Capítulo 22 Droga eu beijei outro cara
Manu e Luan eram muito fofos juntos, ele fazia de tudo para agradá-la, e o Fabiano, agora mais calmo, tentou fazer o mesmo comigo, mas acabou encontrando uma certa resistência de minha parte.
— Não sei se está com fome, você quer...
— Eu estou bem — respondi observando Renan que mal se aproximou de nós e já ia com a namorada e o outro casal que eu não conhecia, rumo ao parque de diversões.
Naquela altura já me arrependia de não ter escutado minha mãe e trocado de blusa, realmente esfriou e meus dedos estavam gelados. O vento parecia cortar a pele, mas tentei disfarçar ao máximo, não sei como aquelas meninas conseguiam ficar com pouca roupa, elas usavam quase nada e eu tremia mesmo estando com calça e jaqueta.
— Se quiser se juntar aos seus amigos por mim tudo bem, não precisa se preocupar comigo — falei quando nos aproximávamos da parte de trás da arena de rodeio.
— Se está dizendo isso por conta do que aconteceu ainda a pouco, fique tranquila, eu realmente não fiquei chateado — ele respondeu ajeitando seu chapéu.
— Cíntia? Gente, é a Cíntia!
Uma garota que aparentava ter no máximo quinze anos se aproximou com mais três amigas, aparentemente de sua idade.
— Eu?
— Caramba, eu amo seus vídeos, me identifico com tudo o que você fala, e... nossa, amei o desafio. Queria conhecer o Rafa, o Rodolfo, ah, estou muito nervosa — a garota desatou a falar. — É sério, queria muito te conhecer, as meninas do colégio te seguem vão pirar quando souberem que te encontrei. Tira uma foto comigo?
Sorri surpresa, não esperava viver algo assim e aquela cena se repetiu por pelo menos umas quatro vezes, inclusive uma empresária que tinha uma grife de roupa Country me deixou seu cartão, disse que eu era uma referência de superação para muitas mulheres e me convidou para ser garota propaganda de sua loja.
— Virou celebridade mesmo — disse Manu quando retomamos a caminhada rumo a parte dos fundos da arena.
— Daqui a pouco ninguém mais se lembra de mim — comentei.
Luan e Fabiano logo se distraíram com uns peões que estavam tocando berrante quando passamos. Perdi alguns minutos quando o ruivo deu uma palinha, ele fazia isso desde garoto, e mandava muito bem.
— E aquele abraço no Fabiano, posso escrever o final feliz do meu conto romântico?
— Aquilo foi um bug do sistema, já passou. Mas vamos falar de coisas boas — passei o braço pelo seu ombro. — Eu tinha me esquecido como o rodeio é bonito.
Ali era o local onde os peões de montaria se reuniam antes e depois da competição. Faltava uma hora para o início, então a movimentação já era grande, um desfile de bota, chapéu e masculinidade bruta.
— É lindo — Manu sussurrou me fazendo rir.
— Olha isso — falei ao ver um peão já trajado para o rodeio. — Nessas horas vejo vantagem em ser solteira.
— Você pegaria? — Manu sorriu esbarrando em mim com o ombro.
Corri o olhar por toda extensão do jovem, que estava de costas, e analisei o desafio.
— A pergunta é, será que ele me pegaria?
— Ah, pegaria — Emanuelle balançou a cabeça aos risos se aproximando do rapaz, que ao se virar me causou uma crise de tosse.
— Que bom que você veio.
— Ferrugem? — falei ganhando um abraço apertado.
— Não me reconheceu?
— Ela falou que... — Manu ia dizendo, mas a interrompi.
— É que você está diferente — concluí desconsertada.
— E aí, estão curtindo a festa?
— Tirando o frio e a confusão com o Raul, está tudo perfeito — respondeu Emanuelle.
— Ele veio te importunar? — perguntou Otávio.
— A Cíntia deu um tapa na fuça dele, você acredita que ia revidar?
