Capítulo 06 O álcool é afrodisíaco

Minha vida virou uma montanha russa, e só piorou quando vazaram meu número e comecei a receber mensagens de ofensas, algumas de incentivo, e fotos, sim, fotos do Raul desfilando com ela, mas não eram atuais, fotos de eventos e lugares que eu deveria estar ao seu lado, mas ele deu uma desculpa para que ficasse em casa. 

Engraçado como depois que a bomba explode, sempre tem um para dizer que já sabia, mas quando você está sendo feito de trouxa, a maioria faz vista grossa. Essa era minha vida, e agora a minha maior decepção, eu me doei de corpo e alma a um homem que nunca mereceu. Por isso não me senti culpada por beijar outra boca e ficar suspirando depois. E se tivesse oportunidade, beijaria outra vez!

— Oi?

— Oi, eu te liguei para saber se melhorou — disse Rodolfo naquela noite, depois de quase sermos pegos em flagrante pelo seu irmão.

Ele precisou ir até o hospital atender uma emergência de grande porte, o que foi bom, porque estávamos soltando faíscas e tinha muito medo de meter os pés pelas mãos.

— Sim, o nariz está desinchando, já pareço um ser humano de novo.

— Boba, eu já te disse que você é linda de qualquer jeito.

— Obrigado por me fazer tão bem — falei com um sorriso bobo.

— Doutor Rodolfo, estão te aguardando no centro cirúrgico — disse uma voz feminina de fundo.

— Eu tenho que ir, isso aqui está uma loucura hoje, só liguei para saber como estava.

— É bom ouvir tua voz.

— Cíntia, eu não paro de pensar naquele beijo.

— Eu também não.

— Doutor, o senhor pode olhar esses exames, por favor, é do paciente que convulsionou.

— Vai lá salvar vidas, doutor, amanhã nos falamos.

— Sonha comigo, lora.

Foi a última coisa que ele disse antes de desligar.

Tudo o que vivi no passado foi muito diferente do que estava vivendo agora, parece que minha vida era tão morna, sei lá, nunca me senti tão bem. Levei tanta paulada da vida, que tinha medo de me acostumar com a felicidade e ter o meu tapete puxado outra vez.

"Cíntia, hoje chegaram as lembrancinhas e o pôster do casamento, eu sabia que a foto que escolhi ficaria boa. Meu Raulzinho está tão feliz, foi no apartamento e levou as tuas coisas, já até arrumamos, você vai amar as roupas novas que compramos. Não ligue para as intrigas que possam estar fazendo entre vocês, as pessoas não gostam de ver os outros bem. Nós te amamos norinha, curte as férias e volte renovada, teu casamento te espera."

Disse minha "sogra", dois dias após eu ter beijado outro homem.

— Não entendo essa obsessão agora, você nem gosta de mim — murmurei abrindo um vídeo que chegou juntamente com seu áudio.

Logo nos primeiros segundos as lágrimas desceram pelo meu rosto. Eles mudaram exatamente tudo no apartamento onde moraria com Raul após o casamento. O jogo de cozinha que eu tanto queria agora estava lá, o fogão dos meus sonhos, a geladeira, os eletrodomésticos todos na cor rosa. Na sala, o sofá com o tapete que a sogra disse que era cafona, agora estava ao lado da parede que que havia pedido para pintar de salmão, mas ela também não tinha deixado. 

Estava tudo como eu queria, mas o que mais me tocou foi a colcha de crochê que minha finada avó me deu de presente quando ainda era menina. Ela bordou especialmente para mim, eu sequer me lembrava de ter levado até lá, e agora estava sobre a cama juntamente com vários presentes e o meu enxoval que bordei durante anos para o dia mais especial da minha vida.

Queria dizer que aquele vídeo não mexeu comigo, mas foi exatamente o contrário. Era como se o filme da minha vida passasse diante dos meus olhos, a casa arrumada como sempre sonhei, a vida que eu tanto queria, mas nunca chegou a me pertencer.

— Por que não me deixam seguir em paz — murmurei em lágrimas quando meu telefone tocou.

— Cíntia, amor que bom que atendeu, eu queria muito falar contigo.

— Trocou de número?

— Sim, salva esse, por favor.

— Olha Raul, eu não estou bem, não quero falar com ninguém, e...

— Por favor, eu só preciso que me ouça.

— Raul, eu...

— Eu te imploro, preciso muito falar o que está me sufocando aqui dentro, me ouça ao menos uma vez.

— Eu não estou bem — falei com os olhos cheios de lágrimas.

— Eu também não.

Eu sei que deveria ter desligado o celular, mas não o fiz, eu deveria, mas não consegui e esse foi meu erro...

