12. MSG

A vida é uma tempestade (...) Um dia você está tomando sol e no dia seguinte o mar te lança contra as rochas.

O Conde de Monte Cristo, Alexandre Dumas



27 de março, sexta-feira

Luiza — 7:30

Bom dia. Como estão?

Dormiram bem?

Julieta — 7:33

não mesmo ☹ mesma insônia dos últimos dias

e você?

Luiza — 7:34

Bem

Acordei no meio da noite de um sonho doido que tive que notar pra ver se coloco na história

Mas no fim ele não fazia mais muito sentido

Julieta — 7:35

como foi?

Luiza — 7:37

Era como uma realeza, mas o território dela era sobre a água. Tudo era sobre a água

Julieta — 7:40

tipo aquele filme daquele ator lá que o mundo vive em barcos e uma menina tem o mapa da terra firme nas costas 🙃

Luiza — 7:42

Acho que sei qual é? Kkkkk não to lembrando bem, mas to lembrando?

De qualquer jeito não pareceu uma boa ideia pra colocar no que to escrevendo

Julieta — 7:44

tá conseguindo escrever longe da casa?

Luiza — 7:44

Quase nada. Vou morar com a Fernanda por um tempo pra terminar kk

@Fernanda posso? 😝


Porém, Fernanda não respondeu até a hora que Julieta tinha que entrar para assistir aula e Luiza para dar aula.


Julieta — 7:59

deve ta dormindo ainda 😴

saudades dormir

Luiza — 8:00

Vai faltar outra vez...

Se ela não aparecer, passo lá mais tarde

Julieta — 8:01

dá notícias

Fernanda — 10:16

oi

Julieta — 10:17

oi

a luiza tá te procurando 🔎

Fernanda — 10:21

acordei ahora

agora

parece que fui atropelada por um trem

Julieta — 10:22

aconteceu alguma coisa?

tá sentindo alguma coisa? 👩‍⚕️


Fernanda pensou por alguns minutos sobre o que sentia de verdade. Tudo parecia só dor física sem motivo.


Fernanda — 10:25

não. só parece que dormi mal

deve ser estresse

mesmo faltando na aula ontem eu tinha coisa demais pra fazer

não sei se fiz

mas hoje não acordei por nada

Julieta — 10:26

hn ok

se precisar de alguma coisa é só falar

Fernanda — 10:28

gracias

vou comer alguma coisa

Julieta — 10:28

bjs 😘


-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-


Luiza — 11:40

Oi

Tava na aula

Fernanda — 11:45

como foi hoje?

Luiza — 11:44

Cansativo

Ensino fundamental 2

Fernanda — 11:45

que pesadelo

Luiza — 11:45

Kk

Fernanda — 11:46

aah não te respondi aquela hora

pode vir morar comigo sim

desde que seus parentes não me matem

Luiza — 11:47

Kkkk matar pq?

Fernanda — 11:48

por sequestro

por te desviar do caminho 😈

Luiza — 11:50

Aah kkk

Tem perigo não

Eu acho

Fernanda — 11:51

e tem outra coisa...

Luiza — 11:51

O que???

Fernanda — 11:56

a casa

é assombrada 👻

Luiza — 11:56

Kkkkkkkkkk

Desde que não me matem nem me deixem doida

Só quero escrever uma história

Fernanda — 12:00

combinado então

falo com eles


Mais tarde, Julieta apareceu outra vez.


Julieta — 13:00

vai encarar a casa assombrada mesmo luiza? 😱😱

Luiza — 13:02

Vou?

Kkkk

Vou não

Mas pra não invadir a vida da Fer

Não é por medo 😆

Julieta — 13:05

imagina viver aquilo toda noite...

Luiza — 13:05

Imagina??

@Fernanda aquilo parou de acontecer né?

Fernanda — 13:43

será que parou? jeje

gente encontrei umas páginas do livro rasgado

tem coisas escritas

parece a letra da minha mãe, só que mais nova 😭

foi ela quem maculou aquele livro kkk

Luiza — 13:44

Kkkk

Mas tá escrito oq?

