43⁴ | Psicopata: O Luto
[...]
08:30H —
Autora Narrando
O som da sirene da ambulância cortava o ar enquanto avançavam rapidamente pela estrada. O tempo parecia se arrastar, mas finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, a ambulância chegou ao hospital. Os paramédicos se apressaram em levar o bebê para a unidade de emergência, enquanto os pais, ainda em choque, os seguiam o mais rápido que podiam.
No momento em que Kaiser foi retirado da ambulância, a tensão pairava no ar, mas havia uma sensação de alívio. O bebê, agora nas mãos dos médicos, estava nas melhores condições possíveis, e as chances de sobrevivência pareciam aumentar a cada minuto.
-Thomas, por favor, salva-o, salva o meu filho! - Lexus agarrou-se desesperada a ele. -Ele precisa sobreviver.
-Iremos fazer o possível. Não vamos abandonar ele. Confia em mim, ele vai sobreviver...
Aquelas palavras não trouxeram nenhum consolo. O peso da situação parecia devorar a alma de Lexus, matando-a aos poucos. Cada vez que um médico ou enfermeiro entrava no quarto da UTI, um aperto imenso se formava no seu coração.
A sala de espera se tornava um espaço de tensão insuportável. As pessoas chegavam como podiam, e cada movimento dentro daquele quarto dilacerava ainda mais os corações de quem estava ali esperando, impotente.
-Lexus... - Sophia a abraçou, acompanhada pelas outras meninas. -Ele vai sobreviver, ele é forte, Kaiser tem o vosso sangue! A vossa força. Ninguém vai deixá-lo morrer.
-E Luka? Como ele está?
-Eu não sei. Ouvi dizer que ele teve uma parada cardíaca a caminho do hospital. Todos estão lá...
-Vou ter com o Paul e o Steve. Vens, Sophia? - Jo acariciou os braços de Lexus. -Voltamos logo.
A espera tornou-se novamente o maior inimigo. A hora parecia se arrastar, o caos tomava conta, as emoções se misturavam com as lembranças, as culpas corriam avassaladoras.
-Então, Thomas! Como ele está? - António apareceu na porta, aflito. -Ele vai sobreviver?
-Temos más notícias...
-Más notícias? O que isso quer dizer? Fala, Thomas, droga... - Lexus estava em pânico.
-Kaiser faleceu. Eu sinto muito, muito mesmo... -Ele abaixou a cabeça. -Ele já estava fraco quando o colocamos no respirador, tentamos fazer tudo o que estava ao nosso alcance.
-Não! Meu filho, não! Ele não...
-Se quiserem vê-lo antes de o levarmos para a morgue... - o médico ao lado de Thomas falou. -Respeitaremos o vosso tempo.
O sangue de Lexus gelou. Ela estava paralisada, absorvendo cada palavra dita. Ainda incrédula, cada sensação parecia mais vívida, mais dolorosa, e todos ao seu redor podiam sentir sua angústia.
-NÃO! NÃO!! - os lamentos de Lexus ecoaram pelos corredores. Assim que ela entrou no quarto, a cena era de extrema dor. Ela se agachou diante do pequeno berço e deitou sua cabeça no peito de seu filho. As lágrimas incessantes caíam, cada vez mais fortes. -Não, senhor, ele não... MANDE O ESPÍRITO SANTO SALVAR O MEU FILHO!!!
-Lexus! Para, não faças isso. Nada mais podemos fazer. - Thomas a segurou. -Eu sinto muito!!!
O silêncio invadiu o quarto, pesado e imenso. A última esperança estava diante dos seus olhos, mas parecia fugir entre seus dedos. Então, num pequeno instante, as máquinas começaram a dar sinais de vida.
"Kaiser estava voltando..."
As enfermeiras tiraram a morena do quarto, e os médicos, liderados por Thomas, começaram a trabalhar incansavelmente para estabilizá-lo.
-Ele não pode, mãe... - Lexus abraçou Ella, com os ombros sacudidos por soluços.
