42 | Halloween
Segunda / 19:00h
Barcelona || SPAIN
• 31 de outubro de 2044
António
Eu tinha tudo. Minha família estava mais unida e maior do que nunca. E hoje era um dos dias mais felizes: Lexus chegaria do hospital com os gêmeos. Matheus estava com ela, enquanto eu e S/n fazíamos os últimos preparativos para Daniel e Hope.
As fantasias de "A Bela e a Fera" que eles vestiam estavam encantadoras. Vê-los assim era uma mistura de magia e amor puro. Lexus merecia essa surpresa após tudo que enfrentara no segundo parto. Na verdade, todos nós merecíamos um momento de alegria.
-O senhor sempre teve as ideias mais loucas, pai! - S/n comentou, sorrindo. -Mas é por isso que sou quem sou hoje.
-Não me faças chorar agora, princesa! Não hoje!
-Especialmente quando também é aniversário do Ansu?
-Exato... lágrimas só da Lexus, quando vir a surpresa.
-Eles estão adoráveis! Obrigada, papai.
Ela me abraçou com Hope em seus braços. Esses momentos preenchiam meu coração. Eu me sentia completo de novo.
-Estão prontos? Lexus e Matheus estão chegando! - Natasha entrou apressada no quarto. -Tudo certo com eles?
-Mais do que certo, amorzinho! Eles estão perfeitos!
-Com licença, aqui a avó está com pressa! — S/n brincou, pegando Daniel no colo. -Não me olhe assim, pai!
Ela sempre conseguia arrancar um sorriso meu. Este ano fora generoso com sorrisos, algo, finalmente, estava dando certo em nossas vidas.
Natasha e eu descemos as grandes escadarias de mãos dadas. Matheus e Lexus já estavam entrando. Os gêmeos ainda estavam escondidos, aumentando nossa expectativa.
-Surpresa! - exclamei, de braços abertos. -Gostaram?
-Então era isso? - Matheus parecia fingir irritação. -É por isso que o senhor nem passou no hospital para ver os gêmeos?
-Matheus! - Lexus lhe deu um tapa leve nas costas. -Eles estão aqui, António. Perfeitos, não estão?
-Oh, meu Deus... Não vou aguentar essa fofura. Alguém me traga água.
-Que exagero, pai! - Ferran riu. -E Daniel e Hope? Estão dormindo?
Todos ali eram cúmplices do plano.
Nem Matheus fazia ideia do que estava por vir.
-Esqueceram de nós para a recepção? -S/n apareceu com os pequenos. -Surpresa, Lexus!
Lexus levou as mãos ao rosto, já chorando de emoção. Realizar um sonho dela era um presente para todos nós. Ela sempre amou "A Bela e a Fera", e de certo modo, sua história com Matheus refletia um pouco essa jornada de amor e superação.
-Vão se sentar enquanto preparamos Kaiser e Isagi? - Natasha sugeriu, abraçando Lexus.
-Vocês querem me dar um ataque cardíaco? Sou jovem demais...
-De forma alguma! Vamos, todos sentarmos enquanto elas os preparam.
-O que mais o senhor está tramando, vô? -Matheus me abraçou.
Na verdade, as crianças estavam tramando. Noah, Lily, Ryan e Zeus haviam sido encarregados da "grande surpresa". Sabíamos que seria memorável.
-Decorações de Dia das Bruxas? Vocês encheram a casa disso! - Matheus reclamou, ajudando Lexus a se acomodar. -Quero a casa limpa amanhã.
-A noite é uma criança, pidão! - Sophia comentou, se jogando em uma poltrona. -Deverias agradecer pela festa tranquila deste ano.
-Vocês são insuportáveis.
-Mas vocês nos amam! - Theo disse, trazendo as crianças.
Cada uma estava fantasiada. Lily como uma mini bruxinha, Noah de Capitão América, Ryan de Homem-Aranha e Zeus de mini Batman. Não consegui segurar a risada. Eles realmente se superaram.
-Kaiser e Isagi precisam comer! - Lexus avisou.
