Capítulo 1

Ola! Um bom final de semana para todos, primeiro capítulo na mão. bjos

Capítulo 1 – Mudanças

Melissa

Meses antes

Olho para a tela na parede, as cores e formas do grafite tem um conceito urbano repleto de cores, da cidade de São Paulo. Meio contraditório admito, principalmente considerando que as cores reais da cidade estão mais para o cinza. Tento me imaginar como uma cliente que vem a agência pela primeira vez e me deparo com esse quadro. Será que me sentiria acolhida? Com certeza. Adoro as cores, principalmente o modo como o vermelho e o amarelo se cruzam formando uma tonalidade laranjada parecendo o nascer do sol, uma percepção que fica ainda mais em destaque quando a luz fraca do final da tarde invade a sala. É isso, com certeza ficou perfeito.

— Vaz quase cinco minutos que você está encarando essa tela – me viro para Bianca, ela estava cronometrando meu tempo? Era só o que me faltava. Tenho certeza que franzi meu cenho, fazendo uma carreta. – E antes disso, ficou meia hora mudando essa coisa de um lugar para o outro. – Ela estava com uma caixa, provavelmente com materiais de escritório, solto um suspiro.

— "Essa coisa" é uma obra de arte, o cara de quem eu comprei é um artista de rua incrível e se você parasse por um segundo para observa-la notaria que fez toda diferença na dinâmica da sala. Então, não seja uma chata.

— Ok! – Exclama, largando a caixa no chão e vindo até o meu lado, ficando diante da tela. – Estou observando e não vejo onde está essa mudança gritante de que está falando, pra mim parece uma caricatura de uma metrópole. – Diz ficando de frente para mim. – Não vejo porque foram necessários trinta minutos para encontrar um lugar para esses borrões, mas quem sou eu para apontar algo tão sofisticado. – Seu sorrisinho de lado deixa claro sua ironia sarcástica, mal desfaçada.

— Você não tem uma única veia sensível, no seu corpo. – Bianca, dá de ombros e volta para suas caixas.

— Espero que esse seja o lugar perfeito que estava procurando, porque, preciso de você aqui dentro, ainda falta desempacotar um monte de coisas. – Fala dando as costas para mim indo em direção à porta que separava a recepção do escritório.

Bia é o tipo de pessoa prática e objetiva, que detesta firulas e complicações. Seu lema é "praticidade e lucratividade sempre", o que torna nossa parceria perfeita, já que sou mais do tipo que avalia as possibilidades e que valoriza a criatividade. Simplificando somos completamente diferentes, não apenas na personalidade, sou morena, baixa, de olhos castanhos escuros e cabelos lisos ondulados, Bia, tinha um cabelo ruivo natural incrível, olhos azuis, sardas e era consideravelmente mais alta do que eu.

A única coisa que tínhamos semelhante na aparência era o cumprimento do cabelo, alguns centímetros abaixo dos ombros, já na personalidade, éramos ambas determinadas, corajosas, tagarelas e sempre falávamos o que pensávamos. Fizemos faculdade juntas em Itajaí, mas apesar de ela ter se mudado com a família para o estado do Rio de Janeiro anos atrás, todos eles são naturais de Alagoas. Mas Bia não ficou muito tem por lá, logo mudou-se para Belo Horizonte onde morou quatro anos e a pouco mais de dois anos está em São Paulo.

Quase sete anos que terminamos a faculdade e que ela se mudou, mas nunca deixamos de nos comunicar. Fiquei animada quando ela disse que fez um curso na área de publicidade e propaganda, que estava pensando em abrir algo pequeno para ela, então começamos a fazer planos e a amadurecer a ideia de abrir nossa própria agência de eventos, publicidade e propaganda. E um belo dia tomei coragem de largar tudo em Itajaí para vir morar em São Paulo com o único objetivo de colocar nosso sonho em prática. Decisão que tomei a meses atrás e uma mudança que fiz a cinco meses, hoje percebo que talvez tenha perdido tempo com minha indecisão

A&S Eventos e Propagandas, fica em um prédio comercial pequeno e um pouco antigo, mas muito charmoso, próximo do centro histórico, uma ótima localização que demoramos mais de um mês para conseguir, valeu muito apena cada segundo de espera. Dou uma última olhada na recepção, ficou perfeita. Entro no escritório em busca da Bia. Ela foi incrível, enquanto estava em Itajaí organizando minha mudança definitiva para São Paulo, ela estava aqui correndo atrás de um apartamento para mim e também de uma casa para nossa agência.