- Eu sei, mas ele vai conseguir. Ele é forte, eu prometo.
Matheus estava sentado na cadeira, as mãos agarrando a cabeça, consumido pela angústia e pelo medo de perder o filho. A culpa corroía seu peito. O corredor tornou-se um campo de apreensão, onde a espera parecia interminável, e as orações eram incessantes. Cada segundo era uma agonia, e o ar parecia mais denso a cada batida do coração.
-Como ele está? Está melhor, Thomas? - S/n perguntou, aflita. -Já podemos ir vê-lo?
-Fora de perigo! Mas vamos monitorá-lo de quinze em quinze minutos para garantir que não haverá mais recaídas.
-Mais tarde, precisamos falar com os pais... - o médico apareceu atrás de Thomas, sua voz firme. -Não se aflijam, não é sobre o que aconteceu. É sobre o que terão que enfrentar daqui em diante...
-Ok! Tudo bem. Obrigada!
-Bom, nós iremos deixar-vos um pouco com ele.
Os dois médicos saíram, e o silêncio tomou conta da sala. Lexus sentia um turbilhão de emoções, mas, ao mesmo tempo, a notícia de que ele estava fora de perigo trouxe uma leve esperança, uma chama de alívio. Ainda assim, sabia que a luta estava longe de terminar.
Enquanto todos ao redor de Kaiser estavam aliviados e celebrando o fato de ele ter voltado à vida, do outro lado da UTI, a tensão era palpável. O estado crítico de Luka deixava todos em um estado de apreensão constante.
O tempo sob os escombros, o fumo inalado e o enorme vergalhão que atravessou seu ombro haviam causado danos imensos. Ele ainda não havia despertado, e cada segundo parecia uma eternidade. Cada momento de incerteza era devastador.
Kaio estava arrasado. O medo de perder o seu melhor amigo, seu companheiro, e um irmão de coração, estava destruindo-o por dentro. Sentado no chão gelado, com as mãos sobre a cabeça, a culpa de tê-lo deixado ir estava o consumindo. Ele se sentia impotente, como se a dor de não ter conseguido protegê-lo fosse mais forte do que ele mesmo.
-Kaio... - Steve se agachou diante dele, tentando transmitir algum conforto. -Tem calma, ele é forte! Já vi o Luka passar por coisas piores, e ele sobreviveu. Ele vai sair dessa, confia em mim.
-Se ele morrer... - Kaio sussurrou, com a voz trêmula. -Se o meu melhor amigo morrer, pode ter certeza de que eu vou acabar com a vida da Eva! Isso não é um aviso, é uma promessa.
-Não faças isso, vamos relaxar um pouco, ok? Vamos nos acalmar.
-Eu vou encontrá-la e fazê-la pagar bem caro pelo que causou...
De repente, a voz de Sophia ecoou pelo corredor, quebrando o peso da tensão que pairava no ar.
-Kaiser voltou!!! Ele voltou a respirar!
A palavra se espalhou rapidamente, e todos olharam em direção ao som, aliviados. A vida do pequeno Kaiser fora salva. Cada minuto de espera, cada passo dado pela equipe médica, havia sido uma vitória enorme.
-Vês! Kaiser está vivo, e isso é o que importa! Luka também está, ele está lutando com tudo o que tem para sobreviver.
-Tu o viste! Tu viste o estado dele, Steve...
-Eu vi, mas temos que manter a fé, Kaio. Ele vai ficar bem.
Nesse momento, Paul se aproximou dos dois, tentando trazer alguma clareza à situação.
-A mulher do Luka chegou! - ele disse, com uma leveza na voz. -Kaio, vai! Levanta-te.
Kaio olhou para ele, ainda em choque,
mas algo dentro dele mudou.
-Então, Luma! Ele está ali. - Steve se aproximou dela. -Podes ir vê-lo...
