportamento. No entanto, sua encenação não durou muito, e agora o homem religioso está jurado de morte. Talvez seja errado da minha parte desejar o mal, mas quando soube que estava envolvido em uma guerra de facções dentro da prisão, um desejo intenso tomou conta de mim: que colocassem um fim em sua vida. Apenas assim, talvez, eu pudesse encontrar a verdadeira paz.
Na fazenda tudo estava indo muito bem. As vendas superaram nossas expectativas, o que nos permitiu colocar todas as dívidas em dia. Além disso, conseguimos oferecer um aumento salarial aos funcionários e adquirimos uma nova frota de veículos, incluindo tratores, caminhonetes e caminhões para o transporte do gado. Finalmente, a prosperidade chegou, trazendo consigo a paz que tanto desejávamos.
— Amor, preciso falar com você — disse Rodolfo, se aproximando com uma pasta de papéis em mãos. Eu tentava me equilibrar em um salto alto que pretendia usar na festa mais tarde. — Você realmente vai ariscar usar esse salto? Não acho boa ideia.
— Me sinto em desvantagem perto de você — respondi, enquanto dava alguns passos com o salto de quinze centímetros na cor prata.
Parei em frente ao espelho que refletia nossos corpos, inteiros, e ele se aproximou com aquele sorriso travesso, abraçando-me pelas costas.
— Quando estamos na cama — sussurrou em meu ouvido —, o meu tamanho não faz diferença. Aliás, você adora.
Num movimento súbito, ele apertou meu quadril de modo com que nossos corpos se chocassem. Eu amava quando me abraçava daquela forma, e não perdia a chance de provocá-lo. O calor do nosso contato fazia com que ele emitisse sons que despertavam um lado em mim que só ele conseguia trazer à tona.
— Indecente — eu ri, deslizando a mão até sua nuca ao sentir seu toque provocante.
— Deliciosa — ele sorriu enterrando o nariz em meu pescoço. — Vai ser linda assim lá em Dubai.
— Em Dubai? Não, no Brasil, eu jamais moraria longe dos meus pais.
— Nem comigo?
— Passear, talvez. Mas morar, não. Eu amo meu país e estou muito bem aqui. Além disso, nem sei falar outra língua; essa vida não é para mim.
— Você sabe que minha vida se divide entre aqui e lá, não sabe?
— Sim, mas isso não significa que você precise morar tão longe. De jeito nenhum! E você está me desconcentrando. O que queria falar comigo? — afastei-me, recebendo um olhar manhoso.
— Precisava te entregar isso — ele disse, ajeitando a postura e alcançando a pasta que havia deixado sobre a cama.
— E o que tem aqui?
— Estou entregando a escritura da fazenda para sua verdadeira dona.
— O quê? Mas... como assim? — perguntei, abrindo a pasta rapidamente e examinando os documentos. — Quando foi que eu assinei isso? Rodolfo, o que você fez?
— Eu sabia que você não ia querer assinar antes de me pagar, então pedi à Maria que colocasse entre alguns papéis aleatórios. E antes que você venha me repreender, dona onça, eu ia te contar no mesmo dia, mas aconteceu aquele imprevisto com a dona Eugênia...
— Os documentos que ela me entregou pouco antes da chegada da dona Eugênia — percebi, incrédula. — Não posso acreditar que você fez isso!
— Este seria o seu presente de aniversário adiantado, mas como a orgulhosa me proibiu de fazê-lo, tive que me virar para conseguir sua assinatura.
— Você trapaceou! Eu disse que ia pagar e ainda falta mais da metade, é muito dinheiro.
— Aceito o pagamento, mas prepare-se, porque não quero em dinheiro — Rodolfo piscou de um jeito travesso antes de sair do quarto.
Folheava aqueles documentos, banhada em lágrimas. A fazenda significava tudo para mim e para todos que ali haviam vivido por tantos anos. Era uma vida de trabalho e dedicação que nos proporcionou uma infinidade de histórias. Minha dívida com Rodolfo transcende a gratidão; ele mudou o curso da minha vida e me salvou de todas as formas possíveis. Sem dúvida, ele é o meu melhor presente, um ser humano extraordinário, digno de um romance eternizado nas páginas de um livro.
