43² | Psicopata: Novas Pistas

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18:00H —





Steve
O céu se tingia de um azul quase negro, as últimas réstias de luz do dia sendo engolidas pelas sombras da noite. A chuva persistente caía em rajadas, varrendo as ruas escuras como lágrimas que não encontravam fim. Eu, sentia o peso esmagador do momento. Sentado no carro no banco de passageiro , olhando o rosto de Matheus, sabia que ele estava à beira do abismo, lutando para não despencar.

Lexus ao seu lado parecia ser a única coisa que ainda o mantinha no chão. Mas eu sabia que, se o que encontrássemos naquela cena fosse outra decepção, ele poderia se quebrar de uma vez por todas.

O veículo parou em frente a um armazém abandonado, seus muros desgastados e grafites desbotados contando histórias de esquecimento e desespero. Havia algo sombrio e sufocante no ar, uma sensação que apertava o peito como se o ambiente soubesse da tragédia iminente.

-Vamos ser cuidadosos, todos. - falei, tentando manter a voz firme. Sabíamos que o tempo estava contra nós, cada momento era uma chance de salvação ou uma queda no vazio.

Entramos no armazém, acompanhados pelo som de nossos próprios passos ecoando nas paredes frias e úmidas. A lanterna em minhas mãos projetava feixes trêmulos de luz, atravessando o escuro como uma navalha. Meus olhos se moviam rápido, cada sombra, cada detalhe parecia esconder algo. E então, vimos.

No centro do chão empoeirado, um cobertor de criança, amarelo com pequenos desenhos de ursos, dobrado como se alguém o tivesse deixado ali de propósito. Meu estômago se revirou. Eu conhecia aquele cobertor, era de Kaiser. Matheus ficou estático por um momento, depois cambaleou para a frente como se suas pernas fossem feitas de vidro.

-Kaiser... - o nome de seu filho escapou de seus lábios, mais um sussurro de desespero do que um chamado.

Ajoelhei-me ao lado do cobertor, meu olhar indo de Matheus para Lexus. Seus olhos estavam arregalados, úmidos, mas ela manteve-se imóvel. Eu sabia que ela estava se agarrando a cada fio de sanidade. Por dentro, ela devia estar gritando.

-Matheus, não!!! - disse Luka, com uma voz embargada. -Não toque em nada ainda.

Ele parou, os punhos cerrados e os músculos tensos como cordas prestes a se partir. Cada fibra do seu ser clamava por ação, por respostas. Pela vida do filho. Mas ele obedeceu, paralisado pelo horror de encontrar algo que fosse além daquele cobertor.

Examinei junto com todos  os agentes os arredores com os olhos atentos, buscando qualquer outro sinal, uma pista, um movimento. Mas tudo estava em silêncio. Quase opressor. Eu não sabia se aquilo era um aviso ou apenas o vazio rindo da nossa dor.

-Não há nada mais aqui... - Paul sussurrou, quase para si mesmo.

Matheus olhou para mim, os olhos cheios de fúria, dor e desespero. Um homem quebrado, mas ainda lutando para não se desfazer por completo.

-Não é só isso... não pode ser só isso! - gritou, o som ecoando e se quebrando contra as paredes do armazém.

Lexus correu até ele, envolvendo-o nos braços enquanto ele se desfazia. Os soluços rasgavam-no por dentro, cada lágrima que caía era um grito silencioso pela vida de Kaiser. Eu virei o rosto, não por falta de compaixão, mas porque a dor era grande demais. Porque, por um instante, senti que havíamos falhado.

A noite engoliu nossas esperanças, deixando-nos com um cobertor abandonado e uma promessa quebrada. Ao sair, o hei para o céu escuro e rezei. Porque, naquele momento, sabíamos que ainda havia algo, ou alguém, esperando para nos torturar mais.

E tudo o que podíamos fazer
era continuar a lutar.