-Obrigada! - Luma disse, com a voz embargada. Ela estava pronta para encontrar Luka, mas sabia que o que ela veria não seria fácil. No entanto, ela sabia que ele precisava dela, assim como ele sempre foi a força que ela precisava.
Kaio estava atordoado, a dor em seu peito esmagava qualquer vestígio de esperança que ainda restava. Quando Luma entrou no quarto de Luka, seus olhos se fixaram imediatamente nele, mas o que ela viu a paralisou. Luka estava deitado na cama, seu corpo frágil, respirando apenas graças às máquinas que o mantinham vivo.
O monitor ao lado de sua cama piscava em intervalos regulares, mas o som do bip constante parecia mais distante do que nunca. O sangue não corria com a mesma força que antes, e seu rosto estava pálido, quase irreconhecível.
-Luka... - Luma sussurrou, sua voz falhando enquanto se aproximava dele. Ela segurou sua mão, fria e sem vida, sentindo o peso do medo que a tomava. -Por favor, não me deixes. Nossa pequena filha Luka, por favor não não faças isso...ela precisa do pai...eu preciso do meu marido de volta!
Kaio, ainda em choque, entrou lentamente atrás dela. Ele estava paralisado, observando o amigo que ele considerava um irmão, ali, preso a máquinas que mantinham sua existência suspensa entre a vida e a morte.
-Kaio... - Luma olhou para ele, os olhos cheios de lágrimas. -Ele está lutando. Eu sei que ele está lutando.
Mas, naquele momento, o médico entrou na sala, sua expressão séria e pesarosa. Ele se aproximou da cama de Luka, e todos os olhares se voltaram para ele. O som do monitor parecia cada vez mais fraco, e Kaio sentiu um nó na garganta. Ele sabia o que estava por vir, mas não queria acreditar.
-Sinto muito... - o médico disse, sua voz baixa e tranquila, como se estivesse tentando preparar todos para o pior. -Infelizmente, a situação dele piorou. O corpo dele já não responde aos tratamentos. As máquinas estão fazendo todo o trabalho agora, mas ele... - o médico hesitou, olhando para os rostos de Luma e Kaio. -Luka não vai sobreviver.
As palavras caíram como uma bomba. Kaio quase não conseguiu respirar, as palavras pareciam ecoar em sua mente, repetindo-se em um ciclo interminável. Ele olhou para Luma, que estava em choque, sua expressão vazia. Ela não queria acreditar, não queria aceitar. Mas a verdade estava diante deles, cruel e implacável.
-Não... - Kaio murmurou, sua voz quebrada. -Não pode ser...
O médico suspirou, como se as palavras estivessem difíceis de serem ditas. Ele colocou uma mão gentil no ombro de Kaio.
-Eu sei que é difícil. Mas é hora de deixar ir. Luka não está mais em sofrimento. Ele já lutou o máximo que pôde. Agora, ele está apenas preso a essas máquinas, e a vida dele já não é mais a mesma.
Luma, agora com as lágrimas caindo sem parar, se aproximou de Luka mais uma vez. Ela segurou sua mão com força, como se fosse a última coisa que ela poderia fazer por ele. Ela sussurrou em seu ouvido, algo íntimo, algo só dela e dele.
-Eu te amo, Luka. Sempre vou te amar.
Kaio estava paralisado, as palavras do médico ainda reverberando em sua mente. Mas ele sabia que, apesar de tudo, o melhor para Luka era partir. Deixar de lutar contra um destino que já estava selado.
Kaio fechou os olhos, tentando controlar as lágrimas que ameaçavam cair. Ele sabia que a dor de perder um amigo como Luka nunca iria embora, mas tinha que deixar que ele encontrasse a paz que tanto merecia. O médico se afastou lentamente, e o monitor emitiu um som mais suave, cada bip mais distante até que, finalmente, cessou. O silêncio tomou conta da sala.
"Luka estava, finalmente, livre..."
