3 - Julieta, daughter of Capulet?
Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.
Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei
Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante às sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.
- Álvaro de Campos
19 de março, quinta-feira
Julieta não era grande fã de escrever sobre o que lia contra sua vontade. Queria ser professora de inglês e não de literatura, sempre dizia. Nem escritora nem leitora profissional, mesmo que gostasse de ler, mesmo que alguns livros fossem até bons de conversar sobre. Mesmo que um professor mandar que lessem Orgulho de Preconceito na universidade fosse... um tanto inusitado, disseram os veteranos. Todos ficaram felizes quando descobriram a leitura no primeiro dia de aula, mas todas as pequenas leituras de contos e as micro resenhas que eles fizeram no decorrer do semestre, como preparação para a resenha principal, foram tortura para Julieta. Ela só queria deixar de existir sempre que precisava se sentar para escrever.
"É uma verdade universalmente conhecida que o livro é até interessante, mas esse tipo de trabalho é uma merda." — ela escreveu, com fonte Comic Sans, em um momento desses, e sempre se lembraria dessa resenha. Alguns meses depois até conseguia rir da situação. Estaria rindo mais se, como punição para essa frase que, infelizmente, o professor viu, ela não estivesse participando de um clube do livro obrigatório onde precisava... falar e escrever sobre o que lia.
Naquela quinta-feira à tarde, ela estava sentada nas mesas de estudos de fora da biblioteca, como na noite anterior, para dar um tempo do almoço e tentar ler seu poema a ser trabalhado na semana seguinte. Diferente do dia anterior, se esforçou para não se irritar e estragar seu processo de leitura. Percebeu que teria que se esforçar mais que o normal para aquele clube, porque Guimarães jamais a deixaria em paz. Já não deixava porque eram Romeu e Julieta — e por isso ela odiava seu nome desde o início da graduação.
"Não mais que aquela garota" — pensou, se lembrando de Luiza.
E, como dizem, falando no diabo, Luiza apareceu no campo de visão de Julieta. Estava acompanhada de Fernanda. Julieta tinha certeza que as duas tinham se conhecido no clube do livro e em uma semana já estavam tão amigas?, se perguntou. Na verdade, as duas não pareciam se falar muito até o dia anterior também...
— Será que estão estudando esses poemas juntas? — se perguntou dessa vez em voz alta, como se ninguém ao redor pudesse ouvi-la. — Espertas.
Seu celular vibrou. Ela o desbloqueou e esqueceu das meninas por um momento. Havia um e-mail do professor Guimarães — usando a mesma fonte que ela usou naquele documento horrível que entregou sem querer como trabalho no semestre anterior. Ele sabia provocar.
"Boa tarde Julieta,
não quis falar perto das meninas, mas sua análise do conto ontem não me convenceu. Só quero te lembrar que isso não é uma punição, mas também não é brincadeira. Espero que você se esforce mais.
Guimarães"
— Eita... — Soltou em voz alta outra vez em um tom meio pânico, meio ódio, dessa vez assustando alguns ao seu redor, mas ela sequer percebeu isso.
Quis responder "VOCÊ PODIA TER PEDIDO PRA GENTE LER POE, CORTÁZAR, OU SEI LÁ, ALGUMA MULHER! MAS NÃO!!! BUKOWSKI? BUKOWSKI??? SÉRIO????? VÁ TE CATAR SÔ", mas seu juízo agora pensava duas vezes. Ela nunca mais escreveria algo que não pretendia que alguém lesse. Com a sorte que tinha, se escrevesse esse e-mail, de alguma maneira ele seria enviado.
Levantou o olhar do celular e, automaticamente, procurou as meninas como se seu inconsciente já soubesse que as duas eram algum tipo de salvação. Teve uma ideia concreta quando as encontrou. Mal pensou direito e já se levantou, indo na direção delas, dessa vez julgando que não precisava pensar duas vezes, afinal como poderia ser uma má ideia? As duas já estavam longe, então Julieta correu.
"Ao menos longe de Shakespeare, Julieta pode ser salva uma vez!" — pensou enquanto corria.
— Oi — "disse" Julieta, parando-as quando as alcançou. Estava ofegante.
As duas responderam, reconhecendo-a do clube do livro. Ela apoiou as mãos nos joelhos e respirou fundo.
— Calma, a gente espera — disse Fernanda, bem-humorada.
As três riram.
