Parte 1

Tiffany dobrou-se enquanto respirava, tentando recuperar o fôlego. Não havia sido nada fácil escalar a árvore que ficava em frente à sua janela. Na verdade, havia sido um sacrifício e tanto. O vestido enroscara nos galhos e ela chegou mesmo a ralar a perna. Mas agora estava tudo bem. Quer dizer, não tão bem assim. Na verdade, estava tudo péssimo.

Logo que acordara naquela manhã e se dera conta de que era o seu casamento, de que sua rotina mudaria completamente, Tiffany começara a se sentir em pânico. Parecia extremamente assustador passar o resto dos dias ao lado da mesma pessoa. Além do mais, estaria ela realmente pronta para tudo que envolvia uma vida a dois?

Se essa pergunta tivesse sido feita há apenas dois dias — não — há apenas um dia, ela teria respondido que sim sem hesitar. Mas naquela manhã, tudo aquilo parecia demais para ser digerido.

Ela olhou mais uma vez para a janela do quarto e se perguntou se não deveria ao menos ter escrito um bilhete. Ted Mosby teria dito que sim. Ele a aconselharia a deixar um bilhete. Mas Tiffany não se daria ao trabalho de subir depois de toda a dificuldade para descer. Um torpedo teria que bastar.

Tiffany olhou para os lados, certificando-se de que ninguém a vira. O casamento seria realizado no jardim da frente e ela soube que poderia sair sem que ninguém notasse. A cerimônia só ocorreria daqui a seis horas, então pelo menos por algum tempo ela sabia que ninguém sentiria sua falta. Estariam todos concentrados na organização.

Sem perder mais tempo, Tiffany caminhou até a estrada e chamou por um taxi. Não sabia bem para onde iria, mas tudo que importava era estar longe dali.

Logo um carro parou. Ela abriu a porta e sentou-se no branco de trás, tentando controlar a respiração. Céus, o que estava fazendo?

— Para onde devo levá-la, senhorita? — perguntou o homem, fitando-a pelo retrovisor com um largo sorriso.

Tiffany ponderou.

— Me leve para a estação.

O homem fez uma expressão estranha, mas ela ignorou aquele olhar. Ir para a estação era genial. Ninguém a procuraria por lá. Bom, não Ricardo que detestava usar o transporte público. Ele sempre dizia que as pessoas eram extremamente mal-educadas e um monte de outras coisas as quais faziam Tiffany querer lhe dar um belo de um soco no nariz.

— Esse deve ser o dia mais feliz da sua vida — disse o motorista, fazendo Tiffany desviar seu olhar do fluxo de carros da pista contraria para ele.

— Claro – respondeu um tanto nervosa.

— Há quanto tempo você e seu noivo se conhecem?

Sinceramente, Tiffany não estava nem um pouco a fim de falar sobre aquilo. Aliás, tudo que ela queria era não pensar sobre o seu casamento. Mas não havia sido inteligente o suficiente para trocar de roupa antes de executar aquele plano improvisado e o taxista estava apenas sendo educado. Somente por esse motivo, ela se sentiu compelida a continuar a conversa.

— Há quatro meses.

No momento em que Ricardo lhe pediu em casamento, os quatro meses não lhe pareceram tão pouco como pareciam agora quando ditos em voz alta. Além do mais, ele sempre havia sido o homem dos sonhos. Era bonito, com seu olhar firme e amendoado, o queixo proeminente, os músculos fortes. Sempre a levava para jantar e lhe comprava rosas vermelhas, embora ela não apreciasse flores.

— Hoje em dia é muito difícil achar a pessoa certa — falou o taxista com uma solenidade que fez Tiffany franzir o cenho. — Muitos casamentos estão acabando, pessoas se divorciando. Casar é realmente um passo sério. Mas você com certeza deve saber o que está fazendo — ele piscou.

De repente, Tiffany sentiu seu estômago se revirar e percebeu que estava muito enjoada. Torceu para que a estação não estivesse muito longe ou ela vomitaria toda a torrada com geleia que havia ingerido pela manhã ali mesmo.

— Entregue — disse o homem ao chegarem.

Tiffany desceu do carro e tirou as notas que estavam guardadas em seu sutiã, entregando-as ao taxista.

— Boa sorte — desejou ele.

Ela não se deu trabalho de responder. Aquela conversa havia sido estranha demais, para um dia que já não estava sendo tão normal e, em vez de tranquilizá-la, ele a fizera se sentir ainda mais agitada.

Deixando para trás os pensamentos, Tiffany ergueu a barra do vestido e caminhou até a bilheteria. Foi inevitável os olhares que recebeu dos passantes. Ela era o centro das atenções e novamente se amaldiçoou por não ter trocado de roupa antes.

