43 | Psicopata: O Desaparecimento

Segunda / 11:20h
Barcelona || SPAIN

• 07 de novembro de 2044





Lexus
Depois de tanto tempo em casa cuidando dos gêmeos, agora era a hora de estar com apenas um deles no hospital. Kaiser estava estranho, com febre, e eu não sabia a razão. Isagi, que dormia no mesmo quarto que ele, estava saudável, o que tornava tudo ainda mais confuso.

As últimas semanas não haviam sido fáceis: o parto, a gravidez e o estresse diário talvez tivessem cobrado seu preço. A caminho do hospital, Munique dirigia enquanto eu estava no banco de trás com Kaiser, cuja respiração acelerada me deixava aflita. Já tinha avisado Thomas que estávamos a caminho, e ele nos aguardava.

Eu só esperava que não fosse nada grave. Kaiser, um bebê indefeso de apenas sete dias, não poderia suportar algo sério.

-Bom dia! Como está o meu príncipe mais novo? - Thomas se aproximou pela janela do carro com um sorriso calmo. -Vamos ver o que está acontecendo com ele.

-Ele vai ficar bem? - perguntei, a preocupação transbordando.

-Calma, Lexus, o Thomas é um excelente médico! - Munique tentou me tranquilizar.

-Eu sei, mas ele é tão pequeno... - murmurei.

-Ele estará em boas mãos. - disse Thomas, levando o carrinho para o quarto.

Enquanto Thomas examinava Kaiser, meu coração batia acelerado. Por mais que confiasse em Thomas, encontrar meu filho com febre e frio, mesmo com cobertores demais, me fez imaginar o pior. Eu me forcei a respirar fundo e me controlar. Cruzando os braços, observei cada movimento de Thomas, minhas mãos inquietas denunciando meu nervosismo.

-Então... - Thomas começou, com a voz rouca.

Eu o interrompi, incapaz de esperar.

-Ele? Vai, Thomas, me fala... fui uma má mãe?

-Calma, sobrinha! Assim, não iremos conseguir entender nada. - interveio Munique, preocupada. -Como ele está, Thomas?

-Kaiser só está com uma gripe. - Thomas explicou com um tom reconfortante. -É natural, ele ainda está se adaptando ao ambiente. Lexus, Zeus tem contato com os bebês?

-Não, colocamos uma grade para ele não passar pela porta, mas eu mexo nele, assim como Matheus, Daniel e Hope. Será que podemos ter trazido algum pelo de Zeus?

-Pode ser uma possibilidade! Vou pedir uma enfermeira para levá-lo ao raio-x. Fica tranquila, ele estará de volta em cerca de vinte minutos.

-Obrigada, Thomas! - falei, aliviada, enquanto o abraçava.

Eu queria boas notícias. Se algo mais sério estivesse acontecendo, eu jamais me perdoaria. Matheus já estava a caminho do hospital assim que pousasse o avião da equipa após o jogo contra o Mallorca. Beijei a testa de Kaiser e acariciei sua mãozinha, tentando transmitir uma calma que eu mesma não sentia.

Quando acordei naquela manhã, parecia o início de um pesadelo. Ter Munique ao meu lado na quinta-feira foi um alívio, ao menos tinha alguém para compartilhar minhas preocupações.

-Este pequenino é o Kaiser Mount Torres, correto? - a enfermeira entrou com os preparativos para a injeção. -Fique tranquila, ele estará em excelentes mãos.

-Acho que vou precisar desviar o olhar... - confessei, sentindo a tensão aumentar.

- Quer que eu segure ele? - Munique se ofereceu, aproximando-se do berço.

-Sim, talvez seja melhor.

- Vamos, pequeno, irás melhorar logo! - a enfermeira sussurrou, mantendo a esperança fica em mim.

Eu tinha fé.
Kaiser era diferente e frágil, mas não iria me desfazer de Zeus. Cada bebê tem suas particularidades, e Zeus sempre foi obediente, permanecendo do lado de fora mesmo com a porta aberta.