A volta para a esquadra foi um dos momentos mais difíceis que já vivi. Sentados no carro, o silêncio era denso, opressor. As gotas da chuva martelavam o teto como uma marcha fúnebre, marcando cada segundo do nosso fracasso. Eu, não conseguia tirar os olhos do espelho retrovisor, onde Matheus e Lexus estavam.

Matheus permanecia em um estado quase catatônico, o olhar fixo em algum ponto que ninguém mais podia ver. Lexus, estava ao lado dele, segurava sua mão com força, como se tentasse transmitir alguma esperança ou, ao menos, a força de continuar respirando.

Chegamos à esquadra e a chuva continuava, insistente, como se quisesse lavar tudo, mas não conseguia. Desci do carro primeiro, sentindo a água fria escorrer pelo meu rosto, e esperei enquanto Matheus e Lexus se moviam lentamente. Lexus ajudou Matheus a sair do carro. Ele parecia não estar ali, como se sua alma tivesse ficado naquele armazém, junto ao cobertor.

Entramos pela porta principal, e o burburinho normal da esquadra foi substituído por um silêncio respeitoso. Sabiam que a batalha estava longe de terminar, mas as marcas de cansaço e desespero em nosso grupo eram visíveis.

-Matheus... - minha voz saiu mais grave do que pretendia. Ele parou, os ombros tensos, mas não se virou. -Preciso que fiques forte. Precisamos continuar, entender o que isto significa.

-Significa a derrota....é isso que significa. - a voz de Lexus saiu tremula. -Derrota! 

Ele não respondeu. Apenas seguiu em frente, como um homem feito de pedra prestes a se desfazer em pedaços. Lexus o seguiu de perto, os passos cuidadosos, como se ele pudesse se partir a qualquer momento.

No fundo da sala, Alejandra nos aguardava, o rosto duro, mas o olhar carregado de empatia. Ela gesticulou para o escritório, oferecendo o espaço longe dos olhares curiosos.

Entramos, e ela fechou a porta atrás de todos nós.

-Sinto muito pelo que encontramos! - disse, suas palavras um misto de compaixão e frustração. - Sabemos que não é suficiente. Mas, de alguma forma, isso pode ser uma mensagem. Precisamos entender o que querem de nós.

Matheus levantou a cabeça, seus olhos escurecidos pela dor. Ele não estava pronto para falar.

-Alguém nos quer destruir, está a conseguir... - Matheus murmurou, finalmente, como se estivesse se convencendo. -Estão brincando com a vida do meu filho. Com as nossas vidas.

-É isso que precisamos combater!  - disse Paul, firme, tentando encontrar um foco na loucura de tudo aquilo. -Precisamos entender quem está por trás disso. Por que está a fazer tudo isto. Vamos revisar tudo de novo. Cada pista, cada detalhe. Não vamos parar, Matheus.

Ele não respondeu, apenas enterrou o rosto nas mãos. Lexus ficou ao lado dele, sem soltar sua mão, mesmo enquanto as lágrimas corriam por seu rosto. Eu sabia que não havia palavras que pudessem aliviar aquela dor.

Saí da sala por um momento, precisando de ar. Cruzei a esquadra, ouvindo conversas sussurradas, vendo rostos preocupados. Todos sabiam que o que enfrentávamos era maior do que qualquer um de nós. Respirei fundo, sentindo a umidade da chuva que ainda entrava pela porta semiaberta.

Prometi a mim mesmo, e a eles, que não descansaríamos até trazer Kaiser de volta.

Não importava o preço.


Eva

-Enfim os vejo sofrendo!

Não conseguia desviar o olhar da gravação da fábrica abandonada. O semblante de derrota deles era um espetáculo que alimentava minha satisfação. Tudo o que me fizeram passar estava agora refletido neles, e o gosto amargo que deixaram em minha vida finalmente os sufocava.

Cada segundo daquilo era um bálsamo para meu espírito ferido, até que o ecrã do computador se fechou, interrompendo meu deleite com um baque súbito que me fez paralisar.

