Vol. 12


Sirenes enfurecidas me despertaram de um profundo entorpecimento. Meus olhos fatigados mal conseguiram abrir para ver o que estava diante do meu nariz. Fui tomado por uma forte sequência de tosses que arderam meus pulmões. As dores dominavam o meu corpo a ponto de me manter imóvel por um tempo que não soube mensurar. Meus olhos curiosos iam de um lado para o outro, tentando entender onde estava, ao mesmo tempo em que o mal cheiro queimava minhas narinas, potencializando minhas náuseas.

Passei a mover os membros, ainda de maneira lenta. Já conseguia suportar a dor e cheguei a imaginar que havia levado uma baita surra de alguns vagabundos na rua. A tontura me impedia de me erguer e com mais uma onda de tosses profundas, vomitei. Coloquei tudo para fora, uma mistura de muco, saliva e sangue.

Havia ficado de pé, mas a tontura me fez cambalear e beijar o chão. O tombo me presenteou com um pequeno corte no lábio. Meu corpo não reagia muito bem aos meus desejos e decidi permanecer no chão por mais algum tempo. Gotas de chuva remexiam a pequena poça d'água suja bem na minha frente. Naquele instante, constatei que estava em Parallel.

O calor e os vapores intensos da Cidade Escarlate eram desejados por aqui em forma de chuva. Por isso esta cidade tem índices pluviométricos acima do normal.

A chuva começou a ficar mais intensa, o que no final das contas ajudou a minimizar a tontura. Estava precisando de uma ducha. Na falta de um banho quente em um banheiro descente, uma chuva em um beco imundo poderia quebrar o meu galho.

Alguém havia se aproximado, estendendo o braço para me ajudar. Acabei aceitando a ajuda do estranho e ao ficarmos frente a frente, constatei que se tratava de uma figura conhecida.

"Mason"

Mesmo sem entender mais nada, caminhamos brevemente até nos protegermos da chuva que depois de uma breve pancada começou a dar sinais de enfraquecimento. Uma garoa se formou.

— Sente-se um pouco — Sugeriu Mason.

— Preciso de um cigarro... — Retruquei, tateando minha roupa tentando encontrar nem que fosse uma bituca.

— Cigarro pode matar você!

— Olha quem fala... — Conclui em meio as tosses.

Coloquei a mão na cabeça, encostando-me na parede. A tontura ia e voltava.

— Você passou por uma experiência transcendental e dramática. Acho que só aguentou por ser você, outro teria sucumbido. — Falou o espírito de Mason.

— O que você faz por aqui garoto?

— Estou aqui para te contar algo importante. — Falou enquanto olhava para os lados — Não sei quanto tempo poderei permanecer oculto, por isso serei breve.

— Desembucha garoto!

— Seu pai Rick...

— Meu pai? O que tem ele?

— Ele não está morto!

— O quê?! — Meus olhos demonstraram perplexidade. — Você está maluco? Fui ao enterro dele, vi o caixão ser enterrado! — Aquela informação realmente havia me tirado do rumo. Havia inclusive me esquecido das dores.

— Sei que deve ser algo improvável, mas...

— Não me venha falar do improvável! O que mais tenho visto nos últimos meses é o improvável!

— Ele está na Cidade Escarlate. — Mason aproveitou a pequena pausa para completar a frase.

— Não pode ser! — Reagi.

— Estive com ele Rick. Ele está preso, assim como eu também estava.

— Se estava preso, como conseguiu sair da Cidade?

— Consegui fugir. Todos estavam envolvidos na libertação de Vishal o que facilitou as coisas para mim. A esta altura, minha ausência foi sentida. Certamente virão atrás de mim... e de você.

— Por que não me contou isso antes, quando estive na Cidade Escarlate?

— Não seria a melhor opção. Eles precisavam de um rosto conhecido no momento que você despertou por lá. Por outro lado, eles possuem mecanismos bem eficientes de convencimento. Eu estou morto, mas tenho amigos e familiares ainda vivos. Não desejo o mesmo fim para eles. Você precisa acreditar em mim Rick. — Mason mantinha um olhar lastimoso.

— Acreditarei, depois que exumar o corpo do meu pai! Falei de forma contundente.

Parallel possuía oficialmente um grande cemitério, localizado na parte leste da cidade. Digo "oficial" porque ao longo dos anos como policial, me deparei com inúmeros cemitérios clandestinos, e nestes locais, você encontra de tudo um pouco.