— Desculpa — disse Julieta, se endireitando. — Queria perguntar se vocês estão estudando os poemas juntas, porque estou desesperada.
Luiza sorriu, solidária. Não estava desesperada, mas aquela era, definitivamente, a área de Fernanda.
— Sim, eu tô ajudando ela. Podemos fazer juntas — respondeu Fernanda e olhou para Luiza, que assentiu. — Estávamos combinando de ir pra casa dela amanhã no fim da tarde, depois de uma reunião que tenho.
— Por mim tudo bem — aceitou Julieta.
— Nós vamos de ônibus, então se quiser nos encontrar ali na lanchonete do nosso bloco... Qualquer coisa nosso número está lá no grupo do clube.
— Combinado então. Até amanhã.
Assim, Julieta tinha uma ajuda para se livrar de Romeu. Também, porque os poemas escolhidos para elas eram da coletânea Sonetos de amor e desamor, ou seja, falavam de algo que Julieta não conseguia discutir com muita propriedade, afinal, como explicar uma ferida que dói e não se sente?
-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
Julieta chegou em casa mentalmente exausta, mas satisfeita, de certa forma. Não gostava de pedir ajuda, mas aquele caso era crítico. Tomou um banho e se deitou. O corpo não estava cansado o suficiente para dormir imediatamente, mas também não tinha forças para preparar algo para comer. Pegou o celular para ver se tinha mensagens.
Paloma
eai, como foi seu dia bb?
Julieta
o de sempre ☹
mas acho que consegui ajuda praquele maldito clube do livro
Paloma
sério?
qual?
Julieta
duas das outras garotas do grupo
parece que já estão amigas
acredita que o romeu me mandou um email falando que não gostou da minha análise do conto?
quase respondi "minha amiga gostou 😡"
mas aí já vi as duas andando juntas e corri lá
vamos estudar na casa de uma delas amanhã
Paloma
vc fazendo amigas
..........
quem diria
Julieta
haha
sou mais é intrusa no meio delas isso sim
Paloma
duvido
você só fala 'sou intrusa' e aí pá 3 anos de amizade
Julieta
você não conta
a ligação aqui foi especial 😉
Paloma
não brinca assim com o meu coraçãozinho cheio de buraquinhos 💔
Julieta
sorry 😔
Paloma era a pessoa mais próxima que Julieta tinha. Seus pais eram os típicos pais distantes, aqueles que lhe provém tudo, menos carinho diário. Porém, como Julieta nunca teve aquilo, ela mesmo chamava de "Puxação de saco diária". Além disso, suas amizades da escola acabaram se mostrando apenas coleguismo, porque ficaram pelo caminho. Às vezes ela achava que o problema era ela mesma, que ela era ruim em manter pessoas, porque na maior parte do tempo isso não a incomodava. Era apenas uma constatação. Por isso Paloma era tão especial: ela sentia que, se algum dia ficasse sem ela, não seria mais ninguém. Ela não era Julieta, era Julieta que tinha Paloma como amiga.
Mas essa amizade não começou como uma amizade, ao menos para Paloma. Ela se aproximou de Julieta por outro motivo, mas acabaram ficando amigas quando a garota não demonstrou nenhum tipo de atração por ela. depois, quando já íntimas o suficiente, conseguiram esclarecer tudo. Primeiro: Julieta sequer tinha percebido a atração de Paloma, segundo: Julieta não costumava sentir esse tipo de coisa "gratuitamente", como ela dizia. Paloma sempre brincava sobre seu coração partido por Julieta, mas esta mantinha a relação no campo da amizade.
Mas não era por não querer mesmo. Julieta só não refletia muito sobre si mesma, porque entender-se lésbica tinha lhe demandado energia interna demais na adolescência, ainda que atualmente parecesse que não. Então, se não sentia logo, não procurava no fundo. Sabia que amava Paloma, mas não sabia se amava do jeito que a garota queria. Não saber também não queria dizer não sentir, mas... bem, ela preferia não saber que tentar saber e ficar confusa. Julieta odiava confusão e aquela com o professor Romeu já que tirava toda a energia.
20 de março, sexta-feira
No dia seguinte, quando se encontrou com as meninas no local combinado, Julieta estava nervosa. Não sabia como dizer a elas que não tinha absolutamente nada para dizer sobre seu poema, não sabia o que era um coração de lua, não tinha a mínima ideia do que Augusto dos Anjos quis dizer. Então, ficou todo o caminho em silêncio, enquanto Fernanda e Luiza já pareciam amigas de longa data.
