CAPÍTULO 02

Perséfone Angelle


Dawson parecia querer se esfaquear.

E Perséfone queria chorar como um bebê.

O loiro a encarava com tanta indignação em sua face que quase a fez se enfiar nos armários da casa apenas para não vê-lo a olhar com tanto desgosto. Ser olhada com desgosto era comum para Perséfone, mas ser olhada com desgostoso por Dawson era sem dúvidas a pior coisa que poderia acontecer em sua vida.

— Desculpa… — Perséfone sussurrou se encolhendo — Eu…

— Você queimou a água — ele apontou — Água.

A garota ergueu a tampa da panela contra seu próprio corpo, temendo que Dawson jogasse a panela em sua cabeça.

— Relaxa, Barbie — Jaz abanou a mão — Eu sou o responsável por ensinar ela a cozinhar, não precisa encarar ela assim.

Dawson respirou fundo e apertou a fonte dos olhos.

— Bom, vamos lá — falou e bateu as mãos em uma palma alta que assustou a garota em frente a ele — Eu vou te falar um pouco sobre o seu marido, especificamente sobre o que ele gosta de comer e você irá tentar cozinhar tudo com a ajuda do Jaz. Estendeu?

— Sim.

— Ele é uma pessoa extremamente saudável — Jaz contou — Então raramente vai ter algum fast food por aqui, inclusive, ele tem uma pequena horta no jardim e são raros os produtos industrializados nos armários.

— O Nick até precisou impedir ele de comprar vacas e galinhas — Priscilla ergueu a mão e apontou para o rapaz ao seu lado — Se bem que ele nunca iria conseguir matar uma galinha, ele iria criá-la como bichinho de estimação.

— Coloque o avental,  amarre os cabelos e lave as mãos — Jaz a instruiu, entregando o necessário para ela — Durante o café da manhã ele costuma comer um sanduíche; o sanduíche contém patê de frango, cenoura e beterraba ralada, alface, tomate cortados em rodelas finas. Depois ele come ovos mexidos, mas eles não podem estar secos e precisam ser mexidos junto de pedaços de tomates, temperados com sal e orégano apenas. — explicou, vendo a garota o olhar com uma expressão levemente assustada — e ele gosta de suco de morango natural com duas folhas de rosas.

O cérebro de Perséfone trabalhou lentamente para compreender as palavras do rapaz e ela travou alguns segundos após escutar “duas folhas de rosas”. Nunca em sua vida ela ouviu falar de folhas de rosas no suco, mas não contestou, apenas encarou os materiais separados na enorme bancada da cozinha.

— Certo… — ela respirou fundo — O que eu faço agora?

— Pelo patê — Jaz respondeu com um tom baixo e solidário — Eu já deixei o frango desfiado para você.

Perséfone segurou a vasilha de vidro com o frango e olhou para ele completamente perdida.

— É um patê muito simples — ele sorriu — Coloca maionese, um pouco de salsinha, orégano e mistura.

Ela olhou para a bancada e com muito cuidado jogou a maionese dentro da vasilha, aliviada por não ter deixado o conteúdo cair no chão.

— Agora a salsinha.

— Okay… — ela olhou em volta e franziu a testa — O que é salsinha?

Ela ergueu o olhar para os outros da sala e os viu observando-a com indignação. O único que não a olhou assim foi Jaz, ele apenas riu baixinho e estendeu o pote minúsculo para ela.

— Isso aqui.

— Obrigada.

Com os dedos trêmulos, ela jogou o tempero verde dentro do pote e olhou para o “professor” em pedido de ajuda. Jaz estendeu para ela cada um dos temperos necessários e a instruiu a mexer o frango. Os passos seguintes foram a tortura de Perséfone. Ao tentar ralar a cenoura e a beterraba, ela cortou dois de seus dedos e ao tentar cortar o sanduíche, fez com que o tomate voasse em direção ao rosto de Anthony e a tábua caísse no chão.

