39 | Meu Passarinho

Quarta/ 12:00h
Barcelona || SPAIN

• 10 de agosto de 2044




Lexus
Era errado eu estar aqui?

Minha vida inteira fui incapaz de entrar em um cemitério. Pelo menos, desde que me lembro. Sempre tive medo de tudo, um medo constante, mas algo mudou dentro de mim desde o momento em que me tornei mãe.

Será que isso seria bom para mim?

Ainda estava sentada dentro do carro, perdida em um turbilhão de pensamentos. Não podia sequer conversar com meu tio sobre Vitor, para ele, a dor ainda era insuportável. Natasha ainda carregava tristeza, mas, mesmo assim, sempre demonstrava um pouco de compaixão e se dispunha a me ouvir quando eu mencionava seu nome.

Olhei para o cemitério ao lado e, após quase meia hora de hesitação, saí do veículo. Eu precisava ser forte naquele momento. Entrei no local e fui tomada por um turbilhão de emoções. Algo tão raro que me fez questionar se eu deveria estar ali, mas eu tentei me convencer a continuar.

-Vá, Lexus! Tens que ser forte - murmurei para mim mesma.

Respirei fundo e, com uma das mãos sobre minha barriga, comecei a caminhar entre os túmulos. Havia alguns mais bonitos que outros, isso era inegável. Meu corpo, quase como por vontade própria, parou diante do túmulo onde Vitor e seu pai estavam. Algo dentro de mim dizia que eu precisava estar ali.

-É inatingível a tua força! Tua mãe te ensinou bem...

Uma voz acolhedora surgiu atrás de mim, e ao virar-me, vi Vitor. O mesmo Vitor da foto no túmulo, o mesmo que preenchia todas as fotografias nas casas de família. Eu devia estar sonhando. Ou talvez estivesse imaginando aquilo que mais desejava. Isso não podia ser real.

-Tu! Tu és real?

-Não, nada disso - respondeu com um sorriso genuíno. - Sou uma criação da tua mente. Tu quiseste tanto saber como eu era, que aqui estou. E agora, contarei.

-Sério isso?

-Por que não caminhamos? - disse ele, olhando-me nos olhos. - Está tudo bem.

-Eu quero fazer uma pergunta antes! - respirei fundo. -Isto é um sonho, certo?!

-Certo! Não estás cá. Apenas estás a dormir um pouco mais do que devias, mas estás bem... e teus filhos estão bem cuidados!

Inclinei a cabeça, confusa com suas palavras.

-Como sabes que eu...?

-Sempre sabemos de tudo. No paraíso, estamos sempre a cuidar de vocês... ninguém está a abandonar-vos.

-Então, qualquer pessoa que eu imaginar, eu posso ver?

-Não! Não é exatamente assim. A conexão com a pessoa é importante. Tu, por exemplo, tens uma conexão com a Mariah!

-Mariah? Mariah... a avó de António?

-Sim! - ele colocou as mãos atrás das costas, com um gesto tranquilo. -Mas agora, vamos falar sobre nós. Estou feliz por ver que estás conquistando teus sonhos... Ella é uma mãe maravilhosa, como sempre foi. E Levi... tenho tanta pena de não ter visto ele crescer. Está tão feliz... mas agora é a vossa vez. Eu cuidei de vocês. É hora de vocês continuarem meu trabalho.

-Todos sentem tanto a tua falta! Por que teve que ser neste dia, há dezenove anos? Não podia ter sido outra pessoa?

-Eu sei, anjinho.

Quando ele me chamou de "anjinho", um calor tomou conta de mim. Era assim que todos que tinham um carinho especial me chamavam. O brilho em seus olhos, aquele sorriso familiar, fizeram os meus olhos brilharem como esmeraldas.

Todos me diziam que ele era uma pessoa carinhosa, risonha, cuidadosa, atenciosa... e ali, naquele momento, ele estava sendo exatamente assim. Eu sabia que era um sonho, mas se pudesse escolher, jamais queria acordar. Estar na presença dele me trazia uma energia diferente, quase palpável.

-Terei que ir. Ficarás segura agora...

-Agora? - perguntei, confusa. -Vitor! Vitor, espera... ainda não terminamos...