Kaio saiu do quarto lentamente, o som do monitor de Luka ainda ecoando em sua mente, mas agora em um silêncio absoluto. Cada passo que dava em direção ao corredor parecia mais pesado que o anterior. Ele estava completamente paralisado, como se seu corpo não tivesse mais forças para continuar. A dor que ele sentia dentro de si era insuportável. Ele não queria acreditar, não queria aceitar o que havia acontecido.
Luka, seu melhor amigo, havia partido.
Com passos lentos, ele se dirigiu até a sala de espera onde todos estavam. O som abafado de conversas distantes foi a única coisa que ele ouviu enquanto caminhava. Quando ele entrou na sala, todos se calaram imediatamente, a tensão visível no ar. As esperanças ainda estavam vivas, eles ainda acreditavam que Luka poderia sobreviver. Mas Kaio sabia a verdade, e ela estava prestes a devastar todos.
-Kaio... - Alejandra disse suavemente, se aproximando dele. Sua voz quase tremia, os olhos enchendo-se de uma mistura de medo e esperança. -Como ele está? Ele...ele vai melhorar?
Kaio desviou o olhar por um momento, incapaz de encarar aqueles olhos que imploravam por uma resposta positiva. Ele sentia o peso esmagador das palavras que carregava, o tipo de peso que parecia drenar a alma. Finalmente, forçou-se a falar. Sua voz saiu quebrada, rouca, como se cada sílaba fosse uma lâmina cortando sua garganta.
-Luka... - ele começou, a voz falhando por um instante antes de conseguir continuar. -Ele...
ele faleceu. Luka se foi.
A sala inteira pareceu congelar no tempo. O silêncio pesado foi rompido por um lamento coletivo, um som primitivo de dor que veio de todos os cantos.
Steve foi o primeiro a desabar, o rosto escondido entre as mãos enquanto soluços incontroláveis escapavam. Ele havia tentado se manter forte, como sempre, mas as palavras de Kaio atravessaram sua armadura. Era como se tudo em que ele acreditava tivesse sido despedaçado em um instante.
A dor era profunda e imediata, cravando-se em cada pessoa ali presente. Alejandra levou as mãos à boca, o olhar vazio, sem acreditar nas palavras que ecoavam em sua mente. Não havia consolo, não havia preparação para o vazio que Luka deixara.
Kaio, por sua vez, permaneceu imóvel, lutando contra as lágrimas que já não conseguia conter. Ele sentia que havia falhado. Falhado com Luka. Falhado com todos eles. E agora, tudo o que restava era aquela dor devastadora que parecia não ter fim.
O choro de Steve ecoava pela sala, e ninguém teve forças para consolá-lo, pois todos estavam lutando com seus próprios pedaços de sofrimento. Alejandra se afastou de Kaio, como se precisasse de espaço para processar o que acabara de ouvir. Ela cambaleou, apoiando-se na beira de uma mesa, o rosto pálido e sem expressão, até que, finalmente, um soluço cortou o ar, escapando de sua garganta.
-Não... - ela murmurou, os olhos marejados fixos em algum ponto vazio da sala. -Isso não pode ser verdade... Luka não pode...
Kaio sentiu o peso das palavras dela como uma faca girando em seu peito. Ele também desejava que não fosse verdade. Desejava poder voltar no tempo, mudar o que havia acontecido. Mas era inútil.
Luka estava mesmo...
-Morto. - a palavra escapou de seus lábios como um sussurro involuntário, e foi como se reafirmá-la em voz alta tornasse tudo ainda
mais cruel.
No canto da sala, Bruno, que até então permanecera em silêncio, começou a chorar baixinho, com as mãos apertando um medalhão que pendia de seu pescoço que Luka lhe haveria dado no aniversário. Ele sempre fora a mais contida do grupo, mas agora, a dor parecia transbordar.
-Ele era o melhor de nós.. - sussurrou Bruno entre lágrimas, a voz tremendo. -Sempre tão otimista, tão... forte. O mais forte de todos nós, isto pode ser mentira! Foi o Luka que quis que dissesses isso, certeza. Ele ama brincar connosco.
