48 | Passeio Selvagem
Terça / 14:35H
Barcelona || SPAIN
• 20 de dezembro de 2044
Matheus
Depois de tudo...Depois de sairmos do tribunal, meu desejo de realizar o que eu mais queria fazer se dissipou assim que entrei no carro. A ideia de matá-lo ali mesmo, naquele local, de ver o sangue de Lando jorrar como o de Lexus havia jorrado naquela noite horrível, ainda estava impregnada em minha mente.
Ele deveria estar preso. E não apenas isso: deveria pagar pelo que fez. Mas não... ele saiu com uma pulseira eletrônica e, para piorar, Lando ainda teria que lhe pagar uma mísera indemnização depois dos traumas a que Lexus foi exposta. A sentença foi um insulto, uma provocação. A visão daquele homem saindo livre, mesmo após tudo o que fez, transformou a raiva que estava estampada no meu rosto em algo ainda mais feroz, quase palpável.
O juiz falou sobre "primeiro delito", sobre as nuances da lei, mas tudo o que eu ouvi foi uma afronta. Minha mente gritava por vingança, por justiça, por algo que fosse capaz de apagar a dor que ele causou.
Trinta minutos atrás, as coisas poderiam ter sido diferentes. Eu estava controlado, focado, mas a reviravolta no depoimento de Lexus mudou tudo. Na última hora, ela suavizou o que aconteceu, tentando apaziguar o caos e proteger os nossos filhos de um futuro onde seriam confrontados com manchetes horríveis. Não a culpo por isso... mas não consigo esquecer o que ele fez com ela.
As palavras do juiz ecoavam na minha cabeça como uma sentença contra mim, e não contra Lando. Cada fibra do meu corpo queria girar o volante, seguir aquele desgraçado até sua casa e acabar com tudo.
Na sala do tribunal, enquanto ouvia a sentença, meu coração parecia explodir. Cada segundo que passava eu sentia meu olhar se desviar para a arma que Martín, o segurança, carregava em seu coldre. Aquele objeto parecia um símbolo da justiça que eu queria.
Não consegui resistir. Peguei a arma, sentindo seu peso, e me levantei. Avancei para o centro da sala, ignorando os gritos.
Armei a arma e a apontei para Lando. Ele congelou. O moreno, antes arrogante e cheio de si, agora estava pálido, suando frio. O tribunal inteiro ficou em silêncio, exceto pela voz do juiz que ecoava, tentando me conter.
-Largue a arma, senhor Torres! Largue a arma agora!
Mas eu continuei a avançar.
-Ele merece isso! Ela merece justiça! A justiça que eu tenho guardada com um nó apertado na garganta!
Foi então que ouvi a voz de Lexus.
-Matheus... - ela disse, sua voz um sussurro desesperado que alcançou meus ouvidos.
Olhei para ela. Lexus estava ao lado do advogado, em pé, tensa. Sua expressão partiu meu coração de um jeito que eu não esperava.
-Filho, abaixa a arma! Por favor, Matheus... - minha mãe implorou, colocando a mão no meu braço. -Por favor, meu filho...
Mas minha raiva era maior.
-Doeu nela, não foi? Ótimo! Agora vou destruir a tua vida, Lando, como você destruiu a dela. Implora pela tua vida, desgraçado, porque eu fui ensinado a não errar um tiro.
-MATHEUS! - a voz de Lexus cortou o ar, ainda mais alta. Ela deu alguns passos em minha direção. -Abaixa essa arma. Por favor. Eu te imploro...Não me faças viver sem ti. Eu não quero isso. Não quero que o homem que eu amo pague pelos erros das outras pessoas. Por favor, Matheus...
Eu a olhei. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, sua voz embargada. Ela estava em pedaços, e, no fundo, eu sabia que a causa daquele estado era tanto o que Lando fez quanto o que eu estava prestes a fazer.
-Obrigada!
Foi o que ela disse quando
finalmente abaixei a arma.
Antes que eu pudesse reagir, Martín me segurou com firmeza, empurrando-me de volta para a cadeira. Steve, sentou-se diante de mim, tentando conter minha raiva que ainda borbulhava.
Eu queria justiça. Ainda quero. Mas naquele momento, tudo o que eu tinha era um nó na garganta e a certeza de que havia cruzado
o limite, ou quase.
Foi aquilo. Aquele momento, aquele sonho que eu queria que fosse verdade. Mas agora, de volta à realidade, o que mais importava era que estávamos em casa, longe daquela sala sufocante do tribunal.