O olhar sombrio e implacável do tetra-avô de Matheus encontrou o meu, cercando-me com uma fúria ancestral. Havia raiva em cada traço do seu rosto, mas também um certo desespero...

Ele estava ali não apenas para vingar o
sangue da sua dinastia, mas para protegê-lo.

-Isto termina agora! - sibilou ele, mais próximo do que eu imaginava. -Não vais sair impune dos teus crimes! - ele apertou meu pulso com força descomunal. -Eu mesmo te atormentarei pelo resto da tua existência por destruíres os sentimentos deles como um jogo cruel.

-Ótimo para ti. - desafiei, com um meio sorriso.

Ele rosnou, um som gutural que vibrava com ameaça. Levantei-me, libertando meu pulso com um movimento brusco e caminhei até a cozinha. Nada e ninguém me pararia agora. Senti o poder crescendo em mim, um escuro e impiedoso desejo de vingança.

"Não era fraqueza, era força...
maligna, mas minha."

-Kaiser é meu! Minha dinastia, meu sangue! Nunca será teu. Eu jamais deixarei isso acontecer, nem que precise te matar aqui e agora! - ele gritava, a fúria desenhando cada palavra como uma sentença.

-Então, faz! - provoquei, aproximando-me, encarando seus olhos com desafio. -E depois? Como avisarás para que venham resgatá-lo? Sinais de fumo, talvez? Seria cômico de se ver. - soltei uma risada carregada de ironia. -Não sou louca, sou extraordinária! Eu tenho tudo o que quero.

Ele avançou num ímpeto, suas mãos agarraram meu pescoço. O mundo escureceu ao meu redor enquanto o ar fugia dos meus pulmões, mas continuei a me debater, recusando a fraqueza que ele desejava ver em mim.

-Seu monstro! - gritou, lançando-me contra a bancada com uma força brutal. -Vais pagar caro, e eu estarei aqui para testemunhar a tua queda.

Cuspi sangue e levantei a cabeça,
encarando-o com um sorriso desafiador.

-Ótimo para ti. Vou rir quando ele se for antes que os teus consigam chegar.

Ele soltou um grunhido de incredulidade, os músculos tensos de ódio. Subi as escadas e entrei no quarto, onde Kaiser repousava, pequeno e inocente em meio à tempestade que lá fora estava. Fiz-lhe um carinho suave antes de me virar para Bernardo, entregando-lhe a comida com frieza.

-Vais comer ou terei de te obrigar a engolir?

-Não aceito ordens tuas, não mais! - murmurou ele, os olhos distantes. -Não és a mesma. Mudaste...para pior.

-O tempo muda as pessoas, Bernardo. As dores as transformam.

-Pagarás caro por isso...

-Conversas de novo, Benni? Matheus já me atualizou. Um máximo, não achas?

-Mereceste ser sufocada... - ele desviou o olhar para Kaiser. -És a pessoa mais desprezível que já conheci, Eva!

-Não! Eles são. Eles causaram meu sofrimento. Agora pagam o preço. E ninguém, nem tu, nem Lexus, me impedirá de ter o que desejo.

O tetra-avô de Matheus aproximou-se do berço, acariciando Kaiser com uma ternura que parecia fora de lugar. Ele respirava devagar agora, recusando-se a comer.

Sentia as chances escapando dos meus dedos.

-Estás a matá-lo... Tu não sabes cuidar de uma criança. - Bernardo me encarou com firmeza na voz.

-Cuido de mim! Cuido dele! E não irei permitir que vocês interfiram!

Enquanto me aproximava novamente, ofegante e descontrolada, os olhos do tetra-avô não me deixavam, carregados de desafio e julgamento. Ele me encarava como um leão protegendo o que era dele, e eu sabia que a guerra entre nós estava apenas começando.

