Vol. 10

A parca luminosidade dificultava a visão. Meus passos arrastados me conduziam por uma câmara, que em alguns instantes parecia ampla e em outros, estreita. Aquele local me causava uma certa vertigem. Sem uma corrente de ar para minimizar o calor, o suor escorria pela minha pele como uma torneira mal fechada.

Meus ouvidos eram inundados por ruídos, que mais pareciam lamentos. Reverberações aterrorizantes que gelavam minha alma.

As paredes brilhavam devido ao muco que escorria. Os casulos se inflavam levemente enquanto sustentavam as pessoas em seu interior. Tudo aquilo parecia um organismo vivo, com o seu ritmo próprio.

Tentava me manter furtivo, cadenciando os passos. Qualquer deslize poderia ser fatal, estava em um território insólito e atrair a atenção não seria algo inteligente. Alguns casulos estavam perto demais e ao cruzá-los, espiava o seu interior. As vítimas eram mantidas em um estado de animação. Seus semblantes, serenos, não remetiam a situação em que se encontravam. Mais cedo ou mais tarde seriam despertadas e seu destino selado. A morte estava à espreita. Como algo tão grandioso poderia coexistir nesta cidade? Quantos outros mistérios soturnos Parallel guardaria?

A energia que emanava dentro de mim aumentava, dando a entender que estava no caminho certo. Vishal não devia estar longe. A câmara possuía alguns corredores, que mais pareciam túneis. Procurei me acobertar, usando os casulos como proteção. Duas criaturas adentraram a câmara se aproximando de alguns invólucros. Eles portavam instrumentos pontiagudos que serviram para romper a grossa membrana que ao ser comprometida expeliu um líquido viscoso juntamente com o indivíduo de seu interior.

Ainda em estado letárgico, o humano, assim como outros, foi conduzido para outro local. Os casulos, naturalmente murcharam até o seu ressecamento.

Esperei um pouco para me certificar que poderia deixar o meu esconderijo e prosseguir. Meu coração palpitava velozmente. Fiz menção em me erguer, mas uma outra criatura adentrou a câmara. Utilizando a ferramenta pontiaguda, abriu um talho no invólucro que não resistindo ao golpe desferido, cuspiu a vítima. O corpo era de uma mulher, ou melhor, uma garota. Não acreditei no que meus olhos viram.

A mesma força que me empurrava em direção a Vishal, era duramente combatida pelo meu senso de dever. Mesmo cercado por casulos, repletos de vítimas que morreriam em breve, meus olhos viram aquela garota. Não posso deixar que ela conheça a morte.

Respirei fundo e com minha faca em punho, me aproximei furtivamente. Neste meio tempo a criatura pegou a vítima, desacordada e a colocou nos ombros. Pequenos instantes me separavam de uma investida. Com um passo mais afoito avancei pela retaguarda da criatura que olhando de ombros tentou se defender. Instintivamente largou a garota. A lâmina de minha faca perfurou o pescoço da besta. Ela caiu emitindo um grito agudo, uma mistura de dor e chamado. Repetindo o golpe sucessivas vezes, vi a criatura silenciar-se diante de mim.

Uma brisa percorreu os corredores daquele lugar. Um vento gélido, oculto até aquele momento denunciava que algo havia mudado. Urros ecoaram chegando aos meus ouvidos. Mais cedo ou mais tarde eles chegariam. A garota ainda desacordada foi colocada agora em meus ombros. Mesmo com um peso extra minha consciência me dizia que estava fazendo a coisa certa. Corri em sentido contrário a origem dos sons. Precisava fugir e salvar aquela garota.

Deixei os veios principais me aventurando pelos corredores estreitos e de pouquíssima luz. Não dava para ver muita coisa. Sem ao menos saber onde meus pés estavam pisando o chão inexistente me fez cair, como se estivesse em um grande escorrega. Havia perdido a garota momentaneamente. Depois da queda o impacto. Segundos depois a garota projetou-se, caindo por perto. A puxei para perto de mim e um pequeno gemido foi emitido. Ela estava despertando. Demoraria um pouco para ela ficar totalmente lúcida. Não sei por quanto tempo ficou desacordada.