— Aí! — ela gritou e se afastou — PardonPardon… — pediu em desespero e se ajoelhou no chão pegando o que tinha deixado cair — Pardonne-moi s'il te plaît…

Anthony pegou o tomate após limpar o rosto e o mordeu, mastigando lentamente, ele ergueu o dedo polegar para ela com um sorriso de lado enquanto mastigava a fruta em sua boca. Jaz riu baixinho e se ajoelhou com um pano em mãos para limpar o que havia sido sujo.

— Está tudo bem, Rose — ele a acalmou — Tenho certeza de que você nunca cozinhou na sua vida, então pode ficar tranquila, acidentes acontecem.

Désolé… — sussurrou para ele, colocando a faca em cima da tábua e suspirando com as mãos no rosto — Eu sou um desastre.

— A Priscilla é pior quando vai cozinhar, relaxa — Anthony riu — Uma vez ela explodiu o fogão da casa do Dawson tentando assar uma lasanha congelada.

— Ei!

— Ah, então foi você? — Dawson virou-se em direção a ela — Está me devendo um fogão novo.

Jaz se pôs ao lado de Perséfone e a instruiu em fazer o sanduíche com cuidado, ajudando-a toda vez que alguma coisa saia errado, como da vez em que a garota conseguiu fazer um dos ovos saltar para fora da frigideira e cair na perna de Nick Diamond. Ela agradeceu pela paciência de Jaz a cada minuto em que era auxiliada.

— A tampa! — Priscilla berrou quando Rose ligou o liquidificador sem a tampa — Misericórdia!

Uma explosão de suco tomou a cozinha fazendo eles se assustarem.

— Oh… Pardon…

Jaz limpou o rosto com um pano e riu.

— Tente de novo.

Ao total demorou 1 hora inteira para que tudo ficasse pronto e o resultado foi uma cozinha completamente bagunçada e imunda. Mas pelo menos estava tudo pronto.

— Isso deve estar horrível — Rose murmurou baixinho.

— Não parece tão ruim — Jaz deu de ombros e pegou um pedaço do sanduíche, mordendo-o, em seguida provando os ovos mexidos e um gole do suco — Eh… não está tão ruim.

— Ai que horror! — Priscilla tossiu ao tomar um gole do suco — Que veneno é esse?

— Ignora ela — Jaz pediu — O suco ficou azedo demais e com muito gosto de perfume, o sanduíche está bom e os ovos queimaram um pouco. Mas não é como se alguém fosse vomitar comendo isso.

A garota assentiu enquanto limpava o rosto e encarou a cozinha toda suja com decepção.

— Eu limpo tudo isso — suspirou — pelo menos limpeza é algo que eu sei fazer bem.

— Ótimo, depois passe no escritório — Dawson falou colocando as mãos nos bolsos — Eu preciso falar com você.

— Uhum.

— Vou preparar o tatame — Priscilla avisou e acenou para ela — Até mais, princesa!

— Nick, você tem que ensinar ela a tocar piano, não é?

— Só durante as sexta-feiras — Nick respondeu com a voz tão baixa que Perséfone mal pôde ouvir.

Todos se retiraram da cozinha deixando apenas ela e Jaz no cômodo. Ele cantou baixinho enquanto lavava a louça e ela esfregava o chão. Jace Rodrigues parecia ser alguém leve, ele não demonstrava irritação ou decepção com ela. O rapaz tinha várias tatuagens pelo corpo, cabelo raspado e tingido de loiro, usava roupas leves e muitas vezes ela já o ouviu cantando músicas de AC/DC enquanto fazia alguma coisa que o distraía.

— Hm… Jaz? — o chamou baixinho e ele acenou como um incentivo para ela continuar — Como ele é?

— Ahn?

— Sabe… — ela deu de ombros — O cara com quem eu me casei. Como ele é?

— O Hades? — Jaz riu e pareceu pensar — Bom, ele é legal.

