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Havia um longo corredor estreito diante de seus olhos, não era como se ela já não tivesse visto aquele caminho antes. Não era a primeira vez que sonhava que estava perdida naquele estreito corredor que se interligava a diversas outras curvas que não pareciam ser mais do que um labirinto sem fim. A única claridade que permitia que ela enxergasse o chão abaixo de seus pés, eram as tochas acopladas em hastes que interligavam toda a extensão do corredor e iluminavam parcialmente aquele lugar, permitindo que ela trafegasse. 

Ela sabia que era um sonho, porque todos eram iguais, ela sempre sonhava que estava presa naquele labirinto, era um sonho ao qual ela tinha desde criança. E que nunca parecia ter um fim. Mesmo que fosse familiar, ela sempre caminhava, ou então corria pelas curvas e tentava encontrar a saída daquele lugar. Deveria haver uma saída, tinha plena certeza disso. De que, se talvez corresse o bastante e tentasse direções diferentes, ela poderia alcançar a saída daquele lugar. 

Dessa vez não seria diferente, Nataly agarrou uma das tochas presa na parede e começou a caminhar. O vestido longo que ela usava atrapalhava seus passos, ele era pesado e apertado demais ao redor de seu tronco, o que impedia que ela conseguisse se movimentar com mais facilidade. Agarrou as saias volumosas com uma das mãos e ergueu um pouco, impedindo que seus saltos enroscassem no tecido, quando ela finalmente decidiu que deveria correr. Algo em seu interior lhe indicava que ela deveria ser mais rápida desta vez. 

Queria poder retirar os saltos, pois assim conseguiria correr mais rápido, mas ela duvidava muito que fosse conseguir desatar tão facilmente as tiras que estavam presas de modo tão apertado em seus tornozelos. Por isso, andou o mais rápido que conseguia naquelas circunstâncias. 

Ela dobrou para a direita e encarou um corredor tão parecido quanto o antigo, não havia nada que os diferenciasse, a não ser que pareciam ser mais longos que os anteriores. Dobrou a esquerda e continuou seguindo, mesmo sem ter certeza de que estava rodando em círculos ou não. Talvez estivesse, talvez não existisse uma saída da-li. 

A primeira vez que ela sonhara com aquele labirinto ainda muito criança, se sentiu claustrofóbica pelas paredes serem tão estreitas que só tinha espaço para que seu corpo passasse por elas, como se tivesse sido construído especificamente para a passagem dela. De mais ninguém. Mas agora ela já estava acostumada e conseguia se mover com graciosidade por aquelas paredes de concreto. Dobrou mais uma direita e seguiu reto, até parar em uma encruzilhada. 

Aquilo era novo, ela não se lembrava de já ter visto alguma encruzilhada em todas as vezes que estivera naquele local. 

Olhou para a sua direita e havia uma completa escuridão, nem mesmo tochas estavam penduradas na parede, a sua esquerda o corredor era tão parecido quanto os outros. E logo a frente também, o único caminho diferente era o que estava escuro. Mas ela tinha uma tocha em mãos, poderia ir dar uma olhada, mesmo correndo o risco de encontrar outro caminho tão idêntico quanto os outros. 

Agitou a tocha em mãos para que pudesse enxergar o caminho e seguiu de forma cautelosa, notando que até mesmo o piso era diferente, este haviam ladrilhos, eram quadrados e triângulos colados de forma engraçada, entre o preto e branco como um jogo de dominó. Até mesmo as paredes eram pintadas, de uma cor carmesim, ou amarronzada, ela não soube distinguir as cores que se mesclavam com a claridade das chamas. Dera cerca de mais dez passos, até parar diante de uma enorme parede, havia só uma passagem para a esquerda, que também estaria escura, se não houvesse um feixe de luz ao final, eram pequenos raios de claridade que pareciam vir de uma porta ao fim daquele corredor. 

Ela finalmente havia encontrado o final do labirinto? 