A tensão no quarto era palpável, sufocante, e o ar parecia mais pesado a cada segundo. Ele afastou-se do berço com um passo firme, sem nunca me oferecer as costas, os olhos ainda cravados em mim.

-Vais perceber que não tens como ganhar esta guerra. - ele murmurou, a voz tão baixa quanto afiada. -E quando perceberes isso, tudo o que fizeste será em vão. O cobertor na fabrica, a câmara do lado de fora escondida entre as árvores!!!

-Poupa-me do teu sermão, velho. - minha voz era fria, quase desumana. -Não há nada melhor agora para me divertir do que a derrota deles! Matheus e Lexus paragem caro pelo que me fizeram. Isto é apenas o começo. Nada pode deter-me.

Ele bufou, um som de descrença misturada com um cansaço que o traiu por um instante. Ele se virou para mim, os olhos cheios de desprezo.

-Kaiser não é teu troféu, Eva. - ele sussurrou, a voz tremendo de raiva e dor. -Ele é apenas um bebé, um inocente. Como ousas causar-lhe todo este sofrimento? 

-Ouso porque posso. Porque eles me quebraram, e agora vou refazer os cacos ao meu modo. Ele será minha redenção ou minha maldição, mas ninguém me privará disso.

O tetra-avô de Matheus avançou um passo, aproximando-se de Kaiser com cautela. Ele ergueu a mão devagar e pousou-a na testa do pequeno, como se quisesse protegê-lo com cada grama do que restava da sua alma.

-Tu estás doente, Eva. - aquelas palavras saíram dele como um lamento. -Tu acabarás por te destruir a ti própria....

Fechei os punhos e sacudi a cabeça, recusando qualquer fraqueza. Não agora. Não diante deles.

-Não ouse falar do que não entendes. - minha voz falhou, mas eu a endureci em seguida. -Eles fizeram isso. Eles! Tudo o que fiz foi sobreviver à crueldade, e agora... agora é minha vez.

Bernardo se levantou com dificuldade,
apoiando-se no berço.

-Não és mais a mulher que conheci... - ele repetiu, a dor clara em cada sílaba. -Estás a transformar-te num reflexo do que juraste destruir. Olha para ti! Vais matar quem não tem culpa , ele vai morrer pela tua negligência. É isso que queres?

O ar parecia mais denso, carregado
de tudo o que não podia ser dito em palavras.

-CALEM-SE!!! - gritei, cada palavra carregando o peso de mil emoções contidas. -Vocês não sabem do que estão a falar.

-Sabemos mais do que pensas. - retrucou, com força renovada. -E não vou parar de lutar até que tu vejas. Até que te lembres do que é ser humana.

Dei um passo à frente, o rosto a centímetros do dele. Meu ódio queimava como brasas vivas.

-Tarde demais para isso. Muito tarde.

Antes que ele pudesse responder, Kaiser soltou um pequeno gemido, e todos os olhos se voltaram para ele. O tetra-avô de Matheus se agachou ao lado do berço, tentando acalmá-lo. Mas eu vi...vi que mesmo ele temia o que estava para acontecer. Eu era a tormenta, o caos. E eles sabiam disso. Sabiam que não havia volta.

Senti o calor subindo pelo meu corpo, as chamas de tudo o que me havia consumido durante tanto tempo.




🍓
Paul

-Eu estou sentindo uma sensação tão ruim com isso tudo, Paul! - Luka me encarou enquanto segurava sua xícara de café. -Acho que isto não vai terminar nada bem para ninguém.

Olhei para ele, confuso, mas no fundo eu sabia que estávamos todos caminhando para um destino que ninguém queria enxergar. Dávamos tudo de nós na busca por qualquer pista, mas cada tentativa terminava em beco sem saída.

Lexus estava sentada no sofá em frente ao escritório, cercada pelas mulheres que tentavam consolá-la, enquanto Matheus já havia saído novamente com os homens, ele não conseguia ficar parado e o ar fresco da noite talvez lhe fizesse bem. Eu tentava manter minha compostura, mas a dor e o cansaço estampados em seus rostos me corroíam por dentro.