Depois de alguns minutos tentando colocar o acesso, a enfermeira levou Kaiser para o raio-x. Sentei-me no sofá, encarando a janela. A espera era angustiante; eu queria invadir a sala e estar ao lado dele, mas sabia que estava em boas mãos.

-Lexus, tem calma. Thomas não vai deixar nada acontecer. - Munique disse, pegando minhas mãos com firmeza. -Olha para mim.

-Eu fui uma má mãe. Devia ter tido mais cuidado. Não durmo direito, e agora ele está doente... Matheus não vai me perdoar.

-Lexus, isso acontece! Miguel também ficou doente com um mês de vida. A mudança de clima pode afetar. Não te martirizes.

-Fácil falar... - murmurei.

-Ele ficará bem! Vamos dar uma volta no corredor enquanto ele não volta.

Relutante, aceitei. Caminhei de um lado para o outro, preocupada com mil cenários. Quando não aguentei mais, fui à recepção.

-O exame do meu filho vai demorar muito? - perguntei, ansiosa.

-Qual é o nome dele?

-Kaiser Mount Torres. Ele foi fazer um raio-x.

-Ele será atendido em breve, só mais um pouco. Tem dois bebês na frente dele.

-Certo, obrigada.

E a espera continuava.

Bati levemente a mão na mesa, tentando conter o estresse com a demora. Mil cenários horríveis passavam pela minha cabeça. Devia ter ido com ele para o raio-x, como mãe, era o meu dever.

Me sentei brevemente, ansiosa, e então vi Thomas se aproximando. Antes que ele pudesse falar, o alarme de código rosa soou pelo hospital, congelando meu coração. Conhecia aquele alerta. Algo terrível estava acontecendo.

Quando Thomas parou diante de mim, meu olhar ficou fixo em seu rosto, incapaz de processar qualquer outra coisa, enquanto Munique me amparava, percebendo meu desespero.

-Thomas! Fala logo... - implorei.

-Kaiser... Kaiser desapareceu! - ele disse, com uma expressão séria e aflita.

-O quê? - minha voz saiu como um sussurro, mal acreditando no que ele acabara de dizer.

Foi naquele instante que minhas forças desapareceram, e eu caí no chão, completamente destruída. Cobri o rosto com as mãos, incapaz de suportar a ideia. Eu devia ter ido com ele, devia ter estado ao seu lado.

"Fui uma irresponsável..."

-Lexus, calma! Ele não deve ter ido longe, ele vai aparecer - Munique tentava me consolar.

-Aparecer? - retruquei, o tom amargurado e sarcástico. -Como podemos saber se ele ainda está no hospital?

Thomas me puxou para um abraço, mas a ideia de que Kaiser poderia estar longe, fora do meu alcance, tornava tudo insuportável. Eu queria acordar desse pesadelo.

-Thomas! Aqui está o raio-x do Kaiser! - disse Luiza, entregando um tablet a ele.

Thomas examinou a imagem e, por um breve momento, sua expressão pareceu tranquilizadora.

-Ele só tem uma gripe, Lexus. Não é pneumonia nem nada mais sério. - disse, tentando confortar-me.

-Thomas! Lexus! Chamamos a polícia. Eles devem chegar em dez minutos - avisou uma enfermeira.

Minha mente estava em caos, pensando nas consequências, nos riscos. Sabia que o prazo para resgates era curto, e o pensamento me aterrorizava. Sentia uma dor física ao imaginar meu bebê indefeso longe de mim.

Aos poucos, percebi Matheus chegando. Ele olhou para mim, percebendo meu estado, e virou-se para Thomas, a voz carregada de medo.

-O que aconteceu? Por que Lexus está assim? Alguém me explica o que aconteceu com o meu filho?

-DESLIGUEM ESSE ALARME! - ordenou Thomas, tentando trazer alguma calma.

Engoli em seco e, em um sussurro, deixei escapar. -Matheus... Kaiser, ele desapareceu... Me perdoa... - minha voz saiu fraca e embargada.

Por um momento, Matheus apenas me olhou, descrente. Então, sem uma palavra, ele saiu apressado, buscando respostas. Eu, no entanto, estava paralisada pela culpa, atormentada pela ideia de que havia falhado.