Seguiu com cautela, seu coração começou a bater mais forte no peito e até mesmo sua respiração se tornou descompassada. Ela sentiu que poderia chorar de felicidade por finalmente chegar ao fim daquele labirinto. A porta não estava tão longe dela e quando finalmente alcançou a maçaneta e a girou, ouviu um rangido e a porta pareceu se abrir sozinha diante de seus olhos.. 

Não estava tão claro quanto ela imaginava que estaria. Esperou ver o sol, ou algo que indicasse que aquilo era a saída. Mas havia um outro cômodo ali do outro lado, que também parecia iluminado por tochas, mas não havia nenhuma nas paredes, muito pelo contrário, haviam milhares de velas que faziam um circulo ao redor do que parecia ser um quarto. 

Nataly escutou o som de um choro baixo de alguém. Ela não estava sozinha ali. 

Adentrou o quarto com cuidado, tentando não fazer barulho com a ponta dos seus saltos para que não assustasse a pessoa que estaria ali. 

Ela seguiu em passos retos, alcançando a enorme cama que estava coberta por um véu branco, mas não tinha sombra que indicasse a presença de alguém, o choro estava logo adiante. Mais alguns poucos passos e ela enxergou a silhueta de um homem loiro curvado no chão, havia uma extensa massa de tecidos brancos abaixo dele. A garota levou um pouco de tempo para perceber que ele estava segurando uma mulher em seus braços, enquanto chorava com o rosto apoiado sobre ela. 

Observou os sapatos que estavam descobertos, por algum motivo ela os achou muito parecidos com os que ela estava usando no momento, até mesmo a cor do vestido daquela mulher se parecia com o dela. Aquilo só poderia ser muita coincidência. 

— Manjiro? O que vocês fez? 

O som de uma voz grossa fez com que Nataly saltasse com o susto, ela se virou e pode enxergar duas silhuetas altas que olhavam na direção dela com expressões de assombro. 

Ela não soube o que falar, sua boca se movia, mas não saia nenhum som. Observou os dois homens seguirem em sua direção, deu alguns passos para trás numa tentativa de fugir deles, mas ambos passaram por ela, como se nem se quer a estivessem vendo ali. 

Eles pararam diante do homem loiro no chão, Nataly se virou e também olhou. Vendo primeiramente a expressão do homem jovem de cabelos compridos e dourados, o rosto dele estava banhado em lágrimas e ele olhava para os outros dois com uma expressão de culpa. O silêncio reinou naquele quarto, até ela tombar a cabeça pro lado e encarar a mulher morta nos braços do outro, havia muito sangue na parte superior de seu vestido e uma adaga banhada com o mesmo liquido escarlate em uma de suas mãos. Mas o que mais a chocou, não fora a mulher morta, mas o rosto dela. 

Era o seu rosto, suas feições, sua cor de cabelo. 

Aquela mulher morta era ela. 

Estava sentada na cama em seu quarto, o coração batendo tão rápido que ela começou a sentir que ele poderia parar a qualquer momento, chegava a doer. O que a obrigou se curvar e apertar uma mão sobre o peito, lutando para controlar a respiração que parecia pesada demais. 

Ela havia sonhado que estava morta nos braços de um completo desconhecido.

Tinha plena consciência de que aquilo não passava apenas de um sonho, mas ela não conseguia ignorar a sensação ruim que tomou conta de si quando finalmente viu sua própria expressão morta. 

Era a primeira vez que sonhava com algo parecido. A primeira vez que ela sonhava com algo que não fossem apenas paredes de longos corredores sem fim. 

E agora, sentia um desespero tão grande, que desejou voltar a sonhar apenas com um labirinto, onde ela caminharia até se cansar e acordar no dia seguinte. 

Pancadas fortes na porta a libertaram de seu torpor, fazendo com que a ruiva tivesse de conter o ímpeto de gritar com o susto. 

— Saia logo deste quarto! Acha que está em algum hotel cinco estrelas! 

O som da voz de sua mãe irrompeu pelas paredes estreitas de seu pequeno quarto. Fazendo com que ela finalmente percebesse que não tinha com o que se preocupar, ela estava acordada, aquela era sua realidade. E ela não estava morta. 