— Ah…

A garota bufou, encostando-se no chão e encarando a mesa. Ela segurou o cabo do esfregão com força em sua mão sentindo-se completamente desolada. Havia prometido para si mesma se tornar uma Armand perfeita, mas temia profundamente não conseguir e ainda tinha o fato de nem ao menos saber quem era seu próprio marido. Não haviam fotos dele na mídia e nem pela casa; e ela também não tinha idéia de onde ele estava naquele momento.

Jaz fechou a torneira e secou as mãos ao notar o silêncio anormal da mais nova. Ele a olhou notando como ela estava completamente preocupada e tentou encontrar algo para confortá-la.

— Ele é calado — contou. — Normalmente ele sempre se mantém em silêncio e você mal pode notar a presença dele em alguns momentos. O Hades é filho único, mas nem sempre foi mimado durante a infância, ele passou por alguns traumas, eu acredito. Um deles foi ter pedido a avó paterna quando tinha quatro anos, os dois eram muito apegados — ele forçou um sorriso — Ele também não tem uma boa relação com alguns primos dele, sabe, erros da adolescência. Mas você irá entender tudo quando for a hora.

— E o que ele gosta de fazer?

— Ele gosta de jardinagem, gosta de costurar, desenhar, fotografar e cozinhar — Jaz respondeu — Você deu sorte, ele tem muitas funções, inclusive saber carpintaria.

A garota soltou um sorriso fraco e assentiu.

— Ele é católico, bom, na verdade não muito — Jaz esfregou o queixo — Foi batizado na Igreja Católica, mas hoje em dia eu diria que ele é agnóstico. E ele também gosta de música, toca três instrumentos e se você perguntar sobre a música favorita dele, com certeza ele vai dizer que é War Machine do AC/DC.

Jaz se abaixou e olhou ao redor, sussurrando:

Mas na verdade a música favorita dele é Strong da One Direction.

Rose cobriu a boca e soltou uma risadinha. O pouco que ela se lembrava do seu marido era de um homem extremamente alto, forte e com muitas tatuagens, além de ter sentido algo no pênis dele que parecia muito com um piercing. Ela não se lembrava do rosto, mas tinha certeza que ele não parecia o tipo de cara que escutava One Direction.

— Pode ficar tranquila — Jaz sorriu para ela novamente, um sorriso extremamente acolhedor — Hades é uma pessoa muito boa, ele faria de tudo por você e jamais te machucaria.

Mais aliviada, ela assentiu e respirou fundo voltando para a limpeza da cozinha que havia quase sido destruída.

𑁍

Dawson parecia prestes a explodir somente de olhar para o computador. O homem parecia estar sempre tenso e sob pressão, mexendo constantemente no celular, procurando por alguma mensagem ou respondendo alguém.

— Perséfone…

— Rose.

— Rose, eu preciso que você me responda algumas coisas — ele falou — Seu marido precisa saber tudo sobre você, desde a cor de calcinha que você usa até o comprimento do último fio do seu cabelo.

— Ah…

— Regras de família — piscou — Podemos começar?

Ela assentiu, estalando os dedos nervosamente.

— Sua cor favorita?

— Vermelho.

— Estação do ano favorita?

— Outono.

— Flor favorita?

— Nenhuma.

— Alergias?

— Lírios e abóbora.

— Café da manhã favorito?

— Croissant e café preto sem açúcar.

— Almoço?

— Nada específico.

— Prato favorito?

— Lasanha a bolonhesa e macarrão.

— Fruta favorita?

— Romã.

— Sobremesa favorita?

— Pavlova.

Dawson digitou com rapidez todas suas respostas. Ela apertou as mãos com força temendo tomar uma bronca dele se fizesse algo de errado. Ele estava tão concentrado e tão sério que ela poderia jurar que o homem era um aristocrata.

— Irmãos?

— Apenas duas irmãs — ela respondeu baixinho — Athena Dhalia Angelle e Éris Daisy Angelle.

