7 - What the fuck are perfect places anyway?

Every night, I live and die

Feel the party to my bones

Watch the wasters blow the speakers

Spill my guts beneath the outdoor light

It's just another graceless night

Perfect places, Lorde



24 de março, terça-feira

Na madrugada de segunda para terça-feira, Julieta despertou. Olhou ao redor, ainda era noite. O quarto escuro, a luz da rua entrando um pouco pela fresta da cortina. O lugar estranho.

Olhou Julieta deitada na cama. As duas não se pareciam nem um pouco. Julieta recém acordada era loira, cabelos lisos, renascentista, uma criança no corpo de uma criança que já deveria agir como adulta. Julieta ainda dormida era brasileira do sudeste, ou seja, bronzeada em umas partes, branca demais em outras, cabelo ondulado que faz cachinhos dependendo do corte, da finalização, do clima, dos produtos, da vontade própria, e que no momento tinha um corte chanel repicado que ela mesma fazia e usava bagunçado.

De personalidade também diferiam. Julieta acordada era apaixonada. Julieta dormida talvez entendesse o que era isso, mas não sentia com tanta frequência quanto todos cobravam. Talvez por isso Julieta agora estava acordada. E acordou a outra, porque sozinha não acordaria. Não tinha o costume de acordar no meio da noite depois que aprendeu a não tomar água perto da hora de dormir.

Agora acordada, ao ver a outra parada ao pé da sua cama, Julieta abafou um grito nas cobertas ao mesmo tempo que cobria a cabeça. Era demais para ela começar a ver fantasmas em todos os lugares. Ela não queria nem mesmo sonhar com fantasmas no seu quarto escuro no meio da noite, porque sonhos realistas assustam também. Naquela luz, a Julieta de pé parecia mesmo uma assombração. Não parecia menos do que simplesmente ser alguém que a Julieta deitada não conhecia, principalmente às 4 da manhã, e isso já era apavorante.

— Eu também não queria estar aqui. Definitivamente não estava em minha lista de desejos — disse Julieta de pé em um tom altivo como se saída de um filme inglês dublado em português nos anos 80.

Mesmo que bilíngue, sonhar em inglês ainda não era a praia de Julieta.

Julieta debaixo das cobertas gemeu de medo. Esperou, esperou. Não ouviu mais nada, resolveu espiar. Ela gostava de filmes de terror, mas nunca imaginou viver um, porque sabia que seria covarde com um espírito de cara feia e indo para cima dela. Ela sequer tinha pesadelos com frequência. Sua vida era boa demais para ela aguentar aquilo como realismo fantástico. Seria fantástico quando deixasse de ser realista.

Porém, mesmo com pensamentos tão positivos para o desaparecimento da aparição, quando abaixou a coberta na altura dos olhos, ainda a viu lá, parada, infantil, loira, cinematográfica, aparentemente sorrindo, no escuro, iluminada pela pouca luz que vinha de fora.

— Devia ter fechado a cortina — choramingou Julieta deitada, tapando a cabeça outra vez. O coração disparado.

— Podemos estender isso ou podemos conversar. São as duas únicas opções. Posso ficar parada aqui o tempo que for, posso voltar amanhã, e depois, e depois e todos os seus depois disponíveis. Sem pressa. Eu tenho um objetivo.

Ela choramingou um pouco mais. Respirou fundo, tentou voltar a dormir para sonhar com outra coisa ou voltar a dormir para conseguir acordar. Não queria que fosse voltar a dormir para dormir mesmo porque não queria estar acordada. Queria que fosse um pesadelo e que acabasse logo. Mas, também foi sem sucesso. Já sufocada pela coberta, a abaixou mais uma vez. E lá estava a menina, de roupas antigas e cabelos soltos.

Julieta desistiu, rápido, para o seu próprio bem, de surtar e resistir àquilo. Se virou de barriga para cima, jogando os braços para os lados e fechando os olhos por um momento.

— O que está acontecendo? — Perguntou, tentando não falar alto, ao fantasma ou à projeção da sua mente, o que quer que fosse a Julieta loira.

— Você já sabe quem eu sou, não sabe?

— Não.

— Bem, me chamo Julieta.

Ela abriu os olhos, abaixou a coberta e se sentou na cama.

— Você é algum tipo de alter ego loiro meu?

A de pé riu.

— Não! Vou facilitar muito as coisas ao explicar e me apresentar. Muito prazer, meu nome é Julieta Capuleto, filha de Capuleto, também filha de Shakespeare. Sei que você já me leu.

Julieta, não a Capuleto, mas a Ferreira, riu.

— Então... Você é algum tipo de alter ego literário?

Ela fez cara de pensativa e deu uma volta por aquela parte do quarto, na frente da cama.

— Literário parece se encaixar melhor que loiro. Não sou algo relacionado ao seu... cabelo...

— Mas à minha maldição com a literatura?

Capuleto fez uma careta de "mais ou menos" e se sentou na cadeira da mesinha de Julieta.

— Literatura e interior — respondeu.

Julieta riu.

— Parece que estou precisando de uma designer de interiores?

— Ah, é! Você é piadista! Humor é sempre bom.

Julieta suspirou de cansaço.

— Queria dormir — pediu.

— Não, temos muito o que conversar — disse animada. — É para isto que estou aqui.

— Ah, é? Pois eu tô esperando respostas então. Não sei que perguntas mais fazer, mas você sabe o que responder.