— Como é que é? — Otávio franziu o cenho diante do relato de Manu.
— Aquele idiota teve a coragem de insinuar que estou saindo com você e teu irmão.
— E o Fabiano não fez nada? — Otávio cerrou os punhos com uma carranca.
— Se eu não tivesse me metido entre os dois, o Raul estaria na enfermaria com o nariz quebrado agora, mas não vale a pena.
— Você está aí — disse uma garota de pele clara e cabelos acinzentados com efeito de mechas, interrompendo a conversa.
Ela passou por nós e o abraçou antes de beijar a sua boca, sem cerimônia. Fiquei sem graça diante daquela manifestação explícita que durou poucos segundos, mas foi bem ousada.
— Perdeu para uma piriguete — sussurrou Emanuelle.
— Eu só queria o segredo para andar quase pelada no inverno, e não sentir frio — revirei os olhos antes de me dar por conta do que ela havia dito. — Ei, perdeu o quê, tá maluca!
— Boa sorte, gato, te espero depois do rodeio. — Ela deu um tapa em seu traseiro e saiu rumo a suas amigas que observavam à distância.
— Quem é essa? — perguntou Otávio com um sorriso surpreso quando a jovem seminua se afastava.
— Ué, você não conhece? — perguntei espantada quando Fabiano se aproximava com Luan.
— Nunca vi na vida, eu hein.
— Que beijão foi esse, mano? — Fabiano cumprimentou o irmão.
— Eu sei lá, nem conheço essa menina.
— Já fiz uma nota mental para nunca namorar um peão de rodeio — falei com um sorriso.
— Ué, a maluca brota do além e me beija, e eu não sou de confiança? — Otávio falou ofendido. — Foi tão rápido e inusitado que sequer tive tempo de reagir.
— Se alguma garota fizer isso contigo e corresponder, eu fico viúva antes mesmo de me casar — disse Emanuelle ao Luan, que a olhou com espanto.
— Oxe, eu não fiz nada!
— Pois continue assim — a garota o empurrou quando tentou abraçá-la. Mas depois acabou cedendo.
— O pai dela é o melhor castrador de gado da região, amigo — Fabiano zombou do garoto que já fazia cara de choro.
— Mas gente, foi ele quem beijou a menina.
— Eu não, foi ela quem me beijou — Otávio se defendeu. — E nem correspondi. Nunca vi mais pelada, digo, ah, vocês entenderam.
Seu jeito atrapalhado de tentar justificar o acontecido nos causou uma crise de risos. Ao menos o ataque da piriguete desviou o assunto pesado de antes.
— O seu Toninho está chamando, vão sortear os touros — disse um peão passando por nós.
— Boa sorte, Ferrugem — falei o abraçando.
— Eu realmente não conheço aquela menina — ele falou em meu ouvido, mas acabei não respondendo nada.
Depois de desejarmos sorte ao peão competidor, fomos até a arena e nos sentamos na arquibancada em um lugar com vista privilegiada do brete, por sorte era uma área coberta, eu já tremia de frio tentando me fazer de forte.
— Querem beber alguma coisa? — perguntou Fabiano após verificar as horas em seu relógio. — Ainda faltam alguns minutos para o início do rodeio.
— Uma batida ajudaria a esquentar esse frio — sugeriu Emanuelle.
— Ué, Luan, namorada de peão se arrepia é por outro motivo, não de frio, vê se não envergonha a raça — provocou Fabiano.
— Misericórdia — eu ri sentindo o rosto esquentar. — Acho que vou aceitar a batida, não tenho um namorado peão.
Fabiano me encarou por um instante, então disse:
— Eu vou tomar uma cerveja sem álcool, não quero me exceder.
Não sei o que quis dizer com isso, mas também não perguntei, apenas me encolhi esfregando os braços vendo os rapazes se afastarem. Eu e Manu ficamos guardando os lugares, a arena estava lotada aquela noite.