Encontro-a organizando o armário que vamos usar como arquivo, vou até ela. O escritório basicamente é uma sala imensa, com três banheiros, que dividimos em cinco ambientes formados por uma recepção, um escritório que divido com Bia, uma sala de reuniões para clientes, um salão principal onde ficarão os outros funcionários e um vestiário pequeno ao lado que uma copa menor ainda, as divisões foram feitas com paredes de vidro, menos os banheiros, vestiário e copa que já estavam lá quando compramos e decidimos manter durante a reforma.

— Esqueci de te falar – Bia ergue a cabeça me encarando. – Ontem coloquei o anuncio das vagas no jornal, logo isso tudo aqui vai estar pronto e precisamos do restante da equipe. – Bia sente em uma das cadeiras próxima ao armário.

— Acho ótimo, já ia perguntar quando íamos contratar o restante da equipe. Ia até te falar que conheço uma pessoa que trabalha em uma agência de empregos, talvez até disponibilizar as vagas lá também, sabe?

— Isso seria ótimo, no anuncio não coloquei nosso endereço, apenas o e-mail e telefone para contato, meu celular e o seu. – Puxo uma cadeira de uma das mesas e me sento de frente para Bia. – Acho que agora de início vamos precisar apenas de uma secretaria, um marketing para ficar com os contratos publicitários e uma pessoa da tecnologia, para tomar conta da área de TI e também fazer os designers, essas foram as vagas que disponibilizei.

— Estava pensando em uma assistente também, alguém que esteja cursando administração, marketing ou sei lá algo relacionado ao que fazemos, para nos dá um suporte. O que acha?

— Tem razão, mesmo tendo o contador para cuidar do financeiro, vamos precisar de alguém que dê um suporte para nós duas. – Nossa, estávamos nessa correria a meses, nos preocupamos com tudo e acabamos deixando as contratações por último, ainda tinham muitas coisas a serem feitas. – Não vejo a hora disso tudo está funcionando de verdade. – Bia assente.

— Eu também.

— Me passa o número dessa sua amiga da agência e envio a descrição das vagas, enviei elas para seu e-mail também, depois você dá uma olhada.

— Olho sim, te mando o número dela e o da agência por mensagem. Agora é melhor terminarmos aqui, marquei de encontrar o Samuca para almoçar. Você vem também? – Pergunto retomando a organização das caixas dos arquivos.

— Vou sim, depois tenho de pegar as duas impressoras que encomendamos, se for esperar pela empresa para o envio, elas chegam só depois que inaugurarmos. – Ainda tinha bastante coisa para organizar, pelo menos os móveis estavam em seus lugares. Começo a desempacotar o material para o escritório.

— Vai precisar de ajuda?

— Não, eu dou conta. – Concorda retomando sua tarefa e faço o mesmo.

Quando saímos para encontrar o Samuca já passa do meio dia. Samuel é sobrinho da Bia, filho da irmã mais velha dela que morreu a uns três anos, como os pais da Bia não tinham idade para cuidar de um adolescente e como o pai dele caiu fora assim que souber que ia ter um filho, Bia pegou a responsabilidade para si. Desde então tem sido apenas os dois, já que os pais da Bia voltaram a morar em Alagoas.

— E aí, já conseguiu ver a cara do vizinho anos 80? – Bia estava se referindo ao cara do apartamento encostado ao meu, o sinal ficar vermelho e freio.

— Ainda não, o que é bem estranho, me mudei a cinco meses e ainda não esbarrei com o cara. Mas ele continua com a play liste dos anos 80, pelo menos as músicas são boas mesmo sendo do tempo do meu pai. – O sinal volta a ficar verde e sigo.

