Vol. 14
O grande lobo avançou velozmente sobre a gangue. As pistolas despejaram tiros desesperados. Os poucos disparos que acertaram Uzoh não tiveram o efeito desejado, uma vez que os tais projéteis não tinham prata em sua composição. O líder recebeu um golpe que o arremessou contra as cadeiras do vagão. A investida foi dura o bastante para desacordá-lo. Os demais membros daquele grupo patético tentaram uma dispersão, movidos pelo medo ou por instinto, mas o certo é que Uzoh os esquartejou com suas garras e dentes.
Os tiros cessaram e o grande lobo vendo aqueles corpos dilacerados liberou um grunhido triunfante. Seus olhos pareciam queimar e quando nos encarou, sabíamos que poderia ser o nosso fim.
A garota, que ainda mantinha mistério sobre sua origem, começou a transformar-se enquanto Uzoh saltava em nossa direção. Tentei uma reação que foi contida em um contra-ataque. Assim como o líder da gangue, também fui arremessado. O lupino abria caminho e eu, naquele momento era um estorvo. Ele mataria primeiro a garota.
As dores me consumiam, mas por sorte estava inteiro. Precisava intervir. Os alados vieram em minha direção. Naquela situação deveria ser rápido. Enfrentá-los com uma espada não seria uma escolha inteligente, sendo assim, me projetei em meio ao sacolejar do vagão. O sangue, que encharcava o piso o deixou liso o bastante para deslizar até as armas. Fui até elas e girando o meu corpo pude ficar frente a frente com os alados e descarregar os pentes estourando suas cabeças. Bem mais simples do que manusear uma espada.
Os alados tombaram, amontoando-se sobre os demais corpos. Virei-me imediatamente. Uzoh e a garota travavam um embate. O lobo, de estatura maior tinha uma vantagem, e mais cedo ou mais tarde ele a derrotaria. Fui ao encontro das outras armas. Me ergui e ao tentar alvejá-lo fui impedido pelo encantamento que ainda estava comigo. Meus braços tremiam, uma vez que lutava contra essa magia. Mason passou por mim.
— Ele está morto! — Disse, enquanto dirigia-se em direção ao líder da gangue.
— O que tem isso? — Respondi
Neste momento, Mason, adentrou o corpo inerte e segundos depois seus olhos se abriram. Com um breve esforço, ergueu-se, caminhando em minha direção. O seu andar era descompassado.
— Você não pode atirar nele, mas eu posso! — Falou enquanto tomava a arma de minha mão. — Não estou sob encantamento!
Mason disparou diversas vezes até descarregar o pente. O cano da pistola estava fumegante enquanto o lupino, ferido virava-se. Uzoh incrédulo não percebeu quando a espada abriu caminho através de seu pescoço. A cabeça do grande lobo rolou, parando a poucos centímetros de mim.
A garota recuou, cambaleando. Enquanto sua aparência regredia ao estado de antes, corri para ajudá-la.
— Seu amigo foi muito perspicaz. — Ela sorriu ofegante.
Tudo aconteceu muito rápido, o tempo de o metrô ir de uma estação para outra. O vagão estava destruído e não poderíamos deixa-lo pelas portas como se nada tivesse acontecido. Fiz uma breve revista, recolhendo novos pentes carregados. Saímos pela parte de cima adentrando os túneis úmidos e escuros do subterrâneo de Parallel.
Enquanto caminhávamos pelas galerias mal iluminadas, Mason ainda se acostumava com o corpo do líder da gangue. Não conseguia andar direito. O corpo estava comprometido.
— Tudo bem? — Perguntei.
— Não muito, este corpo é esquisito. Estou sentindo as dores dos ferimentos. Vou ter que descartá-lo. — Falou enquanto desencarnava. Mais cedo ou mais tarde, encontrariam esse corpo nos túneis e certamente perguntariam como ele havia deixado a cena do crime.
A garota caminhava ao meu lado. Seu silêncio começou a me incomodar. Não sabíamos nada a respeito dele e pelas evidências, passei a fazer algumas conexões.
Subitamente a encostei contra a parede.
— Chega de mistérios! — Falei enquanto o cano da arma estava entre os seus olhos.