— Oi mãe — disse Emanuelle ao telefone enquanto eu tremia sentada ao seu lado. Odeio frio, meu corpo todo dói, dedos gelados, lábios ressecados, nariz congestionado, é um horror. Sem contar que nunca fiquei elegante no inverno.
— Cíntia?
— Eu?
— Não está me reconhecendo? Sou eu, Rosana.
— Rosana? — Franzi o cenho.
Parece que o universo aquela noite resolveu me testar, não é possível que em meio a tantas pessoas eu precisava topar justo com ela.
— Quanto tempo! — ela me deu um abraço forçado.
Não a reconheci porque agora estava com o cabelo comprido, pintado de loiro e maquiagem carregada. Rosana sempre foi muito vaidosa, usava perfumes caros, não saía sem maquiagem, unhas feitas, suas roupas eram de grife e seu comportamento enganava muito quando ela se apresentava como a filha do patrão. Por inúmeras vezes a vi dizendo aos outros que era a dona da fazenda, quando na verdade, era filha de um dos peões da colônia. Minha mãe dizia que ela tinha, "mania de grandeza", e acho que tinha razão.
Na ocasião ela estava com umas amigas, e para variar, me olhou com superioridade, não sei como conseguimos ser tão próximas um dia.
— Eu vi o seu vídeo — disse ela, ajeitando a saia de couro que exibia suas pernas brancas, nuas. — Senti pena de você, não leva mesmo sorte com os homens.
— Tem certeza de que viu todos? — cruzei os braços à sua frente.
— Ah, não, eu não te sigo nas redes, vi porque virou assunto na cidade. Mas não se preocupe, um dia o povo esquece.
Manu ainda conversava distraída com sua mãe ao celular, e eu respirava fundo tentando manter o controle diante daquela garota irritante e suas amigas que me encaravam com desdenho,
— Desculpa a demora, a fila era extensa — disse Fabiano se aproximando. — Você não disse qual batida queria, eu trouxe de morango com leite condensado e champanhe.
— É a minha favorita — sorri pegando o copo e mexendo a bebida com o canudinho, antes de provar.
— Eu sei.
— Fabiano?
— Pois não? — ele também não a reconheceu.
— Nossa, será que mudei tanto assim?
— Perdão, eu te conheço? — perguntou confuso.
— É a Rosana — afirmei quando me lançou um olhar de dúvida.
— Ah, oi, me desculpe, eu não...
— Essas são, Kátia, e Sueli — ela apontou para as amigas e Fabiano as cumprimentou com um aperto de mão, antes de se acomodar ao meu lado na arquibancada.
— Não quis se aventurar pelo mundo dos rodeios? — Rosana perguntou.
— Montaria para mim é só por laser.
— Me lembro que era um bom laçador, poderia investir no laço comprido.
— Competições requerem tempo e dedicação, eu trabalho muito.
Eu e Manu nos entreolhamos, e não precisei trocar uma palavra para saber que também percebeu que ele mal olhava para a garota lhe dando apenas respostas curtas. Não parecia ser rancor ou algo do tipo, ele só estava indiferente à presença dela, o que achei muito estranho.
— Que bom, eu vou procurar um lugar para me acomodar. Me liga, o número é o mesmo — disse ela se afastando.
Revirei os olhos indiscretamente, bebericando minha batida quando a garota se sentou um pouco adiante, ali se iniciou um jogo de olhares e expressões da parte dela com as amigas que tentei ignorar, mas acabei não conseguindo. Fabiano não deu a mínima para aquela situação, e sua reação me deixou muito surpresa, o meu lado fofoqueira gritava dentro de mim.
— Por que acabou? — arrisquei a perguntar.
— O quê?
— O namoro de vocês.
— Incompatibilidade de gênios — respondeu, ajeitando sua postura.
— Parecia tão apaixonado por ela — insisti.
— Eu era — afirmou. — Era apaixonado pela garota intensa que me escrevia aquelas cartas, ela passava verdade em suas palavras.
