Capítulo 29 Réu primário

Eu e Otávio trocamos olhares de surpresa, de todas as coisas improváveis que aconteceram, a ideia de Emanuelle e Fabiano aos beijos, era a que jamais passaria pela minha cabeça. E pela expressão do ruivo à minha frente, na dele também não.

— Nossa parece até que cometi um crime — Manu foi logo se defendendo.

— Você e o Fabiano? — perguntou Otávio.

— Um beijo assim do nada? — perguntei descrente.

— Não foi do nada, eu precisava melhorar da bebida para entrar em casa, então ficamos conversando no carro. E antes que pensem que ele se aproveitou da situação, já deixo claro que isso não aconteceu. Eu o beijei, tomei a iniciativa, já tinha melhorado e sabia muito bem o que fazia.

— Se esqueceu de que tinha namorado, Emanuelle? — perguntou Otávio.

— Não, mas queria saber como era beijar um homem experiente — ela explicou. — Estava chateada com o Luan, e isso me deu coragem para fazer, então eu fiz. O Fabiano está com medo de pensarem que se aproveitou da situação, mas é sério, eu quis aquele beijo, ele até me afastou, mas depois acabou cedendo. E quer saber, foi muito bom, pronto, falei.

— Eu não disse nada — levantei as mãos em sinal de rendição.

— Eu também não — Otávio repetiu meu gesto.

— Ah, qual é? Vocês nunca beijaram outra boca em um momento de desilusão patrocinado pelo álcool?

— Eu só falo na presença do meu advogado — Ferrugem sorriu divertido.

— Manu, você era a amiga certinha, quem vai me puxar as orelhas agora?

— Nada mudou, foi só uma ficada acidental — ela cruzou os braços de cenho franzido. — E você, Ferrugem, olha pra frente e dirige.

— Ok, cunhadinha — Otávio provocou, levando um tapa na cabeça.

— Engraçadinho, pensa que não te vi beijando o Rafael lá na casa da Cíntia?

A afirmação de Emanuelle nos fez trocar olhares por alguns instantes.

— Você estava bêbada, e lembranças de bêbados não são confiáveis — Ferrugem esboçou um sorriso ladino.

— Eu sei muito bem o que vi, e o Rafa dá de dez a zero em muitas meninas que você já pegou aí pelos rodeios da vida.

— Ela foi abduzida — Otávio me olhou com as sobrancelhas elevadas.

— Vou jogar aquela vodca fora assim que chegar em casa — eu ri. — Ela atacou o seu irmão, ela, a nossa Manuzinha do coral da igreja — sussurrei para Otávio que balançou a cabeça tentando segurar o riso.

— Não tem santo dentro desse carro, os três aqui foram vítimas de um beijo não planejado, então não me julguem.

— Não estamos julgando, você é que está aí se explicando sem parar — dei de ombros. — Ela beijou o Fabiano — sussurrei novamente, soltando uma risada nasal.

— Fabiano está solteiro, caiu na rede é peixe — disse o irmão.

— Só que esse peixe aí do banco de trás é cria de tubarão, ele que fique esperto.

— Eu ouvi, tá, Cíntia — Manu resmungou me fazendo rir.

Seguimos nossa viagem, Otávio ajustou o volume da música que tocava enquanto dirigia pensativo. Emanuelle desabou no banco tapando o rosto com os braços, e eu, fechei os olhos tentando não surtar ainda mais, a imagem daquelas malas não saíam da minha mente. Ele ia embora, estava tão ferido que desistiu de nós, e eu sequer consegui ter uma última conversa para tentar consertar as coisas, se é que ainda dava tempo. Literalmente estava à espera de um milagre, só não tinha certeza se o merecia.

— Droga!

— O que foi? — perguntei assustada, ao perceber que paramos na lateral da estrada.

— O pneu furou — ele bufou impaciente. — Não é possível, troquei essa semana, só pode ser praga um trem desse.

— E agora? — Emanuelle se manifestou com cara de sono.

— Vou ter que tentar trocar.

— E esse gesso? — perguntei.

