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Quando voltamos para casa, encontramos tio Charlie ao telefone. Ele gritava furiosamente sobre Bella estar de castigo até o fim da sua vida e Teren e eu nos entreolhamos preocupadas quando uma veia começou a saltar na testa dele.

— O que aconteceu tio Charlie? 

Ele suspirou, passando os dedos pelos cabelos antes de se jogar na poltrona. A camisa de xadrez estava aberta exibindo a camiseta branca suja de molho de tomate e tio Charlie parecia ainda mais cansado do que na noite anterior, se é que isso é possível. Bella vinha dando um mau tempo para ele e isso era péssimo.

— Bella resolveu ir para a Itália atrás do ex-namorado. Itália! — ele repetiu incrédulo. — ela mal queria ir a Phoenix ver a mãe e de repente vai para a Itália sozinha!

Meus olhos se arregalaram e eu me sentei em choque. — A Bella o que?!

Tio Charlie me estendeu um bilhete onde a letra desleixada da minha prima dizia que teve que fazer uma viagem de emergência para a Itália junto de Alice Cullen e que ela estaria de volta em breve, o quanto antes. 

— Oh tio. — eu lamentei, sentando-me ao seu lado da poltrona, tentando dar à ele algum apoio. — logo ela estará de volta, não fique muito nervoso. Vai ficar tudo bem. 

— É verdade. — minha irmã se ajeitou do outro lado do tio Charlie, fazendo um carinho suave em suas costas. — Quando ela chegar, podemos amarrá-la ao pé da mesa e mantê-la longe do dementador.

— Dementador? — tio Charlie lançou um olhar confuso para minha irmã e eu estreitei os olhos para ela, mandando-a ficar quieta mentalmente.

— É uma coisa de um livro, tio Charlie. — eu respondo entre dentes quase beliscando Teren.

Ela deu uma risadinha. — É uma criatura que suga a felicidade de qualquer alma viva que esteja no mesmo ambiente. Me parece muito com o namorado da Bella.

— Minha nossa. — Tio Charlie finalmente sorriu, quase sem graça. — Vocês são como um sopro de vida, garotas. Bem, eu vou subir... Tomar um banho e tentar... descansar. Seja o que for.

— Sinto muito por Harry, tio Charlie. — eu disse estendendo minha mão e recolhendo-a logo em seguida quando me lembrei que não poderia oferecer um conforto físico ao meu tio. — Realmente sinto.

— Eu sei, garota. — ele sorriu balançando a cabeça. — Vai ficar tudo bem. Eu já desço.

— Sim, tio Charlie. Faremos o jantar enquanto o senhor vê o jogo. — Teren sorriu abertamente e suspirou, me lançando um novo olhar preocupado. Balancei a minha cabeça, sem resposta alguma.

Bella estava maluca, completamente. Eu achava que ela estava em algo como uma depressão, mas não exatamente uma auto depreciação. Talvez ela precisasse de uma intervenção, mas eu não sabia se deveria ser eu a fazê-lo, já que claramente, não tínhamos nenhuma intimidade.

Eu e Teren fizemos todo a refeição e arrumamos a mesa para o jantar em um silêncio confortável, quando finalmente nos sentamos, tio Charlie nos contou sobre a escola secundária de Forks, na qual começaríamos no dia seguinte. Explicou como chegar em alguns lugares e disse que provavelmente amanhã o restante das nossas coisas chegariam de Jacksonville, além de ter colocado em pauta um assunto que me fez perder completamente o apetite.

O advogado da família entrara em contato para ler o testamento dos meus pais, deixando claro que havia muitas responsabilidades para mim assim que eu atingisse minha maior idade, o que seria em sete meses. Uma dessas responsabilidades era a nossa casa em Santa Cruz. 

— Entenda, querida... — tio Charlie começou, abaixando o próprio garfo no prato — eu não estou expulsando vocês daqui, de forma nenhuma, mas é importante que você converse com o advogado dos seus pais.

— Tio Charlie, isso é demais. — eu nego com meus olhos baixos no meu prato. — É demais pra mim. Eu não quero pensar nisso agora.

Um suspiro escapou dele e então a mão de tio Charlie enroscou-se na minha. Carinho, proteção e cuidado vindos da sua mente para mim, tanto pesar por nossa família e tanta preocupação por minha irmã e eu me fizeram querer chorar descontroladamente. Memórias tão doces sobre os meus pais que fizeram meu coração se apertar dolorosamente.

— Vai ficar tudo bem, querida. — ele disse suavemente e eu senti meu nariz arder com as lágrimas, pedi licença ao meu tio e minha irmã antes de levantar da mesa e e sair pela porta dos fundos, sentando-me sobre um balanço esquecido no quintal. A grama molhada imediatamente alcançou minhas pantufas, mas eu não me importei o suficiente para decidir entrar.