— Já estou indo! — Gritou de volta, esperando que isso fosse o bastante para que a mulher não voltasse ali. Sabia que não seria uma experiência legal se sua mãe tivesse de voltar para chama-la mais uma vez. 

Arrastou seu corpo pra fora da cama e se levantou, tentando afastar as imagens do sonho de sua mente conforme ela saia do quarto e seguia para o banheiro. 

Em menos de quinze minutos ela já estava na cozinha, preparando o café e os ovos mexidos que sua mãe gostava de comer, enquanto a mulher de cabelos escuros estava sentada na cadeira com um jornal aberto diante de seus olhos, ignorando totalmente a existência dela enquanto lia sobre as últimas notícias. 

Nataly ergueu a cabeça para olhar pela janela da cozinha, o céu estava nublado com nuvens carregadas que ameaçavam pancadas de chuva a qualquer momento. Ela desejou poder sair um pouco e respirar ar puro, mas sabia que não poderia., Mesmo que ela implorasse a sua mãe de que não passaria do enorme quintal com gramado e jardim, ela sabia que a mesma não permitiria. 

Já fazia um mês que elas haviam se mudado para aquela cidade. 

Hampton era uma cidade com pouco menos de cento e quarenta mil habitantes, as casas pareciam ainda serem da época da colonização do EUA, já que eram tão grandes e pareciam ter passado por sérias reformas durante os anos, para mantê-las intactas e com a mesma aparência de quatrocentos anos atrás. Sua casa não era diferente das outras, dois andares, um sótão, porão e havia até mesmo uma enorme lareira na sala. As paredes pareciam ter sido pintadas umas cem vezes ao longo dos séculos e a escada parecia ser um dos únicos locais da casa que não tinha nem se quer visto uma reforma, ou reparos, já que as tábuas tinham enormes rachaduras e a cada passo, parecia que os degraus iriam ceder a qualquer instante. 

O sótão também não era diferente, ele era mofado e a parte interior do telhado parecia ser apenas os restos do que sobraram de uma antiga construção. Nataly já conhecia cada mínima rachadura naquelas paredes e até mesmo nos vidros da única janela, já que aquele era o seu quarto, local onde ela dormia todas as noites com a ajuda de três cobertores, porque a janela mal ficava fechada e durante a noite costumava ventar muito ali.

— Sua inútil, espero que não esteja queimando os ovos. 

O som a voz de sua mãe a trouxe de volta ao que fazia, olhou para os ovos que ainda mexia e notou que as bordas começavam a ficar um pouco escuras. 

Droga. 

Ela odiaria aquilo. 

Desligou o fogo rapidamente e pegou a jarra com café já pronto, colocando sobre a mesa diante dos pratos e xícaras que ela já tinha organizado. 

Sua mãe abaixou o jornal e olhou na direção dos ovos, torcendo a expressão numa careta nada agradável. 

— Desculpe. — Nataly encolheu seus ombros, agarrando as bordas da cadeira logo a sua frente e abaixando o olhar. 

— Sorte a sua que não estou com muito tempo, preciso trabalhar e a merda desse café da manhã vai ter de servir. — A mulher de cabelos longos e escuros lhe lançou um olhar intimidador, antes de começar a se servir. — Sente logo e coma, você tem muitas coisas para fazer hoje. E eu preciso que faça compras, nossos mantimentos já estão acabando. Acha que consegue fazer esse trabalho sem cometer algum erro grotesco? — Nataly precisou se conter para não demonstrar um pouco de felicidade com aquilo. Fazer compras, significava que ela poderia sair de casa pela primeira vez desde que chegaram. Mesmo que ela não soubesse onde ficava o supermercado mais próximo, já era uma das melhores notícias que ela poderia receber no dia. — Vê se arruma esse cabelo quando for sair de casa, não vai querer assustar ninguém na rua com essa sua cara feia. 

A garota ainda estava tão entorpecida com a simples menção de saber que sairia de casa, que ela nem ao menos estava se importando com as ofensas de sua mãe. Primeiro porque ela sempre a ofendia gratuitamente, segundo porque não valia a pena uma discussão, terceiro, ela realmente não poderia perder aquela oportunidade única de sair um pouco de casa. 