O loiro franziu a testa e a olhou como se esperasse que fosse uma brincadeira, mas Perséfone apenas encolheu os ombros e abaixou o olhar.

— Nosso pai não é bom com nomes…

— Compreendo — ele deixou o ar escapar dos pulmões e voltou a digitar — Música favorita?

— Ah… — ela pensou — Eu gosto de As Quatro Estações de Vivaldi.

— Ah, então você gosta de concertos?

— Nunca fui em um.

Novamente o homem a encarou com indignação como se não acreditasse no que ela estivesse falando. Certo, ela era filha de um dos homens mais ricos da Europa e simplesmente nunca foi a um concerto? Sim, aquilo era difícil de acreditar.

— Livro favorito?

— Não tenho.

— Marca favorita?

— Não tenho também.

Durante cerca de 2 horas eles ficaram na mesma dinâmica de fazer e responder perguntas. Ambos pareciam exaustos e queriam ir embora o mais rápido possível para um descanso. Rose já estava sentindo sua garganta doer de tanto falar e Dawson sempre massageava os próprios dedos doloridos de tanto digitar.

— Acabamos — ele se encostou na cadeira e esticou as costas — Eu juro que se ele não ler toda essa papelada e gravar cada informação sobre a sua existência, eu irei enfiar esses papéis no meio da bunda dele!

Perséfone soltou uma risadinha e se levantou.

— Já posso ir?

— Pode.

Ela assentiu e quando estava prestes a sair escutou seu nome sendo chamado.

— Sim?

— Sei que pode ser exaustivo para você viver assim no início — ele falou enquanto organizava os papéis na mesa — Mas saiba que viver essa vida foi a melhor escolha que você já poderia ter feito. Seus pais não terão mais contato com vocês e você poderá ter paz na sua vida. Hades é um cara calado e não pode estar com você no momento, mas saiba que ele irá te amar mais do que ama a mãe dele assim que conviver com você, ele irá se dedicar especialmente para você e viver por você. Então, quando pensar que tudo está sendo extremamente difícil, lembre-se da sua vida antiga e a compare com a atual. Veja se vale a pena desistir.

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Sua cama jamais pareceu tão macia e confortável quanto naquele momento. Treinar artes marciais com Priscilla Yang era sem dúvidas a maior tortura de sua vida. O que aquela mulher tinha de bonita, ela tinha de força e sempre parecia que iria quebrá-la em dois palitos. Seu corpo estava completamente destruído, estava exausta até a alma. E se deitar naquela cama macia com os lençois vermelhos extremamente confortáveis fez com que ela relaxasse completamente.

Estendendo a mão, ela apanhou o celular de cima da cômoda e atendeu a ligação que estava sendo feita.

— Alô?

— Rose? — a voz de Athena ecoou em seus ouvidos.

— Está tudo bem? — Éris perguntou.

Rose sorriu genuinamente. Ela amava suas irmãs mais novas e faria absolutamente tudo para cuidar e protegê-las.

— Estou.

— Em que enrascada você foi se enfiar, hein? — Éris sussurrou — Quando nos contaram, eu fiquei em choque.

— É cada gente doida que encontra nesse mundo — Athena comentou — Mas por que você decidiu aceitar?

Perséfone encarou o teto do quarto encarando a pintura extremamente delicada e habilidosa feita nela. O teto do quarto possuía uma imensa pintura de um jardim repleto de roseiras e com uma árvore com romãs avermelhadas, no centro do jardim estava um casal com vestes antigas. O homem ajoelhado aos pés da mulher, abraçando sua cintura e com o rosto apoiado em seu abdômen e ela rodeava sua cabeça com seus braços e acariciava seus longos cabelos com carinho. A mulher usava uma roupa longa vermelha com flores douradas, seus cabelos castanhos eram longos e voavam ao vento, seus olhos eram de um fascinante tom de azul.

— Pela paz — ela respondeu ainda atenta à pintura — Pela paz que poderemos ter.

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