Saí do carro e fui direto ajudar Lexus a sair. Seus movimentos eram lentos, ainda abalados, mas consegui guiá-la até a porta. Ao entrar, fomos recebidos com a alegria contagiante de Noah e Lily, que nos esperavam com sorrisos animados.
-Como correu sem nós? - perguntei, abaixando-me para ficar na altura deles. -Cuidaram dos bebês?
-Sim! E eu troquei uma fralda, titio Matheus! - respondeu Lily, orgulhosa.
-Foi mesmo, pequena? Que máximo! - beijei a testa dela, sentindo uma breve e doce trégua da tensão que me corroía. -Vamos para a sala. Vamos todos.
Enquanto nos acomodávamos, Sophia veio
ao meu encontro, ansiosa por notícias.
-Como correu? - perguntou ela, sua voz cheia de esperança.
Fechei a cara instantaneamente. Só
consegui balançar a cabeça, negando.
-O que aconteceu? - insistiu, desconfiada.
Lexus interveio antes que eu explodisse.
-Eu conto. Vem comigo. Vamos deixar o Matheus descansar um pouco. Ele...ele odiou a sentença.
-Foi assim tão ruim?
Minha paciência, já no limite, estourou.
-FOI! - respondi, a voz mais alta do que deveria, antes de virar as costas e caminhar em direção ao escritório.
Meu sangue ainda fervia, minha mente girava em um turbilhão de raiva e impotência. Fechei a porta com um empurrão, tentando encontrar algum alívio, mas era impossível. Eu queria vingança. Queria que ele sofresse. Queria que ele sentisse na pele o sofrimento que havia causado a Lexus.
Afundei no sofá, de frente para a lareira, o calor do fogo tentando aquecer o vazio que crescia dentro de mim. Peguei um copo de água e bebi um gole, mas nem isso me acalmava. Tudo parecia um caos impossível de controlar.
Uma batida leve na porta me trouxe de volta.
-Podemos entrar? - era minha mãe, com a voz calma, porém preocupada. - Viemos saber como estás, filho.
Meu avô veio logo atrás dela e sentou-se ao meu lado. Seus olhos carregavam uma compreensão silenciosa, mas também a experiência de quem já viu coisas piores.
-Sabemos que não é fácil o que estás a sentir, Matheus. - ele começou, pausando para que eu pudesse reagir. -Na tua idade, eu também sentia essa revolta, essa raiva contra o mundo...Mas com as pessoas certas ao nosso lado, conseguimos superar qualquer coisa.
Olhei para ele, mas as palavras
não me traziam consolo.
-Como se fosse fácil esquecer o que o juiz disse! Só dois anos fechado em casa e uma indemnização ridícula. RIDÍCULA!
Minha mãe suspirou e se sentou
na beirada do sofá, tentando
alcançar meu olhar.
-Ninguém gostou de ouvir isso, filho. Mas tenta pensar positivo. Ele estará longe. Longe do mundo. Sem poder sequer olhar para ela por dois anos. Não é isso que mais desejas?
Balancei a cabeça, frustrado.
-Eu não queria que as coisas fossem assim. Se soubesse que isso era tudo o que íamos conseguir, talvez eu nem tivesse me envolvido com ela.
As palavras saíram mais amargas do que eu esperava, e logo vi a expressão do meu avô endurecer. Ele respirou fundo, como se buscasse paciência para lidar com a minha explosão.
-Matheus...Não digas isso. Não menosprezes o que vocês têm por causa de uma sentença. O que vocês passaram juntos é maior do que isso. Não deixes que essa raiva te consuma vivo. Ela merece o teu apoio, não a tua dúvida. Lexus é vocês são destinos a ficar juntos, vocês merecem que o amor vos abraçasse ainda mais desta vez.
Fiquei em silêncio, olhando para o fogo. Sabia que ele estava certo, mas aceitar isso era uma batalha que eu ainda precisava enfrentar.
Lexus
O que antes parecia um tormento que nunca teria fim transformou-se, enfim, em uma luz ao final do túnel. Todas as pessoas que nos fizeram mal pagavam agora pelos próprios erros, aprisionadas pelo destino que elas mesmas haviam traçado.