— Eu me lembro de quando te conheci, você era a garota humilde que vivia pelos cantos, linda e tímida. Eu me aproximei e logo me encantei por cada gesto, cada sorriso que me ofertava.

— Raul, por favor.

— Não Cíntia, me deixe falar, eu nunca consegui dizer como me sentia.

Não respondi, apenas soltei um suspiro profundo.

— Eu me aproximei de você porque não me tratou como o filho do deputado, e sim como o Raul, um homem comum. Você era alegre, atrapalhada e isso me fez querer estar cada vez mais próximo. Eu nunca tive carinho em casa, nunca vi meus pais demonstrando afeto, e quando convivi com sua família eu desejei aquela vida.

— Você me traiu, Raul.

— Eu cresci vendo meu pai em noitadas, mulheres e para mim era tão normal, sei que não justifica, mas não ligava muito para fidelidade. Eu fui um idiota contigo, não dei o valor que merecia e te perdi.

— Já passou.

— Para mim, não. Eu vejo a nossa casa, agora está do jeito que você queria, vejo as suas coisas, cara, dói. Achei que saindo e tentando tocar minha vida seria mais fácil, mas não rola, eu não estou conseguindo ficar com outra pessoa porque me vem seu rosto a todo momento. Cíntia, eu fiz tudo errado, mas nunca amei ninguém como eu te amo.

— Eu vi como beijou a Romana, Raul, você nunca me beijou daquele jeito. Ainda dói quando me lembro que disse que não chego aos seus pés.

— Eu falhei contigo, achei que deveria te tratar diferente, elas são experientes, vividas e você uma moça delicada que...

— Boa noite, Raul.

— Não desligue, por favor.

— Eu não tenho a vivência das mulheres que levou para cama, tudo o que sei aprendi contigo e apesar de ser delicada eu sou tão mulher quanto elas e merecia um tratamento melhor. Eu achei que era feliz, mas hoje vejo que nunca fui, eu só me contentava com migalhas.

— Eu quero conversar contigo, temos que fazer isso olhando nos olhos um do outro, não foi assim que começamos, então me recuso a terminar dessa forma.

— Boa noite, Raul.

Quando desliguei o telefone chorei feito uma criança perdida. Como pode doer tanto? Ele não foi o meu primeiro amor, mas foi o primeiro homem da minha vida, o homem que eu jurava que estaria comigo sentado em uma cadeira de balanço com a cabeça branca olhando o pôr do sol no campo. Eu era assim, romântica, sonhadora, e agora nem acreditava mais em relacionamentos. Talvez um dia esse trauma passasse, mas no momento até ouvir a palavra casamento, namoro, romance, me dava arrepios.

É incrível como eles me faziam sentir culpada por algo que não fiz, mudaram tudo para me agradar, mas só conseguiram me deixar pior do que já estava. Eu não incentivei ninguém a continuar com os preparativos do casamento, inclusive falei em áudios, ligações, só faltei mandar sinal de fumaça avisando que não adiantava levarem essa ideia adiante, a noiva não compareceria ao evento.

▬☼▬

Eu bem que tentei dormir, mas não consegui, a ligação do Raul me deixou muito depressiva. Estava sozinha em casa, o Rafael saiu com o Levi e passaria a noite fora. Olhei pela sacada e vi que a praia estava cheia, na ocasião estava tendo som ao vivo, parecia animado. Talvez sair um pouco ajudaria a distrair, ou não, mas resolvi arriscar.

"Vou dar uma volta, não estou levando o celular, a praia está cheia."

Digitei uma mensagem para o Rodolfo, nunca tive o costume de sair sem avisar.

"Sozinha?"

"Não vou longe, nem pretendo demorar."

"Aconteceu alguma coisa?"

" Eu só preciso pensar um pouco."

"Melhor levar o celular, nunca se sabe quando vai precisar."

"Está bem, depois nos falamos."

Coloquei o aparelho no bolso e desci completamente sem rumo. Não era costume sair sozinha, mas sempre tem a primeira vez e não pretendia ir longe.

— Um drink de morango, por favor — falei ao me sentar em um quiosque bem próximo ao fervo.

— Você é a moça que trabalha com o Rafael, não é? — perguntou o atendente.

— Sim, você o conhece?

— Ele está sempre por aqui, o Rodolfo está no plantão?

— Se quisesse me esconder já teria falhado — eu ri quando me entregou o drink.

Sabe a famosa dor de corno? Então, ela existe, e vem como uma porrada certeira quando ouvimos aquelas músicas sertanejas escritas por outro corno, porque não é possível acertar tanto. Eu já estava no quarto drink cantando e chorando sozinha na mesa, nem me dei ao trabalho de levantar, na primeira tentativa percebi que a vodca atacou a labirintite. Confia.

