Capítulo 11 A surtada do tamanco voador
O Rafael não mediu esforços para tentar me animar quando precisei, agora não poderia ser diferente, eu não conseguiria simplesmente sair para curtir a noite e deixá-lo ali naquela situação vulnerável, sozinho. Rodolfo acabou concordando, pedimos pizza e colocamos uma comédia para assistir na sala com a luz apagada, é claro que trocamos algumas carícias embaixo da manta e tive uns beijos roubados que atiçavam ainda mais a vontade de me jogar nos braços dele, que parecia me punir com aquelas provocações por adiar esse encontro.
Nem vi o tempo passar, acabei dormindo e quando acordei estava na cama, sozinha. Rodolfo já havia saído e Rafael se arrumava para sua aula de ritmos na academia, ele podia até não estar no clima, mas jamais deixaria suas alunas na mão.
— Vou contigo — afirmei já pronta para o desafio.
— Você é a amiga que pedi aos céus — Rafael me abraçou com lágrimas nos olhos. — Me desculpa por ter estragado seu encontro.
— Não vai faltar oportunidade — sorri espremida em seus braços. Eu só esperava que realmente não faltasse.
Rafael sugeriu que gravássemos alguns vídeos na academia, mas como não nasci com coordenação motora suficiente para dançar como aquelas garotas, eu desisti e me contentei em ficar apenas observando a aula, que por sinal, estava muito animada.
— Cíntia?
— Karina — sorri fraco ao avistar a amizade colorida do Rodolfo que resolveu notar a minha presença.
— Não vai fazer a aula?
— Ah, não, eu não danço.
— Como assim não dança — ela sorriu com desdenho.
— Danço o básico, nunca fui de ficar indo a bailes, nem danceterias.
— O Rodolfo gosta muito de dançar, me lembro de nossas noitadas, mas falando nisso, como ele está?
— Está bem — desviei o olhar.
Eu nunca fui de me socializar assim tão fácil, ainda mais com estranhas que nos olham com indiferença como ela fazia comigo. A garota o que tinha de linda, tinha de esnobe, agora eu só torcia para que aquela aula terminasse logo.
— Você sabe que o Rodolfo não namora, não é?
— E porquê temos que falar sobre ele?
— Eu percebi que se incomodou com minha presença. Sabe que é pura ilusão achar que uma garota simples como você conseguiria ter algo com um homem como ele.
— Ok, recado dado — fiz sinal de positivo com a mão.
— A ex-namorada dele era modelo, assim como eu. O Rodolfo é um cara que vive cercado por mulheres maravilhosas, mas o negócio dele é sexo casual. Ele não se amarra a ninguém, então, se está criando esperanças, acostume-se a ser só mais uma.
— Assim como você?
— Não, para chegar ao meu nível de intimidade com ele, você precisaria se esforçar muito.
— Talvez eu não esteja tão interessada, tenho uma vida longe daqui e pretendo ir embora em breve.
— Deveria, não é a primeira que se aproxima de um cara como ele por interesse, mas eu já disse, o Rodolfo não assume compromisso com ninguém. Não perca seu tempo — disse ela se afastando.
— Karina? — ela fez uma parada brusca, e me encarou. — Eu não estou aqui por interesse, tampouco gosto de homens que não sabem o que querem da vida. Se o sorriso no seu rosto, é por saber que o tem como um cachorrinho, faça bom proveito, ele não é minha única opção.
Eu não sei de onde tirei toda aquela coragem, tanto para enfrentá-la, como para mentir, mas durou apenas alguns segundos pois ao me virar, esbarrei em uma parede de músculos de braços cruzados me encarando de cenho franzido.
— Rodolfo?
— Gato, veio malhar? — Karina sorriu me empurrando de lado e lhe dando um beijo no rosto.
— Não, eu vim falar com meu irmão.
— Estamos combinando de sair para dançar, poderia vir conosco — ela sorriu passando a mão pelo seu braço.