Eu encontrava-me no quarto de casal, enquanto os gémeos dormiam tranquilamente. Era uma conquista que eu considerava gigantesca: lidar com bebés de quase um ano e dois recém-nascidos ao mesmo tempo era uma tarefa que beirava o impossível. Complicado, diria eu, mas ainda assim gratificante.
Com meu diário em mãos, deixei que minha mente fluísse livremente, permitindo que as palavras se espalhassem sem rumo. Talvez escrever fosse o que eu precisava naquele momento para libertar-me das coisas negativas que vivi neste ano. E, de certa forma, estava conseguindo.
-Posso? - a voz de Matheus cortou o silêncio quando ele entrou no quarto, sentando-se a poucos metros de mim. -Desculpa, não vi que estavas escrevendo.
-Não tem problema. - fechei o diário com calma, respirando fundo.
Eu ainda lutava para reencontrar os sentimentos que ele merecia, para amá-lo da forma como deveria ser amado. Era um processo lento, mas necessário.
-Posso voltar noutra altura, se preferires - disse ele, percebendo minha hesitação.
-Já terminei! - sorri, tentando tranquilizá-lo. -Aconteceu alguma coisa?
-Faltam poucos dias para o primeiro aniversário do Daniel e da Hope... - começou ele, com certo receio. -Pensei em fazermos uma pequena festa aqui em casa...nada muito elaborado. Mas é que nem tema temos ainda! Não quero te pressionar nem nada...
Antes que ele terminasse, puxei-o para perto de mim e beijei seus lábios sem aviso. Senti suas mãos envolverem meu rosto, e o momento se encheu de um calor que há muito não sentia. Tudo parecia certo, como deveria ser. Aquilo era nosso. INTENSO, VERDADEIRO , FAMILIAR.
-Tudo está bem! - disse, acariciando seu rosto. -Quanto ao tema, é fácil.
-Fácil? - perguntou ele, um pouco confuso. -Moranguinho? Estamos a falar de gémeos casal, não de duas meninas ou dois meninos!
-Qual o problema? - ri de sua aflição. -Um safari. Ambos adoram explorar a relva, aventurando-se pelo pequeno mundo deles.
Ele riu aliviado, beijando-me novamente.
-Sempre com as melhores ideias! - comentou antes de sair do quarto, entusiasmado.
Observei-o ir, com um sorriso no rosto. Era bom vê-lo com aquela energia novamente, tão envolvido e dedicado. Matheus sempre foi um excelente pai e, mesmo com todos os altos e baixos que tivemos, nunca desistiu de tentar. De nós.
"Ele sempre esteve comigo..."
Com essa certeza no coração, deixei o quarto para checar como S/n estava a sair-se com Myla. O pequeno espaço que ela arrumava parecia ideal para a bebé passar a noite.
-Estás de saída? - perguntei, ao vê-la vestir o casaco.
-Só vou comprar os últimos presentes com o Noah - respondeu ela, enquanto ajeitava os botões. -Ele já está a insistir há dias para irmos sozinhos.
-Quem me dera também poder sair um pouco, mas aqui está tudo um caos total.
-Homens! — brincou, rindo. -Bom, descerei contigo até o andar de baixo, antes que Noah faça um escândalo.
-Disso eu não duvido... - admiti, rindo também.
Descemos juntas, e eu sabia que, apesar de todos os desafios, o pior já havia passado. A vida voltava a se alinhar, cheia de pequenos momentos que traziam paz e gratidão.
Enquanto eu seguia para a cozinha, sentindo a necessidade de fazer algo para relaxar. Cozinhar era, de certa forma, uma terapia para mim, mesmo com tantas coisas a acontecer ao mesmo tempo.
Abri a geladeira e comecei a pegar os ingredientes para preparar algo simples, mas reconfortante. Talvez um risoto de cogumelos. Peguei a tábua de cortar, as facas, e comecei a organizar tudo na bancada. O som do óleo aquecendo na panela e o aroma suave dos ingredientes começavam a preencher o ambiente, trazendo uma tranquilidade rara.
Estava tão absorta no processo que só percebi a presença de Matheus quando senti suas mãos envolvendo minha cintura por trás.
-Assustei-te? - sussurrou ele perto do meu ouvido, com uma voz suave e brincalhona.
-Um pouco. - admiti, virando ligeiramente a cabeça para encará-lo. -Não ouvi-te entrar.
-Porque estás tão concentrada! - disse ele, encostando o queixo no meu ombro. -Parece delicioso o que estás a fazer. O que é?