— O seu terno está sobre a cama — falei ao homem da minha vida, que saía do banho. Eu estava de roupão, terminando a maquiagem em frente ao espelho. Ele estava apenas com uma toalha enrolada na cintura, enquanto gotas de água deslizavam pelo seu tórax, capturando minha atenção. Era impressionante como meu corpo reagia instantaneamente sempre que presenciava aquela cena; e eu podia ver o brilho de satisfação em seus olhos ao perceber o efeito que causava em mim.
— Uau, que gata! — Rodolfo assobiou ao se aproximar.
— Estou usando aquela renda vermelha que você me deu — sorri, deixando meu olhar percorrer seu corpo descaradamente.
— Sério?
— Sim — com um gesto ousado, soltei o laço que prendia a peça, que caiu no chão. Agora, eu estava de salto alto, cinta liga e fio dental, diante dele.
— Ai, papai — ele mordeu o lábio inferior, um sorriso travesso se formou em seu rosto. — Desse jeito, vamos ser os últimos a chegar para a cerimônia.
— Os noivos esperam; eles não podem se casar sem os padrinhos — respondi, soltando sua toalha, que já revelava a evidência do seu desejo.
— Ah, menina, eu sempre soube que você era minha perdição — murmurou me suspendendo em seu colo.
Não foi a primeira vez que ele me amou com tanta força em cima de um móvel, mas foi a primeira que desabamos com ele fazendo com que meus pais ouvissem, eu tinha o dom de ser pega em flagrante nos momentos mais impróprios, era incrível.
— Filha, está tudo bem? — perguntou minha mãe. — Que barulho foi esse?
— Tá tudo bem, mãe, eu esbarrei na escrivaninha e ela quebrou, mas o Rodolfo me segurou, não se preocupe.
— Safada — disse ele, agora terminado o serviço em pé já que eu não podia desmanchar o cabelo que paguei caro para fazer.
— Que perigo, cuidado se machucar.
— Estou cuidando muito bem dela, sogra — ele sussurrou em meu ouvido, antes de me fazer virar de modo que espalmasse a mão na parede. — Não estou?
— Muito — concordei ofegante.
— Retiro o que disse sobre o salto, ele deu muito certo, golpe baixo.
— Eu tenho uma fazenda para terminar de pagar — respondi, ganhando um apertão que me levou ao caminho das estrelas.
Quando finalmente chegamos à colônia, o ambiente destinado à cerimônia estava repleto de pessoas. Bancos foram organizados em filas dos dois lados, sob uma tenda próxima à lagoa, ao lado do salão que receberia o jantar seguido do baile. O sol se aproximava do horizonte, criando um belo contraste com as flores que foram cuidadosamente dispostas em colunas por todos os cantos. Um corredor adornado com arranjos de rosas brancas e salmão, se estendia desde os arbustos até o altar, onde havia um arco, também repleto de flores, esperando para ser o cenário de um momento especial.
O noivo, nervoso e sorridente, se abanava enquanto ria das brincadeiras dos amigos. Os convidados, em um ambiente acolhedor, murmuravam entre si em um tom descontraído. Por um breve instante, imaginei como seria viver o meu próprio dia de noiva: vestir um deslumbrante vestido branco e caminhar por aquele corredor, onde diria meu "sim" ao início de uma nova jornada..
Rodolfo nunca expressou o desejo de celebrar um casamento religioso, mas, em diversas ocasiões, manifestou vontade de formalizar nossa união no civil, e eu sempre desviava a conversa. Após tudo o que ocorreu, parecia que aquele sonho havia se despedaçado. A palavra "casamento", que antes me fazia suspirar, agora me provocava um frio na barriga.
— O que foi? — perguntei ao vê-lo se aproximar no altar. Mas antes que pudesse responder, fiquei surpresa ao ver Rafael surgindo de trás dos arbustos, acompanhado de sua mãe ao som da marcha nupcial. — Ela veio! — exclamei, cobrindo a boca com a mão ao perceber os murmúrios que se espalhavam pelo salão.