O tempo parecia passar rápido demais e, ao mesmo tempo, dolorosamente devagar. A polícia já estava vasculhando cada canto do hospital, estacionamento, alas antigas, tudo. Eu me sentia em pedaços. Quando Matheus voltou, envolveu-me num abraço apertado.

-Nós vamos encontrar o nosso filho, moranguinho. Confia em mim...

Não pude evitar e apenas chorei descontroladamente, sentindo uma angústia profunda em cada célula do meu corpo.

-Vasculhamos cada canto! - Kaio entrou calmamente na no corredor. -Não há sinal dele, nem vestígios na sala de raio-x. Quem o levou fez um trabalho cuidadoso.

-E agora, o que fazemos? - perguntou Munique, aflita.

-As primeiras vinte e quatro horas são cruciais! - respondeu Steve com um tom triste. - Talvez ele já tenha...

-NÃO! - gritei, a dor transparecendo na minha voz. -Nunca mais diga isso, Steve!

Ele abaixou a cabeça e recuou, respeitoso. Eu tentava manter o foco, lembrar dos meus outros três filhos, que estavam seguros na casa da avó. Mas o hospital, que também deveria ser seguro, agora parecia traiçoeiro.

-Vamos para a esquadra agora! - decidiu Steve. - Thomas, sua mãe está por aqui? Precisamos autorizar a liberação de todos os que têm acesso a este andar.

-Vou providenciar isso agora. - Thomas concordou, visivelmente afetado.

-Obrigado! Paul, Kaio, levem-nos para a esquadra e avisem o restante da família.

-Não! Eu quero ficar aqui. Ele é meu filho! - protestei.

Steve aproximou-se, tentando me acalmar.

-Lexus, escuta. Não há mais nada o que possamos fazer aqui. O trabalho agora é outro. Cada minuto conta, e faremos o possível para trazê-lo de volta. Por favor...

Ele limpou minhas lágrimas com cuidado, acariciando minha face. Eu estava lutando contra meus próprios demônios, tentando não me afundar em culpa.

Trinta minutos se passaram, e todos nós já estávamos na esquadra. Segurava o peluche favorito de Kaiser em minhas mãos, acariciando-o como se isso pudesse de alguma forma trazê-lo de volta. Recusei todas as ofertas de água ou café. Nada mais importava. Eu só queria meu filho nos meus braços outra vez.

-O que se passa aqui? Isto não é um evento... - a voz autoritária do chefe ecoou pela sala.

-Chefe! - Paul interveio firmemente. -Eles são os pais, os avós e os tios. Não é tanta gente assim. Se visse a família inteira, aí sim entenderia.

O chefe suspirou, mas antes que pudesse
contestar, Steve apareceu.

-Está tudo bem aqui? - disse ele com uma autoridade calma. -Deixe-os ficar. Não vão atrapalhar.

O chefe se afastou, embora com uma expressão relutante. Eu aproveitei a oportunidade.

-Então, já acharam algo? - perguntei, a ansiedade queimando em cada palavra.

-Nada ainda. - respondeu Luka, encostando-se à secretária com um semblante tenso. -Neste momento, é como procurar uma agulha num palheiro. Nossa maior esperança são as câmeras de segurança.

-Então o que estão esperando? - falei com impaciência, minha voz tremendo. -Steve...

-Temos algo que o Hércules possa cheirar? - perguntou Kaio.

Eu hesitei, tentando pensar, mas Matheus foi mais rápido. Colocou o pequeno peluche do Kaiser sobre a mesa sem dizer uma palavra. O gesto simples parecia carregar todo o peso de nossa angústia.

-Não é tão simples assim.. - disse Gonzalez, seu tom frio demais para o momento. -Precisamos de algo mais sólido. Kaiser pode estar em qualquer lugar, e Hércules não pode rastrear quilômetros sem uma pista mais forte.

Todos os olhares se voltaram para ele
com reprovação e fúria.

-O senhor tem filhos? - S/n o encarou com raiva, as palavras gotejando desprezo. -Porque, se não tem, é melhor não julgar quem está dando tudo para encontrar o próprio filho.