— Pelo menos, ele tem bom gosto. Já pensou se fosse axé dos anos 80, ou funk, pior ainda sertanejo. – Não me aguento e caio na gargalhada, parecia que ela estava lendo a minha mente. – O que foi? Qual a graça?

— Você não vai acreditar no que ele tocou na sexta à noite? – Sinto seu olhar sobre mim, provavelmente analisando as opções.

— Você tá de sacanagem com migo? Por favor, me diz que ele não colocou É o tchan?

— Na verdade, ele colocou Leandro e Leonardo – respondo sem conseguir conter a risada.

— Nãoooo, puta merda, esse cara perdeu todo o respeito que eu tinha por ele, fala sério, não tinha nada menos cafona, porra.

— Até que a música era bem bonita.

— Só se for para curar a dor de corno de alguém, amiga, porque, vou te falar, não tem nada mais cafona do que sertanejo dos anos 80. – Ela verifica o celular, que tinha acabado de chegar uma nova mensagem. – O Samuca, já está esperando, deveríamos ter ido a pé.

— Não deveríamos não, assim que terminar de almoçar, tenho que ir buscar as impressoras e levar para o escritório, não posso fazer isso a pé. – Bia dá de ombros.

— Tem certeza que ele não é ela? – Fico sem compreender a pergunta. – O vizinho, Mel, tem certeza que não é mulher? – Considerando as mulheres que vi sando daquele apartamento.

— Olha, considerando o desfile que presenciei, nas últimas semanas, tenho certeza.

— Ela poderia ser lésbica?

— Se ela fosse lésbica e solteira, ainda assim eu não esbarraria com uma garota diferente quase todos os dias.

— Verdade! Contra fatos não á argumentos.

— Chegamos. – Vejo um flanelinha acenando a uns metros, dou a volta e conduzo até ele, que me indica uma vaga e estaciono.

Assim que saímos do carro, vemos Samuca na causada acenando. O garoto tinha apenas quinze anos, mais era muito mais alto do que nós duas, Bia vivia implicando com ele perguntando o nome dos esteroides que estava tomando.

— Demoraram, faz uns vinte minutos que cheguei. Querem organizar aquele escritório enorme sozinhas em uma manhã? – Samuel fala assim que estamos juntos, caminhando em direção ao restaurante.

— A Bia queria, mas aparentemente ela ainda não tem superpoderes.

— Engraçado, você fala de mim, mas é do mesmo jeito, também não te vi parar nos últimos dias quando começamos a organizar tudo, que horas mesmo saiu de lá noite passada. – Ela tinha razão estava tão ansiosa quanto ela para ver o escritório pronto e funcionando a todo vapor.

— Vocês duas são patéticas, só pensam em trabalho, deviam procurar namorados para ver se conseguem relaxar um pouco. – Samuca, fala rindo.

— Cuidado com a língua moleque – Bia falar dando um tapão na nuca dele.

— Ei, qual é? Só falei a verdade, doeu Bia. – Fala esfregando a nuca.

— Bem feito. – Falo zombando.

Entramos no restaurante, pegamos uma mesa de canto perto da janela, Samuca ainda esfregava o local onde levou a tapa.

— Deixa de ser bebê chorão, nem dei com tanta força assim.

— Quem sentiu fui eu, então quem sabe o nível da dor sou eu. – diz pegando o cardápio, Bia me encara revirando os olhos. – E só para deixar claro, seu comportamento prova apenas que tenho razão. – Ele estava querendo levar outro tapa. Antes que Bia ou eu pudéssemos responder, ele se esconde atrás do cardápio. Provavelmente muito satisfeito, por ter ficado com a última palavra.

O almoço como sempre foi divertido, com aqueles dois não teria como ser diferente. Aproveitamos também para acertar as duas próximas reuniões com novos clientes, que por enquanto estavam sendo em restaurantes ou na própria empresa deles, enquanto nosso escritório não ficava pronto. Provisoriamente estávamos trabalhando em casa, não podíamos perder tempo. Terminamos de comer, descansamos um pouco e depois seguimos nossos caminhos, Bia e Samuca de volta para o escritório aonde passariam a tarde e quanto a mim fui acerta um contrato com um fornecedor e depois pegar as impressoras, tarde movimentada para nós duas.