O que mais me chamava a atenção naquele espaço desconhecido não era a falta de visibilidade, mas o forte cheiro, um odor familiar, a exalação da morte.

Tateei os bolsos e felizmente meu Zippo ainda estava comigo. Girei o eixo do isqueiro para baixo trazendo à tona a sua chama. Aproximei com cautela o raio de luz para perto de chão, surgindo aos meus olhos uma pilha de corpos, em diversos estados de decomposição.

Deslizei no ar o isqueiro até encontrar um corpo bastante decomposto. Seus ossos estavam a mostra. Peguei um dos fêmures e improvisei uma tocha com restos de tecido. O meu isqueiro voltou para o meu bolso.

Com uma chama mais robusta pude ver com mais exatidão aquele espaço. Estávamos em uma espécie de lixão. Era aqui que os corpos, depois de consumidos vinham parar. Aquele odor estava começando a me deixar tonto. Meu estado não me permitiu ver a garota voltando à razão, ainda tentando erguer-se vomitou fortemente uma grande quantidade do muco que estava acumulada em seu corpo. Ela olhou para mim, atordoada. Ainda não conseguia falar.

— Calma, pode confiar em mim... — Disparei lutando contra a náusea.

Ajudei a menina a se levantar. Ela ficou de pé, com dificuldade apoiou-se em mim. Seus olhos distantes denunciavam que ela ainda não estava bem de saúde.

— On-de es-tou? — A menina falou, gaguejando.

Seus olhos escaneavam o local, tentando entender onde estava. Certamente suas últimas lembranças eram os momentos antes de seu sequestro. Demoraria um pouco para ela voltar a lucidez.

Precisava encontrar uma saída deste local fétido. Mesmo convivendo com a morte constantemente, minha cabeça começava a girar. O odor era muito forte o que causava desconforto.

Sons ecoavam através dos corredores e dutos e despencavam até o local em que estávamos.

Eles estão chegando...

Levantei a tocha o mais alto que pude e andando por cima dos corpos tentava aumentar o raio da luz para encontrar uma saída. Para a minha surpresa esta câmara possuía diversos dutos por onde os corpos eram jogados, o que me dava alguma perspectiva de deixar o local.

Um dos dutos ficava um pouco acima de nós. Me aproximei do local e com a luz observei o seu interior. Aparentemente tudo estava ok. Fui até a menina, o seu rosto estava mais corado, sinal de melhora.

— Qual o seu nome? — Perguntei enquanto olhava ao redor para me certificar de nossa segurança.

— Agatha... — Respondeu ainda reticente. Suas memórias ainda estavam confusas.

— Certo Agatha. Precisamos sair daqui. Temos que subir por aquele duto, você acha que consegue?

— Sim... eu acho...

Consenti com a cabeça e estendi minha mão para que ela pudesse segurar. Neste momento sentimos um deslocamento diferente no ar. Havia movimento por perto. Nos agachamos instintivamente. Alguns corpos surgiram através dos dutos, colidindo com o amontoado já existente. Antes de qualquer iniciativa um grande urro foi emitido. Levantei o olhar e algumas criaturas surgiram. Teríamos que fugir imediatamente.

— Fuja! Entre no duto agora! — Gritei enquanto mantinha a faca em riste.

A primeira criatura saltou sobre mim. Enfiei a tocha em sua boca, o sanguessuga retrocedeu, contorcendo-se de dor sobre a pilha de corpos. Seu rosto ardia em chamas enquanto gritava em desespero. A flama quase apagou, o que seria um desastre em uma hora dessas.

Olhei mais uma vez para a menina que já estava com meio corpo para dentro do duto. Minha distração fez uma das criaturas me derrubar no chão. Acabei largando a tocha que a poucos metros começou a expandir sua chama. As roupas dos defuntos começaram a crepitar, o que acabou sendo útil, a luz mais intensa me mostrou todo aquele espaço com mais nitidez, me deixando mais confortável para o embate.