-Ele só tem sete dias de vida! Sabe o que isso significa? Ele está doente! - gritei, sentindo as lágrimas queimarem em meus olhos enquanto minha mãe e Alejandra tentavam me conter. -Meu filho pode morrer, seu idiota! Ele é meu filho! MEU!

-Calma, Lexus! - Steve interveio, tentando controlar os ânimos.

-Não quero calma! - Matheus rosnou, os dentes cerrados de raiva. -Só queremos o nosso filho de volta. É pedir muito?

Todos queríamos o mesmo. Nada, absolutamente nada, importava mais do que ter Kaiser de volta.

-Estamos fazendo tudo ao nosso alcance, senhor Torres! - Paul interveio, tentando ser racional. -Mas não há vestígios. Quem o levou foi extremamente cuidadoso.

-"Fazendo tudo ao alcance" não é o suficiente! - Matheus golpeou a mesa com o punho, a frustração pulsando em cada fibra de seu ser.

-Senhor Torres, venha comigo. Vamos respirar um pouco de ar fresco. - Alejandro falou com calma. - Precisamos manter a cabeça no lugar.

Tentei controlar minha respiração, buscando algum fragmento de esperança, uma luz no fim do túnel. Queria tanto que tudo isso fosse um erro, um engano terrível, e que Kaiser estivesse seguro em casa. Preferia mil vezes que fosse eu a estar no lugar dele. Minha culpa era esmagadora, sufocante.

"Sou uma péssima mãe..."

Sai da sala de Steve, frustrada, e caminhei pelos corredores até encontrar a sala de descanso. Sentei-me, sem forças, os olhos vagando sem foco. O rosto de Kaiser preenchia todos os meus pensamentos. Ele transformara minha vida em tão pouco tempo, e agora eu estava à beira do abismo. Não sabia se teria forças para trazê-lo de volta, mas algo em mim se recusava a desistir.

Deixei as lágrimas correrem enquanto apertava o peluche contra o peito, tentando encontrar um resquício de esperança onde parecia haver apenas escuridão.

Sentada na sala, o silêncio me envolvia enquanto observava as fotos no meu telemóvel. Cada imagem de Kaiser era como um golpe afiado no meu coração. O sorriso inocente, os olhos curiosos... Tudo isso parecia tão distante agora.

Eu tentava me forçar a pensar positivo, a acreditar que ele seria encontrado rapidamente. Mas meu coração teimava em recusar qualquer pensamento que não envolvesse a pior das possibilidades.

Um leve bater na porta interrompeu meu turbilhão de pensamentos. Steve entrou e se aproximou lentamente.

-Posso? - perguntou, e sentou-se ao meu lado sem esperar por resposta. -Sei como deves estar a sentir-te...

Desviei o olhar do telemóvel e o encarei. Sua expressão estava carregada de empatia e preocupação, mas não conseguia acalmar a dor que queimava em meu peito.

-É a mesma sensação de quando perdi meus pais... - murmurou, com a voz embargada. -Muita gente diz que é diferente, mas na época... eu me sentia afundando, sem um caminho para seguir. E até hoje, os culpados nunca foram encontrados.

Steve me observava em silêncio, absorvendo cada palavra. Tentei conter o tremor na voz.

-Ele é um bebé. - falei, minha voz saindo fraca e trêmula. -Não tem culpa de nada. Se alguém deve pagar por algo que eu ou Matheus fizemos, então que seja a nós, não a ele.

Steve suspirou pesadamente,
compartilhando o peso da minha dor.

Ele me puxou para um abraço apertado. Por um momento, permiti-me ceder, sentindo o calor do consolo que ele tentava oferecer. Eu estava tentando ser forte, mas os pensamentos negativos continuavam a invadir minha mente, corroendo qualquer resquício de esperança que eu tentava agarrar.

Apenas queria meu bebé de volta.

Steve é o irmão que eu nunca tive...



🍓
Eva
Meu plano finalmente havia dado certo. Kaiser estava comigo na antiga mansão de meu pai, isolada no alto do penhasco. A vitória, por mais amarga que fosse para alguns, era doce para mim. Não planejava que as coisas se desenrolassem dessa maneira, o alvo era Daniel, mas agora nada me impediria de possuir todos os filhos de Matheus. Eles eram meus. Eram os filhos que eu merecia.