-Um risoto. Nada de muito elaborado. Só precisava de um momento...para mim, entendes?
Ele acenou com a cabeça, mas não soltou minha cintura. Pelo contrário, apertou-me um pouco mais contra si, como se aquele fosse o único lugar onde queria estar.
-Gosto de ver-te assim. - disse ele, baixinho. -Em paz.
-Não é sempre que consigo sentir isso ultimamente, mas...acho que estamos a encontrar nosso caminho, não é?
-Estamos. - respondeu ele prontamente, beijando a lateral do meu rosto. -Estou a fazer o meu melhor, Lexus. Sempre vou fazer.
Fiquei em silêncio por alguns segundos, absorvendo o peso das suas palavras. Ele não precisava dizer nada. O simples fato de ele estar ali, presente, era prova suficiente de que estava a cumprir sua promessa.
-Bom, se vais ficar aí, pelo menos pega a colher e mexe isso para mim. - brinquei, tentando aliviar a tensão.
Matheus soltou uma risada baixa, mas pegou a colher da panela e começou a mexer como se sua vida dependesse disso.
-Assim? - perguntou, com uma expressão tão séria que me fez rir.
-Assim está perfeito. Agora podes dizer que ajudaste no jantar.
Ele sorriu de lado e me puxou novamente para perto, dessa vez posicionando-me ao seu lado enquanto continuávamos a cozinhar juntos. Era um momento simples, mas exatamente o que eu precisava. A sensação de que, apesar de todas as dificuldades, nossa conexão ainda existia.
Quando finalmente terminamos, Matheus pegou dois pratos e os colocou sobre a bancada.
-Almoço à luz da cozinha? - provocou.
-É tudo o que precisamos. - respondi, sentando-me e observando-o encher os pratos. -As crianças estão dormindo, meus pais foram com Lily e Ryan a casa buscar algumas coisas, tua mãe foi com Myla e Noah fazer compras.....precisamos de um momento para nós, para colocarmos tudo em dia.
Enquanto comíamos ali, sob a luz branda do ambiente, senti-me mais leve do que em muito tempo. Talvez, só talvez, estivéssemos a reencontrar não só a paz, mas também o amor que pensávamos perdido.
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Paul
Com uma folga por semana era tudo o que mais desejávamos. Bem, era raro, devo admitir, tão raro que nunca havia acontecido enquanto Valverde era nosso chefe. Mas com Alejandro, algumas coisas mudaram. Ter um tempo na semana para relaxar e viver a vida de um jeito mais confortável tornava tudo ainda melhor.
Depois de conseguirmos o investimento para o novo bar, hoje seria o primeiro dia de limpeza. A poeira de anos estava acumulada em todo canto, as janelas estavam rachadas e turvas.
Na verdade, tudo ali precisava ser renovado. Era o início de uma longa jornada, mas a animação de transformar aquele espaço nos dava forças.
-Até que enfim chegaram! - cruzei os braços ao ver Steve e Sophia finalmente entrando. -Pensei que nunca viriam.
-Não somos os únicos atrasados.
-São sim, Sophia! Christian e Alejandra estão no fundo arrumando toda a bagunça dos alimentos e bebidas que ficaram aqui abandonados. Kaio foi aí carro buscar as ferramentas, Hector está falando com o proprietário e Joanna, bem, não sei... -ri, apontando para o corredor. -Por que não vais lá fazer-lhes uma enorme companhia?
-Tu sempre consegues ser insuportável, Paul! - ela revirou os olhos, mas acabou deixando um beijo rápido na minha bochecha em tom de brincadeira. -Comportem-se, crianças.
-Sempre!!! - Steve respondeu, rindo, enquanto se apoiava na bancada coberta de poeira. -Então, o que se passa?
-O quê?
-Não mintas, Paul...Joanna e tu? Ouvi dizer que a convidaste. Algo me diz que vocês voltaram.
-Nós não voltamos, e talvez isso nem aconteça tão cedo. Somos apenas amigos.
-Amigos, sei!!!
Sem paciência para o sorriso provocador de Steve, peguei um saco de lixo e joguei na direção do seu rosto. Ele desviou por pouco, gargalhando, enquanto eu apontava para a bagunça no chão, ordenando em silêncio que ele começasse a trabalhar.
Bem, não vou mentir. O lugar estava um verdadeiro caos. As janelas precisavam ser trocadas, a fachada e as paredes pediam por uma boa camada de tinta, o piso estava tão desgastado que rangia a cada passo, e até as cortinas pareciam prestes a se desintegrar.