Rodolfo me encarava inexpressivo, talvez eu o tenha ofendido, mas não falaria nada agora, não na frente dela, depois me entenderia com ele.
— Tenho plantão — ele respondeu ríspido.
— Troca, sempre faz isso quando estou por aqui — ela disse manhosa. — Ainda estou aguardando a sua ilustre visita e pelo visto será em boa hora, está precisando relaxar.
Ela teve a audácia de beijar a ponta do dedo e colocar na boca dele, filha de uma boa mãe. Rodolfo continuava ali feito uma estátua me encarando e eu tentando procurar as palavras certas para me desculpar, mas elas não vieram.
— Rô, você por aqui, o que aconteceu? — Rafael se aproximou me salvando daquela saia justa.
— Eu descobri o endereço da Elaine, vim te buscar para irmos lá ver se estão bem ou precisam de alguma coisa.
— Sério? — Rafael sorriu com lágrimas nos olhos.
— Fica em uma comunidade carente, talvez estejam realmente precisando de assistência.
— Vou pegar minhas coisas — disse Rafael eufórico.
— Eu sei o que quero da vida, e jamais me sujeitaria a ser cachorrinho de alguém — ele sussurrou em meu ouvido, antes de voltar sua atenção para o irmão. — Espero vocês no carro.
— O que eu perdi?
— Eu e minha boca grande — suspirei derrotada.
"Olá meus amores, hoje estou pensativa, sei lá, será que é normal a gente gostar tanto de uma pessoa e ao mesmo tempo querer ficar longe, por medo de se machucar? Ter um sentimento aqui dentro do peito e não conseguir botar para fora, por medo do julgamento alheio. Por que será que o amor é tão complicado? Você também tem aquela pessoa especial que marcou a sua vida, mas não conseguiu ficar nela? Conta aí como superar, eu não faço ideia de como se faz isso, só queria poder dormir e acordar com todos os meus problemas resolvidos."
Rodolfo dirigiu calado até a comunidade, Rafael também não disse nada, apenas olhava pensativo pela janela, e eu, fazia figuração no banco de trás. Sei que o ofendi, respondi no impulso e não fazia ideia de que me ouvia, agora teria que correr atrás do prejuízo, eu sabia que não ia mais querer ficar comigo, só não queria perder a sua amizade.
— O bairro é esse — afirmou virando uma rua.
Era um bairro humilde, bastante populoso, algumas partes com estrutura bem precária. Uma realidade completamente diferente daquela em que Rafael vivia, e acho que esse foi o motivo de suas lágrimas.
— É aqui — Rodolfo parou em frente a uma casa simples de sub esquina, onde havia um trailer de lanche na frente.
— E agora? Eu nem sei o que dizer.
— Eu disse que enfrentaríamos isso juntos — disse Rodolfo quando um garotinho de uns três anos apontou a cabeça na porta, e correu para dentro.
— Pois não? — disse um senhor de uns sessenta anos mais ou menos apontando no corredor lateral.
— É aqui que mora a Elaine? — perguntou Rodolfo.
O homem estava sujo de cimento, logo imaginei que estivesse construindo alguma coisa, o garotinho agora se agarrava a sua perna com os pés no chão e roupinhas sujas de algo que parecia ser massa de bolo de chocolate, já que também havia um pouco em seu rosto. Me lembrei de que quando criança sempre raspava a forma de bolo que minha mãe fazia, logo me bateu a saudade.
— Eu sou o pai dela, o senhor precisa de alguma coisa? — Perguntou o homem desconfiado, e ao olhar para o lado, vi algumas cabeças curiosas na janela. Assim como a vizinha que agora varria a calçada, já limpa, do outro lado da rua.
— Podemos entrar para conversar com o senhor um minuto? — perguntou Rafael com uma pose que eu ainda não havia presenciado.
— Sim, só não repara, é uma casa simples — ele deu passagem. — Maria, prepara um café, fazendo um favor?
— Bom dia, vocês podem ficar à vontade — a senhora pegou umas roupas e brinquedos que estavam sobre o sofá coberto por uma manta onde posteriormente nos sentamos.