Rafa vestia um elegante terno lilás, sua cor favorita, complementado por uma gravata branca. Para Otávio, escolher o traje foi uma verdadeira batalha; ele sempre cedia aos apelos do amado e, dessa vez, optou por um terno branco, que combinava perfeitamente com a gravata lilás de Rafa. Seus pais o acompanharam até o altar em uma cena profundamente emocionante; vê-lo caminhar, ainda que com apoio, era uma grande conquista. Como Otávio ainda não conseguia permanecer muito tempo em pé, foram colocadas duas cadeiras para os noivos, garantindo que eles ficassem confortáveis durante toda a cerimônia.
Eles optaram por formalizar a união estável por meio de um contrato, e o juiz de paz se deslocou até a fazenda para conduzir a cerimônia. Embora o evento fosse íntimo, reuniu cerca de cento e cinquenta convidados, incluindo vários peões de montaria e tropeiros que costumavam competir ao lado de Otávio nos rodeios. Embora alguns peões não tenham comparecido, essa reação conservadora já era esperada por parte de alguns deles. Aqueles que marcaram presença trouxeram suas famílias, demonstrando assim seu apoio ao amigo.
— Quem diria que meu irmão se casaria — murmurou Rodolfo murmurou, com os olhos marejados. — Queria que meu pai estivesse aqui.
— Talvez ele esteja de alguma forma — respondi, esboçando um sorriso, enquanto acariciava sua mão. — Não sabemos o que acontece do outro lado.
— Quem sabe... — Rodolfo deixou escapar um suspiro profundo, perdido em pensamentos.
Rafael, em meio a lágrimas, segurava o buquê com firmeza, enquanto sua mãe, radiante de orgulho, caminhava ao seu lado. Ela exibia uma elegância inegável, vestida em um deslumbrante vestido azul de veludo que realçava suas curvas. Parecia que a boa forma era uma herança familiar.
— Otávio! — exclamou tia Tereza, tentando segurar o filho, que se levantou e deu alguns passos à frente. No entanto, tio Joaquim a impediu, balançando a cabeça em sinal negativo.
Eu não sabia se ria ou chorava enquanto trocava olhares com Manu diante daquela cena. Ela estava de braços dados com Fabiano, que tentava se mostrar forte, mas acabou desmoronando como os outros ao nosso redor. Otávio avançava com passos hesitantes, mas não se deixava abater; seu objetivo era chegar até Rafael, que, pelo que parecia, também fora pego de surpresa. Era evidente que aquele pequeno percurso representava seu maior desafio até então, mas todos nós sabíamos que era apenas o começo de uma longa jornada. O Ferrugem, determinado a superar obstáculos, estava de volta.
— Que coisa mais linda — sequei as lágrimas com a ponta do dedo, apoiando a cabeça no ombro de Rodolfo.
Agora, sua mãe se unia a nós para que o casal de pombinhos pudesse dar continuidade à cerimônia, que, aliás, ainda me emocionou profundamente, fazendo com que várias lágrimas escorressem pelo meu rosto. Com muitos aplausos e uma chuva de arroz, Rafael deixou o salão de braços dados com Otávio, que agora exibia um sorriso radiante, de orelha a orelha.
▬☼▬
Antes do jantar, os noivos realizaram uma encantadora sessão de fotos no jardim, e em seguida, fizeram uma entrada triunfal que marcou o início de uma festa que prometia se estender até o amanhecer. Dona Clô conquistou rapidamente o carinho das mulheres da fazenda, o que me surpreendeu. Nunca imaginei que a dama de aço se misturaria de tal forma com pessoas tão humildes. Aparentemente, ela realmente aposentou seu lado megera e resgatou a mulher que Rodolfo sempre dizia que era. Veio acompanhada de um homem chamado Mustafá, e para nossa surpresa, mais tarde descobrimos que ele seria seu futuro marido. É, meu povo, é verdade: o amor tem realmente o poder de transformar as pessoas.
— Gostaria de propor um brinde, não apenas aos noivos, mas também à vida. É um momento de celebração, e aproveito para expressar minha imensa felicidade por vocês, meus filhos. Reconheço que não fui a mãe exemplar que desejava ser; peço perdão por não ter percebido o quanto minhas atitudes os afetavam. Hoje, compreendo isso e prometo que vou me esforçar para ser uma pessoa melhor. Nada neste mundo, nem ouro, nem petróleo, tampouco fortuna, se compara ao valor que vocês têm para mim. Saber que estão felizes é, de longe, o meu maior presente. — Ela sorriu, enxugando uma lágrima que escorria pelo seu rosto com a ponta do dedo. — Rafael, estou extremamente orgulhosa do homem que você se tornou. Vi você superar muitas barreiras e sei que ainda enfrentará muitos desafios pela frente, mas tenho certeza de que sua força e determinação sempre o guiarão. Você é incrível, meu filho.