-Vou lá, moranguinho! - Matheus saiu correndo para o andar de cima.
-E o hospital? Como foi? - perguntei.
-Matheus não saiu um segundo do meu lado! Teve até que pedir ajuda para trocar uma fralda enquanto eu comia.
-Matheus sendo Matheus!
-Precisamos ensinar os homens a trocar fraldas. - Salma brincou. -Seria divertido.
-Hugo trocando fralda? Quero ver isso! - Safira provocou.
-Ei, não exageres Safira! Hugo sabe, só está fora de prática.
O riso ecoava enquanto os homens ajustavam as fantasias das crianças para a foto em frente à lareira. A conversa era animada, repleta de cumplicidade e alegria.
-Olivier ficaria perdido com um recém-nascido nos braços. -Heloísa comentou, rindo.
-Claro! Já viram estes músculos? - Thiago brincou. -Não somos como Matheus, que segura quatro filhos nas costas e ainda atende os mini caprichos do Noah!
-Não sou assim, tio Thiago! - o pequeno protestou. -Diz pra ele, tia Lele!
-Não te preocupes, pequeno. Tu és o melhor.
-Prontinho! - Natasha voltou com Kaiser e Isagi.
Kaiser vestia-se de mini Woody e Isagi de Senhor Lamparina, da Bela e a Fera. As lágrimas de Lexus não paravam. E eu, mesmo querendo parecer forte, estava emocionado.
O espetáculo das crianças estava em pleno andamento, arrancando risadas de todos na sala. Cada uma delas se dedicava a contar um pequeno trecho de "A Bela e a Fera", como se ensaiassem há meses. Zeus, encarnando o "monstro", saltou sobre Noah, lambendo o rosto do pequeno , e todos rimos com uma alegria contagiante.
A conexão entre eles era inigualável.
Aqueles risos, o brilho nos olhos de cada um e o sentimento de que cada esforço e sacrifício ao longo dos anos valeram a pena se cristalizavam ali. Era um momento que jamais seria esquecido, um capítulo inesquecível no livro de nossas vidas.
-Que tal tirarmos uma foto? - propôs Ella, segurando Ryan no colo. - Uma recordação para a posteridade... toda a família reunida!
-Excelente ideia, mas só se for rápido. Estou morrendo de fome! - Matheus interveio, fiel a si mesmo.
Ele provavelmente nem havia comido direito com todo o estresse dos últimos dias no hospital. Eu já havia pensado nisso: a mesa do jantar estava preparada e repleta de comida.
-Todos prontos? -Perguntei, ajustando a câmera. -Três... dois... um! Digam "Halloween"!
-Halloween! - todos responderam em uníssono.
Um momento perfeito, gravado na
memória e nas fotografias.
Nos dirigimos para a mesa de jantar, que estava farta das mais variadas iguarias e decorada com cores e elementos de Halloween. Um esforço de última hora que se mostrou mais do que recompensador; o ambiente exalava festa e aconchego.
-Acho que deveria ter ficado calado! - Matheus brincou, com um olhar misto de surpresa e diversão ao ver tanta comida. -Isto é um banquete!
-Relaxa, Matheus. Há pessoas aqui que comem como mamutes! - Sophia provocou, rindo.
-Ei! - Thiago fingiu indignação. -Não engordo, só alimento meus músculos, loira!
Ela revirou os olhos e mostrou a língua, arrancando ainda mais risadas.
-Bom, todos presentes, pequenos devidamente vestidos...agora é hora de comer e, depois, temos um filme para assistir! -anunciei.
-Cada ideia sua é uma obra-prima! - Levi ergueu o copo com entusiasmo. -Um brinde ao presente e ao sucesso!
Prendi a respiração!!
Segurei as lágrimas, prometendo guardá-las para o fim da festa. Sentado àquela mesa, cercado por tantas pessoas que mudaram minha vida, era impossível não sentir uma profunda gratidão.
Nunca imaginaria alcançar este ponto da minha jornada, uma mesa cheia, cada lugar ocupado, cada sorriso uma marca de vitória e amor.