Fernanda — 13:45

não entendi bem

parecem com coisas aleatórioas que nem o livro

frases soltas

Luiza — 13:45

E juntas?

Fernanda — 13:45

também não achei sentido

tem alguns desenhos também

Luiza — 13:46

Será que são enigmas?

Fernanda — 13:46

talvez

é mais provável que ela ser doida

Luiza — 13:47

Me mostra depois

Fernanda — 13:47

ok


Fernanda entrou num buraco negro de pensamentos sobre o que aquilo significava, o que a mãe queria dizer. Tentou pesquisar os trechos, mas o site de buscas não queria funcionar. Deixou o celular de lado e voltou ao seu espiral de nada, de saudade, de confusão, de buscar sentido no que não podia perguntar diretamente à fonte e de tentar se conectar outra vez com a mãe e a parte dela que Fernanda não conhecia.

Foram horas que se passaram como minutos para ela. Se lembrou de responder já Luiza bem tarde, quando recebeu uma mensagem dela.


Luiza — 19:01

Quer que eu vá praí?

Fernanda — 19:03

ah não precisa. desculpa sumir

não precisa se preocupar

não quero incomodar

vou te mandar fotos das páginas

Luiza — 19:05

Ok

Fernanda — 19:10

as fotos tão ficando horríveis

minha câmera deve ter pifado

vou digitar

"me deixasse fora de mim"

"não fantasie"

"E se você sentisse"

cada um tem um símbolo desenhado antes e depois

não conheço todos

Luiza — 19:16

Dia que eu for aí eu olho

Conheço alguns símbolos

Fernanda — 19:18

ok obrigada 😊


-*-*-*-*-*-*-*-*-*-*-


Julieta — 22:03

não pode ser um poema picado?

se trocar as folhas de ordem não faz sentido?


Luiza já estava dormindo.

Fernanda não viu a mensagem.

Julieta voltou a cochilar, porque dormir era impossível.


28 de março, sábado

Fernanda — 3:47

filha?

minha filha?

quanto tempo...

Julieta — 3:48

tá tudo bem?


Julieta estava acordada na companhia de Capuleto, mais uma vez. As duas discutiam sobre Romeu e Julieta, Elisabeth e Darcy, as diferenças e semelhanças e porque Julieta não conseguia apenas ignorar Capuleto, como se ela fosse um feitiço.


Fernanda — 3:05

está tudo bem, não chore

Julieta — 3:50

???


Capuleto ria.

— Sua amiga está bem? — Perguntou.

Julieta não lhe deu atenção sobre isso e ela continuou rindo.


Fernanda — 3:52

é meu preferido

você precisa de um também

aqui, querida

Julieta — 3:55

amiga

Fernanda — 3:55

você se lembra de quando seu pai se foi?

Julieta — 3:56

amiga???


Fernanda não enviou mais nada.


Luiza — 8:07

Fer?? Está tudo bem?

Luiza — 10:00

To preocupada viu


Tentou uma ligação às 11:30, sem sucesso. Falou com Julieta no privado.


Luiza — 12:40

To preocupada de verdade viu

Julieta — 12:46

será que ela não tá dormindo ainda?

talvez seja sonâmbula

e dormiu mal ontem também

né?

Luiza — 12:48

Ah

É verdade vou esperar então


Fernanda não apareceu até o final da tarde do sábado. Luiza não quis incomodar. Pensou que ela apenas não queria ser incomodada, apesar das mensagens. Talvez estivesse com vergonha. Poderia encontrá-la na segunda-feira, como combinado.

Porém, no domingo, foi consumida por culpa. Não queria ser a amiga ruim que deixa algo acontecer por não tomar uma atitude. Poderia não ser nada, mas e tudo que poderia acontecer de ruim por uma possibilidade? E se tivesse acontecido algum acidente? E se a nova amiga tivesse algum problema que elas desconheciam? E se tivesse acontecido algo com a avó e o pai?