*********

Quando volto para o escritório já passava das quatro da tarde, peço ajuda ao Samuca e ao seu Augusto zelador do prédio, para subir com as impressoras, as duas eram maiores do que me lembrava. Percebo que no escritório está quase tudo pronto.

— Quase finalizado, dá pra acreditar? – Bia, pergunta em êxtase me abraçando de lado.

— Fomos nós duas Bia, que fizemos tudo isso. Finalmente está se tornando realidade, agora falta bem pouco. – Ela me aperta mais e me solta concordando quase dando pulinhos, mas é a Bia, e ela não dá pulinhos.

— Tenho que admitir, que isso tudo está muito foda – Samuca solta espontaneamente, e nós olhamos para ele.

— Olha a boca Samuel.

— Foi mal Bia, saiu sem eu perceber, mas você fala pior.

— Eu sou adulta, e só xingo assim quando estou muito puta, então melhor segurar sua língua. – Se fosse daminha conta diria que o ponto de vista da Bia, era bem hipócrita, mas o melhor era ficar calada.

— Isso não faz sentido nem um, mas como boa parte do que você fala não tem muito sentido, melhor concordar com a sua dissimulação. Então vou começar a guardar minhas coisas, para podermos ir para casa. – Samuca, sai sem esperar Bia responder, ele fazia muito isso, falar o que pensa e depois saia de fininho.

— Dá pra acreditar nesse moleque? Inacreditável? Onde essa molecada aprende essas coisas?

— Ele é um ótimo garoto Bia, você não tem do que reclamar.

— Sei disso, longe de mim reclamar. Com certeza ele é muito melhor do que eu era quando tinha a idade dele, pelo menos nos estudos o garoto é brilhante e se for justa também não deixa nada a desejar no comportamento. Só a língua que precisa melhorar. – Fala o observando organizar o material da escola na mochila.

— Ele sente falta da mãe né?

— Muita, não fala muito sobre, mas sei que ainda é difícil para ele. Mas é vida que segue, então, como foi lá no tal fornecedor? – Típico dela mudar de assunto, quando o assunto pendia para o passado, seu lema era sempre olhar para frente.

— Foi ótimo – respondo sentando em uma cadeira ao meu lado, Bia faz o mesmo, ficamos de frente uma para a outra. – Fechei com ele um ótimo contrato de exclusividade, sempre que tivermos um evento onde seja necessário buffet vamos contrata-lo, em contrapartida eles sempre iram indicar a agência quando algum dos seus clientes precisarem de algum dos serviços que prestamos.

— Você é fantástica, e nem precisou usar um look de empreendedora chic.

— Pois é, uma calça jeans, camiseta, blazer e botas sem salta foram mais do que suficiente – Rimos uma para outra. Era uma piada interna, quando começamos a correr atrás para que a A&S Evento e Publicidade acontecesse, muitas pessoas duvidaram do nosso projeto e ideias, dizendo que não tínhamos uma postura profissional adequada, em outras palavras, que não éramos competentes e que nos vestimos informalmente demais. Como se essas coisas medissem a capacidade profissional ou competência de alguém, prova disso é que estávamos a poucos degraus de realizar nosso sonho.

— Acho que por hoje deu, amanhã temos que começar seleção para as entrevistas e estou esgotada. – Selecionar bons profissionais e que de quebra fossem boas pessoas também, seria o mais complicado.

— Também estou, e a fome começou a dar as caras.

— Vocês bem que poderiam me fazer companhia hoje, preparo alguma coisa rápida para gente ou podemos compra comida japonesa no caminho.

— Anda muito carente. – Diz zombando.

— Não diria isso se tivesse crescido em uma família como a minha, enorme e que adora se envolver na vida uns dos outros. – Às vezes se envolviam até demais, ao ponto de achar que podem fazer escolhas pelos outros.

— Já organizei minhas coisas, podemos ir. – Samuel, diz já com a mochila pendurada no ombro.