Acordei de repente, gritando e sobressaltada. Meu coração disparado fez com que minha mãe e Natasha corressem para o quarto, alarmadas, perguntando o que havia acontecido. Eu não conseguia responder...minha mente estava um turbilhão, meus olhos ardiam e notei uma mancha de sangue na minha camisola.

-O que se passa? - minha mãe perguntou, o olhar dela preocupado e penetrante.

-Mamãe! Os gêmeos... eles... - segurei minha barriga, o medo me dominando enquanto as lágrimas escorriam.

- Tudo bem! Está tudo bem... foi apenas uma ponta da cicatriz da apêndice que infeccionou. Vamos, vamos cuidar disso! - disse minha mãe, tentando me acalmar com um tom firme.

-Daniel e Hope?

-Eles estão bem - Natasha se aproximou para me reconfortar. -Ella, pode ser aqui mesmo, qualquer coisa podemos lavar a roupa da cama depois.

-Tudo bem, mãe. Irei buscar, então...

-Eu me lembro....

É!
De facto eu estava a começar a lembrar-me do que havia sonhando, aos poucos eu iria conseguir.

-Lembra-te?

-Eu sei que parece maluquice o que irei dizer, mas eu vi o tio Vitor, eu falei com ele...bom, o local era meio inusitado não irei negar, mas aquela sensação, aquele momento. Parecia tão real.

-E aí tu acordaste com as dores!

Ela entendia?

-Sei, deve estar a questionar se eu não fiquei surpresa.....eu não fiquei anjinho!! É normal, também tenho por vezes e isso me faz lutar ainda melhor com o luto.

Suas palavras saíram aflitas, mas ela estavam dando tudo de si para ouvir minha palavras em relação ao seu irmão. Minha mãe retornou para o quarto e começou delicadamente a limpar tudo. 

A partir daquele momento, após aquele sonho, compreendi de forma ainda mais intensa o quão difícil era viver sem alguém que amávamos. Devia doer, em alguns dias, com uma saudade quase impossível de suportar.

- Podemos ir visitar o cemitério?

-Lexus, estás grávida! - minha mãe me olhou profundamente, os olhos refletindo preocupação.

-Qual é o problema de eu estar grávida?

-Será complicado de entender agora... mas, quando os tiveres, tudo fará sentido, tudo bem por agora?

-Do que estão falando?

-Apenas tive um sonho maluco com o tio Vitor, mãe. Por isso do meu enorme interesse!

Ela suspirou, o semblante revelando compreensão e também um peso que não podia ser escondido.

-Eu sei que, às vezes, a saudade aperta muito, mas há certos momentos em que isso precisa ser deixado para depois - disse, soltando um pequeno sorriso. -Pronto, anjinho! Vamos comer algo agora. Deixaremos isso fazer efeito, depois poderás tomar um bom banho.

-Tudo bem, então...

Por dentro, meu coração estava apertado. Queria muito ver Vitor, visitar o túmulo, sentir novamente a conexão poderosa que tive com ele em meu sonho. Mas o momento que eu tanto desejava ainda estava distante. No fundo, sabia que teria que esperar e, por ora, obedecer.


Joanna
Reencontrar Miguel era algo maravilhoso. Sempre admirei sua energia e a forma simples como encarava a vida, mesmo com as expectativas que seu pai tinha para ele.

Sabia que o maior sonho do moreno era se tornar agente da polícia, e ele enfrentava cada obstáculo com determinação.

Estávamos no Starbucks, depois de uma manhã bastante produtiva. Devo ser sincera, descansar não fazia parte do vocabulário de Miguel. Para ele, ficar parado era quase uma ofensa, algo que detestava profundamente.

Conversar com Miguel era um prazer. Sua presença me renovava, e eu me sentia grata por ter um amigo como ele, alguém com quem sempre pude contar.

-Teu pai não abraça mesmo essa ideia de fazeres as provas para entrares para a polícia, pois não?

-Para ser sincero... ele recusa-se a ter um filho assim. Passou a vida construindo fortuna para que eu pudesse herdar um dia! Para ele, isso soa como uma ofensa.

-Ele ainda mudará de ideias! Tenho certeza disso. Conhecendo-o como conheço, ele acabará por aceitar.

-Talvez, mas, neste momento, ele recusa-se a aceitar. Bom... não vamos falar sobre isso. Soube que estás a namorar! - ele sorriu, tentando aliviar o peso da conversa.

-Estava... droga! Homens são complicados.