Sem conseguir parar de pensar nessas coisas, sem nada que a distraísse, saiu — sob perguntas e protestos da mãe —, pegou o carro emprestado com o tio e foi até a casa velha. Fazia tudo lentamente, ainda hesitando, como se esperasse por um sinal que a tirasse dali. Bateu no portão e esperou. Por um segundo, pensou em ir embora, que Fernanda não atenderia ou que não estava ali. Porém, a ideia de que, caso ela não atendesse o portão mesmo estando ali, talvez estivesse com algum problema.

Segundos depois, Luiza ouviu passos e, então, Fernanda abriu o portão. Usava um pijama velho, parecia não dormir há dias.

— Oi — disse com uma voz claramente feliz, apesar de praticamente fraca, de ver Luiza. — Entra, por favor.

Luiza a acompanhou até a sala, que agora estava meio bagunçada. Ela não sabia se Fernanda era bagunceira assim, mas não achou uma piadinha ruim para fazer sobre o lugar e descobrir, sem magoar a garota. Sobre a escrivaninha, muitos papéis. Fernanda se sentou em um sofá e Luiza em outro.

— Está tudo bem? — Perguntou logo.

— Parece que sim, ao mesmo tempo que... — Fernanda falava lentamente. — Eu to tão cansada.

— Parece não ter dormido bem.

— Não sei nem se dormi. Não sei bem que dia é hoje.

— Talvez... já tentou tomar algum chá, um banho quente?

— Meus chás acabaram, e o banho... — olhou para o nada por um momento. — Não me lembro se tomei ou não.

— Eu posso ir embora pra você...

— Não. Fica, por favor. Eu vou... vou rápido e já volto, tá? — Disse e se levantou para ir tomar um banho. Ao chegar no pé da escada, se virou. — Será que você pode... não sei, ficar do lado de fora do banheiro?

Luiza assentiu e foi até ela.

— Eu pediria pra entrar comigo... — disse Fernanda, subindo as escadas. — Mas nunca tive uma amiga por tempo suficiente pra saber se esse tipo de intimidade é normal.

— Eu acho que é... Mas eu fico do lado de fora se já for ajudar.

Fernanda só assentiu. Era estranho se sentir estranha com a nudez em um momento que não conseguia conectar bem todos os pensamentos, e quando ela sequer se lembrava de ter tido espaço para esse tipo de pensamento e sentimento no peito cheio de saudade demais da mãe naqueles anos todos.

Luiza se sentou no chão do lado de fora do banheiro. O chão ali agora estava limpo, a casa quase parecia outra, habitável. Ouviu o chuveiro durante um tempo, depois o nada e, quando começava a temer que algo silencioso tivesse acontecido, Fernanda saiu do banheiro enrolada na toalha.

— Eu deveria ter pegado outra roupa antes de entrar — disse. — Tenho que pegar algo nas minhas coisas na sala.

Luiza assentiu e as duas desceram. Fernanda escolheu algo no meio da bagunça e subiu outra vez ao banheiro, voltando vestida com outro pijama.

— Você já comeu? — Luiza perguntou. Fernanda negou com a cabeça. — Vamos, então.

Luiza a levou para a cozinha e a ajudou com uma comida rápida, em silêncio. Por mais que encontrasse algum assunto, Luiza sentia que Fernanda não tinha forças para conversar. Ao menos não se sentia mais uma intrusa, mas que estava ajudando. Ao mesmo tempo, não quis ficar incomodando. Apenas esperou que Fernanda terminasse de comer para falar que já ia.

— Obrigada — disse Fernanda, se escorando no sofá sem intensão de dormir, mas já praticamente apagando. Começou a falar como se bêbada de sono: — Eu nunca carreguei nada dela comigo, sabe? Achava que os outros me achariam fraca. Agora que eu tenho tudo isso dela... parece que antes eu tinha esquecido, mas agora lembro. Lembro de tudo dela. Até o cheiro. A risada, a tristeza. São totens anti-esquecimento porque eu não quero mais esquecer porque eu passei fingindo que esqueci todos esses anos.

Luiza a ajudou a se deitar no colchão antes de sair. Trancou o portão, jogou a chave por cima do muro e voltou para casa, tranquila, porém preocupada. 

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