— Vamos sim, vou só pegar minha bolsa e desligar o ar-condicionado. – Bia, fala ficando de pé.

— O que acha de comida japonesa, lá em casa?

— Por mim tudo bem.

— Ótimo, então vamos já desliguei tudo.

Vamos no meu carro, antes de irmos para meu apartamento, passamos pelo restaurante japonês, onde costumamos pedir comida para viagem. Até gosto de cozinhar, mas hoje estou sem ânimo para esquentar a barriga no fogão. Pegamos nossos pedidos e voltamos para o trânsito maluco de São Paulo.

Moro em Bom Retiro, um bairro que fica próximo ao Centro Histórico, não muito distante do escritório, o prédio residencial onde fica meu apartamento é antigo, assim como alguns imóveis daquela áreas, foi completamente reformado, meu irmão iria adorar a arquitetura dele. Da minha casa até a agência demoro quase uma hora indo a pé, aproveito para correr até lá o que não foi possível hoje por causa da quantidade de compromissos que tive, quando estou compressa vou de metrô.

— Você deveria comprar uma bike Mel, não enfrentaria o trânsito, colaboraria para o meio ambiente e ainda chegaria bem mais cedo no trabalho. – Samuel comenta chamando minha atenção.

— Mas eu corro – respondo olhando para ele pelo espelho retrovisor. – Não fui hoje, porque, precisei do carro o dia todo, acho melhor andar de metrô do que de carro, mas infelizmente hoje a necessidade falou mais alto.

— Esse trânsito caótico que não ajuda. – Bia, diz impaciente. – E nem é tão tarde assim, acho que não são nem sete hora e já estou morta de fome. – Não estava com fome até agora, quando fui lembrada da fome e isso me tornou consciente do cheiro delicioso da comida.

— Velho, esse negócio de fome pega, também estou morrendo aqui. – Adolescentes são tão dramáticos.

— Talvez seja porque a última vez que colocamos alguma coisa no estômago foi no almoço, gênio. – Bia responde olhando pelo retrovisor.

— Pode ser isso também. – O garoto concorda dando de ombros. Eles me faziam sentir saudades do meu irmão, tenho que ligar para ele, da última vez ele deixou bem claro que eu teria que ligar se quisesse falar com ele, já que ando esquecendo muito de fazer isso ultimamente.

— Estamos chegando – informo dando graças a Deus, a fome realmente apertou.

Aciono o controle para o portão da garagem abrir. Estaciono na minha vaga, percebo um carro vermelho na vaga do vizinho anos 80, achei que o carro dele fosse preto, talvez ele tenha mudado. Nós três descemos, pegamos nosso jantar, Samuca pega sua mochila, Bia sua bolsa e pastas com coisas do trabalho, faço o mesmo com minhas coisas e seguimos para o elevador.

Meu andar era o 15º, apartamento 1050. Essa era a primeira vez que tinha um espaço só meu, desde que saí da casa dos meus pais, dividi apartamento. No início, porque não gostava de ficar sozinha e por causa das despesas, depois acabei gostando, mas aqui em São Paulo foi diferente e descobri que adoro morar sozinha.

Entramos, vou acendendo as luzes enquanto Bia e Samuel vão para a cozinha preparar tudo. O clima estava um pouco abafado, meio húmido esteve assim nos últimos dias o que significa que logo vai começar a chover e a temperatura vai diminuir. Vou até às janelas, abro metade. Adoro aquelas janelas de vidro enormes elas foram um dos motivo que me fizeram comprar o apartamento, na verdade a sala como um todo, ela é ampla e tem dois ambientes o maior onde fica a enorme janela e um menos dividido apenas por duas colunas que dá acesso a uma pequena varando, onde fiz um jardim vertical. Inclino minha cabeça para fora e respiro o ar noturno, nada puro de São Paulo, mas que aprendi a gostar.

— Não vai se jogar de barriga vazia né? – Bia comenta, me viro e a encontro terminando que levar as coisas para a mesa de centro que ganhei da minha prima Lay, ela é toda de madeira de lei, meu estômago reclama.