De repente, Forks pareceu sufocante, quase como se eu estivesse presa. E embora eu tivesse vivido toda a minha vida com a sensação de estar presa e solitária, era muito pior em Forks onde eu estava sem meus pais. Não é como se eu fosse morrer também, mas era extremamente doloroso, como uma parte de você que sempre esteve lá e de repente não está mais. Devia ter assim para todas as pessoas, a dor da perda nunca se vai, mesmo quando as pessoas dizem que vai passar, ela sempre continua lá.

Eu nunca mais os verei. Isso é mais do que doloroso, é desesperador. Eu ainda tinha minha irmã e ela era sempre seria como um raio de sol em minha vida, mas não era o bastante pra me dar segurança, não quando eu quem deveria protegê-la.

Eu estava sozinha, por minha conta e risco. Havia forçadamente me tornado uma adulta e tinha que cuidar de Teren e criá-la da melhor forma possível. 

Um ganido animal chamou minha atenção e eu ergui os olhos, assustada enquanto passava as mangas da blusa pelos meus olhos para enxugar as lágrimas. Os fundos da casa do tio Charlie eram margeados pela floresta de Forks e as sombras do fim da tarde tornavam-na uma barreira estranha e aterrorizante. Encontrei um par de olhos grandes e brilhantes me encarando na escuridão das árvores e eu estremeci, levantando-me e inclinando-me curiosamente naquela direção.

Era como se não conseguisse desviar meus olhos daquele par de olhos brilhantes, mesmo aterrorizada, havia algo de reconfortante em encará-lo. Quando eu dei meu primeiro passo, o par de olhos castanhos sumiu, escondendo-se na floresta outra vez. Levei minha mão ao meu peito, sentindo meu coração disparado e a sensação estranha de ter zoneado me tomando. Confusão rondava a minha mente enquanto eu olhava ao redor, sem saber se estava ficando maluca ou coisa assim. 

— Ei, Ronnie. — Teren surgiu pela porta, botinhas cor-de-rosa impermeáveis em seus pés enquanto caminhava até mim. — O que está olhando?

— Havia algo na floresta. — eu olhei para Teren com preocupação e em seguida balancei minha cabeça. — Deixa pra lá, deve ser essas informações novas atrapalhando a minha mente. 

— Sim, não vá se meter na floresta. Nós sabemos o que há lá, não tente protagonizar um suspense de baixo orçamento.

Apertei meus lábios em uma linha rígida. — Eu sei, claro. Você tem toda a razão, não sei o que me deu.

Minha irmã franziu o cenho, mas assentiu enquanto cruzava os braços. Ela também usava um casaco peludo com estampa infantil e eu nunca a achei tão inocente. 

— Ronnie. — Teren passou os braços por minha cintura, apoiando-se em meu ombro. — Você sabe que não precisa se sacrificar por mim.

— O que quer dizer, Teren?

Ela suspira, se afastando e pegando minhas mãos. Nada vem para mim e sei que Teren está me bloqueando, confusa eu a encaro arqueando a sobrancelha em busca de respostas.

— Irmã, você é gentil, amorosa e você é forte. Quando eu te contei sobre meu primeiro beijo, você foi incrível e quando eu te contei sobre a morte dos nossos pais, você segurou tudo com tanta força! E então, quando eles realmente se foram você cuidou de tudo e cuidou de mim com tanto amor e paciência. Você é incrível. A irmã mais incrível do mundo.

Eu sorri achando graça da sua declaração. — É a minha função como a sua irmã. Porque você está tão sentimental?

— Porque eu vejo você deixando sua felicidade de lado por um sentido de obrigação, Ronnie. E você não tem essa obrigação, nem com os nossos pais e tampouco comigo.

— Não entendo, Teren.

Minha irmã suspirou. — Você vai entender, quando precisar escolher... Escolha a sua felicidade, Ronnie. 

— Porque parece que você é mais velha do que eu? Deixe que eu seja a adulta aqui, canal do tempo. — eu sorrio, tocando seus cabelos e Teren ri, apesar dos olhos serem sérios.  

— É porque quando você vê o futuro, qualquer passo pode mudar toda uma história. 



Na manhã seguinte, desci para cozinha e aproveitei para retirar o lixo e levar para fora. Tive uma surpresa ao dar de cara com um carro prata sofisticado na entrada da nossa garagem e chocada notei o garoto bonito e ruivo descer do carro com os olhos grudados em mim. 

Ele deu a volta, retirando Bella do banco do passeiro em seu colo, eu arregalei meus olhos chocada. Merda, tio Charlie ia pirar. 

— Olá, eu sou Edward Cullen. — ele sorriu minimamente parecendo bastante simpático, mas eu só conseguia pensar na grande merda que tio Charlie faria sair dele. Bella, no colo de Edward parecia desmaiada, como ela continuava tão branca quanto antes eu não poderia dizer se ela estava bem ou não, mas a julgar pela forma como ela se aconchegava a ele, ela até parecia satisfeita. — Eu posso..? — ele indicou o interior da casa com um aceno e eu suspirei, assentindo em silêncio enquanto ele passava por mim deixando um rastro de perfume masculino pelo caminho.