Era muito dinheiro e esforço, mas sabíamos que, com paciência e determinação, transformaríamos aquele velho espaço no bar dos nossos sonhos.
Enquanto Steve resmungava algo sobre "não ser escravo de ninguém", mas o som de risadas logo se misturou ao barulho de caixas sendo arrastadas e vidro quebrado.
Eu estava prestes a me juntar a eles quando a porta da frente se abriu novamente, revelando Joanna. Ela segurava dois cafés, equilibrando um deles de forma meio desajeitada com a bolsa no ombro.
-Trouxe café! Achei que poderiam precisar de energia extra. Nelson do café da frente foi super gentil comigo...ele ofereceu. - ela sorriu, mas parecia hesitante, como se não soubesse exatamente onde se encaixava naquele caos todo.
-Joanna! - Steve exclamou, largando a vassoura instantaneamente e correndo até ela como se não visse há anos. -Finalmente! Paul estava quase desmaiando de saudades.
-Vai se ferrar, Steve. - murmurei, tentando manter a compostura enquanto pegava um dos cafés que ela estendia para mim. -Obrigado.
-Não se preocupem, trouxe pra todos. - Joanna piscou, ignorando as provocações, e tirou da bolsa um pequeno pacote com copinhos extras.
Hector apareceu nesse momento, vindo do lado de fora com um rolo de fita adesiva e uma lista amassada na mão. Ele olhou para Joanna, depois para o café e finalmente para Steve, que parecia prestes a fazer mais alguma piada.
-Ninguém aqui está trabalhando? - Hector perguntou, levantando uma sobrancelha.
-Estou literalmente com uma vassoura na mão! - Steve rebateu, levantando o cabo da vassoura como prova.
-E quanto tempo vocês ficaram segurando isso antes de largar para correr atrás de café? - Hector não perdeu a chance de retrucar, lançando um olhar divertido antes de se virar para mim. -Paul, por favor, me diz que Christian e Alejandra não estão quebrando alguma coisa lá nos fundos.
-Eles estão "tentando" organizar o depósito. - respondi, usando os dedos para fazer aspas no ar. -Mas, considerando que Alejandra acha que "organizar" significa empilhar tudo em forma de pirâmide e Christian tem a delicadeza de um rinoceronte...Bem, sugiro checar.
-Já volto. - Hector suspirou e foi em direção ao fundo do bar, resmungando algo em espanhol.
Kaio entrou logo depois, carregando um
saco pesado com ferramentas. Ele sempre era esquecido e deixou tudo na mala do carro vindo sempre a uma distância enorme daqui.
-O que perdi? - perguntou, largando o saco no chão com um baque e olhando ao redor.
-Nada demais, só mais um dia de caos. - respondi. -Por favor, me diz que trouxes algo para lidar com essas janelas.
-Claro, e também um pouco de paciência, porque iremos precisar. - ele deu um sorriso tranquilo, aquele típico de quem nunca parece se abalar, e começou a inspecionar as molduras das janelas. -Vão ficar aí e não me irão ajudar?
-Eu ajudo! - Steve largou a vassoura fazendo um som estridente após bater o chão. -Enfim sem trabalho pesado.
Joanna se aproximou de mim enquanto observávamos Kaio medir e marcar
os pontos das trocas.
-É estranho ver todo mundo junto de novo, não achas? - perguntou em voz baixa.
Eu apenas assenti, sem saber o que responder. Era estranho, sim, mas ao mesmo tempo reconfortante. A verdade era que, mesmo com toda a bagunça, aquele grupo começava a parecer mais como uma família do que apenas colegas de trabalho.
-Ei! - a voz de Sophia ecoou pelo salão. -Alguém pode vir aqui atrás? Christian e Alejandra estão prestes a começar uma luta de comida com pacotes de batata velha!
-Isso não é problema meu. - Steve se jogou em um dos bancos, fingindo cansaço.
-Não mesmo. É meu! - gritou Hector, caminhando pelo corredor com uma expressão ameaçadora. - Vocês dois, larguem isso agora! - gritou.
Todos rimos, mas sabíamos que ainda tínhamos um longo dia pela frente. Ainda assim, entre as piadas, os desastres e as discussões, havia algo que nos fazia continuar, a certeza de que, no final, aquele bar não seria apenas um lugar. Seria nosso lugar.