— Para você herdar minha parte na agência e ficar com tudo – digo fazendo careta, já perto do sofá onde ela se esparrama. – Nem pensar. – Me sento no chão, dobro minhas pernas como em meditação, amo comida japonesa hum. Pego meu hashi, Bia escorrega para o chão ficando na minha frente.

— SAMUCA... – Bia berra. – ANDA LOGO! – Olho pra ela e estreito os olhos é uma reação automática, fico puta quando gritam perto demais de mim. – O quê? – pergunta dando de ombros.

— Precisava gritar?

— Sim, porque, adolescentes só escutam na base do grito. No dia que morar com um vai entender do que estou falando. – Me dava arrepio só de pensar, Bia pegou para si a responsabilidade de criar o Samuel, foi uma decisão que ela tomou sem hesitar nem por um momento. Tem que ter muita coragem fazer uma escolha como essa, e sinceramente não sou nada maternal.

— Foi mal, estava apertado – Samuca se esparrama do outro lado da mesa, finalmente nos servimos.

Era sempre muito bom ficar com eles, nos tornamos uma pequena família funcional dentro da nossa disfuncionalidade, se é que posso dizer assim. Samuca, começa a falar do seu dia na escola e é inevitável não pensar na minha sobrinha May, nossa que saudade, o aniversário de quatro anos do Rômulo está próximo, não posso faltar de modo algum. Depois que terminamos de jantar limpamos a pouca louça que sujamos, organizamos a mesa de centro e jogamos as embalagens de comida.

— Amanhã, vamos selecionar os currículos e marcar logo as entrevistas, precisamos do restante da equipe. – Bia comenta entrando na cozinha, quando estou guarda os copos de saquê.

— Também acho, o quanto antes resolvermos isso melhor. O técnico das maquinas vai amanhã, instalar o sistema e as impressoras, com certeza vai demorar um pouco, então podemos aproveitar para fazer essa triagem. – Ela concorda.

— Sente falta deles? Da sua família grande e intrometida? – Pergunta mudando completamente de assunto, acho até engraçado esse jeito meio abrupto dela. Encosto no balcão e penso um segundo sobre sua pergunta.

— Às vezes sim, sinto muita saudade do meu irmão e das minhas primas, mesmo mantendo contado com elas por mensagem todos os dias e ligando sempre que dá, nunca é a mesma coisa. – Amo muito todas elas, ainda faltavam alguns meses até o aniversário do Rômulo, quando mataria a saudade que sinto de todas elas. – Sinto muita falta dos meus sobrinhos também, do meu pai, mas não me arrependo de ter me mudado.

— Já falou com ela? – Mesmo não mencionando o nome, sei perfeitamente a quem está se referindo.

— Dona Marta não é o tipo de pessoa que dá para você dialogar pessoalmente quando descordar do ponto de vista dela, agora imagina por telefone? – Minha mãe como sempre quis impor sua vontade sobre mim, minhas escolhas e sobre como descordava da minha mudança para São Paulo, nós duas discutimos feio e não nos falamos desde então. – Talvez na festa do Rômulo, arisque falar com ela, ainda estou estudando essa possibilidade. Quem sabe, meu pai conseguiu fazê-la esfriar a cabeça esses últimos meses. – Dou de ombro, não era responsável pelo retrocesso dos seus pensamentos e ideias.

— Os pais as vezes fazem muita merda, mas eles erram tentando acertar. Não que eu seja uma especialista, longe disso, mas sei lá.

— Concordo com você, só que não sou uma criança. E minha mãe tem dois defeitos enormes, não aprende com os erros que comete e não sabe amar sem ser evasiva e desrespeitosa, ela fez isso com o meu irmão e com a Nanda. E quase destruiu a vida deles, duas vezes. Nunca permitiria que ela fizesse isso comigo.

— Não posso dizer que te entendo, meus pais sempre criaram a mim e a Paula para o mundo, nos deram bons valores e deixaram o resto com a gente.

— Vocês foram privilegiadas. Parte superior do formulário

— Fomos mesmo, e essa privilegiada aqui precisa ir para casa que amanhã o dia vai ser cheio. – Como sempre pula de um assunto para o outro na velocidade de um raio. Bia sai da cozinha, vou logo atrás. Samuca, está jogado no sofá com o celular na mão e sem piscar. – Ei folgado, já que está com o celular chama um Uber, estamos indo.