"Está tudo bem? Não me mandou mais mensagem."

"O mundo está girando, tem um cara bonito cantando uma música dizendo que é culpado por eu ter esfriado, que era para cuidar e me traumatizou. Acho que esse peste me conhece."

"O que você bebeu?"

"Um drink de morango com vodca, daqui a pouco vou dormir."

"Droga."

Foi a última mensagem que ele me mandou.

A dupla continuou cantando aquelas músicas que te fazem chorar até o chifre que nunca teve, e eu bebi mais dois drinks depois disso. Nunca fui de beber, mas queria muito que aquele sentimento de abandono fosse embora.

— O que faz uma moça linda beber sozinha em um paraíso desses? — perguntou um homem estranho se sentando na mesa comigo.

Ele era alto pele bem clara, cabelos e olhos tão claros quanto. Vestia uma camisa manga curta de botão, bermuda e chinelo, assim como muitos rapazes por ali. Notei que falava arrastado deveria ser estrangeiro, sei lá, já não estava raciocinando direito para decifrar.

— Eu vou... — tentei me levantar, mas o mundo girou.

— Calma, a noite está apenas começando — ele puxou a cadeira para mais perto. — Outro drink para a moça aqui, por minha conta.

— Já bebi demais, tenho que ir.

— Só um drink, não vou te morder — disse ele segurando minha mão.

— Um drink e vou para casa.

— Combinado.

Eu até tentei sair, mas o jovem começou a perguntar sobre minha vida e desatei a falar sobre como ganhei um par de chifres de aniversário e fui parar do outro lado do país. O drink que seria um só, virou dois e agora eu ria e falava sem parar, enquanto via o palco se distanciando sem sair do lugar.

— Ele me traiu e eu dei o troco, beijei um homem lindo e gostoso.

— Está certa, tem que aproveitar a vida — ele colocou novamente a mão sobre a minha.

— Eu nunca mais quero me casar, compromisso só dá dor de cabeça.

— Sim, você é jovem, linda, pode curtir sem se amarrar.

Agora seu rosto estava muito perto do meu, sua mão apertava minha coxa, e quando foi me beijar eu virei o rosto.

— Não, moço, eu não quero te beijar — falei me levantando.

— Calma, gatinha, é só um beijinho — ele segurou em minha nuca e insistiu.

— Ela disse que não quer, você é surdo?

Estreitei os olhos tentando focar no grandalhão que estava de braços cruzados ao lado da mesa.

— Rodolfo?

— Acho que é hora de ir para casa — ele disse em um tom sério.

— Esse é o... eu perguntei seu nome?

— Sou Mike, só estávamos...

— Igor, veja a conta dela, por favor — Rodolfo ignorou completamente o cara que tentava se explicar.

— Você não estava trabalhando? — perguntei quando me ajudou a levantar.

— Cuidado aí — disse ele quando minhas pernas falharam.

— Opa! — tropecei novamente e ri quando ele pegou nos braços, e atravessou a rua.

Não me recordo com clareza, só me lembro de entrar no apartamento e me jogar no sofá rindo sabe-se lá do que, e o Rodolfo bravo comigo.

— Ele me traiu, aquele corno. Quer dizer, ele não foi corno, mas merecia.

— Cara, que situação — ele dizia tentando me levantar. — Precisa de um banho.

— Me beija de novo?

— Não.

— Por que?

— Você está bêbada.

— Eu não estou bêbada, é labiridito.

— É o quê?

— La-bi-ri-di-to, aquele trem que dá na cabeça e faz a gente ficar tonto.

Eu mal conseguia me equilibrar sobre as próprias pernas.

— Nunca ouvi falar.

— É médico e não sabe o que é isso?

— Misericórdia, Cíntia vamos tomar banho.

— Você tá rindo, Rodolfo?

Sim, ele estava rindo aquele abusado.

— Não, eu não estou rindo.

— Está sim, eu to vendo.

— Banho, Cíntia, vamos?

— Vai tomar banho comigo? — perguntei segurando em sua camisa.

— Não.

— Estraga prazeres.

— Cíntia, me ajuda a te ajudar?

— Você é gostoso, tem um traseiro lindo. Dá vontade de apertar, sabia?

— Não, eu não sabia.

— E essa barriga, eu falei para Manu que o irmão do Rafa é gostoso demais e ela me chamou de tarada. Ela nem sabe o que é isso, minha amiga nunca viu pessoalmente um homem nú. Quando ver é bem capaz de sair correndo.

— Tá, venha comigo eu vou te ajudar.

— Não quero!

Me desequilibrei e caí sentada no chão enquanto ele tentava me levantar.

— Você beija muito bem, fica fazendo uns negócio assim, dá uma quentura — tapei a boca como se me repreendesse. — Será que vou pro inferno por ficar pensando nessas coisas?