Pegou um dos pães da cesta que já deveria estar ali há uma semana, estava um pouco duro, mas nada que ela não pudesse engolir com um pouco de leite. 

Ela já estava mais que acostumada com o fato de nunca poder comer do mesmo café que preparava para sua mãe, de não poder vestir as melhores roupas e nem ao menos sair de casa. Sua mãe era uma mulher bastante nervosa e costumava se irritar muito fácil com qualquer tipo de coisa. Na infância, Nataly se lembrava de ter apanhado muitas vezes por diferentes motivos, até mesmos os mais bestas, como derrubar um prato ou tropeçar na calçada enquanto saiam para fazer compras. Antigamente ela se questionava o por que sua mãe ser tão nervosa com ela? Por que sempre lhe batia por inúmeros motivos que nem deveria ser tão significantes? Ou por que ela sempre a proibia de sair de casa? Depois de alguns anos, quando ela finalmente chegou na adolescência, aprendeu que ficar calada, obedecer e não cometer erros, faziam com que ela não tivesse de apanhar ou dormir sem jantar. Ela tinha apenas de ser obediente e não resmungar a nenhuma das agressões verbais que sua mãe desferia a ela. 

Assim a convivência acabava se tornando a melhor de todas. 

Nataly tinha tido tão pouco acesso a sociedade, que sua educação fora feita em casa. Sua mãe só a ensinou ler, com isso, ela passou a aprender o restante sozinha com os poucos livros que sua mãe tinha em casa, a maioria eram bíblias e outros livros religiosos, mas era melhor do que nada. As vezes ela era agraciada com algum outro livro que sua mãe comprava, não era nada demais, uma enciclopédia ou algum livro de receita, mas era melhor do que nada. Sua educação fora baseada de forma bastante religiosa, porque era a única coisa que ela realmente tinha acesso. Se lembrava que desde criança ela só via pessoas aos domingos, quando acompanhava sua mãe nas missas. 

Elas costumavam mudar de cidade com bastante frequência. Mas durante a adolescência de Nataly, elas chegaram a ficar cerca de oito anos em Sedona no Arizona, um local ao qual ela torcia para nunca mais voltar, porque foram os piores oito anos de toda a sua vida. 

E agora, com seus recém dezenove anos completos, ela só queria poder se esquecer do que vivera na adolescência e seguir sua vida adiante. 

Um pequeno papel dobrado fora empurrado na direção dela, sua mãe não disse nada a não ser que ela deveria ir e voltar pelo mesmo caminho e que não se esquecesse de comprar nada, ou teria sérias consequências. O cartão de crédito estava entre as dobras do papel, junto da senha anotado logo acima. A ruiva apenas concordou e observou sua mãe sair da cozinha e lhe deixar sozinha, com aquela grande oportunidade de finalmente poder sair. 

Nataly estava na sessão de massas para pegar macarrão, um dos itens que estavam na enorme lista que sua mãe havia feito. O carinho já estava na metade e ela não tinha a mínima noção de como carregaria todas aquelas coisas até em casa, considerando que o supermercado mais próximo que ela tinha encontrado, ficava há seis quadras da sua casa. Havia sido uma ótima caminhada até ali, ela apreciou o friozinho da manhã, por sorte havia pego um dos casacos de sua mãe e não estava passando tanto frio assim. Mas só de imaginar que para voltar pra casa com tantas sacolas seria uma tortura, ela estava começando a desgostar da ideia de finalmente ter saído. 

— Hanma, eu ainda não acredito que você invadiu um convento ontem a noite e transou com uma freira. 

A ruiva ouviu uma voz feminina ressoar pelo corredor, olhou de canto e pode ver uma mulher de cabelos longos e loiros, junto de um homem muito alto com cabelos escuros e mechas da mesma cor da mulher que o acompanhava. Ele empurrava um carrinho com alguns itens, enquanto ela tagarelava ao lado dele numa expressão indiscreta. 

— Você falando dessa forma, até parece que eu cometi o maior dos pecados. — Pode ouvir o maior retrucar, enquanto pegava uma lata de molhos que estava no topo da prateleira. Local esse que Nataly encarava há uns cinco minutos antes deles aparecerem, pensando em como ela alcançaria aquelas latas. 