Como previsto, tio Charlie surgiu no topo da escada recitando palavras furiosas para Edward e tomando Bella de seus braços enquanto expulsava Edward com dureza. Fazendo o meu melhor para não me meter, eu peguei o saco de lixo colocando-o sobre a grande lixeira na frente da calçada enquanto via Edward Cullen me encarar ao voltar para o próprio carro.

Lembrei do que Teren disse e quase dei risada sozinha. Certo, ele era bonito e tudo o mais, mas de fato, tinha bem um jeito de dementador mesmo. 

— Eu espero que tenha valido a pena, Isabella. — Tio Charlie disse na cozinha e Bella se encolheu. — Você está de castigo até o fim da sua vida e eu não quero aquele garoto nesta casa. Além disso, se eu souber que vocês duas estão acobertando algo, as duas também estarão de castigo. — Charlie apontou para mim e Teren com os dedos, parecendo realmente muito, muito bravo. 

— Você não pode fazer isso, pai, eu já tenho dezoito anos! — Bella rugiu furiosa e logo em seguida jogou sua jaqueta sobre a mesa quando Charlie repetiu a ordem antes de sair da cozinha com passos furiosos.

— Eu não quero ser intrometida, nem nada. — comentou minha irmã olhando para o próprio café na xícara cor-de-rosa e suspirou. — Mas isso foi cruel, Bella.

— Teren, não. — eu a interrompo. — Não é da nossa conta.

— Bem, é quando estamos aqui cuidando do pai dela por ela.

— Não diga como se o tio Charlie fosse um fardo. — eu chamo sua atenção e Teren bufa. Bella a encara com desgosto evidente e eu suspiro. — Mas Teren está certa, você não estava aqui, Bella. Não viu como ele ficou quando você se foi sem uma explicação decente.

— Logo após o enterro do melhor amigo dele.

O olhar de Bella se tornou culpado quando ela suspirou, nos encarando chateada. — Vocês não entendem, eu precisava salvá-lo.

— Tudo bem, Bella. — eu toco sua mão por cima da mesa e tento ser suave quando parece que ela está prestes a explodir. — Teren está falando demais, porque não é da nossa conta. Certo, Teren? 

— Bem, sim. 

Minha irmã enrugou o nariz contrariada e eu sorri, satisfeita. — Pode nos dar uma carona, Bella?

— Oh! É claro, se importam de ir com Edward? 

— Tudo bem por nós. — eu respondo antes que Bella seja mau educada com Teren. — Bella, eu só gostaria que mantivesse segredo sobre Teren e eu. Isso é muito importante.

Os olhos de Bella se arregalaram imediatamente e eu temi que ela já tivesse dado com a língua nos dentes, mas antes do que eu esperava Bella assentiu, concordando. 

— Aconteceu tanta coisa que eu mal me lembrava disso. — ela comentou com as bochechas coradas e eu sorri acenando com a cabeça. — Bem, vamos esperar por Edward, ele deve chegar em breve.

— Vou buscar minha bolsa. — aviso pulando da cadeira e subindo os degraus rapidamente. Minhas botas fazem um som que se chocam no assoalho de madeira e eu me pergunto se não deveria trocá-las por um par de tênis. 

— E ai, como é a Itália? — perguntou Teren no andar debaixo e posso sentir a crítica escorrendo da sua voz, imagino Bella se encolhendo, tímida sobre o olhar intimidador da minha irmã mais nova. — Bonita como parece?

— Não começa, Teren. — chamo sua atenção do começo das escadas e ela suspira, me lançando um olhar contrariado. Aliviada, Bella dá uma corridinha até a porta e eu puxo minha irmã rebelde de quinze anos para o canto. — Não é legal oprimir a Bella.

— Eu não...

— É claro que estava. E não é assim que somos, somos educadas, doces e compreensivas. Não faça disso algo maior que é, ela é responsável pela vida dela e nós pelas nossas. Cuidamos uma das outras e não nos atacamos agressivamente.

As bochechas de Teren coram e ela suspira, lançando um olhar chateada em direção à Bella, que agora abre a porta para seu namorado, Edward Cullen bonito e mortal. 

— Mas não deveríamos nos importar com um relacionamento claramente abusivo e desproporcional? 

É minha vez de suspirar. — Devemos, mas ser uma irmandade não tem nada haver com sobrepujar a vontade de outras mulheres. Tem haver com aconselhar e apoiar e é isso que devemos fazer por Bella. 

Teren bufa. — Eu odeio como você é a porra de uma garota sensata. — ela abaixa os ombros e eu sorrio, tocando seu cabelo. — Você sabe que é um cordeiro em pele de lobo, não sabe? — ela aponta para minha roupa e eu gargalho.

Eu estou usando um sobretudo preto, botas e jeans. Algo que Teren considera sombrio e assustador. Pra mim é só confortável, andar sem ser notada, esbarrada ou tocada. Eu gosto de ser só mais última na multidão, armazenando minhas memórias.



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