— As costelas? — perguntou Manu ao mesmo tempo.

— Tenho que dar um jeito.

— Eu troco — me ofereci.

— Você? — Ferrugem sorriu.

— Ué, uma mulher não pode trocar um pneu?

— Já fez isso antes, Cíntia? — ele cruzou os braços à minha frente, me olhando divertido.

— Trocar pneu furado, nunca, mas já furei dois — rimos juntos ao lembrar de quando, por vingança, furamos os pneus do carro de um senhor que comprou um bezerro que perdeu a mãe e criamos na mamadeira. Sabíamos que se furasse só um ele teria o estepe para trocar, então traçamos o plano perfeito. O problema é que, eu, Manu e Otávio fomos descobertos e acabamos levando umas palmadas e ficando de castigo.

— Essa arte me rendeu uma surra de varinha de marmelo — disse Emanuelle com uma careta.

— Eu fiquei enrolando para entrar em casa pensando que o pai ia esquecer, mas a mãe me chamou para tomar banho e o couro comeu no banheiro — ele balançou a cabeça em meio aquela crise de risos. — Levei uma coça, fiquei de castigo, mas continuei aprontando. Apesar de tudo, bons tempos.

— Verdade — concordei.

— Fomos felizes, né? — Manu debruçou entre os dois bancos com um sorriso travesso.

— Sim, muito — falei saudosa.

— Ficamos adultos e continuamos aprontando, olha onde estamos — Otávio gesticulou abrindo a porta do carro.

— Nunca é tarde para acrescentar lembranças boas — arregacei as mangas fazendo pose. — Onde está o estepe?

Otávio apertou um botão e o porta-malas se abriu.

— Eu ajudo — disse ele com um olhar pouco confiante.

— Relaxa, Ferrugem, a gente se vira — falei entregando a chave de roda para Manu, antes de pegar o estepe nos braços, não sabia que aquele trem era tão pesado.

— Vou colocar uns galhos na estrada, aqui passa muito caminhão e eles vêm no embalo na descida — avisou o ruivo.

— Aaai!

O grito de Emanuelle me fez estremecer.

— O que foi? — Otávio veio correndo.

— Tem uma cobra ali dentro!

— Onde?

— Ali — ela apontou afoita para dentro do porta-malas.

— Cuidado, pode ser venenosa — falei enquanto me escondia atrás do peão.

Otávio franziu o cenho e nos encarou suspendendo uma corda em sua mão.

— Eu pensei que era — justificou envergonhada.

— Cadê o estepe? — ele perguntou olhando à nossa volta.

— Ele rodou pra lá — apontei para o pasto à nossa frente.

— Como conseguiu essa façanha?

O jovem levou as mãos até a cabeça olhando para o terreno em declive onde havia uma pequena quantidade de vacas nelores, pastando. O pneu sabe-se lá como, atravessou a cerca e agora repousava entre as mimosas que pastavam aleatórias ao lado de seus filhinhos, branquinhos como a neve. Olhando de longe até pareciam inofensivas.

— Ué, Ferrugem, está com medo de enfrentar as mamães? — perguntei.

— Me respeita, garota, aqui é peão raiz.

— Então simbora buscar o pneu? — sugeri.

— Como nos velhos tempos? — Ele me olhou divertido.

— Eu topo! — Emanuelle se juntou a nós.

— Eu pego o estepe, e vocês distraem as bichinhas — afirmei após analisar o desafio.

Fuçar onde não devia e ter que correr de gado, era uma travessura leve se comparado a tudo o que aprontamos nos tempos da adolescência. Tínhamos tempo, saúde, energia, espaço e nenhum juízo, não é atoa que toda semana tinha um, ou esfolado, ou de castigo.

— Cuidado aí — disse ele quando atravessamos a cerca.

Não demorou a sermos notados pelas donas do pedaço, sabíamos que não seria fácil, mas valia a diversão. Me senti naqueles filmes de ficção científica onde a tropa de elite chega imponente caminhando lado a lado em câmera lenta rumo ao desafio de salvar a humanidade do asteroide que vem em direção a terra. Mas foi só na hora de ir, porque na hora de voltar, foi meio que no estilo todo mundo em pânico.