Kaiser chorava sem parar, seu pranto ecoava pelos salões vazios, dificultando minha concentração no próximo passo. Eu precisava pensar com clareza, mas meu desespero crescia a cada lágrima dele. Se o pequeno se tornasse inútil para os meus objetivos, teria que lidar com essa situação... de qualquer forma necessária.

Minha mente estava disposta a qualquer atrocidade. Tudo pelo futuro que eu almejava ao lado de Matheus. Ninguém, absolutamente ninguém, desviaria o meu curso.

Antes que eu pudesse sair da grande sala, a enorme porta se abriu com um estrondo. Uma sombra dominou o ambiente, trazendo consigo uma presença imponente. Meus olhos focaram em Bernardo, que marchava em minha direção com passos pesados.

Ele não hesitou e assim que se aproximou, desferiu um estalo que ressoou por todo o cómodo. A raiva em seu olhar era cristalina, sua fúria beirava o insuportável, mas para mim, era estimulante. Ele ainda estava aqui, comigo, em meio a toda essa loucura.

-Onde ele está? - rugiu, com a voz tremendo de raiva. -Onde está o Kaiser, Eva?!

-Não vou dizer. - sorri com desdém. -Aliás, ele parou de chorar assim que tu entraste. É melhor para nós dois...poderemos focar em nosso plano.

Aproximei-me, mas ele recuou até a janela. O desprezo que exibia me divertia e sua incredulidade era quase cômica.

-Tu não irás salvá-lo. Nem tu...nem ninguém.

-ELE É SÓ UMA CRIANÇA! - gritou, com os olhos marejados.

-Ele é meu filho. - repliquei com frieza, cada palavra cuspida com veneno. -Ninguém pode mudar isso.

-Ele está lá em cima? - arriscou, tentando manter o controle. -Responde, ruiva.

-Talvez.

Me joguei no sofá enquanto ele corria escada acima. Apressado demais, desesperado demais. Assim que chegou ao topo, disparei o tranquilizante que o derrubou. Eu não poderia deixar que ele interferisse. Prendi Bernardo com correntes de ferro nas laterais do berço de Kaiser, sabendo que ele se debateria com o tempo.

Talvez o pequeno estivesse com fome. Desci às pressas, embalando-o em meus braços. Mesmo envolto em cobertores, sua febre teimava em não ceder. Uma onda de preocupação ameaçou emergir, mas a reprimi. Ele precisava viver, ao menos até que meus planos se concretizassem.

O tempo escorreu, e eu, na poltrona, vigiava o despertar de Bernardo. A cada tremor dele, minha tensão aumentava. Finalmente, ele abriu os olhos, com a respiração pesada. Ajoelhei-me diante dele, nossos rostos mais próximos do que nunca.

-Estás mais calmo para continuar o nosso plano?

-Nunca! - cuspiu no chão, sua voz impregnada de desprezo. -Ele é só um bebê. O que tu tens na cabeça? Ou até mesmo no lugar do coração?

Apertei suas algemas, arrancando gemidos de dor. Por um instante, nossos olhares se encontraram, e vi algo que não esperava, uma dor genuína.

-O tetravô de Matheus jamais permitirá que tu mates Kaiser!

-Mais uma profecia? - sorri, fria. -Que encantador.

-Ele está aqui...na porta. Esperando o momento para acabar contigo com a maior frieza e sem arrependimento nenhum.

Soltei uma gargalhada.

-Ninguém vai me parar, meu querido. Nem ele, nem tu, nem ninguém. Esta guerra é minha. E eu vencerei.

O riso que reverberou no ar pareceu ressoar nas paredes ferindo os ouvidos de Bernardo e de Kaiser. Vi seus olhos tremerem por um breve instante, como uma chama vacilante antes de uma tempestade.

-Tua arrogância será a tua ruína!! - ele sibilou, mas sua voz não trazia a firmeza de antes. Havia hesitação misturada ao desafio.

