Capítulo 15 Despedidas
Rodolfo me abraçou quando desabei aos prantos. Meu pai não quis atender ao telefone, deveria estar muito decepcionado comigo. Aquela mulher com certeza faria da minha vida um inferno depois dessa visita.
— Que cobra peçonhenta! — protestou Rafael. — E aquele Raul, que patético, o cara deixa a mãe falar por ele como se tivesse cinco anos!
— Ela sempre foi assim — limpei o rosto com a mão. — Sempre comandou a vida dele e desde que fomos apresentadas tentou comandar a minha.
— Era esse tipo de vida que você queria?
— Calma, Rafael, a garota já está nervosa — Rodolfo interveio.
— Eu, estou nervoso, a cena que vi aqui é um verdadeiro absurdo!
— Cíntia, me desculpa por ter me envolvido, saí da sala porque até a voz daquela mulher estava me incomodando. Eu não queria invadir seu espaço, mas não deu — explicou Rodolfo.
— Tudo bem, eu agradeço por terem me defendido, não sei discutir. Não com ela.
— Gente eu preciso sair — Rafael caminhou apressado pegando chaves do carro e documentos. — Saiu o resultado do teste de paternidade.
— Corre lá e não deixe de mandar mensagem avisando do resultado — falei afoita.
— Se preparem que hoje vamos comemorar — ele jogou beijos no ar, e saiu.
"Cíntia, ainda não fui embora, meu amor, vem comigo, estou te mandando a localização do hotel. Te prometo que não vou mais deixar minha mãe se meter entre nós."
Dizia o áudio que recebi do Raul alguns minutos depois.
— Você vai? — perguntou-me Rodolfo.
— Com eles, não, mas preciso ir, tenho que enfrentar essa situação de frente, devo isso a minha família.
— Está certo — ele respirou profundamente — Vou responder uns e-mails, se precisar estarei no quarto.
— Eu vou organizar minhas coisas.
Quando entrei naquele quarto, senti um aperto tão grande no coração, que nem depois do meu choro amenizou. Eu precisava ir, mas ao mesmo tempo queria ficar, me apeguei muito aos rapazes e só de pensar na despedida, já chorava sentido.
— Por que você tinha que aparecer em minha vida em um momento tão complicado, Rodolfo? — respirei profundamente me jogando de costas na cama. — Eu não estou pronta para me relacionar com ninguém, e você também não quer. Não, eu não posso, me nego a me apaixonar por você.
Não consegui terminar de arrumar as coisas, o sentimento despedidas tomou conta e comecei a chorar. Eu respirava tentando me controlar, tentava pensar em outra coisa, mas vinha aquela sensação de tristeza. É incrível como algumas pessoas surgem do nada em nossas vidas e se tornam tão importantes como eles se tornaram. Eu não conseguia sequer pensar em como seria ficar longe.
— Talvez seja apenas um até logo, Cíntia — murmurei reflexiva. — Não precisa ser um adeus, é longe, mas podemos nos ver nas férias, nos falar todos os dias. Vai ficar tudo bem, tem que ficar.
▬☼▬
Eu ri com lágrimas nos olhos assistindo meus vídeos postados desde que cheguei ali. Nos primeiros ainda estava insegura, era nítido que não estava bem, mas os outros já mostravam um brilho diferente, eu precisava daquele tempo para juntar os cacos e me refazer. Foi tudo tão único, definitivamente nunca mais seria a mesma pessoa.
Fui até o quarto do Rafa, e olhei para aquele cômodo me lembrando do dia em que acordei ali completamente desorientada. Refiz cada passo, fui até a cozinha, depois a sala, e ao olhar na varanda, lá estava ele, malhando como da primeira vez que o vi. Só que agora já era fim de tarde e o céu antes nublado, agora derramava uma chuva fina.
"Será que você sente o mesmo por mim?" — questionei em pensamento me recostando na parede.
— O que foi? — ele apoiou o corpo sobre os cotovelos e me encarou.
— Foi assim que eu te conheci — sorri saudosa.
— Você parecia um bichinho assustado, achei tão linda — Rodolfo voltou à posição inicial, deitado no colchonete com as mãos atrás da cabeça.
— Eu queria te agradecer — falei me abaixando ao seu lado.
— Pelo quê exatamente?
— Por ter me mostrado um lado da vida que eu não conhecia.
— Vou sentir sua falta — ele acariciou meu joelho.
— Eu também vou sentir a sua — passei a mão pelo seu peito nú.
Rodolfo me olhou daquele jeito que me fazia tremer nas bases, não precisou de convite, passei minha perna sobre ele e me acomodei em seu abdome iniciando um beijo que foi prontamente correspondido. Sua mão ágil logo foi para minhas pernas levantando meu vestido, o homem tinha pressa e eu também.