— Te amo, mãe — Rafael, sorriu com lágrimas nos olhos.
— Rodolfo, meu primogênito, você é um exemplo de homem, um companheiro leal, um amigo verdadeiro e um filho maravilhoso que merece cada gota de felicidade que está vivendo.
— Eu também te amo, dona Clô — respondeu Rodolfo, levantando a taça com um sorriso genuíno.
— Otávio, embora não tenhamos tido a oportunidade de conviver muito, quero que saiba que te recebo de braços abertos. Sou uma mãe um tanto ciumenta, a megera da história, não é, Cíntia? — todos riram, e eu senti meu rosto esquentar. — Mas quero que saibam que estou aqui para tudo o que precisarem. Vocês agora são minha família, e é com imensa alegria que os abençoo. Bem-vindos à família Abdalla! — disse ela, erguendo a taça. — Que, a partir de hoje, não haja espaço para tristezas ou decepções, mas somente para alegrias. Um brinde ao amor!
— Um brinde ao amor!
Em um uníssono, todos levantaram suas taças.
A festa seguiu conforme o esperado, e a valsa ficou por conta de mãe e filho, já que o noivo não poderia se arriscar na dança. Dona Clô, no entanto, provou que, além de elegante, dançava muito bem. Fabiano e Manu arrastaram Rodolfo e eu para a pista de dança, e, apesar de começar com salto alto, acabei me divertindo descalça, o que importava era aproveitar o momento. Por falar em Fabiano, ele teve uma crise de ciúmes ao ver Emanuelle conversando com Luan. Desde o término do namoro, Luan havia decidido se afastar da fazenda, mas Emanuelle se impôs, fazendo-o recuar. Engana-se quem pensa que Manu aceitaria tudo em um relacionamento. Ela colocou o peão mulherengo nos eixos: não havia mais festas com os amigos da faculdade nem saídas para barzinhos nos fins de semana. Ele, de fato, foi "domesticado".
— Saudade da minha amiga animada, que dançava comigo nas festas — disse Emanuelle, se sentando ao meu lado.
— Estou descansando as pernas, acho que enferrujei, a coluna já não é mais a mesma — respondi.
— Sem concorrência — disse Otávio, se juntando a nós. — Travado aqui já basta, eu.
Os convidados dançavam animadamente no salão, ao som envolvente da banda contratada por Rafael. No entanto, minha atenção estava fixada em uma mesa em um canto mais afastado, onde Rafa, Rodolfo e sua mãe estavam imersos em uma conversa, acompanhados de Mustafá. Dona Clô gesticulava com entusiasmo, enquanto Rodolfo mantinha um semblante sério que me deixava inquieta. Meu maior medo era que ela voltasse a interferir em nossas vidas; embora tivesse demonstrado disposição para mudar, o receio era inevitável.
— Para onde ele está indo? — perguntou Emanuelle, enquanto Rodolfo se levantava e passava direto pela minha mesa, em direção à banda que havia interrompido a música.
— Preciso da atenção de vocês por um momento — anunciou ele, com a voz firme.
Meu coração disparou ao notar que os olhares se alternavam entre mim e ele, enquanto um murmúrio se espalhava pela sala.
— Gostaria de expressar minha profunda gratidão a todos pela presença e pelo acolhimento tão caloroso que recebi, tanto eu quanto minha família. Desde o momento em que pisei nesta fazenda, fui recebido com gentileza e respeito, e foi uma experiência gratificante conhecer a rotina de cada um de vocês. No entanto, hoje encerro este ciclo, pois, como filho primogênito, é meu dever assumir as responsabilidades relacionadas aos negócios da família.
— Ele vai embora? — perguntou Emanuelle, com um olhar tão surpreso quanto o meu.
— Eu não sei — respondi aflita.