Dei um passo à frente, a lâmina em minha mão refletindo a luz sombria que preenchia o ambiente.

-Arrogância? Não, meu caro. Isto se chama determinação. - inclinei a cabeça, quase com ternura cruel. -E, talvez, um pouco de desespero de tua parte.

O silêncio se estendeu, denso, quase palpável. Podia sentir a tensão emanando da porta entreaberta. Ali, uma presença invisível aguardava, o "tetravô de Matheus", como ele dissera.

-Vem logo, então! - gritei para a porta, meus olhos fixos na escuridão que parecia se mover além dela. - Vamos ver se serás capaz de me encarar assim que eu matar a tua querida dinastia.

Por um instante, não houve resposta. Mas então, um calafrio cortou o ar, como se o próprio vento tivesse fugido do quarto. A porta se abriu por completo, revelando uma figura imponente e seus olhos azuis, antigos e duros como pedra, pousaram em mim.

Seu olhar era um abismo gelado, e seu corpo parecia emanar uma força que não se via, mas que se sentia, como se estivesse prestes a despedaçar tudo ao redor.

-Tu achas que és mais forte do que eu, Eva? - sua voz rasgou o silêncio, profunda e firme, como um trovão distante. -Pensas que destruirás tudo aquilo que eu construí ao longo da minha vida? JAMAIS, JAMAIS TOCARÁS NELE PARA O AFETARES NOVAMENTE....

Eu não hesitei. O riso que seguiu foi
carregado de desdém.

-Veremos! - minha voz saiu com repúdio.

Ele deu um passo à frente, seu olhar fixo
em mim, medindo cada movimento.

-Há mais em jogo do que tu possas imaginar. Não é só uma dinastia que eu carrego, são as pessoas que a formam. - a voz dele era quase um sussurro, mas havia um peso que parecia apertar meu peito. - Quando todos eles descobrirem que foste tu que sequestraste o Kaiser, podes ter a certeza de que eu serei o primeiro da fila a ver-te na ruína, sem nada...

Ergui a lâmina, sentindo o frio do
aço contra minha pele.

-Não preciso dos teus sermões... - fui ríspida. -Não tenho tempo para as tuas conversas fiadas. Meu destino não será decidido pelas tuas palavras. E não haverá ninguém que me fará recuar.

O quarto parecia se fechar ao nosso redor, o ar denso de uma confrontação iminente. Eu podia sentir a energia que vibrava no espaço, como se o mundo inteiro aguardasse o que viria a seguir.

Ele não se moveu, mas seus olhos brilhavam com uma sabedoria antiga, como se soubesse o que se passaria antes de acontecer.

-Então que assim seja. - disse ele, sua voz ecoando, como se falasse com toda a força das gerações que o precederam. -Mas quero que saibas que pagarás caro pelos teus erros.

E, com um movimento brusco, ele avançou. Num instante, sua força me atingiu com a violência de uma tempestade. Fui arremessada contra a parede, o impacto tirando-me o ar, o corpo estonteado pela força que ele exercera sobre mim.

Eu tentei recuperar o fôlego, mas a dor era aguda, os ossos e músculos protestando pela pressão que sentia. Os olhos dele estavam sobre mim, sem compaixão. Mas, mesmo com o corpo atordoado e a mente nublada pela dor, uma única certeza passou por minha cabeça, eu não iria ceder.

"O meu jogo estava apenas começando..."


Matheus
Era a pior sensação do universo. Estávamos todos contra o tempo, todos nós contra a implacável tempestade que rugia lá fora. Eu tentava manter a compostura, agarrar-me ao que restava de força, mas a verdade cruel era que, naquele instante, nada disso parecia importar.

Cada segundo era uma tortura. Tudo o que eu queria era encontrar meu filho; faria qualquer coisa por ele, entregaria minha vida, meu dinheiro, tudo o que eu tinha.

Mas e se quem o levou não
quisesse nada disso?

A chuva caía teimosa do lado de fora do carro enquanto eu encarava a entrada da esquadra, há mais de duas horas. Procurava um motivo para não largar tudo e ir sozinho atrás dele. Essa dor era insuportável.