Já lá dentro, Tifanny desceu as escadas rolantes e caminhou até um banco vago. Sentou-se e tirou para fora o celular que guardara entre os seios. Pelo menos, não o havia deixado em casa. Começou a digitar.

"Querido Ricardo, hoje de manhã, enquanto experimentava novamente o meu vestido de noiva, tive uma crise de pânico. Acho que não posso me casar com você. Não agora. Não nesse momento. Sinto muito por ser covarde e não ter tido coragem de te dizer isso pessoalmente. Eu te garanto que não foi de propósito. Espero que um dia possa me perdoar ☺."

Tiffany mordeu o lábio. Talvez a carinha não fosse uma boa ideia, embora ela achasse que aquilo não fosse fazer diferença. A mensagem partiria o coração de Ricardo do mesmo modo. Posicionou o dedo em enviar, mas sem realmente tocar na tela. Ela deveria mesmo acabar com tudo? Ainda tinha tempo para reconsiderar. Ricardo era um bom homem. Um homem perfeito. Seus pais o amavam e ela sabia que não seria fácil encontrar outro alguém como ele.

O som do trem chegando soou, mas não a despertou de seus devaneios. Continuou medindo a situação. Decidiu. Seria racional. Não podia simplesmente sumir assim. Aquilo era completamente insano e maldoso de sua parte. Todavia, antes que tivesse tempo de fechar o aparelho, ela ouviu uma voz conhecida e, no sobressalto, tocou com a mão na tela. Quando deu por si, a mensagem já havia sido enviada.

— Tiffany, é você?

Ela ergueu os olhos e não soube se morria pela mensagem que já não podia mais cancelar ou se surtava por vê-lo ali.

Sem saber ao certo como se sentir, Tiffany permaneceu parada, olhando para o homem de cabelos castanhos e olhos azuis que a fitava com um misto de surpresa e alegria.

— Ei, sou eu, lembra de mim? O carinha incrível que você conheceu na festa da faculdade e te conquistou com seu charme sedutor — disse ele sorrindo e lançou uma piscadela.

Tiffany se lembrava perfeitamente do dia em que conhecera Marcus.

Detestava festas, mas havia decidido daquela vez aceitar o convite de sua colega de quarto, Sara. Havia feito com que ela prometesse não deixá-la sozinha, esquecendo-se do seu lema de que promessas e regras haviam sido feitas para serem quebradas.

Em meio ao barulho da música e ao burburinho das conversas e risadas, Tiffany se enfiou entre o amontoado de jovens e saiu à procura de Sara. Então, avistando as escadas que levavam aos andares superiores, Tiffany decidiu subir. Talvez a colega estivesse em um dos quartos. Ela não era ingênua de achar que nada acontecia (e esse era um dos motivos de não gostar de festas), mas tinha a esperança de que talvez pudesse encontrar Sara pelo corredor.

A maioria dos quartos estava fechado e Tiffany teve receio de bater nas portas e interromper alguma coisa. Estava começando a ficar sinceramente irritada e cogitou a ideia de ir embora sem avisar. Sara com certeza merecia aquilo.

Estava prestes a girar os calcanhares e fazer exatamente o que estava pensando, quando, ao fim do corredor, notou uma luz brilhante e, como se atraída por ela, seguiu até lá. A porta encontrava-se entreaberta e Tiffany tentou espiar secretamente, mas o garoto do outro lado pareceu sentir seu olhar e se voltou para ela.

Foi uma sensação estranha. Não que ela tivesse se interessado por ele. O garoto era realmente bonito com seus cabelos castanhos, os olhos grandes e curiosos, mas o que lhe chamara a atenção era a forma como ele parecia feliz com aquele sorriso travesso, como se ali sozinho tivesse descoberto um mundo mais divertido do que o daqueles garotos que só queriam beber e curtir.

— Gosta de How I Met Your Mother? — ele a inquiriu.

— Eu amo! — ela respondeu cheia de uma empolgação um tanto exagerada, mas totalmente compreensível para alguém que não tinha com quem compartilhar seus gostos. — É minha série predileta!

— Isso é muito legal. Meus colegas não curtem, porque dizem que é uma cópia de Friends. Mas sabe de uma coisa? A série tem suas particularidades e, de qualquer maneira, se uma formula é boa, por que não repeti-la de um modo novo.

Embora aquela frase não parecesse fazer muito sentido se levada ao pé da letra, Tiffany compreendeu o que ele quis dizer e não só compreendeu como também concordou.

