Frenesi IV

     Meus pais ainda conversavam lá fora, em nenhum momento indo ao quarto para checar o estado de sua filha aparentemente perturbada. Me levantei calmamente para encostar meus ouvidos na porta e escutar a conversa deles; discutiam sobre o que deveriam fazer comigo: chamar um especialista, me deixar sozinha, apenas irem falar comigo, ou qualquer outra opção que estivesse disponível. Ouvia os passos de meu pai andando para lá e pra cá enquanto discutia, ficando cada vez mais rápidos quando estava mais feroz em seus argumentos. Ele nunca fazia isso, mas talvez eu nunca tenha o visto realmente tão nervoso. Ele era bastante carinhoso e cuidadoso, junto de minha mãe, e eles provavelmente iriam me consolar por minha dor ao invés de ficarem discutindo sobre ela. Tive arrepios na ideia de aquelas serem outras pessoas, não as que eu conhecia.

     Minha mãe insistia que deveriam apenas me deixar sozinha no meu quarto, e que tudo deveria ter sido um pequeno surto de estresse por causa de todo o trabalho que eu fazia nas plantações, citando histórias de familiares de pessoas que conhecia que enlouqueceram, o trajeto para a total paranoia sempre demorando anos. Então, seguindo essa lógica, seria impossível eu ter ficado definitivamente insana de um dia para o outro. Segundo ela, meu corpo deveria estar tão dolorido por causa do trabalho manual que minha mente havia se entregado a delírios. Ah.. quer dizer que... eu trabalho aqui? Se eu ficar... terei que trabalhar todo dia exaustivamente embaixo do Sol escaldante? Fiquei extremamente preocupada.

     Levando meu foco a conversa outro vez, percebi que meu pai já falava que deveriam me levar para um manicômio, dizendo que o desenvolvimento da minha loucura não importava, apenas importando o fato de que eu estava histérica de algum jeito; às vezes até fazia insinuações de que tudo poderia ter sido uma brincadeira minha; que, subitamente, eu teria desenvolvido um senso de humor, e não sabendo usa-lo corretamente, fiz algo exagerado. Minha mãe, percebendo as implicações,bradou indignada perguntado para meu pai em ironia se ele não ouviu os choros altos vindos de meu quarto.

     Depois de bastante discussão e provocações pessoais, a conversa pareceu lentamente mudar de rumo; de discutirem sobre meu estado mental, começaram a discutir um sobre o outro, como raramente via eles fazendo antigamente. As palavras eram tão rudes e ofensivas que quase chorei. Mesmo sabendo que aqueles poderiam não ser realmente meus pais, isso ainda assim me machucava bastante. Quando o vai-e-vem de palavras chegou a um extremo ápice, quase achei que haveria algum tipo de violência física, já me preparando para abrir a porta e interromper,porém, com um ponto final dado por meu pai, emitiu um grito anunciando que dormiria na casa de um amigo, em seguida batendo batendo a porta. Alguns segundos depois do estrondo, pude ouvir os soluços baixos de minha mãe. Eu estava tão paralisada que não sabia o que fazer. Talvez eu tenha feito a coisa errada, mas eu não a consolei, apenas chorei ainda mais deitada na cama, dessa vez olhando para o teto.

     A luz que vinha da janela era forte e invasiva, penetrando cada fissura escura do quarto enchendo o ar de minúsculas partículas de poeira que meus olhos admiravam enquanto mil pensamentos passavam por minha cabeça. Eu apenas encarava o teto e pensava em toda a minha vida, se algum dia fiz algo para merecer isso. Me pus a chorar e depois e olhar para cima apaticamente, repetindo esse círculo vicioso por horas e horas, cada vez a luz do Sol ficando sutilmente mais alaranjada pelo melancólico entardecer. Minha mente foi quebrada e remontada várias vezes; uma inocente criança sendo forçada a sofrer e amadurecer quando deveria estar brincando e aproveitando a juventude. Por mais que nenhum choque definitivo tivesse ocorrido, aquilo foi mais que traumático, rasgando cortes em meu cérebro que até agora são cicatrizes profundas que se recusam a ser preenchidas, não importa o que tente cura-las.

     Resolvi que iria apenas esperar aquilo parar, pois não havia mais nada a se fazer. Apenas esperei que, no próximo dia, quando eu acordasse, tudo voltaria ao normal, mas não posso lhe dizer se realmente acreditava naquilo ou se eu estava apenas forçando um otimismo falso.

     Não ouvi mais nada dos outros cômodos além de silenciosos fechares de porta. Papai havia realmente ido bora por aquela noite, que já começava a se insinuar com as primeiras estrelas do fim-do-dia aparecendo no céu em chamas do pôr-do-sol. Nenhuma vez tive a vontade de levantar de minha cama e fazer qualquer coisa ou ver o céu diretamente, mas já sabia que elas estavam lá, sinalizando as primeiras faíscas de uma total escuridão. Eu não estava com tanto medo da noite, já que parecia uma coisa infantil, e eu já estava preocupada demais com outros pensamentos.

     Depois de cair em lágrimas mais algumas vezes, o brilho noturno da noite se aposentou calmamente no quarto, o pondo a descansar. Tentei dormir, esperando que a minha teoria funcionasse. Minha barriga doía de fome e minha boca estava seca. Eu não parava de virar de um lado para o outro de tanta agitação, toda vez sendo encontrada pelo mesmo teto de sempre, que me prendia em uma negra angústia. Várias pesadelos, um mais horrendo que o outro, me perseguiam incessantemente, mesmo eu não me lembrando de nenhum deles atualmente.

     Dormia por minutos e depois acordava. Todos esses minutos pareciam horas, mas, pela luz que entrava no quarto, pude saber que não era tanto tempo, o que fez aquela noite ainda mais longa. Depois de várias tentativas, tive o que eu poderia dizer ser um sono calmo, ainda que meu descanso não fosse viver por muito tempo.

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