Eu não era pai, mas ver todos daquela
forma era insuportável.

-Alguém irá morrer por causa de tudo isso. - Luka murmurou.

-Para com isso! - respondi, tentando esconder o pânico na voz. - Ninguém vai morrer, ninguém... vamos sair todos vivos dessa.

-Eu não sei se podemos acreditar nisso.

Ele se afastou, colocando a xícara de café na mesa antes de entrar no escritório. A pressão estava atingindo todos nós, cada vez mais sufocante. Quem quer que fosse que sequestrara Kaiser, sabia esconder as pistas com maestria.

Respirei fundo e segui para dentro da sala. Steve já estava fora há mais de uma hora, o que aumentava minha ansiedade e a sensação de que tudo isso era demais para suportar.

-Onde está o Steve?- perguntei, tentando manter minha voz firme, embora ela traísse meu nervosismo.

-Na sala de Alejandro, já faz meia hora... - Kaio respondeu, sem tirar os olhos do computador enquanto vasculhava pistas.

-Certo. Obrigado.

Caminhei até a sala, bati na porta e, assim que entrei, senti o peso nos olhares de Alejandro e Steve. Meu corpo queria desmoronar; algo no ar não estava certo.

-Como eles estão? - Alejandro perguntou, enquanto se sentava com um olhar cansado. -Estamos fazendo tudo que podemos...

-Eles estão se segurando como podem... - respondi, sentindo o nó na garganta. -...Todas as pistas que encontramos até agora foram inúteis. O cobertor está sendo analisado para tentar extrair ADN, e nossa última esperança é decifrar as câmeras de vigilância do hospital.

-Tudo está contra nós. - Steve exclamou com frustração. -Estamos perdendo o controle!

-Vocês sempre deram conta. Sempre superaram desafios maiores. Vamos focar no que temos! Se aquele cobertor tiver digitais, temos uma chance.

-Como se fosse simples... - murmurou Steve, com a voz tensa. -Todos estão nas ruas, buscando qualquer indício do paradeiro de Kaiser. - continuou ele. - Cada segundo que passa aumenta o desespero, mas a esperança de encontrá-lo com vida ainda arde dentro de nós.

-Temos que encontrar alguma coisa, qualquer coisa,. - disse Alejandro, esfregando o rosto com as mãos. -Não podemos permitir que eles nos vençam.

-E se tudo isso for um jogo psicológico? - perguntei, tentando organizar meus próprios pensamentos. -Cada pista que seguimos nos leva ao mesmo lugar, lugar nenhum. É como se estivessem nos manipulando.

-Talvez estejam. - respondeu Steve, o olhar endurecido. -E se for isso, temos que virar o jogo antes que seja tarde demais.

O silêncio pesado caiu sobre a sala, quebrado apenas pelo som distante de passos no corredor. Todos na esquadra estavam trabalhando até o limite. Um telefone tocou ao fundo e alguém atendeu com pressa. Havia tensão, mas também um fio frágil de esperança que ainda mantínhamos.

De repente, a porta se abriu com força, revelando Luka, suado e ofegante. Ele deu um passo para dentro, encarando-nos com os olhos arregalados.

-O que foi? - perguntei, meu coração disparando.

-Recebemos uma nova informação. - ele disse entre respirações rápidas. -Alguém viu um homem com uma criança perto do galpão abandonado na zona sul.

-Isso é tudo? - Steve pressionou, se levantando rapidamente. -Não temos confirmação de que era Kaiser.

-Eu sei, mas é a única coisa que temos agora. - Luka rebateu. -Devemos investigar.

Eu e Steve trocamos um olhar, ambos cientes do risco de ser apenas mais uma pista sem fundamento. Mas também sabíamos que não podíamos ignorar nada.

-Vamos reunir um grupo e verificar. Alejandro ordenou. -Sem alarmar ninguém. Discrição máxima.