— A Elaine aprontou alguma coisa? — o pai foi logo perguntando. — Essa menina nasceu para me dar trabalho.
— Ela não se encontra? — perguntou Rafael.
— Ela aparece quando dá na telha, estava aí de barriga, sumiu, agora apareceu aqui com o menino, largou com a mãe e caiu no mundo outra vez.
Nos entreolhamos com espanto, a situação era pior do que pensávamos.
— O bebê está bem? — perguntou Rafael.
— Está sim, a Joana, minha menina, levou para tomar vacina, já deve estar voltando. Mas de onde conhecem a Elaine?
— Não sei como dizer isso ao senhor, mas tudo indica que eu seja o pai do filho dela — Rafael foi logo dizendo.
— E a senhora, é a esposa? — ele me perguntou.
— Eu? Ah, não, sou só uma amiga.
— Ela disse que sou casado?
— Ela disse que o menino é filho de um homem casado, e por isso não iria atrás do pai, deixou o moleque aí com os documentos e foi embora. Essa menina não tem parada, não senhor.
— Com sua licença — disse uma senhora de lenço colorido na cabeça e vestido florido, trazendo uma bandeja com xícaras de café fresco.
— Essa é minha sogra — disse o senhor que até então não sabíamos o nome.
O homem tinha os olhos claros, meio amarelado, pele em um tom marrom escuro e cabelo ondulado. Seus gestos e comportamento lembravam muito o meu pai, que foi criado na roça e não era muito de conversa. A família parecia ser numerosa, não fazia nem vinte minutos que estávamos ali e já tinha visto três crianças pequenas e um garoto de seus doze anos, também sujo de massa de cimento, uma senhora que deduzi ser a esposa e a idosa que nos serviu o café.
Eu nunca fui de reparar na casa dos outros, mas ali me senti tão nostálgica que foi impossível não fazer isso. A sala me lembrou muito a casa de minha finada avó, principalmente aquela estante entalhada que deveria ser bem antiga, ali estavam fotos da família, lembranças de dia das mães e toalhinhas bordadas em crochê.
A própria senhora de vestido e lenço na cabeça fez meus olhos lacrimejarem, minha avozinha se vestia assim e ficava no quintal regando as flores plantadas em tudo o que encontrasse pela frente. Dei um suspiro profundo ao me lembrar de quando passava os fins de semana em sua casa, ela bordava capa para tudo. O chão em vermelhão e o odor característico da cera em pasta, me fez lembrar de quando ela encerava a casa, me colocava no tapete e puxava para todos os lados. Enquanto eu brincava, a avó lustrava o chão, que saudade!
— Então, o senhor veio atrás do menino?
— O nenê vai embora? — uma moça de pele um pouco mais escura do que o homem, parou na porta com o Renatinho no colo, e pelo seu olhar de tristeza, já havia se apegado à criança.
— Joana, o moço diz que é o pai, mas não vai poder levar assim, a Elaine vai ter que resolver essa situação.
— O senhor está certo, não pode entregar a criança ao primeiro que aparecer — Rodolfo interveio.
— Eu posso? — Rafael se aproximou da garota que hesitou ao entregar Renatinho em seus braços.
— A Elaine me pediu para cuidar dele, eu... — a moça saiu chorando, nos deixando comovidos.
Depois de uma breve conversa, descobrimos que o garotinho de três anos, também era filho de Elaine, ela dizia para a família que trabalhava em um escritório e quase não aparecia por ali. O pai se chamava Sebastião, era pedreiro, mas no momento estava sem serviço, então tirou seu tempo livre para rebocar o quarto onde Renatinho ficaria com Joana, a irmã casada de Elaine que a poucos dias perdeu seu bebê recém nascido, e agora se apegou ao menino como uma luz para sair da escuridão da depressão em que se encontrava. As mulheres eram tão simpáticas que saí de lá com uma receita de pão recheado, e umas mudas de suculenta que vovó Luzia fez questão de me dar.