— Bem, vamos lá. Vi que você acha que tem novas amigas! — Disse Capuleto.

Julieta a olhou por um momento e deu de ombros.

Apesar de ver seu rosto desde o início, era difícil ver todas as suas expressões também e muito por causa do sono. Mas ela pareceu saber que essa seria a resposta.

— E suas outras amigas? — Perguntou Capuleto, provocando.

Julieta caiu na provocação, se sentiu um pouco ofendida.

— São minhas amigas também ué.

— E se falam com frequência?

— Falo com elas ué. Normal.

— Normal? Quando falou com cada uma pela última vez?

Julieta pensou. Não se lembrava.

— Pode olhar no celular. Eu espero — seguiu.

Vencida, sem forças para lutar, Julieta pegou o celular na mesinha ao lado. Tirou do fio do carregador. Abriu o aplicativo de conversas. Uma delas, dois dias antes. A outra, três dias.

— Mas isso é normal — se defendeu. — A gente fica dias sem se falar às vezes mesmo. Estamos todas ocupadas.

— Desculpas.

— Tudo bem.

— Não, não peço desculpas. Digo que o que você diz são desculpas para o seu abandono das suas amigas.

— Elas também não falam comigo na mesma frequência. A gente se procura quando tem algo para falar. Não são desculpas.

— Desculpas.

Julieta suspirou. Depois, acendeu a lanterna do celular e mirou na direção de Capuleto. Ela apertou os olhos com a luz na cara.

— Pare de fingir que tá aqui de verdade — disse Julieta.

— E se estiver? Enquanto continuar me vendo, quem vai te convencer que não?

— Eu mesma? — Desligou a lanterna.

— Não, não será tão fácil assim. Eu posso ser bem insistente quando preciso. Quando quero.

— Sobre o que é isso, então?

— Primeiro, sobre amizade.

— Ok, tudo bem. Vou dar mais atenção às duas. Falo com elas em um horário normal, não agora.

— Pronto! Podemos passar ao tópico: amizades?

— Quê?

— Isso mesmo, com interrogação. Porque as suas duas amigas da vida, tudo bem, vai falar mais com elas nem que seja... abobrinha. Mas e essas duas com quem está há uns dias? Você tem certeza...

— Não — a interrompeu Julieta. — Não me coloca nesse caixinha de frieza não.

— Se não é frieza, é o que? Você admite o que sente? — Julieta deu de ombros querendo perguntar "Como assim?". — Por isso a interrogação. A Carina e Mariana, tudo bem, são amigas há muito tempo. Paloma não vou nem comentar agora, isso é assunto para outra hora. Mas a Luiza e a Fernanda, você se juntou a elas pelo trabalho do grupo, porque estavam andando juntas e pareciam poder te ajudar. Você foi com a cara delas, só não quer admitir o quanto. Você quer estar com elas. Mas ainda as está usando. Seu lado ruim é mais forte que seu lado bom.

— Não é bem assim. Eu gosto delas — disse quase se exaltando.

— Gosta, mas as duas estão envolvidas numa teia onde que você está evitando se jogar.

— Mas, se for lance delas...

— Não, não é só isso. Pode ser mais de um lance, pode ter um lance seu também. Porque pedir ajuda com os poemas, tentar se enturmar, não se sentir integrada, ou envolvida, e deixar que Romeu acabe com você quando anunciar qual livro vocês lerão amanhã? — Ela deu uma risada. — Aliás, adorei a ironia do nome dele.

— Eu nem um pouco — disse aborrecida. — Será que é só por isso que ele pega no meu pé?

— Não.

Julieta fez um bico pela descoberta fracassada, se esquecendo que aquilo podia ser um sonho louco e não um espírito real que sabia das coisas. Afinal, ela a estava atormentando com coisas que ela achava que tinha entendido há um tempo.

— Não entendi o que tenho que fazer com as meninas.

— Você é ingrata. Elas não tinham obrigação nenhuma de te enturmar.

— Não enturmaram por obrigação? Tem certeza?

— Eu sei das coisas.

— Então tenho que confiar numa aparição que pode ser coisa da minha cabeça?

— Pensa bem: qual seria o ponto ruim de confiar em mim? E pensa bem: não seria legal ser, pelo menos, mais grata a elas? Pelo menos a elas? Não vai doer nada.

— Tá. Posso fazer se isso for te fazer me deixar dormir.

Respondeu isso, mas não queria se deixar levar por aquelas ideias. Ela sabia o que sentia, sabia que era diferente porque os outros lhe cobravam coisas muito além disso. Mas ela sentia. Ainda sentia.

Capuleto a olhou com um olhar reprovador, mas ao mesmo tempo que dizia que já sabia como Julieta ia se enganar com aquilo em um futuro não muito distante. Então se despediu e se foi, andando em direção a uma parte escura do quarto, sumindo logo em seguida, como uma típica aparição.

Mas Julieta não voltou a dormir logo em seguida. Ficou um tempo pensando naquilo, olhando aquele canto escuro. Coisa da cabeça dela ou não, aquela aparição ali havia aparecido porque parecia saber das coisas. E talvez ela tivesse razão. Ela se aproximou das meninas por interesse, mas até que gostava delas, e elas a ajudaram de bom grado, sem cobrar nada. Ela realmente sentia que precisava começar a ser mais grata por algumas coisas.

A semente estava plantada. 

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