— Legal, estou morto de cansado. – Diz já levantando e pegando suas coisas que estavam espalhadas pela sala, Bia faz o mesmo.

— Nos encontramos umas oito, então? – Pergunto abrindo a porta para eles.

— Sim, não tenho nada para resolver antes de ir.

— Nem eu, vou tentar preparar uma pré-seleção de alguns dos currículos, assim podemos ter uma ideia mais geral do que queremos.

— Sério que vão ficar falando de trabalho aqui fora?

— Você tá ficando um belo de um reclamão, não seja chato que... – Antes que a Bia pudesse terminar, a porta do 1051 onde o vizinho anos 80 morava se abri e a cena que presenciamos é no mínimo constrangedora e engraçada. – Mas que porra é essa! – Bia diz baixinho.

Um homem lindo de uns trinta anos ou talvez menos difícil dizer, estava com a boca grudada na de uma loira platinada alta, ambos devoravam a boca um do outro acho até que vi a língua que alguém. O cara tinha traços orientas, pelo menos era o que parecia já que a cabeça da loira platinada tampava quase toda a visão, eles com certeza não perceberam que tinham plateia, ou perceberam e não deram a mínima. O homem estava sem camisa, tinha um tanquinho de respeito e uma tatuagem no ombro que vinha das costas, mas não dava pra ver muito bem. Percebo que Bia e Samuca também estão abismados presenciando o espetáculo. Impossível não perceber a mão do cara saindo da bunda e indo para um dos seios da mulher.

Quando finalmente os dois se separam, o vizinho que definitivamente tinha descendência oriental, se dá conta de que não estão sozinhos no corredor, ele pareceu até ter ficado um pouco constrangido o que não posso dizer o mesmo da sua acompanhante, que nesse momento estava pendurado em seu pescoço.

— Boa noite! – Ele nos cumprimenta, acenando meio sem jeito. Acho que lindo é pouco para definir esse homem, talvez lindo e gostoso seja uma definição mais apropriada.

— Boa noite! – Respondemos os três em um uníssono. Bia dá um tapão na nuca de Samuca quando percebe que o moleque não tira os olhos dos peitões da loira, o decote da mulher ia até o umbigo, com toda certeza aquilo era silicone, a talzinha ainda tem o desplante de sorrir e dá uma piscadinha para o garoto, além de vulgar é pedófila. Samuca, cora e desvia o olhar, ele era apenas um menino, fala sério.

— Finalmente nos conhecemos – o vizinho delícia diz se aproximando um pouco mais ainda com o acessório platinado pendurado nele. Até que a coelhinha era bonita, de um jeito bem superficial. – Me chamo, Zeca. – Fala estendendo a mão na direção da Bia, que levanta a sobrancelha e sei que vai soltar uma das suas respostas premiadas.

— Olha amigo, sua vizinha é ela – responde apontando na minha direção, para minha total surpresa, sem deboche, apenas com um tom neutro. – Não moro aqui. – Minha amiga tinha uma grande qualidade, que dependendo da situação poderia ser um defeito também, ela não conseguia ser dissimulada, Bia era uma das pessoas mais verdadeira que conheço, e pelo modo como ela estava encarando a loira definitivamente ela não foi com a cara dela e a recíproca era verdadeira.

— Desculpa, achei que fosse você. – Seu jeito meio sem graça até que era fofo.

Estendo a minha mão para me apresentar, antes que minha amiga decida dar uma resposta atravessada.

— Sou a Mel, prazer. – Ele dá um sorriso meio torto que é um charme, apertamos as mãos. – Já estava começando a achar que morava ao lado de um fantasma excêntrico ou um senhorzinho da melhor idade, por causa da playlist dos anos 80. – Tento ser o mais simpática possível, e o acessório platinado continua pendurado, fala sério, ela estava achando que a Bia ou eu iríamos atacar o cara.