O jantar foi perfeito. Cada prato, cada sabor, tudo parecia mais especial. Quando terminamos, as crianças voltaram a brincar na sala, enchendo a casa com suas risadas e gritos de alegria. E, naquele instante, soube que são esses momentos que me mantêm firme neste mundo.
Lexus
Posso dizer que estou grata por tudo. Posso afirmar que tenho tudo o que sempre imaginei para minha vida. Posso confessar que meu coração agora se sente completo com os meus maiores presentes. Sempre sonhei em ser mãe, mas a vida nos surpreende com mudanças rápidas e inesperadas.
Matheus é uma dessas pessoas que, apesar das mágoas, ainda habita um espaço especial no meu coração. Restavam vestígios daquele grande amor, e além de ser um pai dedicado, ele estava fazendo tudo para que nossa vida e nossa nova família se estabilizassem, como sempre sonhamos.
Com Daniel e Hope já dormindo, agora era hora de acalmar Kaiser e Isagi. Este último parto foi difícil, mas cada lágrima e esforço valeram a pena. Enquanto uma música suave tocava, eu batia levemente nas costas de Isagi. Kaiser já estava quase adormecido; restava agora o mais novo. Cada bebê tem sua própria personalidade, mas há algo de familiar em cada um deles.
"Eu amava cada um dos meus quatro filhos..."
-Lexus! - ouvi a voz de Joanna depois de uma leve batida na porta. -Posso entrar?
-Está tudo bem lá embaixo? Conseguiram finalmente colocar o filme?
-Demorou, mas foi. Com tanta decoração em volta da televisão, deu trabalho, mas no fim eles estão assistindo. E tu? Vejo que estás numa missão árdua.
-Quase acabando. Já, já estarei lá embaixo. Tudo está indo perfeitamente bem...
-Eu admiro-te muito... - ela se encostou na janela ao lado do berço de Isagi. -Nunca pensei que diria isso de alguém, mas tu tens uma força incrível. Quando Matheus nos falou por vídeo, foi uma grande surpresa.
-Matheus e sua língua solta!
-Mas ele te ama, e você sabe disso. - ela riu baixo. -Por mais difícil que seja admitir, é verdade!
-É... mas as coisas demoram para se estabilizar.
-Sim! Depois do filme, vamos para a piscina interna.
-Já estragaram a piscina também? - sorri. -Matheus vai pirar quando ver isso.
Nossos amigos sempre foram imprevisíveis, mas isso não diminuía o amor que sentíamos por cada um deles. Todos tinham seus jeitos únicos, suas manias, mas quando se uniam, eram uma força incrível.
Depois de conversarmos mais um pouco e garantir que todos estavam adormecidos, fechei a porta, deixando apenas uma luz de presença acesa. Descemos as escadas, e o grupo ainda estava entretido com o filme de terror do ano. As crianças brincavam perto da lareira, trazendo uma sensação de lar.
Sentei no sofá, e Zeus, subiu, encostando o focinho na minha barriga. Ele parecia perceber que meu corpo ainda se recuperava, e eu amava esse seu instinto protetor.
Quando meus olhos encontraram os de Matheus, ele se aproximou devagar para não atrapalhar a vista de ninguém me puxou para junto dele, me aconchegando em seus braços.
-Tudo bem? - ele sussurrou. - Joanna disse que subiu para verificar se tudo estava bem.
-Fui colocar Kaiser e Isagi para dormir. Eles precisam ficar longe de todo esse barulho.
-Nossa família! - ele me abraçou com força. -Eu te amo, moranguinho...
Ele beijou minha cabeça, e eu respirei fundo. Ainda era difícil para mim, mas Matheus não esperava respostas tão cedo. Ele dizia que não ficava chateado, mas eu sabia que aquilo o machucava.
Enquanto o filme continuava, o ambiente se enchia de harmonia. Levantei duas vezes para verificar os gêmeos e, ao voltar, todos se preparavam animadamente para ir à piscina.
Talvez Matheus ainda não soubesse!