Com Hector correndo para o fundo, restamos eu, Joanna, Steve e Kaio no salão principal. Kaio já estava imerso no trabalho das janelas, ajustando ferramentas e murmurando algo sobre como as molduras estavam piores do que ele imaginava.
Steve, é claro, não ajudava. Ele pegou um pano e começou a passar na bancada apenas para fingir que estava ocupado. Quando a e tratava de tarefas domésticas ele detestava, nem sei como Sophia o suportava em relação a isso.
-Então, Paul, queres contar para Joanna como tu tens falado dela nos últimos dias? - Steve provocou, lançando-me aquele olhar travesso que ele adorava usar para me envergonhar.
-Steve, sério, cala a boca. - tentei manter a calma, mas Joanna arqueou uma sobrancelha, claramente curiosa enquanto Kaio ria da situação.
-Ah, isso eu quero ouvir. - ela cruzou os braços, olhando para mim.
-Não tem nada para ouvir. - respondi rapidamente, jogando um balde na direção de Steve, mas ele desviou com agilidade exagerada.
-Certo, certo, vou parar. - Steve levantou as mãos em sinal de rendição. -Só estou dizendo que tu deverias...
-STEVE!
Antes que ele pudesse terminar, o som de algo caindo lá nos fundos chamou nossa atenção.
-O que foi isso? - Joanna perguntou, já se movendo em direção ao barulho.
-Algo me diz que foi o Christian. - suspirei, seguindo logo atrás dela.
Nos fundos, encontramos Hector parado no meio do depósito, com as mãos na cintura e a expressão de puro desespero. Alejandra e Christian estavam cercados por pacotes rasgados de farinha e arroz. Parecia que um pequeno tornado tinha passado por ali.
-Eu disse para organizar, não para destruir! Mesmo que seja para o lixo, não precisamos colocar este caos num enorme caos. - Alejandro exclamou, apontando para o caos ao redor.
-Não foi culpa minha! - Christian se defendeu imediatamente. -Eu estava tentando empilhar isso aqui, mas a Alejandra...
-Ei, foste tu quem deixaste a pilha desequilibrada! - Alejandra rebateu, gesticulando tão intensamente que derrubou mais um saco de farinha.
-Por favor, parem. - Sophia fechou os olhos e respirou fundo. -Vamos todos limpar esta bagunça e depois iremos para o enorme salão novamente tudo bem? Assim alguns de nós podem namorar em paz! - ela me encarou sorridente.
Joanna riu baixo ao meu lado.
-Nada muda, não é?
-Nada mesmo. - respondi, observando todos colocando luvas.
Sophia apareceu na porta, com um pano
de prato na mão e farinha no cabelo.
-Alguém pode ajudar? Ou vou ter que ser babá desses dois sozinha?
Kaio surgiu logo depois, ainda
segurando a fita métrica.
-Preciso de ajuda com as janelas. Quem está disponível?
-Eu vou. - Joanna se prontificou, me lançando um olhar de expectativa. -Assim outras pessoas namoram à vontade!
-JOANNA!!! - Sophia ficou vermelha e todos rimos.
Depois de finalmente limparmos a bagunça no depósito, seguimos todos para o salão principal. A luz do fim da tarde atravessava as janelas embaçadas, iluminando a poeira que flutuava pelo ar. Joanna e Kaio já estavam concentrados nas janelas, enquanto
Steve estava encostado em uma das mesas, aparentemente supervisionando ou melhor, fingindo que estava ocupado.
-Então, o que aconteceu aqui enquanto estávamos nos fundos? - Hector perguntou, olhando em volta, avaliando o progresso.
-Steve supervisionou o nada. - Kaio respondeu de imediato, sem tirar os olhos da moldura da janela que estava limpando.
-Eu supervisiono com excelência, obrigado. - Steve rebateu, dando um gole no que restava do seu café. -Vocês é que vivem desmerecendo minha importância nesse grupo.
-Tua "importância" é do tamanho destas cortinas velhas totalmente descartável. - Sophia retrucou, sorrindo.
Hector e Christian largaram as ferramentas e começaram a rir alto, o que só aumentou o ar de provocação no salão. Hector suspirou, esfregando as têmporas como se precisasse de uma dose extra de paciência.
-Está vendo, Hector? - Kaio comentou, enquanto ajustava a ferramenta na moldura da janela. -Este é a equipa que tu escolheste.