— Ela tem 72 anos. — A loira continuou. 

Nataly sentiu vontade de rir ao escutar aquilo, por mais absurdo que soasse, ela havia achado engraçado de certa forma. 

E pensou em como sua mãe poderia lhe castigar só de sonhar que ela rira de algo tão absurdo quanto aquela conversa. 

— Acredite, Mady, Ela gemeu como se tivesse vinte anos, tenho certeza de que foi o melhor orgasmo da vida dela. 

— Você é nojento. 

— E você é fresca. 

Os dois pararam de falar e ela notou que a loira olhou em sua direção, o que fez com que a ruiva olhasse para o outro lado. Esse era um dos problemas de mal conviver em sociedade, ela sempre se esquecia de que as pessoas poderiam notar que estavam sendo observadas. E isso por diversas vezes já tinha lhe causado sérios problemas. 

Só esperava não arrumar nenhuma confusão ali e ser expulsa de um estabelecimento, o primeiro que ela fora pela primeira vez sozinha em toda a sua vida. Uma oportunidade única sendo desperdiçada tão facilmente. 

— Com licença.  Nataly ouviu a voz da loira bem próxima a ela, mas só notou de que estava sendo dirigida a si, quando sentiu um toque sobre seu braço, o que a fez saltar pra longe com o susto. — Me desculpe, eu não queria assustar você. 

A ruiva encarou a outra que agora estava próxima demais dela, tão próxima que ela reparou que os cabelos dela eram de um loiro prateado e seus olhos eram tão azuis que as pupilas quase pareciam transparentes. Ela era alguns poucos centímetros mais alta, mas talvez se derivasse dos saltos de suas botas de cano longo. Nataly piscou algumas vezes ainda atordoada com aquela aproximação, aquela mulher era linda, tão linda que ela chegava a se sentir uma mendiga diante dela. Enquanto que a loira vestia um vestido justo de saia rodada azul, com uma jaqueta de couro por cima, Nataly estava em seus velhos jeans surrados e o enorme casaco marrom de sua mãe que cobria a camisa dela do Nirvana que era tão velha, que mal dava para ver a imagem da banda. 

— Você está assustando a garota, Mady. — O homem se aproximou empurrando o carrinho. — Desculpe por isso, minha irmã é meio idiota. 

— Não mais do que você, bastardo. — A loira mostrou a língua para o maior, antes de voltar seus olhos imensamente claros para a ruiva. — Ignora o idiota do meu irmão. Eu sou a Mady, muito prazer. — Estendeu a mão em um cumprimento, enquanto abria um largo sorriso. 

— Nataly. — A ruiva aceitou o aperto de mão, se sentindo cada vez mais intimidada diante dos dois. 

— O idiota aqui é meu irmão Hanma. 

 O maior apenas acenou pra ela com um sorriso gentil nos lábios, eles não se pareciam nem um pouco. Além dele ser o dobro da altura dela, os cabelos serem escuros com mechas, seus olhos ainda eram de um tom dourado. Não havia nada que pudessem indicar que eles tivessem algum tipo de parentesco. Mas também não era como se Nataly realmente tivesse algo que a fizesse se parecer com sua mãe. Não, enquanto que a mulher tinha longos cabelos lisos e pretos como a noite e olhos em tons de caramelo com uma pele bronzeada. Nataly era ruiva, com madeixas encaracoladas num tom de vermelho vivo, olhos imensamente azuis e sardas que cobriam quase toda a parte de suas maçãs faciais. Por diversas vezes ela perguntara a sua mãe o motivo de não se parecerem e a mulher apenas resmungava que ela havia puxado para seu pai. 

Um pai ao qual Nataly não sabia quem era, sua mãe sempre dizia que ele morrera antes dela nascer. Mas não havia nenhuma foto provando a existência dele e muito menos sua mãe falava o nome. Era como se nem mesmo ela soubesse responder aquela pergunta. 

Mas por que ela estava pensando sobre seu pai naquele momento? 