-Está frio lá fora! O que fizeram com a minha piscina interna? - ele ficou vermelho.
-Cheia de sangue.
-Eu vou acabar com vocês! Desperdiçar água assim...
-Relaxa, pai do ano. - Theo o abraçou. -Vamos nos divertir.
-Tu vais gostar, prometo. - Oliver riu.
Ao chegarmos à piscina, as luzes vermelhas refletiam na água. O silêncio foi quebrado quando Thiago saltou na piscina. Todos ali amavam a água, e eu amava ver seus sorrisos.
Sentei-me em uma espreguiçadeira, e minha irmã se aproximou, me encarando com aquele sorriso que derretia qualquer barreira. Com ela, eu acreditava que tudo, no fim, podia se resolver.
-Obrigada! - disse Lily, me abraçando com força. -Obrigada por seres a melhor irmã do mundo!
Senti meu coração se apertar de carinho enquanto a envolvia em meus braços.
-Ohhh, pequena, eu também te amo tanto!! - respondi, sentindo as palavras saírem cheias de emoção.
Lily se afastou um pouco, apenas o suficiente para me olhar nos olhos, com aquele brilho travesso que só ela tinha.
-Eu, o Noah e o Ryan fizemos um desenho para você... está lá no quarto grande, do teu lado da cama. Ficou muito lindo.
Um sorriso escapou, caloroso e genuíno, aquecendo meu peito. -Fofinha! Tenho certeza de que ficou perfeito. Vocês sempre conseguem iluminar meu dia... meu momento. Sem aviso, ela me abraçou de novo, desta vez com ainda mais intensidade, como se quisesse eternizar aquele instante.
Eu a segurei, fechando os olhos e me permitindo sentir a força daquele vínculo. Estar cercada pelo amor das minhas irmãs me fazia acreditar que, com elas, eu poderia superar qualquer coisa.
Ficamos assim por mais alguns segundos, apenas aproveitando aquele momento de cumplicidade, até ouvirmos passos rápidos e leves ecoando pelo corredor. Antes que eu pudesse me virar, uma vozinha aguda e cheia de energia interrompeu.
-Titia Lele! - Noah surgiu, com seus cachinhos dourados balançando enquanto corria em nossa direção. Ele parou ofegante, com os olhos brilhando de entusiasmo. -Titia Lele, olha só!
-O que foi, meu pequeno? - perguntei, sorrindo ao me abaixar para ficar na altura dele.
Ele respirou fundo, como se estivesse reunindo as palavras. -Eu fiz um desenho novo! É ainda maior que o outro que a gente fez pra você. E tem a ti...o meu irmão...eu, a Lily e o Ryan...os bebês...e até o Zeus! -Ele disse tudo de uma vez, mal parando para respirar, enquanto seus olhos se iluminavam com o próprio entusiasmo.
-Sério? Tudo isso em um desenho? - fingi surpresa, colocando as mãos nas bochechas. -Uau, Noah, tu deves ser um artista incrível!
Ele assentiu com toda a seriedade de
uma criança de quatro anos.
-Sou, sim! E quero mostrar pra você agora!
-Claro que quero ver, meu amor. Vamos lá! -disse, rindo, enquanto ele puxava minha mão com urgência. Lily acompanhava a cena com um sorriso caloroso, encantada com a energia contagiante de Noah.
Enquanto eu me levantava, ele já começava a puxar-me em direção ao corredor, suas mãozinhas segurando as minhas com força. E naquele momento, cercada pelo amor da minha irmã e pela pureza do entusiasmo de Noah, eu soube que os pequenos momentos como aquele eram os que realmente faziam tudo valer a pena.
-Gostas? Ficou lindo, não é? -Noah perguntou, os olhos brilhando de expectativa enquanto apontava para o desenho com seu dedinho pequeno.
-É! Pequeno, ficou perfeitinho... - falei, emocionada, puxando-o para um abraço apertado. Lily, ao nosso lado, não perdeu tempo e envolveu-nos em um abraço coletivo, apertando-nos com carinho.