A tensão entre nós era tão grande que não nos importamos de estar na sacada, o tempo chuvoso formou o cenário perfeito. Jamais pensei fazer algo do tipo, mas aquele clima de exposição era bom demais, nos encaixamos perfeitamente enquanto a chuva aumentava do lado de fora, volumosa, porém calma, ótima para se criar um romance. Rodolfo me apertava, dizia palavras que normalmente me deixariam envergonhada, mas ali causavam outro efeito. Estava solta, feliz, apaixonada, sentindo suas mãos apertando minha cintura me puxando cada vez mais para si. Se o mundo acabasse naquele instante, eu morreria feliz.
— Filho?
— Mãe!
Ao me virar, me deparei com uma senhora alta, de pele escura e cabelos trançados me encarando com uma expressão nada boa. Ela esbanjava elegância em um macacão longo de alfaiataria em tom de bege claros e salto alto ao lado de Karina, que me encarava boquiaberta naquela situação vergonhosa.
— Vista-se — disse ela indo em direção a sala.
— Merda, merda, merda — praguejei saindo de cima dele com vontade de pular daquela sacada. — O que eu faço agora?
— Vá para o quarto, eu falo com ela — disse ele se vestindo.
Eu passei pela sala cabisbaixa, sentindo os olhares fuzilantes sobre mim. Corri pelo corredor buscando o ar, nunca passei tanta vergonha em minha vida.
— Que pouca vergonha é essa, Rodolfo! — A voz da mulher ecoou pela casa.
— Eu cresci, mãe, faço sexo, o que quer que responda?
— Na sacada? Que falta de respeito é essa?
Fechei a porta do quarto muito envergonhada, se pudesse viraria uma mesa de cabeceira, ou um móvel qualquer só para não ter que encarar o olhar de julgamento daquela mulher outra vez.
— Cíntia — Rodolfo bateu na porta alguns instantes depois.
— Oi — murmurei ao vê-lo entrar.
— O que aconteceu, foi...
— Foi uma loucura, qualquer um poderia ver — falei desviando o olhar.
— Está tudo bem, não precisa ficar envergonhada.
— O que sua mãe vai pensar de mim?
— Ei, está tudo bem, não somos mais crianças.
— Foi constrangedor demais — escondi minha cabeça em seu peito.
— Foi, mas não quero que fique mal por isso, eu amo quando me surpreende daquele jeito.
— Eu nunca fui assim, você é uma péssima influência — reclamei.
— Eu assumo a minha culpa, te levei para o mau caminho e agora te proíbo de sair dele. Venha — ele estendeu a mão. — Vou te apresentar a ela.
— Não mesmo, eu quero um buraco para me esconder.
— Deixe de bobeira, vêm.
Ele me levou pela mão, e quando chegamos na sala as duas conversavam aos risos.
— Eu me lembro desse dia, você estava muito elegante — ela disse a Karina antes de voltar sua atenção para nós.
— Cíntia, essa é minha mãe, dona Clotilde — disse Rodolfo.
— Dona, não, meu amor, isso me envelhece — a mulher revirou os olhos, logo vi que simpatia não era seu forte. — Clotilde também não, Clô, eu prefiro assim.
— Tudo bem? — estendi a mão, mas ela apenas acenou para que me sentasse no sofá ao lado.
Senti meu rosto esquentar e meu coração bater na garganta com o olhar de desprezo que ganhei, mas logo me acalmei ao sentir a mão de Rodolfo apertando a minha. Parece que ele lia meus pensamentos.
— Estávamos falando sobre aquela vez que fui ao aniversário de sua mãe em Dubai — afirmou Karina com um sorriso irritante.
— Inclusive, esse ano farei outra festa e faço questão de sua presença.
— Só me avisa com antecedência, eu organizo minha agenda, não perco essa festa por nada.
— Você não me avisou que vinha ao Brasil — Rodolfo interrompeu a conversa das madames.
— Quando soube que Karina estava aqui, fiz questão de vir, essa danadinha nunca tem tempo para me ver.
— Você sabia que ela estava vindo?
— Claro — Karina sorriu abraçando a mulher. — Você sabe que gosto muito da sua mãe.
— É porque falamos a mesma língua.
— Sim, é incrível como nos entendemos até pelo olhar.
"Me livrei de uma dona Eugênia e ganhei uma Clô, não, eu devo estar no meu inferno astral", pensei.
— E a senhora pretende ficar quanto tempo? — Perguntou Rodolfo.
— O tempo necessário para organizar essa casa, pelo visto, virou bagunça — ela me lançou um olhar acusatório.
— Mãe? — Rafael abriu a porta com um olhar confuso.
— Cadê o meu abraço?
— Eu não sabia que viria.