Enquanto começávamos a planejar, a porta se abriu novamente, desta vez de maneira mais lenta. Era Bruno, com um semblante pálido.

-Ele está cá! - anunciou, quase em um sussurro.

-Quem? - Alejandro se levantou de imediato.

-O pai de Eva.

O ar pareceu parar por um instante. Todos sabíamos o quanto a presença deles significava, a dor deles, os riscos, e o desespero que poderiam trazer.

Enquanto caminhávamos até o escritório de Steve, sentia meu corpo pesado, como se cada passo fosse um esforço monumental. Sabíamos que essa conversa seria delicada. Os olhos de Alejandro, ao meu lado, refletiam a mesma apreensão.

Quando entramos no escritório, Ethan estava de pé, os braços cruzados ao lado de António, tentando manter a compostura. O pai de Eva parecia ainda mais desgastado. Seu rosto marcado pelo cansaço e pela dor era um reflexo do nosso próprio desespero.

-O que o traz aqui? - Steve se sentou, a preocupação evidente em seu rosto. -Aconteceu algo grave à sua família?

-Minha filha... -Ethan murmurou, com a voz embargada.

-Eva? - Matheus entrou na sala com os olhos vermelhos, parecendo exausto. -O que ela fez agora?

-Foi ela? - Lexus apareceu segurando a mão de Matheus com força. -Foi a Eva que sequestrou o Kaiser?!

Ethan baixou a cabeça imediatamente, como se carregasse o peso do mundo em seus ombros. Ele sabia a verdade. Sabia de tudo, e ninguém queria imaginar o desespero de um pai tendo que delatar a própria filha.

-Foi... - a voz dele falhou, quebrando o silêncio que se instalou como um fardo na sala. Todos ficaram imóveis, absorvendo sua dor. A dor de Ethan era a dor de todos ali.

-Onde ela está? Ethan, precisamos de tudo. Pistas, paradeiro...Precisamos encontrá-los! -A urgência na voz de Matheus cortava o ar.

-Eu... eu não sei! - Ethan respondeu, a tensão visível em cada palavra.

-Não sabes ou não te convém? - Matheus avançou, os punhos cerrados, e foi contido por Kaio e por mim. -Fala, porra! Ele é meu filho. O Kaiser está doente...

-Ela disse que precisava de férias... sozinha. - Ethan sussurrou, desviando o olhar.

-Onde? - Alejandro se aproximou, a expressão grave. -Senhor Moreno, precisamos de informações agora. A vida do Kaiser está em risco. Entendo sua dor, é sua filha, mas ela sequestrou uma criança. E essa criança pode morrer se não for atendida pelos médicos.

-Ela mencionou Mallorca há dois meses atrás. Ela... - Ethan esfregou o rosto com as mãos, tentando afastar as lembranças que o consumiam. Não estava sendo fácil.

-Vamos! Eu preciso do meu filho! - Lexus deu um passo à frente, decidido, encarando Ethan com um olhar aflito. -Tem uma casa lá? Droga, Ethan, fala logo! Ele é apenas um bebê de sete dias.

-Temos. Mas... não usamos a casa há dois anos.

-Chefe! -Kaio falou, a voz carregada de pânico. -Precisamos alertar a polícia de lá imediatamente! Eles precisam vasculhar aquela casa de cima a baixo, sem deixar nenhum cômodo de fora!

-Vou agora mesmo! Senhor Moreno, venha comigo ao escritório do procurador - Alejandro ordenou, a determinação pulsando em cada palavra.

-Claro! - Ethan respondeu com um aceno trêmulo. -Antes de ir, há uma caixa na recepção. Eva a escondeu no closet dela. Talvez tenha algo. O nome da caixa é "Aniquilação".

Sem hesitar, Matheus saiu da sala correndo em direção à recepção. Quando estava prestes a tocar na caixa, Hércules, em posição defensiva, bloqueou seu caminho. Ele estava tenso, cada músculo e pelo erguido demonstrando alerta e perigo iminente.