-Obrigada, vocês dois... - eu disse, sentindo meu coração se encher de gratidão e ternura.
Antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, Noah e Lily começaram a encher minhas bochechas de beijinhos, rindo entre um beijo e outro. Eu ri junto, sentindo-me rodeada pelo amor puro e genuíno que só eles podiam proporcionar. Eram momentos como aquele que faziam cada desafio parecer pequeno.
🍓
Steve
Para ser sincero, já nem me lembrava da última vez que tive um dia livre no Halloween. Na verdade, isso nunca aconteceu desde que comecei a trabalhar aqui. Sempre passava esse dia ocupado com minhas funções, e tudo só piorou depois que me tornei pai.
Eu queria estar presente em todas as etapas do crescimento de Esperanza, mas sabia que, realisticamente, isso não seria possível. Estava apenas tentando encontrar um rumo para minha vida, mas quanto mais me esforçava, mais parecia que as coisas continuavam na mesma, sem nenhuma mudança.
Eram 21h40, e eu encarava a tela do computador diante de mim. Faltavam cerca de vinte minutos para começar o turno de patrulha. Trabalhar à noite era exaustivo, ainda mais quando as pessoas pareciam ter um talento especial para causar confusão em ocasiões como o Halloween.
-Só nós os três? -Kaio entrou na sala com um semblante tenso, seguido por Luka. -Vai ser complicado hoje, ainda mais em pleno Halloween.
-Daremos um jeito.
A verdade é que nem eu mesmo acreditava naquilo.
-Não me pareceu muito convincente! - comentou Luka, sentando-se no sofá. -Paul está sumido há mais de um mês, Pérola foi expulsa depois que descobriram suas... conexões. Tudo está desmoronando, tens de admitir.
-Sabem de uma coisa? É verdade, tudo parece estar indo por água abaixo. Estamos cada vez mais distantes uns dos outros, e é doloroso ver a equipe se desfazendo...
Levantei-me e fui até a janela, observando o estacionamento à frente. Talvez fosse a única forma de afastar os pensamentos por um instante. Mirei Hércules, que me observava da cama, atento, esperando apenas uma ordem minha.
O som da porta ecoou pela sala, trazendo-me de volta à realidade. Eu andava distante, não negava. Nem sabia direito como Paul estava.
-Desculpem interromper, mas ainda bem que não saíram! -Alejandro entrou com um sorriso. Atrás dele, uma jovem morena.
Precisávamos mesmo de um novo
membro para a equipe...
-Está tudo bem? - perguntei, curioso. -Aconteceu algo grave?
-Bem, sei que estão com falta de pessoal. Demorei um pouco, mas quero apresentar-lhes Alejandra Pérez! Ela veio de Sevilha e vai se juntar à equipe.
-Prazer! - disse Luka, com um sorriso. Ele sempre se aproximava das mulheres com aquele jeito ainda mais quando estava prestes a pedir o divórcio.
Eu não pude evitar um sorriso irônico.
-Obrigado, chefe! Faremos com que ela se sinta bem-vinda.
-Ótimo! E, já que precisam de mais apoio, Bruno cobrirá a ausência de Paul. Está tudo bem para ti, Steve?
-Claro...
-Não será necessário! - Paul interrompeu minha resposta, entrando na sala. -Estou de volta.
Ele não desviou o olhar de mim. Eu conhecia Paul bem demais. Cada gesto, cada palavra não dita. Os anos de convivência me ensinaram a ler o que ele não dizia.
-Ótimo! Quando terminarem a ronda de seis horas, senhor Mont, venha até minha sala.
-Tudo bem, chefe...
Fiquei surpreso com sua compreensão.
-Vamos aos carros? - Kaio sugeriu. -Deixa-nos mostrar como funcionamos aqui enquanto eles conversam.
-Claro!
Antes que pudesse falar algo, abracei Paul. Por mais que tivesse saído de maneira abrupta, por mais que houvesse palavras duras entre nós, eu ainda o considerava um irmão. Ele era minha responsabilidade.