— Aqui, logo vamos passar pela casa — disse Luiza, certo momento, chamando a atenção das duas pela janela, ainda que Fernanda soubesse exatamente o que era.
— Que casa? — Perguntou Julieta, por impulso.
— Uma velha e fechada, que parece bem abandonada há um tempo, que eu tenho vontade de entrar pra tentar me inspirar pra minha história.
— Você escreve — comentou Julieta em um tom de surpresa.
— Tento. Queria tentar fazer algo mais pro terror dessa vez, pro clube de escrita.
— Você gosta de um clube... — comentou Julieta, fazendo Luiza rir.
Fernanda se levantou do nada e tocou o sinal do ônibus. Luiza a olhou com dúvida.
— Vamos descer — disse Fernanda. — Tenho uma surpresa.
— Não quero invadir a casa! — Disse Luiza.
— Não é invasão — disse enquanto o ônibus parava e desceu. — Vamos!
As outras duas se levantaram e desceram rapidamente.
O sol já descia, não fazia mais calor. Fernanda andou na direção da casa e as outras duas foram atrás. Ela sabia que precisavam descer naquele ponto ali, antes de passar pela casa, porque o da frente ficava mais distante. Então, apenas quando chegaram na frente do lugar Julieta pôde ver o quanto a casa estava mesmo largada. O muro era alto e ainda assim estava tomado por plantas que, anos atrás, talvez fossem cuidadas. Fernanda foi direto ao portão, parou e as olhou.
Então, tirou as chaves do bolso da frente da mochila.
— Que...? — Luiza quis perguntar. Não sabia como.
— Essa casa... é minha.
Rodou a chave no dedo, brincando.
As duas ficaram paralisadas, como se esperassem que ela dissesse que era brincadeira. Então, ela colocou a chave na fechadura, girou o chaveiro com alguma dificuldade e abriu o portão.
— Posso mostrar as escrituras depois... — brincou enquanto entrava no lugar.
Luiza riu por ter falado da sua obsessão por aquela casa com uma única pessoa, essa pessoa ser uma desconhecida que conquistou sua confiança como uma sereia e era justamente a dona da casa. Pensou que poderia escrever um conto sobre aquilo, algo insólito, sobre destino, sereias ou, quem sabe, sorte.
Assim que colocou o primeiro pé para dentro do portão, Luiza já sentiu algo. Histórias demais passaram pela sua cabeça, como se cada ideia fosse um pingo de chuva caindo depois de um dia bem quente. Havia se esquecido, por um momento, até da surpresa da nova amiga. E que surpresa para quem praticamente conheceu no dia anterior. Depois pensaria nisso. Pensaria bastante.
Julieta estava acompanhando as duas, deixando a vida rolar, sem processar bem o inédito que era aquela aventura. Fernanda fechou o portão atrás delas e foi até a porta da frente. Desde ali, podiam perceber que
— Há quanto tempo está fechada? — Perguntou Luiza.
— Ah... minha avó faleceu em... 2003, então ninguém mais morou aqui. Minha mãe pediu para limparem algumas vezes, mas morreu em... 2013. Desde então está totalmente fechada, até onde sei.
— Sinto muito — falaram juntas Luiza e Julieta.
— Tudo bem. Aprendi a guardar — comentou vagamente.
Vagamente, porque já não sentia se tinha aprendido mesmo, e tudo caiu por terra logo em seguida, quando pisou no hall de entrada da casa e olhou ao redor. Ela não se lembrava da última vez que esteve ali. Na verdade, as memórias dali pareciam inventadas por ela. Eram tão profundas que pareciam falsas. O piso era de madeira e escuro, e ela se lembrava de correr por ali, como se brincasse com alguém. Mas ela não tinha primos. Sua mãe era filha única, ela era filha única. Se estivesse correndo por ali, seria brincando sozinha ou com alguma das duas adultas, mas não se lembrava de brincar com nenhuma delas nem de ser uma criança que era boa em brincar sozinha. Também não se lembrava de ter amigos imaginários nem vizinhos. Foram sensações estranhas demais que a invadiram ali naquele lugar.