— E o que mudou?
— Ela só existia nas cartas.
— Misericórdia! — falei entre tossidas, soltei bebida até pelo nariz.
As luzes se apagaram e a música começou. Uma frota de caminhonetes entrou na arena trazendo vários peões e peoas caracterizados que apresentaram uma dança country. O público batia palmas e cantava alvoroçado até que ao fim da apresentação, os dançarinos jogaram alguns chapéus para a galera da arquibancada. Luan se meteu entre as pessoas e conseguiu pegar um para a Manu que ficou toda animada enchendo o namorado de beijos.
— Mulher se derrete por tão pouco — Fabiano sorriu observando aquela cena.
— E alguns homens ainda conseguem estragar tudo — comentei ao me lembrar da decepção de ser traída. Parece que o ranço estava impregnado em mim.
A festa seguiu e a competição começou, eu estava ainda com mais frio e não sei em que momento me encostei no Fabiano que depois de ter me dado sua blusa passou o braço ao redor da minha cintura me trazendo para mais perto. O frio era tanto que não me importei de me beneficiar do calor de seu corpo, não nasci para virar pinguim.
— Eu queria te pedir desculpas, sei que te magoei muito no passado, e...
— Oi?
O encarei confusa quando iniciou o assunto repentinamente.
— Deveria ter me contado que eram suas aquelas cartas.
— Mas... como? — me afastei de seu abraço.
— Meu irmão te conhece bem mais do que eu, apesar de a letra das duas ser parecida, ele reconheceu a sua caligrafia.
— Caramba — murmurei surpresa.
— Eu sinto muito por ter te chamado de criança, estava nervoso, ela vinha brigando muito comigo por ciúmes e acabei...
— Não precisamos falar disso agora — o interrompi quando o locutor do rodeio iniciava uma brincadeira com o público da arquibancada.
— Eu quero falar — ele segurou em meu queixo fazendo com que o encarasse. — Quando nos conhecemos eu já era um rapaz e você ainda tinha jeito de criança, não conseguiria te olhar diferente. Mas aí o tempo foi passando e isso mudou, eu me sentia atraído, só que ainda era novinha para namorar, então não me atrevi a tentar uma aproximação.
— A diferença entre nós é de quatro anos apenas.
— Não é tão simples assim, Cíntia, hoje essa diferença passa despercebida, mas naquela época seu pai nem permitiria que namorasse, você sabe disso.
— Você nem tentou, mas tudo bem, já passou.
— Minha vida estava em constante mudança, estava prestes a entrar na faculdade, e...
— Já passou, Fabiano, e você tem razão, meu pai não deixaria, e pensando bem, não sei se estava preparada para um relacionamento, eu era só uma adolescente sonhadora.
— Quando soube que era você a autora das cartas fiquei muito surpreso, eu nunca desconfiei.
— Escrevi muitas, mas só algumas chegaram ao seu destino — comentei.
— Eu demorei para criar coragem de te procurar, e quando finalmente me decidi, soube que estava namorando. Gostaria de ler as outras, eu ainda leio cada uma das que me deu.
— Ainda existem?
— Posso recitar uma por uma se quiser — afirmou, para minha surpresa.
Enquanto conversávamos, a brincadeira na arena seguiu. Uma música romântica falando de beijo, ecoava por todos os cantos, o câmera focava nos casais na arquibancada e eles tinham que se beijar. Em todo rodeio faziam isso, já estava acostumada, só não contava que naquela noite em específico, meu lindo rosto, que já não era tão anônimo, ficasse estampado naquele telão.
— Beija! Beija! Beija! — a galera pedia alvoroçada.
Todos os olhares se voltaram para nós, eu não sabia o que fazer, minhas mãos tremiam, o coração acelerou. Fabiano me olhava de um modo que me deixou desconcertada, eu não sabia se fugia, fingia um desmaio, ou cedia aos apelos de mais de cinco mil pessoas.