-Por que me fizeste isto? - bati de leve em seu peito. -Fiquei aqui, sozinho, afundando em pensamentos! Até Hércules sentiu sua falta.
-Precisei cuidar da minha saúde mental, Steve. Tu sabias que eu não estava bem... agia por impulso, e lá no fundo sabias disso.
Suspirei fundo. Ele tinha razão. Palavras, uma vez ditas, não voltam. Naquele dia, seu desabafo foi como uma explosão, mas eu nunca o repudiei.
Deixei-o arrumar a mesa, e logo saímos para o estacionamento. Todos já nos esperavam. Luka, claro, não tirava os olhos de Alejandra. Isso seria complicado e eu não aceitava romances na equipe.
-Paul, esta é Alejandra Pérez. Ela fará parte da equipe - apresentei, com calma. -Agora, não estrague nada desta vez - brinquei.
-Prazer!
-Vamos, temos uma ocorrência - Luka avisou. -Discoteca perto da praia. Mais um dia resolvendo problemas...
-E tu ama isso, Luka! - Paul riu. -Sempre em busca de adrenalina.
-E tu também...
-Vamos trabalhar, ou as "donzelas" vão continuar? - Alejandra apoiou-se no carro, com firmeza. -Podemos ir?
Kaio e eu rimos. Finalmente, alguém com pulso firme para lidar com os dois. Quem não os conhecesse pensaria que eram um casal.
Entramos nos carros e seguimos em direção à discoteca mais popular da zona da praia. O local, famoso por suas festas, também acumulava ocorrências problemáticas ao longo do ano, tantas que eu já havia perdido a conta.
Ao chegarmos, deparamo-nos com uma enorme multidão irritada, discutindo ferozmente. Talvez o álcool fosse o catalisador, mas, assim que saí dos carros, percebi algo que me preocupava muito mais: um senhor clamava pela filha, visivelmente desesperado. Aquilo estava longe de ser apenas mais uma confusão de Halloween.
Hércules avançou alguns passos à nossa frente, seus sentidos aguçados captando a tensão no ar. Os pelos eriçados e a postura alerta revelavam que ele também sentia o peso das emoções daquele momento.
-Boa noite, senhores! - falei com calma. -Podem me dizer o que está acontecendo aqui?
-Minha filha, senhor agente! Eles a levaram e não querem devolvê-la! - gritou o homem, os olhos cheios de desespero.
-Qual a idade de sua filha, senhor? -Kaio o questionou, enquanto o afastava da multidão. -Vamos resolver isso, mas precisamos entender o que aconteceu.
Segui Kaio, enquanto os demais tentavam acalmar a situação e ouvir os relatos das outras pessoas. Precisávamos montar o quebra-cabeça com cuidado.
-Pode nos contar com mais detalhes, senhor? Precisamos entender para poder ajudar. - falei, tentando acalmá-lo.
-Minha filha cuida de mim todos os dias. Só ela sustenta nossa casa. Recentemente, arranjou um emprego aqui na discoteca como servente, mas não tenho notícias dela desde ontem! - ele parecia à beira do colapso.
-Por que não nos procurou mais cedo? - Kaio perguntou, cruzando os braços e inclinando a cabeça. -O senhor sofre de alguma doença? Alzheimer?
-O quê? Não! Estou dizendo a verdade! Minha idade pode ser avançada, mas sei do que falo! Minha filha, Liza, tem 22 anos e trabalha aqui. Eles fizeram algo com ela e agora não querem me contar!
-Steve! - Paul tocou meu ombro, interrompendo. -Precisamos conversar.
-Tudo bem. Senhor, aguarde aqui por um momento. Hércules, fique de olho.
Afastamo-nos um pouco, indo para perto do muro em frente à praia. O vento frio não nos impedia de buscar respostas. Não agora.
-Liza Diaz, 22 anos, brasileira. Trabalha aqui há seis meses - começou Paul, com um semblante grave. -Desde ontem à noite, após o fim do turno, ninguém mais a viu. E há marcas de sangue no armário dela.
-E ninguém viu? As câmeras? Nada? - perguntei, já sentindo a raiva crescer.