-Ei! Isso doeu aqui.

-Tu és diferente. - bebi meu milkshake, saboreando o gosto doce para evitar o amargor da conversa. -Além disso, isso é visível, pois os dois homens com quem namorei eram irritantes.

-Irritantes? Ou... protetores?

Olhei pela janela e vi Paul saindo do carro. Ele sondou o lugar até me avistar. Um rubor tomou conta do meu rosto; eu sabia bem como ele era. O moreno era superprotetor e, mesmo sem estarmos juntos, fazia questão de deixar claro que eu era "dele".

-Oi, tulipa! - ele beijou minha face, despreocupado, como se estivesse em casa. -O que fazes aqui? Quem é o teu novo amigo?

Engoli em seco.
Paul adorava me tirar do sério...

-Miguel Herrera!

Paul lançou-lhe um sorriso sarcástico e se sentou ao meu lado, abraçando minha cadeira. Os olhos dele não deixaram os de Miguel um só instante. Era um jogo que eu já conhecia bem.

-Continuem, por favor. Finjam que eu não estou aqui...

-Como eu estava dizendo, meu pai fica ainda pior quando a minha avó insiste que adoraria me ver na polícia.

Paul riu, interrompendo com seu jeito provocador.

-Desculpem. Continuem.

-Tenho saudades da tua avó! Ela ainda vive com vocês?

-Sim, vive. Ficará contente em te ter lá. Thiago também pode vir. Ela gosta mais de vocês do que de mim, às vezes.

-Claro! - Paul se intrometeu, sem perder tempo. -Minha mulher é irresistível por onde passa. Por isso, ela é minha! Minha!

-Paul! Não comeces! - revirei os olhos, já sentindo meu limite próximo. Ele adorava testar a minha paciência.

-Reviraste os olhos para mim?

-Não! Eu mostrei este dedo! Ah, Paul, não devias estar a trabalhar?

-Tenho tempo livre agora, tulipa. Aceita que eu não sairei daqui até que ele também vá embora.

-Não quero nada com ela... - Miguel tentou acalmar os ânimos. -Somos apenas amigos!

-E quem me garante isso? Tu?! Eu nem te conheço.

-Paul... - falei, segurando o copo com força para conter a irritação crescente. -Chega! - dei-lhe um olhar sério, esperando que ele percebesse o quanto estava ultrapassando os limites.

A situação estava ficando insustentável. Sentada ali, entre dois homens por quem tinha afeto, percebi como era difícil explicar a confusão dos sentimentos e do controle que Paul ainda acreditava ter sobre mim.

-Se continuas com essas coisas, eu irei embora com o Miguel e te deixarei aqui plantado! - falei, tentando controlar a frustração.

-Eu nem estou a ser invasivo, só estou sendo cauteloso. Uma coisa é bem diferente da outra - respondeu Paul, com um tom que misturava defesa e provocação.

Respirei fundo, sentindo o peso da situação se acumular. Havia momentos em que Paul era um quebra-cabeça complicado de se resolver, e este era, sem dúvida, um dos maiores. Ele sabia ser sarcástico, manipulador até, fazendo de tudo para que Miguel se afastasse.

-Vou deixá-los a sós. Vou buscar algo para comer - disse Miguel, visivelmente desconfortável enquanto se afastava.

A irritação borbulhava dentro de mim.
Eu detestava o rumo que aquela conversa
estava tomando.

-Tinhas mesmo que ser assim com ele? - perguntei, meu tom carregado de exasperação.

Paul virou-se para mim, acabando de atender uma chamada de Steve e desligando o telemóvel rapidamente.

-E o que vocês têm? - questionou, os olhos escurecendo com desconfiança. -Me fala! Vocês têm algo, não têm?

-Não tenho que te dar justificativas sobre a minha vida...

-Joanna, não somos estranhos! Me diz, terei que competir com ele agora?! - a voz dele crescia, cheia de uma tensão que beirava ao descontrole.

-Idiota! -soltei, meu corpo todo fervendo de raiva.

Levantei-me da mesa e caminhei para fora do estabelecimento. Aquela situação não me fazia bem. Eu já não aguentava mais lidar com as paranoias de Paul, ele desconfiava de tudo, e isso era demais para mim.

-Nós ainda não terminamos! Me responde agora, Jo! - gritou ele, agarrando meu braço com firmeza. -Estou a começar a me estressar.