Suspirei fundo, fechei os olhos e saí do carro. Precisava manter-me firme, lidar com essa situação como homem. Mas, naquele momento, o "homem" em mim se dissolvia, sem chão, sem esperança.

-Matheus! - meu avô me puxou para um abraço apertado. -Vai ficar tudo bem, estamos dando nosso melhor.

-Como se isso bastasse... - murmurei, a voz desfeita.

Caminhei como um fantasma, despedaçado por dentro. Tudo o que eu queria era sumir, ter meu filho de volta, ter feito tudo certo desde o início, em vez de tantos erros acumulados.

-Matheus... - chamou meu avô, com a voz vacilante, mas firme o bastante para me fazer parar.

-Onde está a Lexus? - perguntei com urgência. -Ela está bem?

- Está a dormir na sala de descanso... está esgotada. Vocês dois estão.

-Ótimo. E eu...nem sei para onde vou agora.

-Vem aqui.

O olhar dele me fez ceder, e desabei a chorar. Queria ser forte, engolir cada lágrima, mas naquela situação isso era impossível. Só queria desaparecer.

-Que tal irmos ao escritório do Steve? Ele precisa fazer-te algumas perguntas.

-Tá... tudo bem...

O tempo parecia escorregar por entre os meus dedos. Era como se eu estivesse desaparecendo, querendo acordar de um pesadelo. Meu avô bateu de leve na porta, e, ao entrar, todos os olhos recaíram sobre mim. O julgamento silencioso que eu temia se confirmou em cada olhar.

-Queria falar comigo? - me aproximei da secretária, a voz trêmula. - Se for para dizer que fui um irresponsável, já sei disso.

-O quê? - Steve parecia surpreso. -Não era isso.

-Então o que é?

-Tens inimigos, Matheus?

Ri, mesmo que não fosse a hora.
Todo jogador de futebol tem inimigos.

-Claro. E daí?

-Precisamos explorar todas as possibilidades. As pistas são poucas, nem mesmo as câmeras de segurança deram respostas. - Alejandra interveio, sua voz carregada de frustração. -Estamos tentando, Matheus.

-Tentando? - rebati, minha raiva crescendo. - Quem o sequestrou já pode ter deixado o país... pode já tê-lo matado, e vocês me fazem perguntas que só me torturam mais?

A dor rasgava meu peito.

-Ele é meu filho! Um bebê doente, e agora tudo o que temos é esperar pelo pior!!

Minha mãe tentou me consolar, mas me afastei. Não suportava mais isto.

-MERDA!

Fechei a porta com força ao sair do escritório. Queria paz, queria que tudo acabasse. Ao chegar perto do carro, Martín bloqueou meu caminho.

-Saia da minha frente, Martín. Sou o teu chefe!

-Não vou fazer isso. O senhor é meu amigo também.

Estava à beira de explodir. Martín tentou me conter, e eu me debati. Estava lutando contra meus próprios demônios, cada segundo mais próximo do abismo.

-Nos deixem sozinhos! - a voz de Lexus soou, desesperada.

-Claro.

Ao vê-la, meu coração clamou por alívio,
mas o peso da tristeza não me abandonava.

-O que estás a fazer? Queres matar-te e deixar todos nós em luto?

-Lexus...

-Não sou idiota, Matheus. Eu também estou despedaçada, mas não vou perder mais ninguém. Eu preciso de ti, nossos filhos precisam de um pai presente! O verdadeiro pai.....

Abracei-a com força, tentando dar o melhor de mim, mas me sentia esmagado, os batimentos cardíacos ensurdecedores em meus ouvidos.

-Deixei-te sozinha...eu sou o culpado.

-Não te tortures mais.

Ela não queria me julgar, apenas me amparar no caos em que estávamos. E, naquele instante, era tudo o que eu precisava.

Ela não me julgava. Não naquele momento. Lexus estava ali, segurando minha dor como se pudesse aliviar o fardo que eu carregava no peito.

-Não podemos perder ele, Lexus! - sussurrei, minha voz quebrada. -Eu não aguento... não aguento essa possibilidade.