-O dono não quer liberar o acesso às câmeras -interveio Alejandra, com a voz dura.
-Vou resolver isso agora!
Kaio entrou decidido no estabelecimento, dispersando a multidão no processo, enquanto Paul chamava reforços. Minha paciência estava se esgotando com a espera pelo proprietário.
-Boa noite, senhores. Precisam de algo? - um homem loiro apareceu, com um sorriso irritante. -Ou vieram beber?
Segurei Kaio. Ele estava prestes a perder o controle.
-Liza Diaz. O nome não te diz nada? -Luka o questionou, com firmeza. - Ela trabalha aqui.
-Tenho muitas garotas trabalhando para mim. Não conheço todas pessoalmente.
Kaio bufou de raiva.
-Talvez tu quererás conhecer melhor quando começarmos a vasculhar cada canto deste lugar. Aí irás lembrar-te dela? - disse Kaio, contendo-se a duras penas.
-Olhem, eu não sei de nada! Muita gente passa por aqui todos os dias. Não posso vigiar cada cliente!
-As câmeras de segurança estão funcionando? - perguntei, tentando manter meu profissionalismo.
Ele hesitou, e a tensão no ar aumentou.
-Precisam de um mandado para isso.
-Agora! - Kaio gritou, e Luka o puxou para fora da situação antes que ele explodisse.
-Alejandra! Liga para o Bruno e pede que ele contate o juiz Castro. Vamos ver se o juiz aprecia saber o que se passa neste lugar.
Minha "ameaça" era uma tentativa
de acelerar as coisas. Funcionou.
-Certo! Certo! Vou buscar as imagens.
-Meus agentes vão acompanhá-lo. - disse, com um sorriso sarcástico.
Chamei Kaio, Luka e Hércules para dentro. Em poucos minutos, assistíamos às gravações.
-Quem é sua filha, senhor? - Luka perguntou, enquanto os olhos do homem buscavam na tela.
-Ali! A morena com a tatuagem de borboleta no braço direito... - disse ele, com lágrimas nos olhos. -Minha princesa.
-Senhores, tirem-no daqui. Obrigado - instrui, percebendo que tínhamos muito trabalho pela frente.
Passamos longos minutos assistindo às gravações. Em cada uma delas, lá estava o mesmo homem, aparecendo repetidas vezes ao lado de Liza até o momento em que a discoteca fechava.
A última cena gravada nos deixou apreensivos, uma discussão intensa nos vestiários, culminando com ele acertando a jovem com uma barra de metal. Por fim, sua face ficou visível na tela, e um frio percorreu minha espinha.
Sem perder tempo, liguei para Bruno e pedi que acionasse Enrico para realizar um reconhecimento facial urgente. O relógio parecia correr contra nós, cada segundo se arrastando enquanto aguardávamos a identificação. Finalmente, depois de um tempo que pareceu eterno, tivemos o resultado.
Seguimos imediatamente para o endereço do sujeito, a apenas dois quarteirões da discoteca. A tensão estava no ar, eu não iria negar. Operações com reféns sempre carregavam um peso psicológico imenso. Cada situação como essa me trazia à memória aqueles casos em que, apesar de todos os esforços, não conseguíamos salvar a vítima.
Ao chegar, tudo ficou em silêncio. O momento era crítico e a adrenalina corria em nossas veias. Precisávamos agir com precisão.
O silêncio ao redor era quase ensurdecedor enquanto nos posicionávamos em frente à casa do suspeito. O ar estava denso, cada respiração carregada com a responsabilidade que pesava sobre nossos ombros. Meu coração martelava no peito, e eu sabia que cada segundo contava.
-Movam-se com cautela! - sussurrei pelo rádio, trocando olhares sérios com Kaio e Paul.
Hércules estava ao meu lado, farejando o ar, tenso e pronto para agir. Lentamente, aproximamo-nos da porta. Kaio sinalizou com a cabeça, indicando que estava pronto. Com um gesto firme, Paul bateu na porta com força.
-Polícia! Abra a porta!
