Epitáfio I
"Aqui estou eu; esse é o total ápice da desgraça de meu ser, e agora não há como aliviar essa dor que cada dia me sufoca mais e mais. No entanto, para entender melhor minha história, é bom começar há tempos atrás, quando a vida ainda me tinha valor. Hei de tentar narrar tudo de um jeito que você possa sentir melhor a minha situação.
Em um pequeno vilarejo rural ao norte do país de Cardo, eu, Amapolia Mancini, vivia junto de minha mãe, meu pai, e minha irmã mais velha, Florentina Mancini. Eu tinha uma ótima vida: amigas, brincadeiras no campo, uma maravilhosa família e as ocasionais traquinagens infantis. Sempre me conheceram como uma garota animada e divertida.
Em uma tarde sem aulas, eu fazia uma caminhada normal pelos campos. Há um certo campo que, eu lhe garanto certeza, todos falariam que era o mais lindo do vilarejo, e também talvez o mais lindo do mundo. Um pouco depois da casa da Sra. Elea, se estendia uma maravilhosa área florida que parecia ter saído direto de um sonho da criança mais imaginativa ou da pintura do artista mais talentoso. Botões de ouro, ou ranúnculos, se espalhavam até onde a visão não mais alcançava, como um mar de ouro com cheiro doce. A única planta jacente no campo que não era um botão de ouro era uma árvore saudável e bonita que apoleirava suas raízes robustas entre as flores amarelas e a terra da estrada. Aquele era o meu lugar preferido do rústico vilarejo.
Pois, então, continuando: eu havia de estar entre meus 8 ou 9 anos (não me lembro exatamente) quando visitei aquele lugar pela última vez por vontade própria, naquela normal e agradável manhãzinha de domingo, dando pulinhos pelo caminho e carregando um lanche feito por minha mãe.
Enquanto chegava perto da parte da estrada onde se encontrava a árvore, eu admirava a paisagem de outro mundo diante de mim com os pequenos olhos brilhantes. Quando pequena, eu era dotada de uma imaginação bastante fértil, e aquele divino lugar deveria ser a coisa que mais plantava sementes em minha cabeça no mundo. Depois de ouvir todas aquelas histórias de meus parentes mais velhos sobre contos encantados, rondavam em minha mente todos os tipos de fadinhas e outras criaturas (que eu morreria para encontrar) se escondendo lá. Sempre as imaginava com olhos dourados, asas delicadas como de gafanhotos e roupinhas feitas pelas próprias mãozinhas pequenas. Já havia tido sonhos com aquele campo várias vezes, pensando que a razão seria porque ele me fazia pensar bastante. Um dia até achei que se o céu não fosse aquilo, não queria ir até ele; tipos de coisas que sempre passavam pela minha mente, mais por serem bonitas de se falar do que por fazerem sentido ou por serem mesmo o que eu pensava.
Ah, eu estou me desviando do rumo de meu relato outra vez. Parece que isso sempre acontece, ainda que seja algo que eu não possa controlar. Tudo que faço hoje em dia além de me lamentar é escrever sobre aqueles tempos em que a felicidade podia ser vista nas próprias íris dos meus olhos. Se tornou um vício involuntário ver outra vez a reflexão daquele olhar nas letras que eu escrevo, mas eu também tenho que enfrentar aquele acontecimento nas mesmas palavras.
Me lembro daquele dia como se fosse ontem. Entre o mar de ouro escondendo mil tesouros, avistei um pequeno ponto preto, ficando totalmente arrepiada. Nunca havia visto aquilo antes. Uma curiosidade de outro mundo instantaneamente cresceu em meu coração aventureiro. Precisava saber o que era aquilo. Eu não tinha mínima ideia.
Colocando a ponta de um pé no campo, hesitei. Apenas os garotos salientes entravam nele pois era considerado bastante irresponsável brincar lá e esmagar todas aquelas flores lindas. Eu também concordava com isso, mas a curiosidade era maior do que qualquer valor moral naquele momento (o que queria até hoje que não fosse.)
Com passos calmos e lentos, andei pelos botões de ouro, tomando o cuidado para obstruir o menor número deles que pudesse. Eu estava sempre olhando para trás, para os dois lados da estrada, observando se alguém apareceria para me dar uma bronca.
Chegando mais perto do objeto negro que já estava teorizando ser algum brinquedo ou coisa parecida que uma criança deveria ter deixado ali, acabei vendo que, na verdade, era uma flor. Eu ainda estava um pouco longe, não podendo ver exatamente como era o formato dela no momento, apenas sabendo que era uma.
Olhando para trás, na direção da estrada, imediatamente me joguei no chão. Do lado contrário de onde eu estava vindo, minha irmã caminhava calmamente. Me lembrei que ela havia ido visitar uma amiga, então agora deveria estar voltando da visita.
Florentina era uma garota admirável; cabelos loiros e brilhantes, olhos azul fraco e um jeito que poderia ser amigável ou tímido, dependendo da situação. Me sentia extremamente orgulhosa e sortuda de ter uma irmã como ela, que sempre me ajudava quando podia, mesmo nós tendo nossas brigas: coisas normais de irmãos. Ela é bastante diferente de nossa família em jeito e aparência. Sempre especulei que seria por causa de algo que mamãe não estava disposta a me contar.
De qualquer jeito, eu simplesmente me joguei no chão, ficando completamente coberta pelas flores e já estando deveras longe da estrada.
Enquanto sentia o solo rígido debaixo de mim, não pude fazer meu coração parar de palpitar vendo Florentina andar distraidamente pela estrada com as mãos para trás, chegando perto da árvore.
Meu sangue gelou quando vi seu olhar virar para minha direção. Claro, nunca tive certeza se ela estava olhando exatamente para mim ou para a minha direção do campo em geral, porém não pude controlar, de qualquer jeito, meu espanto. Ela provavelmente não me notou, já que com a mesma velocidade que virava os olhos para os outros lados, virou o olhar. Soltei um suspiro de alívio.
Esperei alguns minutos até que ela estivesse fora de vista. Rapidamente, me levantei num pulo e continuei na direção da planta. Meus passos eram leves como uma pena enquanto me aproximava sorrateiramente.
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