Alejandra finalmente se moveu, virando-se para Kaio com os olhos vermelhos e um misto de tristeza e raiva queimando neles, enquanto Bruno em passos apressados saiu da sala de espera em direção ao quarto.
Naquele momento, não havia espaço para perdão, para explicações. Havia apenas a dor.
E ela era tudo o que preenchia o vazio deixado por Luka.
Luka Craft Romero
(10.03.2016 a 08.11.2044)
🍓
• 3 semanas depois // 19H •
Lexus
Depois de três semanas lutando por tudo o que éramos, três semanas de luto pela morte de Luka , uma morte que parecia em vão e três semanas intensas no hospital com Kaiser, finalmente estávamos em casa.
Eu estava profundamente abalada com Matheus. As palavras que ele me disse, o peso do que tive que suportar ouvir, ecoavam na minha mente como um alarme silencioso, corroendo-me por dentro.
Agora, na casa dos meus pais, estávamos todos juntos. Os gêmeos estavam comigo, assim como o resto da família.
"Aquela foi uma sensação que eu
nunca mais quero experimentar..."
-Mamãe só vai ao banheiro, tá bom, fofinho? Já volto.
Coloquei Kaiser no berço e acariciei sua cabecinha. Desde aquela terrível semana, um novo medo havia nascido em mim. Perder Kaiser, mesmo que por alguns minutos, me fazia sentir como se estivesse caindo num abismo sem fim.
Entrei no banheiro, respirei fundo e encarei meu reflexo no espelho. Pela primeira vez em semanas, eu podia relaxar, mesmo que por algumas horas. Lavei o rosto e, ao sair, congelei ao ver uma silhueta agachada perto do berço.
Kaiser estava rindo.
-Quem é você? - minha voz tremia, mas tentei soar firme. -Não me faça gritar!
Meus músculos estavam tensos.
A pessoa virou o rosto e, por um momento, meu coração parou. Eu o reconheci. Era o tetra-avô de Matheus. Ele estava ali, perto do berço, e de repente as palavras de Vitor em um sonho me vieram à mente.
-Ele está seguro agora. Nada mais o afetará, nem a ele, nem a você, nem aos gêmeos.
-Como isso pode ser verdade? - murmurei, ainda incrédula. -Eva pode estar planejando algo novamente...
Ele ficou em silêncio, levantou-se e caminhou até a janela. Sentando-me na cama, peguei Kaiser nos braços, tentando processar tudo o que estava acontecendo.
-Por vezes, a vida é dura demais - ele começou, sua voz cheia de um peso que atravessava gerações. -Talvez eu tenha errado em não protegê-lo até o fim...
-Como assim, protegê-lo? - interrompi, confusa.
-Eu dei tudo de mim. Usei toda a força da minha alma para salvá-lo enquanto podia. Mas duas horas antes...minhas energias estavam esgotadas. Quando a casa começou a pegar fogo, eu estava lá, diante da grande porta vermelha. Hércules estava lá também. Ele sabia que eu tinha vindo para proteger vocês.
-Eu não o abandonei... - ele continuou, olhando-me diretamente nos olhos. -Passei cada segundo com ele. A energia que nos une o trouxe de volta.
-Mas não disseste que todas as tuas forças estavam esgotadas... como isso foi possível?
-As gerações passadas ouviram as tuas preces naquele quarto de hospital, o desespero de vocês. Não era justo que um bebê morresse por causa de uma psicopata.
-Ele está bem agora...mas...
-Ele tem asma... - sussurrou, ainda hesitante.
-Sim! - disse calmamente.
Fiquei surpresa. Ele parecia saber tudo.
-Ele tem uma marca no ombro direito, não tem? Um pequeno sinal?
Puxei a roupa de Kaiser e lá estava, uma mancha escurecida, que eu nunca havia notado antes.
-Ele não tinha isso antes! - exclamei.