— Quer ficar aqui e assistir também? — ele sugeriu e, com a cabeça, indicou um lugar vago ao seu lado, no chão. — Está passando a maratona dos episódios da primeira temporada.

Qualquer outra garota teria tido receio de ficar sozinha em um quarto com um desconhecido. Mas, por algum motivo, Tiffany sabia que aquele garoto não representava nenhuma ameaça. Havia alguma coisa nele que fazia com que Tiffany sentisse que poderia confiar sua vida a ele. No fundo do seu coração, ela soube no momento em que sentou ao lado dele — não — no momento em que seus olhos se encontraram que ambos seriam grandes amigos.

Marcus tinha viajado para Londres e já fazia um ano que ela não o via — três meses que não tinham entrado mais em contato. E, no entanto, agora ele estava ali à sua frente. Qual a probabilidade de algo desse tipo acontecer?

— O que houve? — ele inquiriu.

Marcus parecia bem preocupado. E como não estaria, pensou Tiffany. Uma mulher solitária numa estação de trem, vestida de noiva e com uma cara péssima, suscitaria esse sentimento.

— Eu fugi do meu casamento, Marcus — ela vomitou de uma vez como se fosse um líquido que estivesse preso em sua garganta, sufocando-a.

Marcus arregalou os olhos.

— Ual! Temos aqui uma noiva em fuga!

Tiffany ignorou a tentativa falha de Marcus de fazê-la sorrir e exclamou, sentindo como se estivesse andando por uma corda bamba onde o desiquilíbrio culminaria numa grande queda.

— Marcus, eu não sei o que fazer! Acabei de enviar uma mensagem a ele dizendo que eu não podia me casar, mas acho que estou arrependida.

De repente, algo estourou em Tifanny como uma barragem que cede com a força da água.

— Ei, não fique assim, Faninha — ele disse e, sentando ao lado dela, puxou seus ombros ternamente, num abraço gentil.

Marcus era o único que a chamava de Faninha. Para todos os outros ela era Tiffy ou Fany, mas ele havia dito que precisava criar um apelido especial, algo que só ele pudesse usar. E só quando o ouviu de novo é que ela se deu conta de como sentira falta de ser chamada assim.

— Vamos tomar um café e você pode me dizer o que está acontecendo. Está bem? — sugeriu, enquanto enxugava as lágrimas dela.

Mais calma, ela assentiu e só então se deu conta de que ele estava carregando duas grandes malas.

— Ah, minha nossa, você acabou de chegar! Por que não me contou que viria hoje? — Tiffany fungou.

Ela não pôde reprimir a pontada de mágoa que sentiu. Era possível que depois do episódio que haviam vivenciado no passado eles nunca mais fossem ser os mesmos?

— Eu não pretendo ficar muito tempo, Tiffany, vou me mudar de vez para Londres. Vim apenas porque tenho assuntos pendentes para resolver. Mas é melhor nós conversarmos em outro lugar.

Tiffany estava confusa demais para dizer qualquer coisa e apenas concordou.

Ele a levou para uma cafeteria perto da estação.

O lugar era aconchegante, com mesas espalhadas pelo centro e uma iluminação mais escurecida. O cheiro de café que pairava no ar fez com que as recordações de quando ela e Marcus estudavam no mesmo campus viessem à sua mente. Havia sido um tempo bom, embora na época com a pressão das notas e da família tudo parecesse complicado.

Marcus a conduziu a uma mesa no canto, perto da janela onde a vista da metrópole se fazia visível com seus prédios altos e elegantes e carros passando nas duas direções.

— Vou pegar um frappuccino e um croissant. Vai querer alguma coisa?

Sua barriga reclamou monstruosamente e só então Tiffany se dera conta de que estava morrendo de fome. Ela fez um gesto afirmativo e pediu a ele que lhe trouxesse um cupcake de pão de mel e um chá de hortelã.

— Meu Deus, Tiffany, quem é que vem numa supercafeteria e toma apenas um chá de hortelã — Marcus protestou. — Eu me recuso a pedir um chá!

— Está bem, Marcus — Tiffany rolou os olhos. — Me traga um cappuccino com chantilly.

— Agora sim!

Marcus fez o pedido no caixa e, pouco tempo depois, voltou trazendo uma plaquinha numerada. Sentou-se de frente para a amiga e não pôde deixar de avaliá-la.

— Me diga, o que houve para você fugir?

— Eu não sei — respondeu Tiffany. — Simplesmente entrei em pânico e agora estou desolada por ter enviado aquela mensagem.