— Aow! — Otávio assoviou e fez uns chamados balançando os braços quando a primeira nelore veio bufando em nossa direção.

Eu corri pegar o estepe e comecei a rolar terreno acima, mas fui encurralada por outra.

— Aow, Wendy! — gritou Manu abanando as mãos no ar, me fazendo rir.

Otávio veio ao nosso auxílio e a chamou para o outro lado, ele balançava os braços e corria, ninguém é besta de ficar esperando, aí eu rolava o pneu como podia tentando chegar o mais próximo possível da cerca. Manu tentou me ajudar, mas a vaca mais brava com chifres avantajados mudou o rumo e veio bufando para cima de nós. Foi uma correria danada, larga pneu, socorre o amigo, pega pneu, foge do chifre, grita a mãe, já não tinha mais fôlego quando ouvi a palavra mágica.

— Corre!

Agora as amigas da vaquinha raivosa resolveram se juntar a ela e foi uma correria que só. Eu saí catando cavaco, mas sou guerreira, levei o estepe comigo, Manu trombou com Otávio derrubando o peão, tive que soltar o pneu e levantar a garota, deu nem tempo de ver a minha vida passando diante dos olhos. Quando finalmente atravessei a cerca desabei sentada no barranco tentando respirar, parar de rir e segurar a urina, por pouco não molho as calças.

— Baixou a crossfiteira — disse Otávio, me imitando, antes de se sentar ao meu lado no barranco. Eu corri, gritei, caí, levantei, mas o estepe veio comigo.

— Vai me fazer urinar na calça, infeliz — cruzei as pernas aos risos.

— Também estou apertada — disse Emanuelle, tirando carrapichos da perna de sua calça.

— Tem uma moita ali — Otávio apontou para uns arbustos à beira da estrada. — Podem ir, eu aviso se vier alguém.

— Não espia hein! — Emanuelle terminou de tirar os espinhos da calça e foi em direção aos arbustos. — Cuida aí, não quero que minha bunda fique famosa igual a da Cíntia.

— Ué, Cíntia, que novidade é essa? — Otávio perguntou, me entregando um rolo de papel higiênico que apanhou no porta-luvas.

— É uma longa história — falei indo em direção a moita.

— Já perdi as contas de quantas vezes tive que ficar cuidando enquanto vocês iam fazer xixi — disse ele movimentando o macaco com o pé. — Inventavam de ir atrás dos garotos para caçar passarinhos e sobrava para mim cuidar das bonecas, desenrolar cabelos da cerca de arame farpado, ajudar a pular o brejo. Nunca me deram nem uma massagem nas costas como pagamento, duas ingratas.

— Não reclama, você teve o privilégio de viver muitas aventuras com a gente — falei ajeitando minha roupa.

— Verdade, poderíamos escrever um livro juntos.

— Quem sabe um dia — concordei, literalmente saindo da moita.

— Ah, não, meu tênis está cheio de micuim — disse Emanuelle, batendo em seu calçado.

— Ah, não rainha dos carrapatos, você não vai entrar no meu carro assim.

— Tenta me fazer voltar andando que você apanha — ela mostrou a língua ao peão que devolveu o gesto.

— Tenho um chinelo aqui, coloque o tênis na sacola e amarre bem.

— Está com medo das suas peguetes pegar carrapato no traseiro? — ela perguntou tirando o calçado.

— Não tenho nenhuma peguete, e meu carro não é motel.

— Ah, Ferrugem, vai dizer que nunca...

— Manu! — eu ri. — Gente, o que aconteceu com essa menina?

— Desandou faz horas — Otávio riu anasalado.

— Teu focinho! — Emanuelle jogou o tênis infestado no rapaz que desviou.

— Eu já passei da fase de pegar garotas no banco do carro a muito tempo — ele afirmou jogando a sacolinha com o tênis no porta malas.