-É a marca do meu pai - ele disse, com um leve sorriso. -Foi ele quem deu a força final para que Kaiser sobrevivesse.
Uma onda de alívio percorreu meu corpo. Fechei os olhos e senti uma tranquilidade inédita. Quando os abri novamente, ele não estava mais lá. Mas algo me dizia que ele voltaria. Esta era sua dinastia. Esta era sua família.
O riso de Kaiser me trouxe de volta ao presente. Seus olhinhos brilhavam de alegria, e seu toque me enchia de esperança. Peguei-o nos braços e desci as escadas, onde o resto da família estava reunido, assistindo aos desenhos animados favoritos dos gêmeos.
-Tudo bem? -meu pai perguntou, preocupado. -Precisas de ajuda com algo?
-Posso fazer com ele no colo, pai. - respondi, tentando soar confiante. -Sou mãe. Preciso garantir que ele esteja seguro novamente.
Ele sorriu com ternura.
-Lexus, está tudo bem agora. Estou aqui. Nada vai acontecer. Deixa-me segurar o Kaiser um pouco. Logo ele estará de volta nos teus braços.
-Será?
-Quando foi que eu deixei de protegê-los? Confia em mim.
Meu pai me abraçou e beijou minha testa.
Na cozinha, encontrei minha mãe cantarolando. Era raro ouvi-la cantar, mas sua voz era doce e suave. Abracei-a por trás, as lágrimas correndo silenciosas. Eu me sentia grata por todos ao meu redor estarem ajudando, segurando o peso que parecia impossível para mim carregar sozinha.
-Preparei uma salada de frutos vermelhas e alguns sanduíches para ti quando sentires fome também durante a noite. Estão no frigorífico! - disse ela com um sorriso.
-Obrigada...Como estão os gêmeos? Eles ficam bem sem mim? Não quero ser uma mãe irresponsável...
-Eles estão bem, Lexus. Todos estão ajudando. Mesmo pequenos, eles sentem o clima e estão se esforçando para colaborar.
Respirei fundo. Pela primeira vez, senti que talvez, apenas talvez, as coisas realmente estivessem começando a melhorar.
Ouvi o som da campainha. Não esperava ninguém, mas ultimamente olhar para o meu telemóvel era um evento raro não vou negar.
Olhei para a porta da cozinha após ouvir passos firmes ecoando pelo chão e Matheus apareceu. Ele estava com as mãos nos seus bolsos e seus olhos inchados, com toda a certeza ele não estava dormindo.
Matheus me encarava com uma mistura de culpa e determinação. Sua presença, tão familiar, era também carregada de um peso que não me deixava respirar com facilidade.
-Lexus, podemos conversar? - sua voz saiu firme, mas havia um leve tremor. Ele não esperou minha resposta, apenas entrou mais fundo na cozinha, olhando ao redor, como se procurasse algo que o ajudasse a se manter de pé.
Minha mãe, percebendo o clima tenso, tocou meu ombro e murmurou. - Vou ver como estão os gêmeos. Qualquer coisa, chama-me.
Ela se retirou rapidamente, e de repente
estávamos apenas nós dois ali, na cozinha.
-O que tu queres, Matheus? - perguntei, minha voz firme, mas baixa o suficiente para não assustar o bebê.
Ele passou a mão pelos cabelos e
soltou um suspiro profundo.
-Eu vim pedir desculpas...e explicar-me.
Quase ri da ironia.
Explicar?
Depois de tudo o que ele disse?
-Não sei se estou pronta para ouvir. As coisas que tu falaste... - minha voz falhou, mas continuei, comendo. -Elas me machucaram, Matheus. Tu não fazes ideia do quanto. Nunca pensei que fosses tu a profetizar aquelas palavras, sei que a situação apertou, mas ouvir-te dizer "nossos filhos" encarando a Eva me quebrou demasiado.
Ele deu um passo na minha direção,
mas parei-o com um olhar.
-Eu sei... Sei que fui um idiota, que disse coisas que jamais deveria ter dito. Mas tu precisas entender... - ele hesitou, os olhos encontrando os meus. -Eu estava com medo.