Enfiei a faca de baixo para cima, abrindo caminho até sua ponta se apresentar do lado de cima da cabeça. Retirei a lâmina, joguei o corpo inerte no fogo. A esta altura Agatha já estava dentro do duto. A pequena chama já havia se tornado uma labareda. O cheio de carne queimada impregnava o ambiente e o paredão incandescente acabou segurando as bestas do outro lado. Aproveitei para entrar no duto e seguir a menina que se encontrava a poucos metros de mim.

Os gritos ainda eram audíveis e temia que o fogo não segurasse a turba.

Consegui alcançar a menina que olhando para trás e percebendo minha presença esboçou um discreto sorriso.

— Não pare!

Agatha imprimiu um ritmo mais forte, que aos poucos foi dando lugar a fadiga. Ela estava debilitada devido ao confinamento. Paramos em uma bifurcação. Havia uma pequena luminosidade que percorria os corredores, o que permitia uma breve visualização de nossos rostos. Deveríamos ir ao encontro da luz, lá deve ser a saída, pelo menos para uma câmara maior.

Precisávamos nos apressar, os urros ficaram mais intensos e as criaturas estavam em nosso encalço mais uma vez. Pelas paredes esponjosas brotaram braços que tentavam nos agarrar. Enquanto avançávamos os feria com a lâmina, o que provocava o recolhimento dos membros.

A qualquer momento aquelas paredes se romperiam. Tentei manter um certo ritmo, dilacerando alguns braços, o que me deixou um pouco para trás. O duto acabou se expandindo o que permitiu que pudéssemos andar, com uma certa curvatura, mas era melhor do que nada. O futum havia ficado para trás, o que também ajudou a respirar melhor.

Prosseguíamos sem grandes arroubos até que subitamente Agatha foi segura por dois braços que surgiram através das paredes e prontamente puxada. A menina fora tragada até desaparecer de minha vista. Avancei rapidamente, mas a parede voltou a sua forma. Meu lamento foi contido. Não poderia gritar ou manifestar-me de forma mais inflamada. Não poderia chamar atenção.

Fiquei por ali alguns minutos. Não me restava mais nada a não ser continuar. Aquela menina simbolizava um naco de esperança no meio de tamanha dor.

Consegui deixar aquele duto. Este novo espaço não era diferente dos demais, estava repleto de casulos. A energia de Vishal voltou a pulsar e desta vez com mais intensidade. Ele estava muito perto. Caminhei na direção que a energia estava até me deparar com uma grande estrutura viva, com enormes tubos que pulsavam, jogando para dentro do casulo o muco que mantinha as vítimas vivas, em estado de animação suspensa.

Me aproximei, vislumbrando o interior do invólucro, um homem, de aparência jovial. Estava estático, de olhos fechados. Estendi a mão tocando de leve os dedos no casulo. Neste momento o corpo se mexeu e pequenas bolhas de ar emergiram de suas narinas. Realmente havia uma troca de energia entre nós. Ele poderia não saber, mas o seu corpo reagia a esta mana que vagueava naquele momento.

Não poderia perder tempo. Olhei rapidamente sobre os ombros e nenhuma presença. Comecei a dilacerar os tubos, que esborravam o muco. Os tubos eram grossos, o que me fez perder algum tempo tentando cortá-los. A cada investida o nível de mucosidade dentro do casulo ia regredindo, deixando Vishal exposto. Até aquele momento não havia reação alguma por parte dele.

Urros voltaram a percorrer o ar. Precisava ser rápido. Enquanto rompia os ligamentos que mantinham Vishal alimentado as paredes daquela câmara rompiam-se e através dela muitas criaturas saltavam. Uma delas investiu jogando-me contra o casulo. Estávamos muito perto do filho de Hanna, que se movia discretamente. Tentei me desvencilhar, mas a criatura tentava me morder a todo o custo. Deslizei minha faca em sua garganta, fazendo-a tombar diante de mim. Em um ato de desespero cravei a faca no invólucro, descendo a lâmina e abrindo uma fenda. Parte do muco restante desceu por ela, deixando Vishal a mostra. Parei por alguns segundos até ser puxado pelos mortos-vivos. Enquanto tentava me livrar era arrastado.

Em minha mente, ecoava a voz enfática de Hanna:

Sobreviva!

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