— Então quer dizer que costumava dar umas namoradas no carro, Ferrugem?

Agora foi a minha vez de provocá-lo.

— Quem nunca fez, não sabe o que está perdendo — ele soltou uma risada nasal. — Vamos trocar o pneu porque daqui a pouco colocam o conselho tutelar atrás de mim.

— Vá se ferrar, pé grande, tem menor de idade aqui não! — Manu fez uma careta colocando o chinelo tamanho quarenta e três no pé trinta e quatro dela.

— Como dizem por aí, é boi sonso que pula a cerca. O tio Justino trazia essa aí no cabresto, foi só afrouxar e olha no que deu — ele bagunçou o cabelo de Emanuelle e correu fazendo com que a garota o perseguisse.

— Se o conselho considerar idade mental, estamos ferrados — murmurei observando aquela cena.

Passamos tanto tempo juntos naquela fazenda que criamos um laço de afeto muito grande, que nada, nem ninguém poderia quebrar. Eles eram meus amigos, ao lado deles vivi os melhores anos da minha juventude, risos, lágrimas, cumplicidade. Feliz daquele que consegue viver momentos assim, que acumula lembranças boas, que sabe que apesar das correrias da vida, eles sempre estarão lá. Podemos até trilhar caminhos diferentes, mas a cada encontro, é como se o tempo nunca tivesse passado.

Em meio a risos e brincadeiras, conseguimos trocar o pneu e pudemos seguir nosso destino ainda naquela sessão de nostalgia, que enchia meus olhos de lágrimas. Mas essas eram de saudade.

— Estranho, não é? — o tom de voz do Otávio se tornou melancólico de repente. — Sinto um clima de despedida no ar.

— Vira essa boca pra lá, eu hein! — Emanuelle o repreendeu. Eu não quis admitir, mas confesso que senti o mesmo.

Eu saí daquela fazenda aos prantos, mas o trajeto foi tão descontraído ao lado deles, que nem vi o tempo passar. Nas correrias da vida a gente cresce, acumula responsabilidades e coisas simples como passar um tempo com os amigos se tornam raras. Eu mesma nem me lembrava muito dessa nossa amizade, ali era como se a vida tivesse me dado o privilégio de reviver algumas coisas que foram ficando para trás. É bom ter amigos, e melhor ainda, é ter amigos que topam as nossas loucuras, o tempo passou tão rápido que quando dei por mim, já estávamos nas ruas da cidade.

▬☼▬

Entrar naquela igreja me trouxe um sentimento estranho, me lembrei de que seria ali o meu casamento, assim como foi ali que entrei logo que retornei para cidade com a vida completamente bagunçada. Me ajoelhei na primeira fileira de bancos ao lado de Manu, Otávio ficou na ponta. Fiz minhas orações pedindo proteção para a minha família, amigos e até mesmo ao Raul que se encontrava em um momento de total descontrole. Pedi uma resposta, precisava muito disso naquele momento, e sempre acreditei que quando se pede com fé, o auxílio vem.

— Bom dia — disse o padre se aproximando.

— A sua benção padre.

Ele me abençoou, então voltou seu olhar para Otávio e Manu, fazendo o mesmo com eles. Não sei o que se passou pela cabeça do homem de batina, que nos olhava confuso. Estávamos sujos de poeira, graxa, havia carrapicho na roupa, estrume de vaca, a Manu calçava um chinelo gigante e tinha até grama seca no cabelo, só ali que fui perceber. Não duvido se não tinha no meu também.

— A missa é às dez, vieram se confessar? — ele perguntou com aquela voz calma e suave.

— Na verdade, eu queria conversar um pouco — falei ganhando sua atenção.

— Vamos ali na sacristia que é melhor — respondeu com um gesto para que o seguisse.

— Vocês vêm? — perguntei aos amigos.

— Vou te aguardar aqui — Otávio respondeu, ajeitando sua postura. Emanuelle apenas acenou negativamente com a cabeça.

O padre já havia conversado com meus pais, com o Raul, a sua família, só não conhecia a minha versão, e essa o deixou visivelmente surpreso.