Nenhuma resposta. Por um breve instante, um silêncio gélido tomou conta. Então, ouvimos um barulho abafado vindo do interior. Troquei um olhar rápido com os outros. Precisávamos entrar. Sem hesitar, arrombamos a porta e invadimos o espaço.
A casa era um labirinto de escuridão e caos. Corremos pelos cômodos, as armas em punho, até que ouvimos um som de choro abafado vindo de um porão. Desci os degraus com passos rápidos, meu estômago se revirando. Lá, sob a luz fraca de uma lâmpada quebrada, encontrei Liza, amarrada e ferida, mas viva.
-Você está segura agora! - sussurrei, tentando conter a emoção enquanto cortava as amarras. -Seu pai está esperando por ti. Ficará tudo bem agora...
Hércules rosnou ao meu lado, seus olhos fixos em uma sombra que se movia. O agressor tentou fugir, mas Kaio e Paul o interceptaram antes que ele desse mais um passo. O som da luta foi breve. A tensão, no entanto, demoraria a se dissipar.
Segurei Liza enquanto ela soluçava,
sentindo o peso de tudo aquilo.
"Mais uma vida salva...
Mais uma batalha vencida...
Mas as cicatrizes ficariam..."
Depois de deixar Liza aos cuidados da equipe médica, fizemos o caminho de volta para a esquadra. O cansaço pesava sobre nossos ombros, como uma tempestade que vinha se acumulando há muito tempo. Nenhum de nós falava, cada um processava o que havia acabado de acontecer à sua maneira.
Kaio dirigia em silêncio, as mãos ainda firmes no volante, enquanto Paul, ao meu lado, olhava pela janela com o olhar distante. Hércules, exausto, descansava com a cabeça apoiada no meu joelho, os olhos fechados.
Ao chegarmos à esquadra, a atmosfera parecia mais densa. Era madrugada, e a sala estava mergulhada em penumbra, iluminada apenas pelas luzes fracas dos computadores e pelo brilho esporádico dos rádios de comunicação.
Sentia como se cada parte do meu corpo estivesse no limite, mas sabíamos que precisaríamos ainda escrever relatórios, documentar cada detalhe, assegurar que o caso de Liza não ficasse sem resposta.
-Não sei vocês, mas eu preciso de um café. - murmurou Kaio, esfregando o rosto com as mãos.
-Se o café fosse suficiente para apagar estas noites, eu já teria me afogado nele! - respondeu Paul, com um meio sorriso cansado.
Deixamos nossas coisas nos armários e seguimos para a sala de descanso. O ambiente ali era simples: sofás já gastos pelo tempo, uma máquina de café que rangia a cada funcionamento, e uma mesa cheia de documentos esquecidos.
Sentei-me pesadamente no sofá, sentindo as dores acumuladas nos músculos. Alejandra apareceu pouco depois, com duas xícaras de café e uma expressão compreensiva.
-Aqui... - ela disse, entregando uma delas para mim. -Sei que vocês precisam disso.
-Valeu, Alejandra. - respondi, aceitando o café com um leve aceno de cabeça. Ao meu lado, Kaio e Paul já haviam se acomodado, tentando relaxar.
O silêncio era confortável, mesmo com o peso do que vivenciamos ainda pendurado no ar. Hércules estava deitado aos meus pés, respirando mais tranquilamente agora. Fiquei olhando para o teto por um momento, tentando desacelerar os pensamentos que ainda corriam em círculos.
-Mais uma missão cumprida, mas quantas ainda virão? - Luka perguntou, quebrando o silêncio com a voz baixa entrando na sala.
-Quantas forem necessárias - Kaio, sentindo a exaustão o consumir. -Uma de cada vez. E sempre com tudo que temos.
Por um instante, ficamos ali, partilhando aquele breve momento de descanso. Sabíamos que a batalha ainda não havia acabado, nunca acabava. Mas, por agora, apenas respiramos juntos, cada um lidando com suas próprias cicatrizes e memórias. Era assim que seguíamos em frente.
Juntos.
🍓
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