Aquilo me pegou de surpresa. Medo? Matheus raramente admitia fragilidade.
-Medo de quê, Matheus? - perguntei, minha voz saindo mais suave do que eu pretendia.
Ele respirou fundo, como se precisasse reunir toda a coragem do mundo para responder.
-Medo de te perder. Medo de perder tudo. A ti, os gêmeos, o Kaiser... Eu não sabia lidar com o que estava acontecendo. O Luka... - ele engoliu em seco. -A morte dele me destruiu. E ver-te tão forte aguentando tudo aquilo, tão resiliente, enquanto eu só conseguia me afogar na culpa... eu não soube como reagir.
Fiquei em silêncio, tentando processar suas palavras. Ele parecia genuíno, mas eu ainda sentia o peso de tudo o que ele havia dito.
-E tu achaste que descontar aquelas palavras em mim seria a solução? - rebati.
-Não, Lexus! Eu não achei... - ele elevou a voz por um segundo, mas logo a abaixou, percebendo o erro. -Não. Eu só... Eu perdi o controle. Eu errei. E eu daria qualquer coisa para voltar no tempo e consertar isso.
Olhei para a comida novamente. Eu estava recusando-me por tudo falar com Matheus, ainda mais depois do que se passou.
-Desculpas não apagam o que aconteceu, Matheus. Palavras machucam. E eu ainda estou tentando me recompor.
Ele assentiu, a dor evidente em seu rosto.
-Eu sei. Não espero que tu me perdoes agora. Só quero que saibas que eu estou aqui. Que eu vou lutar por ti, pelos gêmeos, pelo Kaiser. Pelos nossos filhos. Eu mereço isso, eu errei, mas eu sou humano, e eu sei que lá no fundo tu me amas... - se aproximou de mim colocando sua mão perto da minha.
Por um momento, o silêncio tomou conta da cozinha. Olhei para ele, para os olhos inchados que me encaravam com uma vulnerabilidade rara.
-Tu quebraste-me primeiro... - falei firme, o deixando sem palavras. -Agora! Nossos caminhos seguem separados, como dizes-te ainda no hospital, quando os quiseres ver me avisa, mas de agora em diante, nossas relações estão cortadas.
-Moranguinho.... - sua voz falhou, suas lágrimas desceram. -Não me destruas mais por dentro! Eu preciso de ti, por favor.
-Não precisas, não precisaste quando dizes-te aquelas terríveis palavras. Agora não temos nada mais.
-Lexus por favor me entende! Eu sei, sou um tolo, não penso antes de pensar, mas tu conheces-me. Conheces-me à imenso tempo e depois de que me tornei pai tudo mudou ainda mais.
-Matheus... - comecei, mas a campainha tocou novamente, cortando minha fala.
Antes que qualquer um de nós pudesse reagir, minha mãe surgiu no corredor com uma expressão de surpresa.
-Lexus, tem alguém aqui que quer falar contigo, filha.
-Quem é?
Ela hesitou, parecendo medir
as palavras antes de dizer.
-É o Lando! Diz que é urgente.
O ar pareceu mudar imediatamente. Olhei para Matheus, e seus punhos estavam cerrados. A tensão era palpável. O moreno tinha aquele olhar sombrio que conheci tão bem, os músculos do maxilar tensos como se ele estivesse tentando conter uma explosão.
-Claro que ele veio. - Matheus murmurou, com um tom ácido.
Respirei fundo, tentando evitar que
a situação fugisse ao controle.
-Matheus, espera aqui. Eu vou ver o que ele quer.
-Lexus... - ele me chamou, a voz baixa, mas carregada de frustração. - Não vás dar espaço pra ele. É exatamente o que ele quer.
-Resolverei isto do meu jeito.
Passei por minha mãe no corredor, o coração acelerado. Quando cheguei à sala, Lando estava lá, com o mesmo sorriso alegre de sempre, como se nada estivesse fora do lugar.