— Mas como você se sente em relação a tudo isso?

— Me sinto perdida, pressionada — respirei profundamente encarando uma imagem de gesso quase do meu tamanho, que ficava no canto da sala. Além dela, só havia uma estante cheia de livros e a escrivaninha onde o homem calvo com alguns fios de cabelos negros se destacando em meio a sua cabeça branca me encarava reflexivo.

— Pelo que me contou, ele nunca te agrediu, nem demonstrou um comportamento agressivo, certo?

— Sim, ele sequer levantava a voz para mim. O Raul nem sabe discutir, quando acontecia algum desentendimento, eu falava e ele ficava quieto, me encarando. Me sentia irritada, era como brigar sozinha.

— Sobre seu comportamento na festa de peão, eu jamais apoiaria agressão, que fique bem claro. Mas você lhe deu um tapa no rosto em um local público, não só na frente da namorada dele, como dos seus amigos. Os fins não justificam os meios, ele errou em te desrespeitar, mas você o humilhou. Eu repito, não justifica ele levantar a mão para você, mas pode sim ter perdido a cabeça e se arrependido depois.

— Eu prometi ao meu pai que procuraria a justiça.

— Sei que veio buscar respostas, mas tenho umas perguntas a fazer. Posso?

— Por favor.

— A Cíntia que conviveu com o Raul, que o conhece como ninguém, sente que está em perigo?

— Não. Ele não me ameaçou, nem agora, nem nunca. Eu não consigo imaginar o Raul violento, não consigo enxergar esse perigo todo e nem sei o que dizer se realmente for até a delegacia. Ele nunca me bateu, nunca me machucou, já tivemos algumas brigas, mas depois pedia perdão, sempre reconhecia o erro. Me levava para jantar como um pedido de desculpas, dava para ver que se esforçava.

— Você ainda o ama?

— Não, eu só quero que ele viva sua vida em paz e me deixe viver a minha.

— Posso falar com ele?

— Não sei se resolveria, mas se quiser tentar.

— A salvação é individual, então se souber perdoar já é um longo caminho. As pessoas que te prejudicaram, pagarão pelo mal que fizeram, mas isso não significa que tenha que ser igual a elas. Não deseje o mal, nem carregue sentimento de vingança no coração, cada um colhe o que planta, e isso não é opcional.

— Obrigado — falei me levantando. — Tive medo de que tentasse me convencer a voltar para ele.

— Essa decisão não cabe a mim. Vou conversar com ele, e posso falar com Wendy também, são jovens de dentro da igreja, sempre buscam conselhos, nunca vi nada de errado.

— Eu agradeço sua ajuda, não farei nada por agora. Mas se esse ataque não parar, terei que tomar providências.

Eu saí da igreja decidida a procurar Wendy para conversar, mas Otávio não estava muito contente com aquela decisão...

— O padre não está acompanhando essa situação de perto, Cíntia, é óbvio que vai te aconselhar a perdoar, o que esperava que respondesse?

— Concordo com o Ferrugem, se não fizer nada vão continuar te atacando — afirmou Emanuelle. — Pense no seu pai, Cíntia, o Rodolfo, a sua família. Pense em você.

— Quer ter uma opinião diferente, peça conselhos agora a um advogado — disse Otávio, em um resmungo revoltado.

— Vocês vão me enlouquecer! — Levei as mãos até a cabeça me sentindo pressionada.

— Droga, Cíntia, você gravou vários vídeos dando conselhos para mulheres, parecia tão madura, decidida, o que aconteceu?

— Calma, Ferrugem — Emanuelle tocou o braço do peão.

— Me desculpe, essa história acabou atingindo a todos nós, é difícil manter a calma — disse ele, baixando o tom de voz.

— Tá, eu vou no advogado — afirmei derrotada. — Mas antes quero comer, estou com fome.

— Eu apoio essa ideia — Emanuelle fez uma dancinha engraçada.

Otávio amenizou sua feição, e apesar de não estar muito convencida do perigo que corria, eu estava decidida a procurar orientação de um profissional.