— Eu toco esse lanche a noite, é uma forma de ganhar um extra — disse o homem nos acompanhando até o portão.
— Eu vou providenciar o plano de saúde para o Renatinho e comprar umas coisas, preciso falar com Elaine o mais rápido possível — afirmou Rafael. — Aqui está meu cartão, o senhor pode me ligar a qualquer hora.
— Eu peço para a mãe, dar o recado.
— Tudo bem — Rafael apertou sua mão com firmeza, acenou para a senhora que nos observava da porta, e então, repetimos o gesto antes de ir para o carro.
— Por que ela disse que o pai do garoto é casado? — perguntei curiosa.
— Talvez não quisesse falar que era gay — Rafael deu de ombros.
— Ou o pai realmente seja outra pessoa, mas seria muito estranho ela ter procurado o Rafa, ter se beneficiado da casa de vocês sabendo que ele não era o pai — refleti.
— Que situação — Rodolfo balançou a cabeça negativamente. — Quando sai o resultado do teste de paternidade?
— Hoje ou amanhã, não me lembro, mas mesmo que seja o pai, eu não teria coragem de tirar o garoto dos braços daquela moça.
— Pensei o mesmo — Rodolfo tirou uma foto do terreno de esquina ao lado da casa.
— O que vai fazer? — perguntou Rafael quando o irmão levara o celular até o ouvido.
— Alô — Rodolfo fez um sinal com a mão para que o irmão aguardasse. — Doutor Solano, tudo bem? Sim, eu estou bem, vou te mandar uma foto, tenta ver para mim esse terreno, vi uma placa de vende-se gostaria de comprar.
Eu e Rafael nos entreolhamos sem entender.
— Sim, mas não é para mim, eu te passo o endereço e gostaria que intermediasse a negociação. Ok, fico no aguardo.
— O que vai fazer? — perguntou Rafael novamente.
— O senhor Sebastião precisa complementar a renda. Esse terreno é perfeito para colocar o trailer de lanche, tem mais visibilidade e espaço para ampliar, talvez colocar uma área coberta para acomodar os clientes, e ainda sobra espaço para o estacionamento.
— Amei a ideia, você dá o terreno, e eu dou um trailer novo com toda a estrutura para que ele consiga tocar com a família.
— Vocês estão falando sério? — minhas sobrancelhas se elevaram.
— Sim — Rodolfo afirmou dirigindo a caminho de casa. Ao invés de dar o peixe, prefiro ensinar a pescar.
Agora Rafael estava mais calmo, parecia que as coisas iriam se acertar, ao menos para ele. Porque Rodolfo continuava sério e parecia evitar a minha presença, nos deixou em casa e foi para sei lá aonde depois de receber uma ligação. Eu só rezava para que não fosse ver sua amizade colorida.
▬☼▬
Era noite de lua clara, eu estava debruçada na varanda observando a praia quando recebi uma ligação inusitada do Levi. Rodolfo havia saído para seu plantão e Rafael chegaria um pouco mais tarde devido a um compromisso de última hora.
— Cíntia, tudo bem?
— Oi Levi, tudo, sim. Aconteceu alguma coisa?
— Estou aqui perto, é que vim fazer um orçamento, e... enfim, tem umas coisas do Rafael no carro, posso deixar contigo?
— Pode deixar na portaria, mas estou sozinha, se quiser subir.
— Na verdade eu prefiro lhe entregar pessoalmente, se não se importar. Estou no carro será rápido, pode ser?
— Ok, estou descendo.
Não precisei prestar muita atenção para perceber pelo tom de sua voz que estava bastante abatido. O amor, para uns, é como mergulhar em um mar de rosas, mas para outros, acaba sendo uma queda livre em um emaranhado de espinhos, onde sair machucado acaba sendo inevitável.
— Tem certeza de que não quer entrar? — me debrucei na janela do carro que estava estacionado do outro lado da rua.
— Melhor não — ele respondeu com um suspiro profundo.
