SAI DO ARMÁRIO, RAY, SAIA DAÍ- ...

Eu não sabia para onde ir, mas sabia que precisava correr para longe dali.

"Que merda de brincadeira de mau gosto foi essa!?"

Tranquei-me num armário de vassouras. Lágrimas que eu nem sabia que segurava caíram livremente por meu rosto. Escorreguei de costas contra a porta até acabar sentado no chão frio.

Li e reli a carta. A cada palavra, meu peito se apertava um pouquinho mais.

Só podia ser brincadeira.

Eles se amavam desde que nos conhecemos. Formavam um casal lindo. Mal discutiam. Suas personalidades se completavam perfeitamente.

Por que arriscar aquilo? Por que ter a dor de cabeça de um trisal? Por que, dentre todas as pessoas neste mundo, queriam formar um trisal comigo!?

Não sei quando tempo passou. Talvez segundos, ou minutos, ou horas ... mas bateram à porta. E só a Emma bate com essa delicadeza e nesse ritmo.

— Ray? Você ' aí?

— Vai foder com o Norman, vai.

— Ray, por favor. A gente precisa conversar. — pediu o albino.

Dobrei a carta novamente, passando-a pelo vão da porta.

Não precisamos. Essa carta de mentira já é o suficiente.

— Não é de mentira! — negou, a voz irritada.

— Poxa, Ray. Achei que conhecesse a gente melhor. ' sabe que nós não brincamos com esse tipo de coisa. Ainda mais com o nosso melhor amigo.

— "Melhor amigo" esse que vocês não confiam!

— A gente não sabia o que 'tava sentindo por você. Queríamos que você não ficasse confuso ou chateado enquanto nos descobríamos. — explicou a ruiva, o tom carregado de culpa e preocupação.

— E se a gente não te amasse romanticamente e acabasse se enganando e tendo que te rejeitar pouco depois de sermos um trisal? E se a gente não soubesse como levar um relacionamento assim para frente? — levantou Norman — Não queríamos te magoar. Ou, pelo menos, magoar o menos possível.

— Não achávamos que você ia se afastar e tudo o mais.

Engoli saliva com dificuldade, furioso.

— Eu não sou criança! Eu sei me controlar!

— Ray ...

— Por que vocês acham que eu não falei como eu me sinto de verdade em relação a vocês?! Eu passei pouco mais de um ano vendo a porra das duas pessoas que eu amo num relacionamento sem mim por querer o melhor p'ra vocês, porquê eu sabia que trisais são um tabu e que os nossos jeitos iam entrar em conflito toda hora.

— Ray- ...

— ENTÃO NÃO ME TRATEM COMO A PORRA DE UM IMATURO MIMADO QUE NÃO SABE DE NADA! Se vocês me querem, deviam confiar em mim!

Silêncio constrangedor. Minhas bochechas ardiam – não sei se de raiva ou constrangimento.

— ... Você tem razão. Mas você também ' nos tratando como crianças que não sabem de nada. — pontuou o albino.

— Nós não precisamos que você sacrifique sua felicidade p'ra tentar fazer o que acha melhor p'ra nós o tempo todo. Podemos tomar nossas decisões sozinhos, sejam elas de caminhos fáceis ou difíceis.

— Sabemos que nossas personalidades são completamente diferentes. E sabemos que trisais são um tabu. E sabemos que não vai ser fácil.

— Mas a gente pode construir uma vida juntos. Um passo de cada vez. Abrir o caminho para que outros cheguem ainda mais longe e façam do mundo um lugar onde ser um trisal ou qualquer outra letra do LGBTQ+ não seja um tabu tão grande! — falou Emma, esperançosa.

Ah. Essa esperança inspira. Foi um dos motivos pelos quais me apaixonei pelos dois.

Emma é espirituosa, teimosa e sincera. É capaz de fazer o possível e até impossível quando enfia algo em sua cabeça. Ainda mais se isso envolve seus amigos e família sendo salvos de alguma coisa. É a definição de uma boa líder.

Norman é gentil e calmo. Apesar de estupidamente inteligente, não é mesquinho. Quer resolver os problemas da forma mais feliz que conseguir usando o cérebro como arma. Tenta sempre agradar a todos, principalmente Emma.

Eu sou apenas um pessimista que vive fugindo dos problemas.

Como acabei de fazer.

     Como fiz a vida toda, e principalmente no último ano.

— Fizemos nossa escolha. Estamos dispostos a ter um relacionamento com você. — falou o albino por fim

— Escolha o que achar melhor. Vamos respeitar qualquer decisão que tome. E mesmo que recuse, a proposta ainda vai estar de pé.

Ouvi como seus passos sumiam pelo corredor fazendo eco.

Custei a digerir as informações. Querendo ou não, eles tinham um bom ponto. E eu também fui egoísta ao supor o que era melhor para os dois assim.

     "Nós não precisamos que você sacrifique sua felicidade p'ra tentar fazer o que acha melhor p'ra nós o tempo todo."

      Como se eles não se sacrificassem constantemente um pelo outro e por mim. Somos o trio do auto-sacrifício, pelo jeito.

     Destranquei e abri a porta, me deparando com a carta e as duas rosas que me ofereceram antes pousadas delicadamente sobre o chão. Olhei para ambos os lados do corredor antes de pegar tudo com cuidado.

     Apertei o papel contra meu coração, analisando as flores com cuidado e carinho. O perfume leve que exalavam trouxe-me paz.

     Eles fizeram a escolha deles. Era a hora de fazer a minha.

     E, para isso, meu medo não era a única coisa que eu teria de enfrentar, apesar de ser meu velho e mortal inimigo.

Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top