— Quis fazer uma surpresa — a senhora sorriu abraçando o filho.
— Eu vou trocar de roupa, me molhei na chuva, já venho — disse Rafael. — Cíntia, você me acompanha? Quero falar um assunto contigo.
— Mas, o que está acontecendo nessa casa? — disse a mãe se levantando. — Quem é essa menina, afinal?
— É minha amiga, eu, hein! — Rafael revirou os olhos, me levando pela mão.
— Sua mãe me pegou no flagra com teu irmão ali na sacada. Ela me odeia — falei quando ele fechou a porta do quarto.
— Minha mãe odeia qualquer moça que se aproxime do Rô, ela torce pela Karina — disse o Rafael tirando a camiseta e vestindo outra, em seguida tirou a calça jeans e vestiu um moletom. — O Renatinho não é meu filho.
— Poxa, Rafa, e agora?
— Eu já chorei, já me descabelei, não achei justo a vida me dar essa rasteira — seu olhar lacrimejante encontrou o meu, que teve a mesma reação. — Ele é filho do Felipe.
— Caramba, e agora?
— Ele vai registrar o garoto, não pode fugir dessa responsabilidade. Não era para ser meu.
— Poxa, Rafa, eu sinto muito.
— O Levi me disse que futuramente podemos adotar uma criança, ou contratar uma barriga de aluguel. Aqui no Brasil não pode, mas lá fora sim.
— Fiquei triste, você estava tão animado.
— Talvez essa criança faça o Felipe se tornar uma pessoa melhor — Rafael deu de ombros visivelmente abatido. — É complicado, sabe? Fiquei arrasado, mas depois entendi que não preciso ser o pai para dar carinho e atenção. Quero ser presente na vida dele se a família permitir.
— Você é um cara incrível — falei lhe abraçando.
— Eu já tinha contado ao meu pai, queria que ele se orgulhasse de mim. Agora tive que dizer que não é meu, mas ao menos ele sabe que cuidarei da criança.
— E o que ele disse?
— É uma longa história, Cíntia, depois eu te conto.
Infelizmente tive que retornar à sala e suportar aquelas duas se elogiando, contando sobre a amizade de anos, e, blá blá blá. Pelo menos pararam de me atacar com indiretas, e antes de o Rodolfo sair para seu plantão, levou as coisas da mãe para seu quarto, agora eu queria muito voltar para minha casa.
"Olá meus amores, hoje o tempo está chuvoso, melancólico, dias assim me deixam muito pensativa. Vi umas crianças correndo na chuva ali na orla, e me lembrei da minha infância. Como uma coisa tão simples poderia ser tão boa? O cheiro de terra, minha avó dizia que era cheiro de gripe, minha mãe dizia que a água que caía do céu era a mais pura do mundo, eu ficava encantada olhando pela janela vendo as flores balançarem, pareciam felizes. Ser criança é tão bom, temos todo o tempo do mundo para colecionar momentos que um dia nos farão rir com lágrimas nos olhos. Você também deve ter alguma lembrança marcante de um dia chuvoso na infância, conta aí nos comentários. Recordar um momento feliz, é como abastecer o coração com um combustível chamado saudade."
— Cíntia, eu fiz o jantar, não quer se juntar a nós? — disse o Rafael, se sentando à beira da cama. — O Levi está aqui, veio conhecer a minha mãe.
— Uau, isso significa que o compromisso ficou sério?
Me sentei esfregando os olhos, eu acabei dormindo, já deveria passar das nove da noite.
— Talvez seja cedo para dizer isso, mas sinto que ele é o homem da minha vida.
— Fico feliz por você, Rafa, torço muito para que sejam felizes.
— Sei que minha mãe é difícil, mas queria que nos fizesse companhia, o Levi não gosta da Karina — Rafael fez uma careta engraçada.
— Achei que fosse a única — revirei os olhos me levantando.
Eu já havia tomado um banho, então coloquei uma calça jeans e camiseta, não queria parecer desleixada, mas também não estava animada para me produzir. Fiz um rabo de cavalo e coloquei um tênis, caso sentisse vontade de fugir para as montanhas estaria preparada.
— Eu falo que Karina vai ser minha nora, nenhuma outra combina com meu filho.
Essa era a conversa que rolava quando me aproximei.
— Eu acho que ele é bem grandinho para escolher — disse Rafael ganhando uma revirada de olhos.
— A moça trabalha em quê? — ela resolveu me notar na mesa improvisada na varanda da vergonha.
— Eu faço faxina — falei com simplicidade.
— Ela é minha assistente pessoal e também influencer digital — Rafael falou levando um copo de suco até a boca. — Faxina não lhe pertence mais, meu amor.
— Estuda?
— Estou fazendo zootecnia, é que moro na fazenda, e...