-Não vamos perdê-lo!! - ela respondeu com firmeza, embora seus olhos também brilhassem de medo. - Nós vamos encontrá-lo, Matheus. Juntos.

Afastei-me o suficiente para olhar para ela. Seus olhos, marcados pelo cansaço e pelo desespero, ainda tinham um brilho de esperança que eu já não conseguia encontrar em mim mesmo. Passei a mão pelo meu rosto, tentando conter as lágrimas que insistiam em cair.

-Eu falhei contigo. Com todos vocês. - minhas palavras saíram amargas, como se confessar minha culpa fosse mais uma facada. -Eu deveria ter estado lá. Eu deveria ter sido melhor... proteger vocês...

-Tu não podes carregar tudo sozinho. - ela disse, tocando meu rosto com as duas mãos, obrigando-me a encará-la. -Isto não é a tua culpa, Matheus. Estamos nisso juntos. Eu preciso de ti aqui, inteiro, para conseguirmos passar por isso. Por favor.

O "por favor" dela me quebrou por completo. Eu caí de joelhos, como se meu corpo não aguentasse mais o peso que estava carregando. As lágrimas vieram como uma torrente, lavando minha vergonha e medo, mas trazendo ainda mais dor.

Lexus ajoelhou-se ao meu lado, envolvendo-me em seus braços, como se pudesse juntar os pedaços que eu sentia desmoronar.

-Ele é tudo para mim... - falei com a voz embargada. -Eu faria qualquer coisa...

-Eu sei. E ele vai voltar para nós. -sua voz era baixa, mas firme. -Não podemos desistir. Precisamos lutar. Por ele. Pelo Kaiser.

Respirei fundo, tentando encontrar forças em suas palavras, em sua presença. Fechei os olhos e, por um instante, deixei-me afundar em seu abraço, como se aquilo pudesse ser um escudo contra o mundo lá fora.

A porta da esquadra se abriu atrás de nós, e o som ecoou como um estalo que me trouxe de volta à realidade. Kaio nos chamou com um aceno, o rosto sério e tenso. Senti meu coração bater mais forte. Algo havia mudado.

-Precisamos falar com vocês. Encontramos algo... - disse, com um tom que mesclava urgência e cautela.

Levantei-me rapidamente, ajudando Lexus a se erguer ao meu lado. Minhas pernas estavam trêmulas, mas eu forcei meu corpo a seguir em frente. Era como caminhar sobre vidro quebrado, cada passo trazendo mais dor. Segurei a mão dela com força, um pacto silencioso de que enfrentaríamos qualquer coisa juntos.

Seguimos Kaio até um escritório. Havia uma tensão sufocante no ar, e a cada segundo que passava, sentia a esperança e o desespero se alternando dentro de mim. Eles nos fizeram sentar. Eu não queria. Queria respostas, queria ação, queria gritar. Mas me contive.

-Encontraram algo? - perguntei, minha voz saindo mais áspera do que eu pretendia.

Steve olhou para mim, depois para Lexus.
Respirou fundo antes de falar.

-Temos uma pista. É incerta, mas pode ser um caminho. Preciso que estejam preparados... pode não levar a lugar nenhum, mas é algo.

Minha mente girou. Era melhor do que nada, mas o medo de ter minha esperança esmagada mais uma vez era paralisante. Senti Lexus apertar minha mão. Ela estava comigo.

-O que vocês precisam que façamos? - perguntei, tentando manter a voz firme.

-Precisamos que venham conosco. Temos uma localização suspeita e indícios de movimento... mas precisamos ser cuidadosos.

Levantei-me tão rápido que a cadeira quase caiu para trás. Não pensei duas vezes.

-Vamos.

O caminho para fora da esquadra parecia mais longo do que nunca. Cada segundo, uma eternidade. A chuva continuava a cair lá fora, como se refletisse a tempestade que eu sentia por dentro. Lexus estava ao meu lado, o rosto firme apesar da dor evidente. Martín guiava o carro. O motor rugiu, e a corrida contra o tempo recomeçou.

No silêncio tenso, segurei a mão de Lexus. Não era apenas eu contra o tempo.

Éramos nós. Contra tudo e todos...

[...]

🍓

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