— Beija! Beija! Beija! — os apelos continuaram enquanto nosso rosto estava estampado naquele telão.
O homem à minha frente com o rosto tão perto do meu, era o cara que fez meu coração bater mais forte pela primeira vez. O cara que durante muito tempo ocupou meus pensamentos de menina sonhadora que desejava viver a experiência do primeiro amor. Que não se realizou.
"Cala a boca e me beija"
Dizia aquela música que atiçava uma multidão de vozes que ecoavam pedindo, incentivando, pressionando. Eu o olhava e pensava se não era a vida me dando a chance de ter a minha volta por cima, ao lado de um cara que tinha exatamente tudo a ver com o meu mundo, a minha realidade. Ele mordeu o lábio inferior olhando para minha boca, e aquele gesto me causou um arrepio bom.
Seus olhos azuis agora brilhavam quando uma de suas mãos apertou minha cintura me trazendo para mais perto. Minha mão foi para seu peito que subia e descia em um ritmo alterado assim como as batidas de seu coração.
E foi assim que o beijo que eu tanto quis na adolescência, finalmente aconteceu.
O alvoroço foi muito alto, gritos, assovios, palmas, ele me apertava com firmeza, brincava com meus lábios sem pressa, sua língua explorava minha boca de uma forma gostosa demais para simplesmente ignorar. O Fabiano beijava muito bem, tinha pegada, uma química que conseguiu mandar meu frio pelos ares, se dependesse do meu corpo eu me jogaria em seus braços sem pensar duas vezes. O problema é que meu coração falou mais alto, e ele já tinha dono.
— Fabiano, não — em um impulso o empurrei.
— Me desculpa, eu não devia... só... me desculpa.
Ele respirou fundo encostando sua testa na minha.
— Tudo bem, foi uma pressão desnecessária — desviei o olhar me afastando.
Sempre idealizei nosso primeiro beijo como algo romântico, marcante, com direito a sininhos tocando, sem malícia. Só que a menininha cresceu, e agora não era mais tão inocente, ela era uma mulher que conhecia os prazeres da vida, e aquele beijo, apesar de ter sido perfeito, faltava algo, um toque especial, aquela chama que não se acendeu. Aquele beijo teve muita química, mas faltou um sentimento chamado amor. Com o Rodolfo eu tinha os dois.
— Me desculpa mesmo, Cíntia, eu me empolguei e acabei cruzando a linha.
— Ei, tá tudo bem, é sério — tentei amenizar o clima. — Foi bom, eu... só não estou em um bom momento.
Manu e Luan se beijavam ao nosso lado, pelo visto aproveitaram o embalo.
— Estamos bem? — ele abriu os braços e me aconcheguei ali como um sinal positivo. O frio causado pelo vento gelado era maior do que meu constrangimento.
Assim que aquela saia justa passou no telão da vergonha, que não era do juízo final, mas bem que poderia ter sido; o Ferrugem entrou em cena com sua montaria, mas mal conseguiu parar no touro e quando caiu saiu cabisbaixo, sem brilho, o que não condizia com sua postura na arena. Manu comentou discretamente comigo que desconfiava que ele havia se desconcentrado depois de ter me visto beijando seu irmão, só faltava me culparem por isso.
Ele sequer nos procurou como era o combinado, com certeza havia algo de errado e agora eu tinha outro motivo para me preocupar além de minha maior preocupação, de que depois de um beijo daqueles ser exibido em uma live ao vivo, eu tinha certeza de que meu nome voltaria a boca do povo da cidade, e pior ainda, do povo da fazenda. Que saudade do tempo em que ninguém me conhecia.
▬☼▬
Saímos do parque já era madrugada, e como combinado fomos para meu apartamento. Eu não havia voltado lá desde que saí para ir de encontro a minha decepção. Até o vinho branco que comprei para tomar com o Raul aquela noite ainda estava na geladeira, assim como a camisola vermelha de renda na primeira porta do guarda roupa.