A chuva havia perdido sua força, tornando-se uma garoa constante. As nuvens escondiam o sol, deixando a cidade com cara de fim de tarde. Hoje não era dia de visitação, sendo assim, precisaríamos entrar no cemitério de forma ilegal. Na altura do campeonato isso seria o menor dos problemas.

Nos deparamos com muro de pelo menos uns cinco metros de altura. Mason mantinha em seu rosto um sorriso de garoto.

— O que foi?

— O muro.

— Precisamos pular — Falei.

— Você, talvez.

— Como assim?

— Se esqueceu que estou morto? Os limites físicos não existem mais para mim. — Neste momento Mason cruzou o muro, transpondo a matéria.

— Você está se divertindo com isso...

— Claro que sim! — A cabeça de Mason apareceu subitamente esboçando um sorriso aberto. — Vá para o portão! — Pediu.

O portão não era gradeado, o que dificultava o acesso via escalada. Um pequeno baque e o portão abriu.

— Como você fez isso?

— Posso tocar nos objetos, mas não os segurar por muito tempo. Precisamos fazer isso logo para não despertar a atenção dos vigias.

Antes de entrar no cemitério, vi se o caminho estava realmente limpo, felizmente, tudo estava calmo, até demais.

Adentramos os limites da necrópole, através de seus corredores, cercados por lápides e mausoléus. Estruturas de diferentes tamanhos e idades, algumas datavam do século passado e outras com mais de duzentos anos, denunciando que Parallel era uma cidade com fundações seculares.

Mason caminhava ao meu lado. Não havia me acostumado com sua aparência translúcida. Dava para ver através de seu espectro e o mais intrigante é que através dele eu podia enxergar o que se encontrava oculto aos meus olhos mortais. Aquele cemitério estava lotado de almas, caminhando. A verdade é que não estávamos sozinhos naquele local, mas, cercados de uma centena de entidades, provavelmente tendo que viver sua eternidade ou parte dela presas aos seus jazigos.

Fiquei hipnotizado com aquela visão. Mason percebera a minha distração.

— Muito louco, não? — Disparou com ar risonho.

— Nem me fale!

— Estou captando uma energia diferente — Falou.

— São os lupinos?

— Não, outra coisa, e está se aproximando.

O local onde meu pai foi enterrado apresentou-se à nossa frente. Depois que o meu pai se foi, passei um tempo vindo aqui, para conversar com ele, mas com o passar dos anos, deixei de vir. Cansei de conversar sozinho. A melhor forma de estar perto dele era seguir os seus passos, e acabei entrando para a polícia.

Thomas Grave

Uma ironia e tanto. A lápide era simples e o tempo fez o favor de deixar o nome gasto a ponto de quase não ser lido. Passando a ser mais uma mera lembrança.

— Vou abrir! — Falei.

— Não precisa, vai perder o seu tempo! — Mason rebateu.

— Preciso ver com os meus próprios olhos.

— Tá bom... Vou ficar vigiando. Nem preciso me esconder para isso, já estou invisível mesmo.

— Você era mais sério quando estava vivo. — Falei enquanto fazia esforço para mover a tampa da sepultura.

Alguns minutos depois a tampa de cimento cedeu partindo-se em três partes ao tocar o chão. Apesar do barulho, ninguém apareceu. O cemitério era grande e não dispunha de um número grande de vigias.

Destravei a tampa do caixão e um forte odor subiu, impregnando minhas narinas. Ao abrir a tampa meus olhos se surpreenderam com o que havia em seu interior. Os restos mortais do meu pai não estavam ali, mas a ossada de um cachorro.

— Que merda é essa?! — Exclamei.

Neste momento Mason aproximou-se com uma expressão de assombro.

— Rick! Precisamos ir agora! Consegui decifrar a energia do que se aproxima de nós! Eles chegaram!

— Eles quem?

— Os Alados

Um forte cheiro de enxofre tomou aquele local e em meio a escuridão eles apareceram. à primeira vista pareciam humanos, mas sua pele ligeiramente avermelhada e suas asas de um negro reluzente mostravam que eles vieram da Cidade Escarlate. Estavam munidos de espadas e outros objetos cortantes. Vieram decididos a ceifar nossas vidas.

— Vocês foram sentenciados! — Vociferou.

A criatura expandiu suas asas e saltou sobre nós, elevando sua espada. Apesar de pouca luz, a lâmina de sua espada reluzia. Como que por instinto, levei a mão à cintura a procura da minha pistola, em vão.

Como desejei que ela estivesse comigo.

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