Luiza olhava de um lado para o outro, vendo como alguns móveis ainda estavam ali, coberto por lençóis, e como as janelas e portas fechadas deixou tudo com um cheiro estranho. Ao menos estava tudo bem fechado e não havia tanta sujeira ou folhas no chão, como geralmente se vê nas casas abandonadas de filmes. Essa era a imagem de Luiza tinha de casas fechadas. Essa era a imagem que Fernanda tentava ignorar da casa da avó.
Se arrepiou como se a avó tivesse sido abandonada por tanto tempo, não a casa.
— Você vinha muito aqui... — Perguntou Luiza. — Antes...
— Não... — respondeu sem nenhuma certeza. — Mas tô sentindo como se viesse, sabe?
— Você ainda se sente aqui... Como se, de certa forma, o tempo não tivesse passado, se aquilo não tivesse acontecido.
Fernanda olhou bem para Luiza. Foi incrível como ela a entendeu tão rápido e sobre algo que ela mesma não estava entendendo ainda. Foi um choque a duplicidade estranha daquele momento: por um lado, estavam aqueles sete anos de luto pela mãe que ela nunca conseguiu viver de verdade; por outro lado estava aquela fenda no tempo que a levou quase diretamente para um tempo antes daqueles sete anos, um tempo em que a mãe estava viva e as duas estiveram juntas na casa velha e fechada.
Ela suspirou e Luiza entendeu que era aquilo mesmo e que talvez ela quisesse sentir aquelas coisas um pouco mais sozinha.
As três andaram por toda a casa, inclusive o segundo andar. Os quartos eram claramente quartos, tinham camas, armários, não eram salas nem tinham sido outros cômodos, mas pareciam mais vazios do que se não tivessem móveis ali. Estavam havia tempo demais sem dono.
No final, se encontraram novamente as três na sala de estar, nos três sofás grandes, a mesinha de centro. Abriram as janelas que conseguiram abrir, tiraram o pano dos sofás com cuidado e verificaram se era seguro se sentar. Luiza e Julieta estavam mais falantes, Fernanda estava calada, pensando, sentindo.
O dia ia embora lá fora, não havia energia ali. Luiza tirou logo o caderno de rascunhos da mochila e começou a escrever mesmo com a pouca luz.
— A visita foi boa — comentou Julieta para ela.
Apesar do ar ficando estranho, bom e ruim ao mesmo tempo, Luiza estava feliz. As coisas fluíam pelos seus dedos como havia muito tempo não acontecia.
Enquanto Luiza escrevia, a luz enfim terminava de sumir. Fernanda ligou a lanterna do celular e colocou sobre a mesinha de centro. Julieta ligou a do seu também e colocou de pé para dar uma luz de outro ângulo, e Luiza ligou o seu e segurou na mão para completar e iluminar melhor o caderno.
— Por que a casa está fechada? — Julieta perguntou.
— Hun. Não sei dizer. Depois que minha avó se foi... Nós não podíamos vir morar aqui.
— Por quê?
Ela hesitou um momento. Deu de ombros primeiro. Ruminou a resposta.
— Moramos perto da minha avó paterna — respondeu por fim.
— Ah. Acho que entendi.
— E ela já estava bem maltratada também... Precisava de alguma reforma pra alugar. Lembro da minha mãe falando que preferia que nenhum estranho morasse na casa da mãe dela. Depois... — Deu de ombros. — Eu acho que guardei tudo fundo demais, e meu pai não quis mexer no que é meu sem me perguntar, muito menos me perguntar por que, sei lá, o assunto podia me machucar ou eu adolescente tomar alguma decisão que me arrependeria depois. O tempo foi passando, a casa ficando...
Um vento uivou lá fora, como se a casa ficasse no topo de uma colina, uma dessas de ventos uivantes. Elas olharam para a janela que conseguiram abrir. Ainda que não estivesse entrando brisa ali, elas sentiram um arrepio. Isso tirou Luiza do limbo da escrita. Elas olharam ao redor, o cômodo iluminado pelas lanternas dos celulares, alguns cantos já mergulhados na escuridão. Um breve silêncio, mais uivos de vento, mais arrepios, nada de vento real.
— Isso não faz sentido... — Comentou Julieta quase sussurrando.
Ela nunca tinha sentido medo de nada relacionado ao sobrenatural, então tentava se convencer de que logo descobririam a resposta natural para aquilo.
Luiza acreditava, mas suas experiências tinham sido pequenas demais para ela reparar ou ver um padrão, para entender se era médium ou não.