— Quando meu pai adoeceu, a liderança da família recaiu automaticamente sobre mim, juntamente com todas as responsabilidades. Contudo, fiz a escolha de permanecer ao seu lado, cuidando dele até que cumprisse sua jornada. Foi assim que esta mulher guerreira se transformou na Dama de Aço, enfrentando todos os obstáculos que surgiram em seu caminho e conquistando seu espaço. Agora, ela está prestes a se casar e iniciar um novo capítulo em sua vida, e eu sei que é o momento de assumir meu lugar legítimo.
— O que isso significa? — perguntou Otávio, mas não respondi, eu realmente não fazia ideia.
— Hoje de manhã, entreguei a escritura da fazenda àquela jovem bonita que está ali. Ela e sua família sempre estiveram à frente de todas as iniciativas, e continuarão contando com o apoio de cada um de vocês que contribui para o bom funcionamento de tudo. O grupo Abdalla seguirá acompanhando a empresa e garantindo os contratos de exportação. Agradeço a colaboração de todos e desejo muito sucesso a cada um de vocês.
— Ele está se despedindo — Manu apertou minha mão, que suava frio.
— É o que está parecendo — Otávio apertou a outra.
— Antes de encerrar, gostaria de compartilhar que não esperava viver tudo o que tenho experienciado nos últimos tempos. Minha vida costumava ser uma montanha-russa, repleta de altos e baixos, mas desde que aceitei ajudar aquela maluquinha com seu desafio, tudo virou de cabeça para baixo. A princípio, eu a considerava um verdadeiro desastre e planejei atividades radicais, pensando que ela não aceitaria. Para minha surpresa, ela topou! Todos os dias eram repletos de situações inusitadas, e em cada uma delas eu acabava me envolvendo. Meus amigos até fizeram uma aposta para adivinhar em quanto tempo eu assumiria um compromisso, depois de ter afirmado que queria me distanciar de um. Se fosse contar tudo, ficaria aqui a noite toda, mas sei que vocês querem se divertir. Portanto, só posso dizer que foi maravilhoso ter vivido esse tempo ao seu lado. Você me fez sentir como um novo homem, e por isso, sou imensamente grato.
— Você vai me deixar? — perguntei com a voz embargada.
— Cíntia, eu não tenho escolha. Preciso assumir minhas responsabilidades e honrar meus compromissos. O Rafael vai me apoiar aqui no Brasil, mas até que tudo se resolva, preciso ficar em Dubai. Isso pode levar de dois a três anos.
— Não faz isso comigo, Rodolfo — murmurei, enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto, lembrando-me da conversa que tivemos mais cedo, quando afirmei que não iria morar fora do país.
— Eu entendo o quanto estar aqui é significativo para você, e não posso ignorar os seus desejos; sempre soubemos que chegaríamos a este ponto. Em algum momento, decisões difíceis teriam que ser tomadas — disse ele, aproximando-se. — Você é minha metade, a mulher que fez de mim, um homem melhor em todos os sentidos. Acredito firmemente que nada acontece por acaso. Te encontrei exatamente quando mais precisava de companhia, quando buscava um motivo para voltar a sorrir. Você trouxe um brilho especial aos meus dias sombrios, e tudo se encaixou de maneira tão perfeita que é impossível não crer que isso estava escrito nas estrelas, que você era destinada a ser minha.
— Você é tudo para mim, Rodolfo — minha voz trêmula falhava diante de tanta emoção.
— Eu aprendi a amar novamente, e você foi a minha professora. Seu nome agora está gravado na essência da minha existência. Menina mulher, cheia de nuances, intensa e insegura, com uma inocência que se entrelaça com a ousadia. Você representa muitas mulheres que amam, se entregam, sofrem, mas que também lutam, se lançam e vivem de forma plena. Você é, sem dúvida, a mulher mais extraordinária que cruzou meu caminho. Quero te mimar todos os dias e, se permitir, desejo te amar todas as noites, oferecendo motivos para que me deixe fazer parte da sua vida. Nos conhecemos através de um desafio, e agora é a minha vez de desafiar. Não basta que seja a dona do meu coração; eu preciso de você na minha vida. Então, aqui estou: tenho trinta dias para convencê-la a se casar comigo.
Alguém gravou e fez o favor de postar o vídeo na internet, e lá estávamos nós, famosos outra vez...
FIM...
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