-Me larga! - exigi, tentando me soltar.

-Não antes de me admitires que não me amas mais!

-Eu não tenho que fazer isso! - cruzei os braços, a raiva pulsando em minhas veias.

-Joanna!!!

-Larga ela! - a voz de Miguel soou firme, surgindo por trás de nós. -Chega!

-PAUL!!! - Kaio apareceu naquele momento, saindo apressado do carro. -Ainda bem que te encontrei... Steve já está irritado por não te achar na esquadra. Vamos logo.

-Ainda não! Tenho que resolver um assunto. - insistiu Paul, seus olhos fixos em mim e em Miguel.

- Ela disse não, Paul!! - Miguel interveio, puxando-me suavemente para trás. Ele encarou Paul, que estava dominado por uma raiva silenciosa, enquanto tudo o que eu desejava era um pouco de paz.

-Depois resolves isso! Vem logo. - disse Kaio, a voz carregada de urgência.

-Kaio!!!!

-Agora, Paul! - insistiu, puxando-o para longe de nós.

Assim que Paul se afastou, senti meus ombros relaxarem, como se o peso de todo aquele confronto tivesse diminuído. A dor daquela situação não desapareceu de uma vez, mas pelo menos agora havia um alívio momentâneo.

-Estás bem agora? - Miguel perguntou, a preocupação evidente em seu olhar.

-Desculpa... - murmurei, sentindo a culpa pesar pelo que tinha acontecido.

- Por tudo isto? Ah, sério, já esqueci. Está tudo bem. Talvez devesse ir lá falar com ele. - disse ele, em tom de brincadeira, tentando aliviar o clima.

-Não! Por favor, isso não. O que eu mais quero é evitar mais brigas.

-E eu quero que não sofras. Vi a forma como olhavas para ele, mesmo quando te chateavas. Tu o amas.

-Nunca mais... - tentei negar, mas a dor nas palavras entregava a verdade.

Não conseguia enganar os sentimentos que ainda tinha por Paul. Era algo que, por mais que tentasse, não desaparecia. Eu estava mentindo para mim mesma e sabia disso.




🍓
Steve
Os últimos tempos estavam difíceis demais na minha vida. Eu fazia de tudo para manter uma boa relação com Sophia, mas essa tentativa parecia mais uma missão impossível, sem um rumo certo ou previsível. Cada dia se tornava mais complicado e desgastante, como se eu estivesse tentando construir algo em um terreno instável e prestes a ruir.

A carga de trabalho pesava sobre meus ombros, assim como o fardo emocional que carregava. Quando entrava na esquadra, era como se precisasse vestir uma armadura e esconder tudo que me afligia. Chorar talvez me aliviasse, mas não podia me dar esse luxo aqui. O ambiente exigia controle e força que, às vezes, eu nem sabia de onde tirar.

E então havia Paul, que parecia agir como uma criança de cinco anos. Ele não parava de me questionar, sempre tentando descobrir o que eu fazia, cada passo que eu dava. Lidar com ele, nesse estado, tornava-se uma provação diária. Sua aversão ao novo chefe só piorava as coisas; ele não aceitava a nova liderança, mas precisava seguir ordens, quer quisesse ou não.

"Esse conflito entre o orgulho e a obrigação o deixava ainda mais irritado e difícil de lidar..."

Tudo estava como um redemoinho girando em alta velocidade. Eu sentia que, a qualquer momento, poderia ser tragada por ele, sem saber onde iria parar.

- Chegamos! Entra agora na sala, Paul! - Kaio disse, empurrando-o para dentro e fechando a porta atrás de si com firmeza. Sua expressão deixava claro que ele estava chateado. -Encontrei-o criando confusões.

Respirei fundo, tentando manter a calma enquanto a tensão aumentava. Paul tinha um talento especial para me tirar do sério.

-Eu não fiz nada demais! - resmungou Paul, jogando-se na cadeira com frustração. -Além do mais, ninguém manda na minha vida.

-O que ele fez desta vez? - perguntei, com um suspiro cansado.

-Eu não fiz nada... - insistiu Paul, mas o tom defensivo só tornava sua situação mais óbvia.

-Ele estava no Starbucks, perto da Universidade. Pelo que entendi, Miguel e Joanna estavam lá, apenas como amigos, e Paul se irritou! - explicou Kaio, cruzando os braços.