-Esta é a única pista e vocês vão nos impedir? - Matheus gritou, a voz carregada de desespero e fúria.

-Não é assim que resolvemos as coisas, senhor Torres... - Alejandra interveio, aproximando-se com cautela. Ela pegou a caixa cuidadosamente. -Precisamos ter cuidado. Cada centímetro desta caixa é uma prova até que se prove o contrário.

Voltamos à sala em silêncio. As três secretárias já estavam posicionadas no centro do escritório, as cortinas cerradas e as luzes mais fortes do que o habitual, iluminando cada detalhe. Fechei a porta atrás de mim e pedi que todos se afastassem. Qualquer intervenção imprudente poderia comprometer as provas.

-Muito bem! Vamos lá. Luvas prontas? Hércules, vigia todos! - ordenou Steve, com firmeza.

Suspirei profundamente enquanto a tensão no ambiente aumentava. Alejandra, com luvas devidamente ajustadas, abriu a caixa castanha. Seu conteúdo revelou-se intrigante e sombrio, uma coleção de objetos, cartões, fotos, cordas e uma variedade de chaves.

O peso do mistério que Eva deixara para trás parecia se intensificar a cada novo item revelado.

-O que tem aí? Alguém pode falar? Estamos tentando não enlouquecer aqui... - a voz de Natasha ecoou pelo escritório, carregada de tensão. -Por favor...

-Diversos objetos! Cartões, fotos, cordas e uma grande quantidade de chaves... - Luka descreveu enquanto retirava cada item com cuidado, um de cada vez. - Mas... esperem...

-O quê? - todos prenderam a respiração.

-Existe um fundo falso. - Alejandra alertou, observando mais atentamente a caixa.

Com extremo cuidado, Alejandra usou um x-ato para remover o fundo preto. O que se revelou foi ainda mais enigmático: uma série de documentos importantes e, no topo, um telemóvel descartável que estava desligado.

-Eva tinha uma filha? Alguém sabia disso? - Steve perguntou, os olhos arregalados. -Lilibeth!

-Eu sabia... - a voz de Matheus saiu fraca e carregada de emoção. Lexus o encarou, os olhos buscando uma resposta. -Ela admitia que era nossa filha - Matheus murmurou, ainda atordoado.

-E era? - Pedri se aproximou para confortá-lo. -Matheus...

-Não! Claro que não. Achas que eu seria capaz disso? - Matheus soltou uma risada amarga, cheia de dor. -Por favor...

-E esse telemóvel descartável? - António perguntou, tentando dissipar a tensão crescente.

-Eu cuido disso... - disse Kaio, pegando o aparelho antes de sair da sala.

O silêncio dominava a sala, pesado, quase insuportável. Todos mantinham os olhos fixos no que restava dentro da caixa, como se cada objeto ali pudesse explodir a qualquer momento, trazendo verdades que ninguém estava preparado para enfrentar.

Luka continuou a vasculhar com mãos trêmulas, retirando os documentos um a um. Havia contratos com nomes desconhecidos, fotografias de lugares que ninguém reconhecia, e uma carta escrita à mão. O papel parecia antigo, com marcas de dobras e manchas desbotadas, como se tivesse sido lido e relido inúmeras vezes.

-O que diz? - Natasha perguntou, ansiosa. Seus olhos não desviavam da carta.

Luka pigarreou, hesitante, e começou a ler:

_"Para quem encontrar esta mensagem, 
Se estão lendo isso, então algo deu errado. Esta não era a intenção. Eva sempre foi a minha força e minha fraqueza, uma linha tênue entre amor e perdição. Ninguém sabe das sombras que ela carrega sozinha desde o momento que regressou a Barcelona. Se chegaram até aqui, saibam que o que estou prestes a dizer pode custar mais do que imaginam."