— Então seus pais são fazendeiros? — A mulher só faltou pedir minha ficha criminal.
— Não, meu pai é capataz, e minha mãe cozinheira.
— E o que está fazendo aqui?
— Ué, mãe, vai cadastrar a garota em algum programa social? — Eu ri, foi automático, mas ganhei uma carranca da mulher que já me odiava. — Que mania feia.
— Só estou tentando saber um pouco mais sobre ela, não posso?
Aquele olhar esnobe me dava nos nervos, não entendo o ser humano agir assim de forma gratuita.
— Esse interrogatório é completamente desnecessário.
— Ah, que drama, Karina falava ainda agora sobre seu sucesso na carreira de modelo e planos para o futuro. Uma moça fina, elegante e bem sucedida, não vejo motivos para a mocinha ali não falar sobre seus objetivos, ela deve ter algum, ou não?
— Talvez ela não queria falar sobre sua vida pessoal com pessoas que não conhece — Rafael deu de ombros.
— Que deselegante, mas você, Levi, me conta o que faz da vida.
Agora ela havia mudado o alvo.
— Oi, Manu — falei ao atender a ligação que me tirou daquela sacada.
— Eu vi uma ligação perdida sua, aconteceu alguma coisa?
— A mãe dele chegou.
— Fiquei sabendo, e como foi a conversa, aquela mulher te odeia.
— Como soube?
— Sua mãe contou. Pera, a mãe de quem chegou?
— Do Rodolfo, e ela me odeia.
— Puta merda, e agora?
— Eu vou embora, Manu, sempre soube que esse mundo não me pertence — falei me sentando no primeiro degrau da escada de incêndio.
— E o que você fez para ganhar a antipatia da sogra?
— Estava com o filho dela na sacada fazendo coisas proibidas para menores quando chegou.
— Cara, você se supera a cada dia — Manu gargalhou.
— Dona Eugênia do mal esteve aqui, já me decidi, vou embora, ela vai falar horrores na cabeça do meu pai.
— Eu não duvido, mas deixe te contar, estou conhecendo um peão que se mudou aqui na fazenda, acho que agora vai.
— Já avise que se te fazer sofrer, eu sei castrar gado — estreitei os olhos. — Ele que não se atreva.
— O primeiro beijo é estranho, eu não sabia se ficava com o olho fechado ou aberto, se deixava ou tirava a língua, foi um desastre.
— Deveria ter treinado no espelho — ri nasalado.
— E tem isso?
— Estou brincando, só tome cuidado com esses apertões.
— Vou ter que desligar, meu pai está me chamando, se cuida, e volta logo tá.
— Beijo amiga.
"Boa noite minhas lindezas, hoje estou um pouco depressiva, sei lá, tem dias que me sinto assim. É como se apesar de meus esforços, tudo o que faço não seja o bastante para me encaixar na vida das pessoas. Sempre trago comigo uma palavra de incentivo, motivação, mas hoje acho que quem precisa disso sou eu. Me desculpem o desabafo, é que não foi um bom dia."
Assim que postei o vídeo recebi várias manifestações de carinho, confesso que chorei, é tão bom saber que assim como existem pessoas dispostas a nos jogar no fundo do poço, também têm aquelas que nos incentivam a escalar.
"Quem diria, Cíntia, você que nunca soube usar redes sociais agora recebe conselhos de pessoas que nunca viu na vida", pensei ao me preparar psicologicamente para retornar para o apartamento, mas antes que desse um único passo, o celular tocou novamente.
— Está tudo bem aí? — perguntou Rodolfo.
— Sim.
— Fale a verdade.
— Sua mãe me odeia.
— Meus parabéns, passou no teste.
— É sério, me encheu de perguntas, me senti acuada e nem posso reclamar porque agi errado na casa dela. Nunca serei como a Karina.
— Olha, a casa não é dela, e você não tem que ser igual a Karina, tampouco igual a qualquer outra pessoa.
— Tudo bem, eu não quero me fazer de vítima, só estou desabafando porque é como me sinto. Não sou elegante, nem tenho uma profissão de destaque, sempre disse que esse mundo não me pertence. Temos que saber qual é o nosso lugar.
— Pare.
— Me desculpe, acho que estou sendo um pouco dramática, ando sobrecarregada. Vou voltar lá para dentro, nos falamos depois.
— O Rafael me mandou mensagem, por isso te liguei.
— Obrigado por se preocupar, está tudo bem, vou me recolher agora.
— Desce e espera, estou mandando um carro para te buscar, e não se preocupe, o Rafa já está ciente.
— Por que?
— Só faz o que estou te pedindo.
"Desde quando eu te obedeço? — Pensou uma Cíntia afoita descendo pelo elevador com o coração acelerado e um sorriso no rosto.
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