Olhei para Paul, que, como sempre, respondeu revirando os olhos, um gesto que dizia mais do que qualquer palavra. Ele podia ser insuportável às vezes, um furacão de emoções descontroladas que sempre deixava todos à sua volta em alerta máximo.

-Podes deixar que eu resolvo este assunto! Obrigado por o trazeres, Kaio. - disse, com um tom de encerramento.

-Ele não precisava! - Paul rebateu, cheio de provocação.

-CALA A BOCA! - gritei, me levantando, incapaz de conter a irritação. Fui até à frente de sua secretária, sentindo o sangue ferver. Paul tinha ultrapassado os limites mais uma vez, e suas atitudes insubordinadas me deixavam cada vez mais inclinado a rebaixá-lo para patrulhar as ruas todos os dias.

-Vais bater-me agora, é? - Paul perguntou com desdém. -Não és minha mãe para me dizer o que fazer... Ah, lembrei! Tu não tens mãe.

O comentário atingiu-me como um soco. A raiva explodiu, e bati os punhos com força na mesa. Paul se assustou e se levantou num impulso, como se finalmente percebesse o estrago das suas palavras.

-Tu vais te comportar, MONT! Ou eu tomarei providências, estamos entendidos?

Ele deu de ombros, desviando o olhar para
a janela com desprezo.

-Não me interessa o que pensas! Só quero que aquele idiota saia do teu lugar. É isso que eu quero. - disse, encarando-me com raiva. -Alejandro não tem capacidades de liderança!

-E o que tu sabes sobre liderança, Paul? Nunca tiveste esse lugar! - rebati, o cansaço evidente na minha voz.

-Vocês vão parar com essa gritaria? - Bruno entrou na sala, visivelmente incomodado. -Por favor, isto não pessoal. Somos profissionais.

-Não vês que estamos a falar? - Paul respondeu, com a fúria habitual.

-CHEGA, PAUL! - explodi. -Se não te comportares como um agente da intervenção deve, a tua carta de rebaixamento para a patrulha estará na tua secretária amanhã.

Paul me mirou com olhos de aço, enquanto o ambiente ficava cada vez mais denso.

-Por favor, pessoal. Não precisamos de mais tensão! Não se resolvem as coisas assim... - Bruno tentou intervir.

-Ótimo! - Paul exclamou com sarcasmo. -Então faz o contrário. Redige a minha carta de despedimento e a deixa com o Bruno. Amanhã eu a assinarei.

As palavras me atingiram com um misto de surpresa e cansaço. Antes de sair da sala, Paul colocou seu distintivo e sua arma sobre a mesa. Ele olhou para mim uma última vez, como se esperasse que eu o impedisse.

Mas, naquele momento, não havia mais nada que eu pudesse fazer. Talvez, afastando-se, ele finalmente entendesse que algumas lições são duras, mas necessárias.

-Tudo bem? -Bruno se aproximou com uma expressão preocupada. -Steve!

-Terei que sair. Avisa ao Alejandro que me tire das férias esta tarde. - falei, sentindo o peso das últimas horas comprimir meu peito.

-Steve! Steve, ei... - Bruno tentou me chamar de volta.

- O que foi, Bruno?! -perguntei, impaciente, parando antes de abrir a porta principal.

-Estamos sem pessoal. Kaio e o Luka não conseguem resolver tudo sozinhos.

Respirei fundo, sentindo a exaustão pulsar. Precisava de um momento para respirar, mesmo sabendo do caos que deixava para trás.

-Olha, eu não sei. O que eu sei é que preciso arejar a cabeça!

-Mas...

-Bruno, estou por dispensa. Até amanhã! - encerrei a conversa, tentando manter alguma compostura.

No fundo, eu sabia que estava à beira do limite. Tudo isso, Paul, o trabalho, as tensões acumuladas estavam a afetar-me mais do que queria admitir. Saí da esquadra e busquei Hércules no veterinário. O pequeno adorava a praia, e vê-lo correr pelas areias de Barcelona seria um alívio para ambos.

Dirigi sem pressa, apenas tentando me desconectar das pressões. Assim que cheguei, soltei Hércules, que imediatamente disparou em direção ao mar, cheio de energia. Observei-o com um leve sorriso, sentindo o vento salgado no rosto.