Fernanda estava com medo. Um medo estranho do desconhecido tomou conta do corpo dela, também sem explicação. Ela só sentiu.
— Podemos ir embora? — Perguntou.
As outras duas concordaram, porque parte daquilo tomava conta delas também. Era como uma energia que entrava pelos poros. Não havia nada visual, o auditivo era só um vento falso que ainda podia ser explicado, mas o sentimento... Era algo impalpável, impossível de evitar se continuassem ali dentro.
Elas pegaram suas coisas, tamparam os sofás outras vez, fecharam as janelas e cortinas correndo e saíram dali. Andaram até o próximo ponto de ônibus em silêncio, recuperando o ar.
Mesmo saindo da casa, a casa pareceu não sair totalmente delas. Mesmo enquanto estudavam seus poemas na casa de Luiza, enquanto Fernanda tentava se concentrar naquilo que gostava e ajudar as duas, enquanto elas comiam algo, conversavam com a mãe de Luiza chegando do trabalho. Nada mais parecia só normal. Havia algo mais ali a partir de então.
-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
— Filha... — a mãe de Luiza chamou da cozinha, mais tarde, quando Fernanda e Julieta já tinham ido embora.
Luiza deixou o caderno de rascunhos de lado sobre a mesa, aberto onde anotava o final de uma ideia, e foi até a cozinha.
— Oi — disse e já se sentou à mesa de jantar.
— Que isso, que canseira é essa? Onde chega já senta.
— Ah... — deu de ombros.
— Ave Maria, tá sugada. Vocês pareciam as três sugadas, sem nenhuma energia, viu? Aconteceu alguma coisa?
— Sabe aquela casa fechada no caminho pra cá? Aquela casa é da Fernanda. Ela me levou lá hoje porque comentei que era curiosa e queria tentar escrever algo de terror.
— Ai, essas casas velhas... Claro que acaba com a energia de vocês. Morreu alguém lá?
— Credo, mãe. A vó dela morreu, mas não sei se foi lá. Ela só morava lá quando morreu, não perguntei se tava no hospital ou sei lá.
— E era boa pessoa?
— Acho que sim. Pelo jeito que ela falou, era sim. É uma casa normal, só é velha. Minha fascinação era pelo desconhecido mesmo. Isso não deixa de ser legal — comentou sem muita animação, porque sabia que a mãe não ligava.
— Como você só acha que a mulher era boa? Não perguntou mais? Vai entrando na casa dos outros assim?
— Uai, claro que não perguntei mais. Foi surpresa, eu nem sabia que a casa era dela e nem que a gente ia descer lá. Ela falou pouco porque acho que tem saudade dela.
— Que que isso tem a ver?
— Saudade dói, uai.
— E como que desce numa casa fechada com alguém que nem conhece direito?
— Ai mãe, não tem nada demais. Você viu as duas...
— Muito diferentes da Amanda e a Letícia, né?
— Diferentes como?
Ela apenas olhou para Luiza, mas não respondeu. Luiza não quis perguntar, porque no fundo sabia a resposta e era uma que ela não queria mesmo ouvir.
-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-
Julieta chegou em casa ainda se sentindo muito estranha. Não conseguia distinguir o que sentia. Não sabia se estava satisfeita por finalmente vislumbrar o que poderia falar do seu poema no clube de Romeu, ou se estava assustada pelos barulhos sobrenaturais na casa grande abandonada — algo que nunca acreditou porque nunca presenciou. Também não sabia se sentia algo por conhecer um pouco mais as meninas e sentir que se importavam com ela, mesmo que estivessem mais envolvidas entre si e, depois de sair da casa, estavam envolvidas em seus próprios sentimentos. Provavelmente sentimentos estranhos também causados pela casa, pensou.
Depois desse pensamento, ficou algum tempo parada, olhando para o nada, pensando como uma casa podia causar algo. Procurou algumas respostas lógicas, decidiu que foi o pensar no medo é que as deixou assim, não exatamente a casa. Porém, ao tomar banho ainda pensava nisso, ao comer e ao procurar algo para fazer naquela noite também. Como no dia seguinte não precisava acordar tão cedo, sempre jogava um pouco de algum jogo, mas não muito para não desregular seu sono sagrado.
2 da manhã ela estava construindo uma réplica dacasa no Minecraft.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top