No escorredor de louça sobre a pia, havia um único prato e um copo, uma visão que costumava ter praticamente todo fim de semana quando ele me deixava sozinha. Minha mãe deve ter lavado, quando saí aquela noite a última coisa que pensei foi na louça e sim na roupa suja que seria lavada em um local público. Estava tudo limpo apenas coloquei um colchão no chão para que os rapazes se acomodassem, meus pais sempre que vinham a cidade dormiam nele.
Fabiano e Luan fizeram algumas brincadeiras descontraídas devido ao fato de dormirem juntos, e por fim, todo mundo se ajeitou. Manu mal deitou e já dormiu, e eu, me encolhi abraçada ao travesseiro pensando nele e tentando me justificar com as vozes da minha cabeça que me repreendiam por ter beijado outro cara.
" Agora eu te perdi de vez, Rodolfo", foi a última coisa que me lembro de ter pensado antes de adormecer.
Na manhã seguinte acordei com uma mesa farta de café da manhã que os rapazes prepararam enquanto eu e Emanuelle estávamos desabadas. Fabiano preparou torrada, bacon, ovos, até panqueca com suas próprias mãos, além do café fresco que cheirava pela casa toda, eu nem sei onde arrumou aquelas coisas, não me lembro de ter nada daquilo na despensa.
Até que era bom ter companhia entre aquelas paredes que sempre foram sinônimo de solidão para mim. O problema é que nossos amigos dormiram demais, se atrasaram e com isso, quando chegamos a fazenda já era mais de nove horas da manhã.
— Está entregue — disse o Fabiano estacionando na frente da minha casa. Ele havia deixado Luan e Manu na colônia e agora só faltava entregar a última carona.
— Obrigado — falei lhe entregando sua blusa ao descer do veículo.
— Cíntia! — Ele me alcançou no meio do gramado.
— Oi?
— Eu queria te dizer uma coisa.
— Se for sobre o beijo, não se preocupe, eu...
— Não é sobre o beijo, eu só queria te dar um conselho — disse ele segurando uma de minhas mãos. — Quando a vida colocar uma pessoa especial em seu caminho, não faça como eu, que deixei a insegurança me sabotar. Aproveite cada momento, se entregue, algumas oportunidades só batem em nossa porta uma vez. E o arrependimento, não faz o tempo voltar atrás.
— Que lindo — o abracei emocionada.
— Sei que passou por muita coisa e no momento precisa de espaço, mas quero que saiba que estou aqui para tudo o que precisar.
— Muito obrigado por ser essa pessoa especial em minha vida.
— Se cuida — ele me deu um beijo no rosto e se afastou.
— Cíntia!
Em um impulso rápido, me virei protegendo o olho da luz solar, eu tinha uma certa dificuldade para focar em ambientes claros. Era o Rafael em pé na área da minha casa, para minha surpresa, de braços entrelaçados com ninguém mais e ninguém menos do que minha minha mãe. Agora eu só precisava esperar a alma voltar para o corpo e as pernas se firmarem novamente para ir até eles.
— Bom dia!
Agora foi a vez do meu pai que me chamou a atenção, e Quando ouvi a voz do meu pai me virei para responder, e o coração que já batia em ritmo acelerado, ficou ainda mais quando avistei sobre o lombo do Xerife, o cavalo que nada mais era do que o xodó do meu velho, o Rodolfo, de calça jeans, botina e chapéu.
Pisquei várias vezes para entender aquela cena, havia outros animais, mas ele estava no cavalo preferido do meu pai, o crioulo que peão nenhum ousava montá-lo, meu velho tinha um ciúme danado de seu companheiro de lida.
— Bom dia — engoli em seco quando desceram do animal à nossa frente.
Não sabia o que tanto viram, mas o semblante sério no rosto do Rodolfo, me dizia que aquele abraço me traria grandes problemas.
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