Voltou sua atenção para o casal de irmãos a sua frente que a observavam como se ela fosse alguma coisinha interessante. E Nataly não soube dizer se isso era algo bom ou ruim. 

— Você precisa de alguma ajuda? — Fora Hanma quem lhe questionara. 

Nataly piscou confusa, até o homem apontar pra cima em direção as latas de molho. Ela acenou e ele pegou pra ela, lhe entregando logo em seguida. 

— Obrigada. — Tentou forçar seu melhor sorriso em agradecimento. 

— Hey, Hanma. Nós já pegamos tudo o que precisávamos não é mesmo? — Mady bateu com o cotovelo no braço do irmão, chamando a atenção dele pra ela. — O que acha de ajudarmos a Nataly com as compras dela? 

Nataly tentou protestar dizendo que não queria incomodar, mas no segundo seguinte Mady já tinha tomado a lista de compra das mãos dela e Hanma havia encostado o carrinho deles em um canto, passando a empurrar o da ruiva, enquanto a loira pegava as últimas coisas da lista que faltavam. Os irmãos eram bastante tagarelas, ambos chegavam a discutir sobre falar mais que o outro. Eles contaram que haviam nascido naquela cidade e que não tinha nada ali que eles não conhecessem como a palma de suas mãos. Em meio a conversa, as vezes eles soavam como se fossem muito mais velhos do que aparentavam, porque Nataly duvidava que eles tivessem mais de vinte e cinco anos, mas tinha momentos em que falavam como se estivessem presentes na construção da cidade. O que ela deixou passar, considerando que poderia se derivar do fato deles terem nascido ali e deveriam conhecer muito bem a história do lugar. 

Terminaram de pegar as ultimas coisas mais rápido do que a ruiva teria feito se estivesse sozinha. Passaram as compras no caixa, cada um em um diferente. E só então a garota se tocou de que realmente não iria conseguir carregar todas aquelas sacolas até em casa, eram coisas demais e estava muito pesado. 

Ela ainda lutava para enganchar as últimas três sacolas restantes em suas mãos já ocupadas, quando sentiu alguém puxar dela. Olhou pro lado e teve de erguer a cabeça para encontrar os olhos dourados de Hanma. 

— Deixa que eu carrego pra você. — Ele ditou enquanto pegava as outras sacolas que ela ainda tinha em mãos como se não pesassem nada. 

— Nós estamos de carro, podemos leva-la até em casa. — Mady comentou enquanto se aproximava com o carrinho já com as compras empacotadas. 

Certo, Nataly realmente não estava acostumada com tanta generosidade de estranhos. Sua vida inteira ela teve de passar fugindo das pessoas que sempre lhe menosprezavam, tudo por culpa de sua mãe que era a primeira a falar mal dela para as pessoas como se ela tivesse alguma doença venérea que passaria para os outros caso se aproximassem dela. Mas sua mãe não estava ali, ela não falaria dela para aquele dois, então eles não tinham motivos para trata-la de forma indiferente.   

Mas ela também sabia que sua mão não iria gostar nem um pouco de saber que ela estava fazendo amizades. Se descobrisse que ela estava sendo ajudada por Hanma e Mady, talvez ela nunca mais pudesse sair de casa novamente. E esse pequeno pensamento fez com que ela entrasse num desespero interno. 

Ela não poderia descobrir sobre aquilo. 

Não, ela nunca saberia. 

Os três caminharam pelo estacionamento até chegar perto de um porsche preto, Mady abriu o porta malas e Hanma guardou todas as compras, tendo cuidado de não misturar as sacolas. Nataly apenas ficou observando, até o homem abrir a porta de trás pra ela entrar e depois assumir o lugar do motorista, enquanto sua irmã se acomodava ao lado dele. 

A cabeça da ruiva estava tão atordoada com aquela sensação boa de finalmente estar dialogando com duas pessoas novas que a estavam tratando melhor do que sua própria mãe, que ela só se tocou de que haviam chegado em sua casa, quando Hanma anunciou ao estacionar no meio fio da calçada. Nataly olhou pro lado e observou o jardim de rosas vermelhas de sua mãe. 