— Bom dia — disse a balconista da padaria.

— Bom dia, um capuccino, por favor — falei para a moça simpática, enquanto nos acomodamos em uma das mesas do lado de fora. — E um pão de queijo.

— Para mim também — disse Emanuelle.

— E o rapaz?

— Só um café preto.

Otávio sorriu para a garota que anotou o pedido e foi em direção ao balcão. Em seguida pegou o celular e ligou para o advogado, que concordou em nos receber em duas horas.

— Eu me recuso a ficar andando por aí com esse pé de pato — Manu protestou de cenho franzido.

— Eu te compro um tênis novo, mas aquele lá vou botar fogo — Otávio provocou.

— Meu pai te arranca os bagos, ele ainda está pagando aquele tênis — Manu amassou um guardanapo e jogou no peão, que pegou no ar e jogou de volta.

— Falou com o Rafa? — perguntei, ao vê-lo verificando a tela do celular mais uma vez.

— Oi?

— Está no mundo da lua, Ferrugem? — eu ri. — Perguntei se conversou com o Rafael sobre como se sente.

— Ah, sim, conversamos ontem na sua casa, e depois ainda trocamos algumas mensagens. É um pouco assustador, sabe? Eu nunca pensei que fosse viver algo do tipo, e confesso que não sei se consigo enfrentar os julgamentos.

— Gostou dele? — perguntei. — Digo, dessa aproximação mais íntima.

— Olha, não era algo que eu faria se pudesse escolher. Você sabe que nosso meio é bem machista e assumo que já fui assim também. Eu beijei o Rafa e fiquei confuso por não ser uma garota, aí fiquei mal por ele.

— Como é beijar outro rapaz? — perguntou Emanuelle. — A sensação, o que você sentiu?

— Sinceramente? Foi como beijar uma garota, só estranhei que ela era careca e tinha barba — Otávio sorriu divertido. — Eu não imaginava que fosse acontecer outra vez, mas aí nos encontramos na casa da Cíntia e me deu vontade de fazer de novo. É ruim lutar contra uma vontade que cresce dentro de você, lutar contra algo que te ensinaram que era errado, mas que quando acontece, é bom. Não sei se me entendem.

— Agora você não vai mais ficar com garotas?

— Ué, Manu? — eu ri, balançando a cabeça. — Ele pode sentir atração por rapazes, e ainda assim, sentir por garotas.

— É que eu pensei que fosse diferente.

— Sabe o beijo que a garota me deu no rodeio? Também foi de surpresa, mas não foi algo que senti vontade de fazer de novo, a química não bateu — Otávio dizia com o olhar vacilante dobrando e desdobrando um guardanapo que estava sobre a mesa. — Não acredito que estou admitindo isso em voz alta. Estão proibidas de comentar com quem quer que seja.

— Ele vai pro México contigo?

— México? — perguntei surpresa.

— Eu recebi uma proposta para competir no México, com probabilidade de também competir no Texas — explicou.

— Sério? Meus parabéns! — comemorei.

— Ainda estou receoso, acho um passo muito grande, tenho medo de não dar conta. Mas se ganhar o prêmio consigo completar o dinheiro para dar entrada em uma propriedade pequena para a minha família tocar.

— Eu arriscaria — disse Emanuelle, fuçando em seu celular.

— Eu também — afirmei apertando levemente seu antebraço. — Precisa confiar mais em seu potencial.

— O Rafael disse o mesmo — afirmou Otávio. — É estranho como ele faz as coisas parecerem mais fáceis.

— Espero que ele tenha convencido o irmão a ficar. Ele está de malas prontas, foi por isso que quis vir, eu não queria estar lá quando saísse.

— Não era mais fácil conversar com o cara?

— Mas que filha de chocadeira!

A voz de Manu ganhou a nossa atenção.

— O que foi? — perguntei curiosa, ao vê-la olhando a nossa volta como se procurasse por alguém.

— Olha isso — ela me estendeu o celular.

— É hoje que eu perco meu réu primário! 

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