-Lexus, finalmente. Com tanto a acontecer, ainda bem que tive um tempo. Precisamos falar.
Sua voz era calma, quase casual, mas havia algo em seu tom que me deixou inquieta. Ele parecia saber exatamente o impacto que sua presença tinha.
Tentei manter minha postura firme, segurando o olhar dele, mas não consegui ignorar a sensação incômoda dos olhos de Matheus queimando nas minhas costas. Não precisei me virar para saber que ele havia seguido até a entrada, parando no limiar da porta. Sua energia preenchia o ambiente, carregada de tensão.
-Precisava ser nesta hora, Lando? - perguntei, tentando manter a voz neutra, mas sentindo o peso de cada palavra.
Lando ergueu uma sobrancelha, divertido,
como se achasse minha resistência cômica.
-Mais do que imaginas. - respondeu, cruzando os braços e se inclinando ligeiramente para frente. -Mas não é algo que quero discutir...com plateia. O assunto é sobre tudo, sobre nós.
Matheus deu um passo à frente, o som de sua bota no chão ecoando como um trovão na sala silenciosa.
-Então talvez o senhor sarcástico devesse ter escolhido outro lugar pra aparecer! - ele disparou, a voz baixa, mas carregada de ameaça.
Lando apenas sorriu, como se a tensão
não o incomodasse nem um pouco.
-Ah, Matheus. Sempre tão direto. Mas, vê a lógica, a conversa não é contigo. Senhor!!
Virei-me ligeiramente, tentando
ser a ponte entre os dois.
-Chega. Os dois. Isso não vai virar uma discussão. não na casa dos meus pais. - disse, com mais firmeza do que eu esperava encontrar. -Se tens algo importante a dizer, Lando, diz logo, preciso estar com os meus filhos.
Lando me encarou por um momento,
o sorriso desaparecendo de seu rosto.
-Tudo bem. Mas irás querer ouvir isso a sós.
Meu estômago apertou, enquanto Matheus dava outro passo à frente, a mão cerrada em punho.
-Lexus não vai a lugar nenhum sozinha contigo, otário! - disparou Matheus, a voz carregada de proteção e algo mais que ele não dizia, mas que preenchia o ar como eletricidade.
Suspirei, sentindo o peso da tensão que
parecia sufocar o ambiente.
-Já chega. - minha voz saiu mais firme do que eu esperava, e os dois me encararam, surpresos. -Isso aqui não vai virar um campo de batalha.
Matheus abriu a boca para responder,
mas ergui uma mão, cortando-o.
-Não, Matheus. Tu também. Vocês dois estão agindo como crianças, e eu não vou tolerar isso dentro da cada dos meus pais.
-Lexus, tu sabe que isso não é brincadeira. - Lando riu baixo, mas sem humor.
-Não importa o que seja, Lando. Se é importante, poderás dizer de outra forma, outro dia, mas não agora. Não assim.
-Lexus... - ele começou, mas eu o interrompi.
-Saí, Lando. Agora.
Ele hesitou por um momento, como se não acreditasse que eu estava falando sério, mas então deu de ombros, o sorriso sarcástico voltando ao rosto.
-Tudo bem. Mas lembre-te que eu tentei.
Com isso, ele virou e saiu pela porta sem olhar para trás. Virei-me para Matheus, que ainda parecia pronto para seguir atrás dele.
-E tu também. - o encarei furiosa.
-O quê? Lexus, não podes estar falando sério.
-Estou. Preciso de um tempo sozinha, Matheus. Um tempo sem a tua presença e sem ele também. Por favor.
Ele hesitou, a frustração evidente em seu rosto, mas depois de um longo momento, assentiu com relutância. Quando a porta finalmente se fechou, a sala ficou em silêncio, e eu me deixei cair no sofá, a cabeça girando. Por mais que eu quisesse fugir daquela confusão, sabia que nada disso acabaria tão cedo.
🍓
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top