— Essas armas são inúteis contra mim. — Falou com serenidade.
— Não me importa! Esta belezinha pode não te matar, mas vai fazer um estrago bonito em seu rostinho pálido!
Mason mantinha-se à distância.
— Quem é você afinal?
Com um movimento imperceptível aos meus olhos, a garota esquivou-se do cano da arma, tirou a pistola de minhas mãos e a apontou em direção a minha cabeça. A situação manteve-se assim por alguns instantes.
— Atira! — Pedi. — Acaba logo com isso! Estou farto de tudo isso!
— Não... — Respondeu após um breve suspense.
A garota retirou a arma de minha testa e a devolveu para mim, como se nada tivesse acontecido.
— Desde o nosso encontro no metrô, passei a seguir você. O que começou aleatoriamente, ganhou proporções além do que imaginava. O seu envolvimento com tudo isso, a libertação de Vishal e o cárcere do meu pai.
— Espere um pouco, você é filha...
— Sim, Kalisto é o meu pai, ou criador, como queira... — Falou enquanto eu e Mason nos entreolhávamos.
— Fui elevada à categoria de filha. Ele me transformou nisso que sou. Seu amor por mim o impediu de se alimentar unicamente. Ele me queria a seu lado e assim aconteceu. Com o tempo, passei a gostar do que me tornei.
— Eu te entendo. — Disse Mason enquanto flutuava. — Mas qual o seu nome? Imagino que tenha um nome. — Perguntou aproveitando a chance.
— Damra. — Falou com um sorriso tímido — Preciso de sua ajuda Rick. Preciso libertar o meu pai, assim como você deseja libertar o seu.
— Como você?...
— Posso ler pensamentos também. Desde o cemitério é só isso que você tem em mente.
— Ela está certa Rick. Além do mais, precisamos fazer alguma coisa, senão ficaremos fugindo para sempre! — Interviu Mason.
O silêncio nos abraçou naquele momento. O que poderíamos fazer contra todos aqueles lobos ensandecidos?
— Venha Rick, preciso lhe mostrar algo. — Falou enquanto estendia sua mão.
Deixamos os limites do subterrâneo e chegamos ao que parecia um bairro residencial.
— Por que me trouxe aqui?
— Quero que veja aquela casa ali. Damra me indicou.
Ficamos alguns minutos observando a casa. Havia movimentação em seu interior, dava para ver as silhuetas através das janelas. Subitamente a porta da casa foi aberta. Uma jovem foi ao jardim. Fui tomado pela alegria.
Agatha
— Espero que ela te traga mais uma centelha de esperança Rick.
— Foi você... que a tirou de mim...
— Sim, a resgatei naquele momento. Por mais que eu tenha me adaptado a esta realidade, nunca tive o poder de escolha. Ela tem uma vida inteira pela frente, para tomar decisões e fazer escolhas.
— Obrigado... Mas não tenho como entrar na Cidade Escarlate, libertar o seu pai ou o meu. Sou apenas um humano e além disso, existe um encantamento que me impede de tomar qualquer iniciativa contra eles. — A alegria havia se esvaído, restando a resignação.
— Existe uma forma de acabar com o feitiço.
— Que forma?
— Depende até onde você iria para libertar o seu pai.
— Eu iria até o inferno! — Concluí, fazendo minha escolha.
A filha de Kalisto me olhava profundamente. Seu olhar me entorpecia, mais parecendo uma hipnose. Ela deslizou sua mão sobre o meu rosto, o toque era suave até chegar ao meu pescoço. Sem reagir, coloquei minha cabeça de lado enquanto ela rasgava minha pele com seus caninhos pontiagudos. Dava para sentir o fluxo de sangue sendo consumido por ela. A dor foi substituída por um prazer inexplicável, transformando aquele momento tétrico em uma comunhão.
Damra abriu o seu próprio pulso e me ofereceu. Ainda atordoado, comecei a sugar o seu sangue. A sede havia tomado o meu corpo e com bastante intensidade sorvia o seu líquido espesso.
Nossos olhares se cruzaram e naquele momento éramos um só.
— O que acontecerá agora? — Balbuciei.
— Você morrerá.
Bạn đang đọc truyện trên: AzTruyen.Top