-Eu não escolhi. Fui jogado no meio disso. - Hector respondeu, jogando um saco de ferramentas no chão para chamar a atenção de todos.
-Certo, já que ninguém quer trabalhar, vamos dividir as tarefas. - Alejandra falou animada.
-Dividir? - Christian perguntou, parecendo preocupado. -Tipo...de verdade?
-Sim, Christian, de verdade. - ela retrucou. -Kaio e Joanna já estão nas janelas. eu e Sophia, pintem a parede do fundo. Steve, finalmente faz alguma coisa e ajuda o Paul com o chão.
-Ótimo. Me dão o trabalho mais pesado. - Steve reclamou, mas não fez menção de sair do lugar. -E Hector e Christian? Não faltam nada?
-Levanta logo antes que eu jogue esse balde na tua cabeça. -Respondi, pegando a lixa para o chão. -Ambos levaram todo o lixo do depósito para fora daqui.
-Por que eu? - ele ainda tentou argumentar, mas o olhar de Hector foi suficiente para fazê-lo levantar.
Sophia e Alejandra pegaram os pincéis e começaram a pintar a parede do fundo, mas não sem trocar provocações o tempo todo.
-Alejandra, tu pintas como uma criança de cinco anos. - Sophia comentou, olhando para a parte desajeitada que ela acabara de cobrir.
-E tu reclama como uma avó de noventa. Eu sou agente da polícia não sou pintora de interiores... - Alejandra retrucou, mergulhando o pincel com força na lata de tinta.
Enquanto isso, Joanna e Kaio terminaram de ajustar a moldura da primeira janela e começaram a preparar a segunda. Joanna virou para mim e sorriu, claramente se divertindo com o caos ao nosso redor.
-Paul, você tem certeza de que isto vai funcionar?
-O bar? Ou nós juntos sem matar uns aos outros? - respondi, sem levantar os olhos da lixa.
-Os dois. - ela riu, mas antes que eu pudesse responder, Hector apareceu novamente com Chris.
-Escutem! - ele chamou a atenção de todos. -Estamos fazendo progresso, mas ainda temos muito trabalho. Não se distraiam, e, por favor, sem mais discussões.
-Discursos motivacionais não vão nos salvar. - Steve respondeu, já de joelhos ao meu lado, fingindo que estava cansado.
-Não, mas trabalho duro vai. - Hector rebateu, lançando um olhar firme antes de voltar para sua lista interminável de tarefas.
Apesar de tudo as brincadeiras, as provocações, o cansaço o salão começava a parecer diferente. A poeira dava lugar a um ambiente mais limpo, as paredes ganhavam cor, as janelas deixavam a luz entrar.
Era um começo.
E mesmo com todos os desafios, havia algo de reconfortante no meio daquele caos, estávamos juntos. No meio de todo aquele caos que o passado nos causou. Hércules estava animado, brincando com a sua bola na entrada, enquanto todos estávamos concentrados nas árduas tarefas que nos foram atribuídas.
O ambiente estava intenso, mas ainda assim, algo parecia pairar no ar, descontraído e engraçado.
-Não achas a Alejandra e o Hector muito próximos ultimamente? - sussurrei perto de Steve, tentando não ser muito óbvia. -O que há com ele? Sei que ele é teu padrinho e tudo mais, já saiu da polícia há imenso tempo, mas nunca o vi tão feliz esses anos todos como o vejo agora...
Steve olhou-me de relance, meio distraído, mas com um sorriso de quem sabia algo que eu não sabia.
-Ele não admite que gosta dela. É isso que se passa. Além do mais, os olhares dizem outra coisa. Não achas? - ele apoiou os cotovelos na bancada, como se fosse natural dar-se por vencido. -Droga! Pareço uma menina ficando animada por eles. – abanou a cabeça em negação, com um suspiro dramático.
Eu apenas ri. Steve era uma peça autêntica quando não estávamos de serviço. Fora do uniforme, ele deixava de ser o policial rígido e assumia um papel completamente diferente. Eu sempre gostei deste lado mais leve dele, mais descomplicado e cheio de humor.
-Os senhores ficaram aí conversando? - a voz do Hector cortou o silêncio, e, por instinto, ambos nos viramos para ele. Não nos assustou, mas não conseguimos esconder o sorriso. -Não me façam puxar-vos as orelhas. Isto ainda está imundo!
Eu e Steve trocamos um olhar, meio cúmplice,
antes de nos voltarmos para o trabalho.
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