Por um momento, pude respirar mais livremente. Precisava disso mais do que qualquer coisa, um momento de paz em meio ao caos incessante.

"Paz....apenas queria paz."

Peguei a pequena bola que trazia no bolso e chamei por Hércules, que ainda nadava no mar com alegria. Ele pode ser um cão da polícia, com todo o treino e disciplina que isso exige, mas quando estava fora de serviço, deixava transparecer um lado carinhoso e leal que eu tanto precisava.

Hoje, mais do que nunca, precisava dessa
leveza e dessa companhia incondicional...

Brincamos por horas na praia. Hércules parecia ter uma energia inesgotável, correndo atrás da bola, rolando na areia e abanando o rabo com empolgação. Cada minuto ao lado dele era um respiro de alívio em meio à tempestade dos últimos dias.

Enquanto ele se divertia e se sujava de areia, eu apenas observava, um sorriso sincero finalmente escapando. Sabia que me daria trabalho levá-lo ao PetShop para um banho, mas valeria a pena. Ele amava cada momento, e isso bastava.

Quando a brincadeira terminou, já eram 19 horas e, embora o sol ainda demorasse a se pôr, decidimos voltar para casa. Hércules estava limpo e perfumado depois da visita ao PetShop, com os pelos macios e cheios de brilho.

No carro, ele deitou-se no banco de trás, exausto, mas satisfeito. Sorri ao vê-lo assim, sabendo que ele provavelmente dormiria profundamente ao chegarmos em casa.
Ele merecia esse descanso...

Ao abrir a porta de casa, fui recebido por um aroma maravilhoso que vinha da cozinha, preenchendo o ambiente com um calor acolhedor e inesperado. A visão que me aguardava me surpreendeu.

Esperanza estava brincando com Reed na cadeirinha, e assim que Hércules a viu, correu em sua direção e lambeu todo o seu rosto, cheio de afeto. Não pude evitar sorrir, ele amava Esperanza, e vê-los juntos sempre trazia um pouco de luz para os meus dias.

Depositei minhas coisas no cimo da mesa, tentando assimilar aquela sensação rara de serenidade. E então, uma voz suave e familiar se fez ouvir atrás de mim. -Surpreso em me ver, senhor Portland? - era Sophia.

Virei-me rapidamente. A loira estava ali, em carne e osso, com um sorriso sutil no rosto. Meu coração acelerou. Ela havia regressado a casa.

Por um momento, a confusão de sentimentos tomou conta de mim. Não esperava vê-la tão cedo e, de repente, todas as tensões pareciam ser substituídas por uma mistura de surpresa, alívio e incerteza.

-Sophia... -murmurei, ainda tentando processar sua presença.

Ela estava de volta. E, como sempre, seu retorno trazia tantas perguntas quanto respostas.

-Como!! Como? Isto é um sonho, só pode... - exclamei, incrédulo, tentando entender se aquilo era real.

Ela sorriu suavemente e, com um gesto delicado, acariciou minha face.

-Queres que seja? - perguntou, com um brilho nos olhos. -Eu regressei. Amaste?

Aquelas palavras, simples mas carregadas de significado, fizeram meu peito apertar. E, sem pensar duas vezes, estendi os braços e a abracei com força.

-Ah, loirinha!!! - disse, sentindo uma onda de alívio e felicidade me invadir.

Ela riu suavemente, seu corpo relaxando contra o meu, e por um momento, tudo o que parecia complicado e turbulento no meu mundo desapareceu. Ela estava de volta, e isso era o suficiente para me fazer esquecer de todas as dúvidas e preocupações.

-Então, estamos bem? - perguntei, ainda sentindo a necessidade de ter uma resposta mais clara.

-Se não fizeres mais burrices, quem sabe... - ela respondeu com um tom enigmático, deixando-me mais curioso do que nunca.

Ela se virou e retornou para a cozinha, me deixando sozinho com aquela frase pendurada no ar. Sónia tinha esse poder de me deixar maluco com suas palavras, e eu nunca sabia o que esperar dela, especialmente em momentos como aquele.

Decidi ir até a cozinha e, ao entrar, percebi que ela estava preparando pizza, com as primeiras assadas já sendo aquecidas no forno. Eu sempre amei esses pequenos gestos dela. Era algo simples, mas que me fazia sentir um calor no peito, como se estivesse em casa, protegido por sua presença.