— Eu não entendo — disse ele, franzindo as sobrancelhas de modo pensativo. — Talvez você precise fazer uma lista com as qualidades e defeitos dele, assim talvez você se lembre dos motivos que a levaram a não querer se casar... ou não. Vamos anotar isso. Vou pedir papel e caneta à garçonete.

Marcus fez menção de se levantar, mas uma moça já vinha trazendo seus pedidos em uma bandeja. Ele pediu a ela que lhe emprestasse papel e caneta e, assim que os itens foram concedidos, Marcus arrastou a cadeira para ficar ao lado de Tiffany.

— Vamos começar então.

Ela o fitou um tanto cética. Ele realmente achava que fazer uma lista iria resolver seus problemas?

— Não me olhe desse jeito — Marcus conhecia bem aquele olhar de incredulidade. — Sabe que meus planos sempre dão certo.

— Sempre? — Tiffany ergueu a sobrancelha.

— Ok. Nem sempre. Mas na maioria das vezes.

— Você não se acha nem um pouco, não é mesmo? — ela sorriu.

— Que insulto! — Marcus levou a mão ao coração como se realmente tivesse se sentido ofendido por seu tom de sarcasmo. — Mas não estamos aqui para falar de mim. Que horas você enviou a mensagem para ele?

— Assim que você chegou.

— E ele não tentou te ligar?

— Não. Talvez ele esteja muito deprimido para isso.

— Ou talvez ele não tenha lido a mensagem.

— Não acho que seja possível — ela ponderou. — Ricardo está sempre com o celular ligado, pois recebe muitas ligações do trabalho.

— Hum... Viciado em trabalho...

— Ei! — ela protestou. — Não vale anotar isso. — Tiffany tentou tomar-lhe a caneta, mas Marcus a ergueu para o alto fazendo com que o objeto ficasse fora de seu alcance.

— Ok, eu tiro, mas só se você me responder uma coisa. Ele atende ligações de trabalho quando vocês saem para jantar? Quando estão sozinhos?

Marcus a encarou daquela maneira profunda que despia sua alma e ela soube que não adiantaria mentir para ele. Marcus a conhecia melhor do que ela mesma.

— Sim — ela admitiu a contragosto e mordeu o lábio. — Mas eu entendo, de verdade. Isso realmente não me incomoda — garantiu-lhe.

— Eu nunca deixaria meu celular ligado se estivesse com a minha garota. Minha atenção seria apenas para ela — ele falou fixando seus olhos nos dela.

Tiffany engoliu em seco e ignorou a sensação em seu estômago.

— Bem — ela continuou, tentando puxar mais alguma coisa na mente, embora agora parecesse incrivelmente difícil pensar em alguma qualidade realmente significativa. — Ele sempre me traz um buque de rosas. Isso é muito romântico.

— Seria se você gostasse de flores — disse Marcus e escreveu na folha.

— Sempre que faço algo diferente no cabelo ele nota. A maioria dos homens não percebe essas coisas. Acho que essa vale muitos pontos.

Marcus concordou sem tirar os olhos do papel.

— Meus pais sentem grande apreço por ele.

Marcus sorriu de forma irônica.

— Não acho que isso conte muito como uma qualidade. Seus pais me odeiam e eu sou um amor.

— Meus pais não te odeiam — ela rebateu, mas não teve coragem de encará-lo, pois sabia que era verdade. Seus pais morreriam se fosse com ele que ela estivesse se casando. E por que ela estava pensando naquilo agora?

— Odeiam sim. Mas isso não vem ao caso. Diga mais alguma coisa — Marcus pousou a caneta sobre a mesa, bebericou o frappuccino e deu uma mordida generosa em seu croissant, enquanto esperava.

— Deixe-me ver aqui — ela apertou os olhos e comprimiu os lábios. — Ele... ele... Eu não consigo pensar sob pressão! — Tiffany cobriu o rosto com as mãos, soltando um suspiro exausto. — O universo poderia me dar uma forcinha.

— Tiffany, se existe uma coisa que aprendi com Ted Mosby, foi que às vezes não precisamos esperar que o universo nos diga o que fazer. Bem lá no fundo, nós sabemos. Talvez você esteja com receio de se casar com Ricardo por ter medo de perder a sua identidade. Talvez você tenha medo de não amá-lo. Mas não é possível que no fundo você não saiba.

Tiffany pensou sobre as palavras de Marcus. Ele estava certo. Quer dizer, é claro que ela devia saber. Por que mais alguém fugiria do seu próprio casamento?

— Tiffany — Marcus chamou-a, aproximando-se com um brilho intenso nos olhos.

Ela estremeceu e o perfume dele fez com que ela revivesse aquele dia. O dia em que nada mais entre eles seria o mesmo dali para frente.

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