— Sim, mas só depois do banho, anda.

— Eu já tomei banho, estou cheirosa pode conferir — abri os braços enquanto ele me puxava pela cintura.

— Que prova de fogo é essa, meu pai?

— Não, não, fogo, não. Fogo é perigoso, eu quero beijar de novo, essa boca tá me chamando.

— Pare — ele segurou minha mão quando tentei beijá-lo.

— Ele diz que me ama e me traiu; você não quer me beijar, eu sou um desastre como mulher!

Agora foi a fase do choro e auto piedade, bêbado só faz vergonha.

— Cíntia, não me obrigue a fazer glicose em você.

— Eu sou moça de família, me respeita — cruzei os braços à sua frente. — Vou para o inferno, Rodolfo, por sua culpa. Está me desviando do caminho, você é minha perdição.

Eu sabia o que estava fazendo, mas era como se não comandasse minhas reações. Não tinha controle sobre meu corpo, quem dirá sobre minhas palavras, só me lembro de flashes, onde ele me colocou embaixo da água gelada, limpou o chão vomitado quando eu dava ânsia outra vez. Só sei que acordei no dia seguinte com a roupa do lado avesso, uma puta dor de cabeça, e o desejo enorme de tudo ter sido um sonho. Ao menos a parte em que ataquei o Rodolfo descaradamente.

— Ah, minha cabeça — reclamei me sentando na cama.

De onde estava, pude avistar meu reflexo no espelho do guarda-roupa, olheiras gigantes, cabelo armado e cara de derrota. Minha dignidade deveria estar fugindo rumo a linha do horizonte naquela altura.

— Está tudo bem? — perguntou Rodolfo apontando na porta do quarto que estava entreaberta.

— Tirando tudo o que está ruim, estou ótima — fiz uma careta dolorida.

Ele alcançou um comprimido e uma garrafa de água que estava sobre a mesinha de cabeceira, e me entregou enquanto me observava em silêncio.

— Acho que não foi um sonho, então te devo um pedido de desculpas, antes de ouvir o sermão — franzi o cenho levando a mão até a cabeça tomando uma boa quantidade de água.

— O que o Raul e a mãe estão fazendo contigo, é uma tortura psicológica.

— Como sabe que foi...

— Você me contou, me deu o celular para que eu visse o vídeo. Foi muito baixo o que aquela mulher fez, é nítido que quer te manipular, para ficar com a consciência pesada e voltar para o filho dela.

— O apartamento está do jeito que eu queria, ele me ligou, disse que me amava, fez uma declaração de amor tão linda.

— Vou me reservar o direito de me manter calado.

— Eu balancei, Rodolfo, assumo, mas não foi por ele, foi pela vida que sonhei e me foi tirada. Me dediquei por meses aos preparativos do casamento, fiz planos, vivi cada momento na ilusão de que quando nos casássemos seria diferente.

— Você foi iludida.

— Acreditei que pudéssemos ser felizes, e vi meu mundo ruir naquela boate. O Raul destruiu qualquer possibilidade de eu confiar em ter outro relacionamento.

— Por mensagem escrita não tinha como saber que estava tão mal, poderia ter me ligado, eu teria vindo te fazer companhia, era só disso que precisava. Colo.

— Você estava trabalhando, eu...

— Eu vim, não vim?

— Sim e me sinto envergonhada por isso. Saiu do trabalho para encontrar uma bêbada surtada.

— Eu saí do trabalho para encontrar uma pessoa com quem me importo. Não ia conseguir ficar bem se não viesse, senti que precisava. Só te peço que tome cuidado, você e álcool não combinam.

— Eu não vou beber mais.

— Todo mundo fala isso.

— É sério, não tenho costume de ingerir álcool, foi um momento de fraqueza.

— Por mais complicada que a situação possa parecer, jamais procure alívio no álcool, além de não ser a melhor opção, você pode contrair grandes problemas, você fica... — ele balançou a cabeça negativamente. — Cuida, porque pode fazer algo do qual se arrependa.

— Eu te ataquei, não é? Me desculpe.

— Eu nunca te tocaria naquela situação, mas o cara lá não pensaria duas vezes — ele respirou profundamente, e me olhou uma última vez antes de sair do quarto. — Não beba mais quando estiver sozinha.

Eu sempre fui uma garota romântica, mas nunca atirada, não fazia ideia de que mudava tanto sob efeito de álcool. Foi a segunda vez que passei do ponto e o resultado foi catastrófico, me causando um sentimento popularmente conhecido como vergonha. O Raul era cheio de pudores se tivesse me visto tão solta, na certa me repreenderia, mas não era culpa minha se no meu caso, o álcool é afrodisíaco.

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