— Você vai mesmo embora?
— Já assinei o contrato com uma empresa de São Paulo, é uma construtora renomada, uma ótima oportunidade para um arquiteto em início de carreira feito eu.
— Fico feliz por você e ao mesmo tempo triste — murmurei vendo as lágrimas brotarem em seu rosto.
Em um impulso entrei no carro e o encarei...
— Levi, eu estava lá, aquele cara forçou o Rafael, e...
— Não tenta tapar o sol com a peneira, Rafael o ama.
— Eu vi o arrependimento em seus olhos, estive ao seu lado quando você e ele terminaram. Não estaria aqui te dizendo essas coisas se não tivesse certeza de que o Rafa está sofrendo muito com essa separação. Ele errou, isso é um fato, mas cara, vocês estavam se dando bem, se encaixam perfeitamente no mundo um do outro, e é visível que não querem ficar separados.
— Eu o vi pela primeira vez em um evento em São Paulo, ele emanava uma energia tão boa que logo me encantei — os olhos verdes de Levi voltaram sua atenção para a praia, mas exibiam um brilho tão grande que pude jurar que o mar era a última imagem que estava vendo agora. — Aquela noite o segui nas redes sociais e a cada vídeo eu me encantava ainda mais por ele. É bizarro, mas me viciei em seus vídeos me sentia tão íntimo.
— Destino talvez? — perguntei, recebendo uma risada nasal como resposta. — Não acredita?
— Não sei, mas um belo dia vim parar aqui e decidi curtir a noite na boate com os amigos, foi surreal, ele estava lá e veio dançar comigo — agora um sorriso fofo brotou em seus lábios. — Dançamos várias músicas e quando dei por mim estávamos nos beijando no meio da pista.
— Que clichê — eu ri.
— Sim, mas foi o melhor clichê da minha vida. Fiquei parecendo um adolescente e sequer imaginava que fosse me ligar no dia seguinte.
— Mas ele ligou — afirmei.
— Ele ligou e saímos outra vez, aí ligou no dia seguinte e no outro.
Levi recostou a cabeça no apoio do banco e apertou o volante em suas mãos.
— Eu sou bom em realizar grandes projetos, mas não tenho o poder de substituir um amor antigo no coração de ninguém.
Suspirei profundamente tentando encontrar as palavras para responder, mas elas simplesmente não existiam, é horrível se sentir assim, impotente diante de uma situação, mas esse era o sentimento.
— Ele chegou — disse Levi quando o carro do Rafael passou por nós e entrou na garagem do prédio.
Eu ia saindo do carro do Levi quando avistei o carro do Felipe encostando logo em seguida a frente do prédio. Ele desceu e gesticulou alguma coisa para o Rafael que caminhava de um lado para o outro, estavam a apenas alguns metros de onde Levi estava de punho cerrado observando a cena.
— Por favor, não vá embora, o Rodolfo disse que ele é agressivo e se o Rafa precisar, você pode me ajudar a defendê-lo — pedi com o coração acelerado, antes de caminhar rumo aos dois que discutiam próximo a árvore de frente ao prédio.
— Me solta, eu já disse que não quero falar contigo!
A voz do Rafael ecoou decidida enquanto eu atravessava a rua, bufando feito um touro bravo.
"Não posso bater em um advogado ele me bota na cadeia" , fiz uma nota mental ao me aproximar.
— Vem comigo, a gente conversa em outro lugar.
— Já disse que não quero, você acabou com a minha vida. Por sua causa eu perdi o Levi, vá embora Felipe!
— Você não quer que eu vá embora!
Felipe agarrou Rafael pelos braços, e o encarou.
— Solta ele!
Já era tarde para pensar na minha ficha limpa, o meu tamanco voou direto para a cabeça do advogado que recuou cambaleante.
— Tá maluca!
— Ele disse que não quer falar contigo, então pode caçar o caminho da roça, meu querido.
— Avisa essa surtada que eu não vou te atacar? — Felipe apontou para mim enquanto olhava para o Rafael que nos observava carrancudo.