-Então, tudo está bem entre nós? - perguntei, ainda com a curiosidade à flor da pele.

- Talvez... -respondeu, virando-se com um sorriso misterioso.

-Sophia! Sophia!!! - chamei, sem esconder o toque de frustração na voz.

-Sim, bobinho? - ela me encarou com aquele sorriso atrevido. -Sou irresistível, sei disso.

Suspirei fundo, o peso no meu peito aliviando um pouco, mas outro ainda pesava. A situação com Paul, ainda sem solução, me deixava incomodado. Não sabia mais o que fazer para mudar a atitude dele, e isso me atormentava. Começava a ser difícil lidar com tudo ao mesmo tempo.

-Porque não vais tomar um banho enquanto eu adormeço a Esperanza? - sugeriu, tentando mudar de assunto e relaxar um pouco.

-Então, hoje tem? - perguntei, com uma expressão travessa.

-STEVE!! - me repreendeu, mas o sorriso atrevido nos lábios denunciava que, apesar da bronca, ela estava se divertindo. -Por favor, agora não.

Eu sabia que, por mais confuso que fosse tudo, estar ali, naquele momento, com ela e a nossa pequena família, fazia as coisas parecerem um pouco mais fáceis. Mesmo com os desafios à frente, eu me sentia grato por ter Sophia de volta.

As horas passaram e, já sendo mais de uma da manhã, eu tentava, em vão, adormecer. Sophia estava ao meu lado, completamente absorta em seu computador, mexendo freneticamente, olhos fixos numa página sem fim.

-Sophia... - chamei, com um tom suave.

-Sim? - ela respondeu sem tirar os olhos da tela.

Respirei fundo antes de perguntar o que estava me incomodando.

-Então, mais cedo eu perguntei se estava tudo bem entre nós, né? Bom... Está mesmo?

Ela finalmente fechou o computador, me encarando. Sua expressão mudou de distração para atenção, e isso só aumentou minha curiosidade.

-O que tu queres dizer com isso agora? - perguntou, seu olhar agora mais sério. -Sabes que és muito atrevido, não sabes?

-Contigo, sempre! - respondi com um sorriso travesso.

Ela bufou, mas não parecia brava, só divertida.

-Quem sabe amanhã... - disse, voltando a olhar para mim, mas com um toque de mistério na voz.

-Soso! Não!!! - Eu adorava fazer esses mini dramas, só para vê-la reagir.

Ela revirou os olhos, mas eu podia ver a diversão nos seus olhos. Me aproximei um pouco mais e, com um gesto decidido, a deitei na cama. Nossos rostos estavam agora bem próximos, e eu me perdi naquele olhar que me encantava tanto.

A sensação entre nós estava ficando ainda mais intensa, e eu sabia que ela sentia o mesmo. A proximidade, o calor do nosso corpo, a tensão no ar, tudo aquilo estava me deixando ainda mais apaixonado por ela.

-Mas nós temos que resolver? -perguntei, tentando ler o que ela estava pensando, enquanto continuava a encarar aqueles olhos que nunca deixavam de me fascinar.

Ela não respondeu de imediato, mas pude sentir o coração dela acelerando assim como o meu. O tempo parecia suspenso entre nós, o que quer que fosse que ainda precisávamos resolver, naquele momento só existíamos nós dois.

E, num momento para o outro, ela emoldurou suas mãos em meu rosto e, com uma intensidade inesperada, beijou meus lábios. O beijo foi tão cheio de amor, tão profundo, que, por alguns segundos, senti que todos os meus problemas simplesmente haviam dissipado.

"O mundo ao nosso redor desapareceu,
e só existíamos nós dois."

Senti a suavidade dos seus lábios, a doçura e a urgência com que ela me beijava, como se tentasse transmitir todo o carinho que guardava. O cheiro dela invadiu minhas narinas, algo entre o perfume suave e a naturalidade dela, que parecia me envolver ainda mais a cada toque.

Aquele perfume, aquele calor que subia do seu pescoço, me fazia perder qualquer noção de tempo ou de espaço.

Eu sabia que, naquele beijo, estava ali tudo o que eu precisava. Não havia mais dúvidas, não havia mais palavras, apenas a conexão pura e visceral que se formava entre nós. Eu não queria que aquilo acabasse, queria que aquele momento de paz e amor durasse para sempre.

🍓

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