— Nossa, foi mal, espero não ter incomodado muito, às vezes me empolgo com a música. Sobre ser fantasma, trabalho a noite, durmo a maior parte do dia e... – Bia rasga uma gargalhada sem nem um esforço para disfarçar. Olhamos todos em sua direção, até o Samuca que apenas estava de espectador fica encarando-a.

— Desculpa, foi mais forte do que eu – Percebo que Zeca ergue uma das sobrancelhas sem deixar de encarar minha amiga. Trocamos olhares e sei o que ela está pensando, que dormir era a última coisa que o vizinho anos 80/Zeca anda fazendo durante o dia.

— Essa é minha amiga e sócia Bia e esse é o sobrinho dela Samuel. – Interrompo apresento os dois, que acenam de leve com a cabeça.

— Prazer em conhece-los, com certeza vamos nos esbarrar mais, vou dar uma...

— Gato, tenho que ir, vai me levar até a garagem. – A loira peituda fala com uma voz manhosa, forçando uma sensualidade meio patética.

— Querida, você precisa de um mapa para encontrar o seu carro?

— Bia! – Chamo sua atenção. Encaro o casal na minha frente, Zeca parecia estar surpreso com a resposta atravessada, mas estava contendo o sorriso isso era um fato, já a loira tinha apenas a sobrancelha franzida.

— O quê!? Fiz apenas uma pergunta. – Fala fingindo inocência.

— O que você disse? – Ótimo, agora eu tinha um problema se a garota for namorada do vizinho, vou esbarra com ela e vão soltar faíscas.

— Precisa que eu... – Bia tenta responder, mas é interrompida.

— Vamos Martina, te levo até o estacionamento – Zeca interfere, envolvendo a cintura da tal Martina a puxando. Até aquele momento não tinha reparado que ele não estava retribuindo a proximidade dela. – Foi um prazer conhecer vocês, nos vemos por aí. – Eles saem, Zeca, rebocando a loira.

— Você pirou Bia, nem conhece a moça e ficou provocando. – Samuca reclama parecendo bem envergonhado.

— Moça, aquilo é uma piranha, isso sim, e ela estava com aquele ar de superior me encarando. O que queria que eu fizesse?

— Que fosse civilizada?

— Sim, civilizada como você? Engolindo aqueles peitos falsos com os olhos, você foi bastante civilizado, pirralho. – Samuca fica de boca aberta, aparentando indignação. – Melhor ainda, civilizado como o bonitão dos anos 80, se esfregando em público com aquele projeto defeituoso da Barbi. E aquele vestido, parecia uma segunda pele, sem mencionar o decote, não que seja da minha conta. Os homens são todos iguais. – Fala me encarando.

— Não olha pra mim, ele tem razão, podia ter pegado mais leve. – Digo sem colocar panos quentes. – Já pensou se ela é namorada do Zeca, e cruzo com ela pelo difícil. – Bia dá de ombros.

— Não vai estar perdendo muita coisa se ela virar a cara quando se encontrarem. Se bem que acho difícil disso acontecer, acho até que ela nem entendeu minha ironia, deve ter a inteligência de uma porta. – Não aguento e caio na risada, Bia era maravilhosa, até o Samuca ri junto.

— Por isso te amo. – Digo quando controlo a risada.

— Vamos ver se ainda vai me amar amanhã, quando acertarmos as finanças no final do dia. – Faço uma careta, definitivamente gastos eram meu ponto fraco, não sou nada fã dessa parte, tento economizar tudo sem perder a qualidade o que é bem difícil, mas faz parte do trabalho e sempre fazemos isso juntas. Bia dá uma risadinha de lado. – Vamos Samu, nos vemos amanhã. – Ela me dá um abraço, Samuca faz o mesmo e os dois seguem em direção ao elevador. Ainda ouço quando ele fala como é fã do meu novo vizinho, que pega a maior gata, Bia dá outro tapão na nuca dele quando estão entrando no elevador. Amo demais esses dois.

Agora tudo o que mais quero é um banho e cama. 

Espero que tenham gostado, semana que vem, o capítulo 2. Se gostaram, não esqueçam das estrelinhas. Bjs.

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