A voz de Luka vacilou, e ele fez uma pausa para respirar. Matheus se aproximou, impaciente, mas respeitou o espaço. Ninguém ousava interromper.

_"Eva fez escolhas que não consegui impedir. Mas, por favor, compreendam que nem tudo é o que parece. Existe uma sombra maior à espreita, e a enorme e imponente ... conhece todos os seus segredos. Eva fez isto para vos culpar e pagarem por o que lhe causaram no passado e se um dia precisarem salvar alguém, sigam a trilha das chaves. Elas são a resposta."_

Luka parou de ler, sentindo a garganta apertada. Todos na sala permaneceram imóveis, como se estivessem tentando absorver o significado daquelas palavras. Lexus segurava a mão de Matheus com força, enquanto Alejandro encarava o chão, tentando juntar as peças do quebra-cabeça.

-O que ela quis dizer com "trilha das chaves"? - S/n perguntou em um sussurro.

-Talvez... talvez as chaves sejam códigos para locais ou informações específicas - sugeriu António, com a voz baixa. -Eva sabia que estávamos perto dela, e isso era sua forma de nos guiar?

Nesse momento, a porta da sala se abriu com um estrondo, e Kaio voltou, ofegante. Todos se viraram para ele.

-Consegui acessar algumas informações no telemóvel descartável! - disse Kaio, a voz carregada de urgência. -Há mensagens recentes, mas apenas um contato salvo: Bernardo! Ou "Benni", como ela o chamava...

-Bernardo? - Lexus repetiu, com um olhar confuso e preocupado. -Então, talvez eles estejam trabalhando juntos. Talvez ele esteja com ela agora.

-O mesmo Bernardo que causou o acidente? - Kaio perguntou, franzindo o cenho. -Aquele?

-Sim... - Lexus murmurou, desviando o olhar enquanto as lembranças a atingiam com força. - Quando ele tentou me violar em um hotel em Amsterdã, ele disse... ele disse que iria me proteger dela. E se...se ele tentou salvar o Kaiser?

O silêncio caiu sobre o escritório como um peso esmagador. Ninguém ousou falar, até que Matheus quebrou o mutismo com um ódio evidente em seus olhos.

-Ainda acreditas naquele cretino? - ele explodiu, a voz carregada de desprezo. -Ainda achas que ele poderia ter ido salvar o nosso filho? - Matheus riu, um riso seco e irônico, carregado de amargura. -Isto é uma piada.

-Acredito, sabes por quê? - Lexus respondeu, a voz trêmula, mas firme. -Porque, ao contrário de Eva, ele não parecia...doente. Eu vi nos olhos dele, Matheus! Aquele olhar de alguém que, apesar de tudo, tentou nos alertar, mas nós não quisemos ouvir. E sim, Lilibeth não é filha do Matheus, mas sim de Bernardo! Eu senti...

-Isso é verdade! Ele confessou na minha frente também. - Mason falou se aproximando.

-Não comeces com isso! - Matheus gritou, com os punhos cerrados e os olhos queimando de raiva. -Meu filho está em perigo, e ainda assim, tu defendes aquele monstro? Estás doida?

-Vamos parar! - Steve interveio, sua voz firme, tentando restaurar um pouco de ordem. Ele se aproximou dos dois com cautela. - Por favor, não vamos nos exaltar mais. Não agora.

Matheus deu um passo atrás, mas não cedeu.

-Sinceramente, Lexus, eu não te entendo. - a voz de Matheus estava fria, cortante. -Se o meu filho morrer, podes ter a certeza absoluta que toda a culpa será tua! E nunca mais verei a tua cara. Vou garantir que tu nunca vejas Daniel, Hope e Isagi outra vez!

A tensão explodiu. O som de um estalo ecoou quando Lexus, tomada pela fúria e pelo desespero, o esbofeteou. Todos na sala pararam, chocados. Matheus, com o rosto vermelho de raiva e mágoa, virou-se abruptamente e saiu, batendo a porta com força.

[...]

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