Só então ela se tocou de que nem se quer havia falado seu endereço pra eles. 

Como eles sabiam onde ela morava? 

Mas antes que ela pudesse questiona-los, Mady recomeçou a falar como se lê-se seus pensamentos. 

— Cidade pequena, as pessoas comentam. Faz um mês eu acho que falaram sobre uma mãe e uma filha que se mudaram pra esse bairro. Supus que fosse você, considerando que eu nunca tinha visto seu rosto antes por aqui. 

Aquela explicação soava plausível. Nataly saiu do carro e Hanma carregou as compras dela, a mesma abriu a porta da frente e permitiu que os dois entrassem. Ela só esperava que eles não pedissem para ficar, porque ela não sabia que horas exatamente sua mãe chegaria, já que era o primeiro dia no novo trabalho dela. E queria muito evitar uma discussão com a mulher mais velha. 

Mas novamente como se eles soubessem exatamente o que ela pensava, Hanma apenas deixou as compras sobre a mesa da cozinha e Mady já voltou acenando dizendo que eles tinham muita coisa para fazer e precisavam ir embora. 

— Relaxa que eu tenho certeza de que ainda vamos voltar a nos ver. — O homem apoiou a mão pesada sobre o ombro dela, lhe dando um aperto leve. 

Nataly sentiu uma sensação familiar, um formigamento no local que ele tocara. Mas ela ainda estava entorpecida demais com a pequena sensação de felicidade por aparentemente ter conseguido novos amigos. 

Ela observou os dois irmãos irem embora e permaneceu parada na porta cinco minutos depois do carro ter desaparecido no final da rua. Havia uma sensação quentinha dentro de si, uma leve e pequena felicidade. Talvez as coisas fossem ser diferentes em Hampton. Ao menos era nessa esperança que ela se agarrava. 

Sua mãe chegara do trabalho no final da tarde, por sorte, Nataly tinha conseguido fazer todas as tarefas, como guardar as compras, limpar a casa e preparar o jantar. Até mesmo já tinha tomado um banho e estava apenas aguardando a chegada da mais velha. Ambas jantaram em silêncio como sempre, porque sua mãe odiava conversas desnecessárias durantes as refeições e em qualquer outro momento do dia. Ela nem ao menos havia questionado a Nataly se ela tinha conseguido fazer as compras sozinha sem nenhum tipo de problema. 

Não, a mulher mal olhara pra ela enquanto comia. E assim que terminou, se levantou e saiu da cozinha. A garota pode ver a mais velha subir as escadas, com certeza já estava indo para seu quarto dormir. 

Mas não era como se ela já não estivesse acostumada com esse tipo de tratamento. O problema era que ela estava bastante enérgica por ter conhecido Hanma e Mady mais cedo. Mesmo sabendo que nunca poderia comentar isso com sua mãe, ela mal conseguia disfarçar sua felicidade crescente. 

Lavou a louça do jantar e deixou tudo organizado para o dia seguinte. Subiu as escadas correndo em direção ao sótão, onde se trancou e se jogou na cama, abraçando o travesseiro. E começando a se questionar se realmente os veria novamente? 

Quando será que sua mãe permitira que ela saísse novamente? 

Foi com esses questionamentos que Nataly finalmente adormeceu. E diferente de todas as outras noites, ela não sonhou com labirinto e muito menos sonhou com um quarto antigo ou com seu próprio corpo banhado em sangue. 

Ela sonhara com um rapaz de cabelos dourados e olhos escuros, o mesmo homem que ela tinha visto segurando seu corpo no sonho anterior. Mas diferente do outro, a imagem parecia tão real, tão vivida. Ela estava em seu quarto, sentada em sua cama e ele estava apoiado na janela de seu quarto. O vento da madrugada balançava suas longas madeixas contra seu rosto jovial, ele tinha um pequeno sorriso despontado em seus lábios finos. Ela viu os lábios dele se moverem e sua voz rouca ressoou por todo seu quarto tão nítida como se ele estivesse sussurrando em seu ouvido. 

"Finalmente eu a encontrei." 

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