— Eu não vou impedir que ela te faça engolir aquele salto, já disse que não quero conversar.
— Rafael, pela última vez, eu quero esclarecer as coisas. Dá para conversarmos em particular?
Rafael exibia um olhar perdido, ao menos que me pedisse, eu não arredaria o pé dali, não mesmo.
— Ele já disse que não quer conversar, você é surdo?
— Eu amo esse cara — disse Felipe. — Ele sabe que vivo uma pressão constante com minha família por conta de questões religiosas. Sabe que o grupo para quem trabalho me cobra uma postura impecável diante da sociedade e seria a minha ruína se me virassem as costas.
— Isso não te dá o direito de magoar meu amigo como vem fazendo. Você quer ter a sua vida perfeita para exibir em público enquanto ele tem que se esconder assistindo de camarote a sua encenação de noivo apaixonado. Aquilo foi ridículo, assim como a sua postura dentro daquele banheiro de posto de gasolina. Como advogado sabe que cometeu um crime, e não se faça de sonso!
— Eu sou louco por esse cara, perco a noção e assumo isso. Mas não posso dizer ao mundo que sou bissexual quando o meu pai é um líder religioso muito rígido. Quando a minha família pertence a um grupo fechado que vive de aparências, eu... eu posso ter uma esposa, posso cumprir com minhas obrigações matrimoniais, menos a fidelidade porque prefiro morrer ao ficar sem o homem que amo.
— Prefere morrer, mas não quer enfrentar o pai — afirmei irônica. — Ah, não insulte minha inteligência, olhe para o Rafael, ele mal consegue abrir a boca, acha que está feliz?
— Acha que eu estou feliz?
— Cadê a Emília, ela deveria participar dessa reunião.
— Ela sabe da verdade, eu contei.
Engoli em seco, voltando meu olhar para Rafael que tinha lágrimas nos olhos.
— Você contou sobre nós? — ele perguntou com a voz embargada.
— Ela não tem escolhas, se quiser ficar comigo terá que aceitar minhas condições — disse ele ao Rafael que agora o olhava de olhos semicerrados. — Podemos ficar juntos, foi por isso que vim te procurar.
— Você veio até aqui para me dizer que quer que eu seja seu amante pro resto da vida!
Rafael explodiu socando Felipe que caiu de costas na areia.
— Eu mereço bem mais do que uma vida de mentiras esperando pelo cara perfeito que está com a esposa em um jantar de família depois de sair da minha cama. Me recuso a viver me escondendo enquanto o "meu" homem desfila de mãos dadas com outra, eu mereço ser respeitado como qualquer outra pessoa e você não vai me fazer viver uma vida de merda como se fosse um criminoso!
— Você nunca me bateu — Felipe levantou atordoado.
— Você já, e eu te aceitei de volta. Te amei tanto que me sujeitei a fazer muitas coisas que não queria, mas acabou, eu não quero mais isso para minha vida. Por sua causa, aparentemente tenho um filho que não planejei, uma criança que, aliás, pode ser sua também. Quantas vidas vai destruir até entender que o mundo não gira ao seu redor!
— Já disse que perdi a cabeça aquela vez, por favor, Rafael, vamos nos entender.
— Vai doer, Felipe, vai doer muito, mas estou dando um basta. Não quero que me procure, não quero que se aproxime de mim, de preferência esqueça meu nome.
— Não posso fazer isso, eu te amo.
— Te desejo um feliz casamento, que quando chegar no céu ao lado de sua família perfeita não me encontre, eu sou um pecador.
— Rafa, por favor.
Respirei profundamente, e me afastei. Senti que dessa vez eles precisavam de privacidade, e para ser sincera, depois daquele soco de direita eu duvido que o Felipe tentaria qualquer coisa que fosse. Atravessei a rua sem olhar para trás, o meu amigo tomou as rédeas da situação.
Agora eu ria já imaginando o Rafael me apelidando de a surtada do tamanco voador.
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